A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 15
There´s a Hole in My Soul...




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There´s a Hole in My Soul...

A Corporação Cápsula inteira vibrava com os últimos sucessos musicais do momento. Na mesa, comida e bebida rolavam soltas, bem como conversas vazias e os mexericos mais recentes sobre quem dormia com quem ou o vestido cafona da mulher do fulano. Kuririn quase deslocou o queixo num bocejo, depois serviu-se de mais um copo de suco. Estava ao menos procurando se manter sóbrio, já que seus dois companheiros nunca tinham esse cuidado.

—Cuidado pra não ter uma dor de barriga—disse, bem-humorado, para Oolong, que passava por ele com uma bandeja repleta de pelo menos seis tipos de salgados e três fatias de bolo—Já basta a urticária que você teve._e deu uma risada.

Mestre Kame havia roubado, faz tempo, uma poção de sua irmã que fazia qualquer pessoa ficar louca de desejo pelo primeiro que via. Naturalmente, ele tentara fazer Bulma tomar, só que ela fora embora irritada com o assédio dele e quem bebeu foi -horror dos horrores-Oolong. Mas pelo jeito a Vovó Uranai havia trocado as poções, porque, em vez de pular em cima dos amigos, o que Oolong fez foi se coçar freneticamente. Ficou tão alucinado que chegou a arrancar as roupas e se esfregar na areia, depois correu pra dentro de casa atrás do ralador de queijo. Só depois de uma hora, e à custa de muito talco e pomada, a irritação passou. Ainda por cima, Mestre Kame quis guardar o restinho da poção caso Bulma voltasse - para vê-la rolar pelada na areia.

O porquinho soltou fumaça pelos ouvidos:

—Não tem graça! Tive que passar talco no corpo todo, ainda está me comichando. E agora que fui arrastado pra essa festa, vou ao menos aproveitar!

—"Arrastado"... Você bem que ficou bravo com o Mestre Kame porque ele espantou a Bulma da ilha antes que ela convidasse a gente.

Fora Oolong quem lembrara (depois de se recuperar) que era aniversário da Bulma e que fora provavelmente por isso que ela viera visitá-los.

"E graças à taradice desse velho, não seremos mais convidados!"

"Que eu me lembre, você jamais gostou das festas de aniversário dela," retrucara Roshi "Deveria estar agradecido."

Discutiram, discutiram, depois resolveram ir à Corp. Cápsula para esclarecer aquela dúvida. Não seria nada agradável ter Bulma zangada com eles, no caso de Oolong estar certo. Mas o aborrecimento de ver que havia mesmo uma festa rapidamente deu lugar à supresa de descobrirem que a aniversariante não estava:

—Vocês não foram para a missão com a Bulminha?—perguntou a sra. Briefs, depois das calorosas boas-vindas.

—Missão?— repetiu o velho Kame.

—A pobrezinha não pode ficar pro aniversariozinho dela porque precisava urgentemente salvar o mundo de novo... parece que ela e o Gokuzinho tinham que derrotar um cientista louco ou coisa parecida. Por isso pediu que eu desse a festa assim mesmo. Desculpe não ter convidado vocês, mas pensei que estivessem com ela.

—Ah, sim... é verdade. A senhora está falando do Doutor Gero — Kuririn olhou rápido para os companheiros e fez um gesto discreto para que ficassem quietos —Não, nós não fomos necessários.

Aquela mentirosa safada... havia inventado uma desculpa pra fugir da festa, só não contava que os amigos resolvessem aparecer sem ela convidar. Dava vontade de rir, se não fosse tão patético. Kuririn teve muita pena dos pais de Bulma, que certamente não mereciam saber a verdade. Por outro lado, também se sentia um pouco mal por causa da amiga, lembrando a sua própria relutância e a dos seus companheiros em vir.

Geralmente, as festas de Bulma eram divertidíssimas. Ela tinha muita imaginação e sempre inventava coisas novas para animar os amigos, sem falar que os banquetes, churrascos e sobremesas eram sempre da melhor qualidade. Já nos aniversários dela... ao menos a comida ainda era boa. Kuririn lançou um olhar para as bandeirolas e enfeites em tons pastéis que estavam por toda a parte e balançou a cabeça, apiedado. Parecia o aniversário de uma menina de doze anos, não admirava que ela quisesse fugir... de vergonha. Pior eram os convidados. O pequeno monge desviou-se de um grupo cacarejante de senhoras (parecidíssimas com a senhora Briefs, e TODAS usando permanente, como num fã-clube do seriado I Love Lucy) e por pouco não esbarrou num casal chiquérrimo; mesmo assim, não escapou dos olhares reprovadores e de um cochicho sobre por que a segurança não estava barrando a entrada daquela "gentinha". Será que Bulma conhecia metade das pessoas que estavam ali, naquela noite? Ele entendia que os pais dela quisessem convidar os próprios amigos; que o Dr. Briefs convidasse seus sócios por achar importante que a filha convivesse com eles ou por questões de negócios; mas então por que não faziam as suas próprias festas? E, principalmente:por que Bulma, sempre tão autoritária, cedia aos pais quando se tratava do próprio aniversário? Por mais que pensasse, Kuririn não achava resposta, e acabou desistindo. Impossível compreender os Briefs.

—Que coisa original, não acha?—disse uma voz perto dele—Uma festa de aniversário sem a aniversariante.

Duas mulheres conversavam sentadas a uma mesa perto dele, obviamente já um pouco "alegres" por causa da bebida. Uma era morena, de cabelos ondulados; a outra, que falava, tinha cabelo curto e era ruiva:

—Pena que os amigos dela não tenham esquecido de vir também. Que gente mais brega!

Cerrando os dentes, Kuririn escondeu-se atrás de um dos arranjos de flores perto da mesa.

—Pois eu gostaria que a senhorita Bulma não viesse a mais nenhuma das festas da Corporação... nem viesse mais trabalhar! — desabafou a morena.

—Ah, Sae, aí você está querendo demais.

—Não estou, não. Ela não é uma cientista maluca? Qualquer dia desses uma experiência dá errado e ela fica invisível, ou então fica tããão pequenininha que ninguém acha mais—Sae juntou o indicador e o polegar, enfatizando, depois fez voz de falsete —"Senhorita Briefs? Sae, você viu a senhorita Briefs?" "Não, senhor, faz tempo que ela não aparece." _mexeu com o pé para fora da mesa, como se estivesse esmagando alguma coisa —"Oops, acho que a encontrei, senhor".

As duas deram risadinhas ásperas que pareciam chocalhar de cascavéis.

—Noossa... você não gosta mesmo da senhorita Briefs!

—E você, gosta?

Depois de alguns rodeios e mais um copo de uísque a ruiva deixou o constrangimento de lado:

—Tem dó, quem pode gostar DAQUILO?— as duas riram de novo—Falando sério, agora: todo mundo faz o que pode pra agradá-la, mas é porque têm medo, até mesmo os pais. Por que acha que eles decoraram a festa desse jeito?—olhou com desprezo para as bandeirolas penduradas acima delas—Não acredito que os pobres velhinhos tenham tanto mau gosto!

—Pra mim, a "Buduma" deve ter sido adotada— ironizou a implacável Sae —No mínimo jogaram ela fora e o velhote a adotou como se fosse um daqueles gatinhos que ele pega na rua. Coitado!—e as duas riram de novo.

Kuririn afastou-se, revoltado. Olhou pelo relógio pela enésima vez, quando sentiu a mão de alguém no seu ombro. Ele quase deu um pulo. Era o Mestre Kame, e já "bem "tocado":

—(hic) Está uma festa maravi... mara... maraviliosa. (hic) Não entendo por ... porque a B-Bu... Bulma fugi...

—Acho que o senhor já bebeu demais, Mestre—o pupilo cortou delicadamente, tirando-lhe o copo da mão —Por que não se distrai com outra coisa? Aquelas garotas ali, por exemplo... —indicou Sae e a amiga dela _elas estão loucas por companhia.

Ao ouvir falar em mulher, Kame imediatamente se "acendeu". Kuririn quase podia ver os olhos dele despindo as duas por trás dos óculos escuros.

—Aquela morena de saia curta, por exemplo...—sussurrou ao ouvido do mestre _Ouvi ela comentar que adora homens mais velhos!

—É mesmo?— Mestre Kame abriu-se num largo sorriso desdentado.

—É, sim... ela disse que esses garotos de hoje em dia não sabem de nada e somente um homem avançado em anos tem experiência. Mas ela tem vergonha de assumir em público porque as outras pessoas iriam estranhar uma moça bonita como ela com um senhor de idade.

A bebedeira deixava o velho mais ingênuo que Goku:

—Qui bobagem! É claro que ela tem razão. Homens mais v-velhos como eu têm muito mais experiência e charme que qualquer garotinho cheio de mu... cheio de músculos! Vou dizer pra ela pra não ter vê-gonha...

Kurririn sorriu satisfeito. As duas nojentas iam custar pra se livrar do velho "brega", e não sem levarem antes umas boas "afofadas". Valia a pena, mesmo se isso os fizesse demorar um pouco mais.

—Kuririiiiiiiin! Ah você está aí!—trinou uma voz desagradável perto do ouvido dele. O rapaz deu um pulo, se virou e quase bateu no corpo acolchoado de uma vasta matrona.

"Oh não..."

—O...Olá, senhora Picle—deu um sorriso sem graça, ao reconhecer uma das melhores amigas da senhora Briefs.

—Você não está indo embora tão cedo, está?

—Claro que não. Eu ainda estou esperando o meu mestre—ouviu o barulho de uma bofetada e um grito abafado.

—Ótimo! Então venha nos fazer companhia!—enquanto falava, foi praticamente arrastando o rapaz para o mesmo grupo de velhas cacarejantes que ele havia evitado há pouco, que o receberam com guinchos de entusiasmo. Kuririn sentiu-se como se fosse um bebezinho fofo e que elas fossem apertar suas bochechas:

—Estamos ansiosas pra ouvir algumas histórias sobre vocês, lutadores de artes marciais!—esganiçou-se uma, cheia de rolinhos no cabelo—Diga-me, Kuririnzinho, você é careca assim mesmo ou raspou a cabeça pra não atrapalhar nas lutas?

Quando ele abriu a boca pra responder, foi bombardeado por uma saraivada de outras questões. Os tiros vinham de todos os lados, era difícil até definir quem perguntava o quê, pois mal uma perguntava terminava já se seguia outra:

—Acho difícil acreditar que você seja um lutador, pequeninho assim. Não tem medo de se machucar?

—Seus amigos são todos assim musculosos, como aquele namorado bonitão da Bulma?

—A propósito, você sabe se eles terminaram pra sempre ou se ainda vão voltar? Eu tenho uma filha que anda muito triste porque não tem namorado...

"Espero que você esteja se divertindo MUITO, Bulma" pensou o rapaz, sarcástico.

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—Está se sentindo melhor?—a cientista levantou o braço do paciente—Oh, ainda bem que não quebrou o termômetro. É o único que eu tenho.

A resposta foi um grunhido.

—Não resmungue. Agradeça por eu não ter botado esse termômetro na sua boca... ou no extremo oposto. Isso mesmo o que você pensou—riu dos olhos arregalados dele e olhou o instrumento. Mesmo concentrada no exame, a boca continuava funcionando no piloto automático:

—Sabe, o engraçado é que toda a minha vida eu só vi termômetros de axila.Termômetros orais ou retais, só na televisão... acho que é porque com eles é mais fácil fazer piadas. imagina alguém fazendo graça com um termômetro de axila?—segurou o canudinho de vidro com a mão e fez "tch, tch", como se estivesse passando desodorante nele.

—Chega de piadas sem graça! Minha temperatura baixou ou não?

Ela lhe lançou um olhar paciente, porém não menos ofendido.

—Pena que esse termômetro não seja mesmo de botar na boca. Hummm... você ainda tem um pouquinho de febre, mas desceu bastante. Esse Palenol é bom mesmo! Ainda bem que papai fez questão de que todas as casas que produzimos tivessem uma farmacinha pra essas emergências. Já pensou que perigo, uma mulher linda como eu ter de procurar uma farmácia aberta a esta hora da noite?

—Podia ter se poupado a esse incômodo me deixando onde eu estava—Vegeta finalmente resmungou, virando-se no sofá. Seu único consolo era que a loura burra não estava ali também para choramingar sobre a sua saúde. Uma das duas já era mais que suficiente!

—Olha só que gratidão!—a cientista botou as mãos na cintura, indignada—Eu poderia estar agora com um lindo rapaz, mas não: estou aqui bancando a enfermeira, então poderia ter um pouquinho mais de reconhecimento. A propósito, porque não me disse que estava se sentindo mal antes de jantarmos? Não sabe que comer com febre revolta o estômago?

Nos romances que Bulma lera na adolescência, febre era uma coisa romântica e reveladora. As pessoas febris reviravam-se na cama e chamavam alto pelo nome do(a) amado(a), muitas vezes alguém que pareciam odiar. Nada de calafrios ou vômitos. Alguns escritores eram realmente muito idiotas.

Vegeta resmungou alguma coisa ininteligível e fechou os olhos. Não estava mais com frio, mas continuava a se sentir péssimo. Como se não bastasse, o comentário da mulher o tornou ainda mais consciente de seu estômago dolorido. Já estava sentindo mal bem antes que Bulma o encontrasse, porém achara que ia passar logo que tomasse um banho frio e comesse alguma coisa. Tudo por causa do seu orgulho... ha... não sabia como conseguia conservar o orgulho numa situação dessas... era difícil descer mais baixo.

Não viu o olhar compreensivo que recebeu da mulher, porém a voz dela, quando falou de novo, estava bem mais suave:

—Acho que não tem perigo você dormir agora. Qualquer coisa, é só me chamar.

Sentiu uma coisa macia cair por cima dele e ser puxada sobre seu corpo. Através das pálpebras fechadas, percebeu que havia ficado subitamente escuro, sinal de que ela havia apagado a luz. A casa toda caiu em silêncio, quebrado apenas pelo cricrilar dos grilos lá fora e por uma suave respiração junto à sua perna.

No dia seguinte, para surpresa de nenhum dos dois, Vegeta acordou totalmente recuperado e faminto. Porém não havia vigor físico, comida nem remédios que pudessem curar o que se quebrara dentro dele. Bulma foi bastante prudente para não fazer perguntas. Disse-lhe apenas que ia ficar uns dias viajando e que, se Vegeta quisesse, poderia acompanhá-la ou ir embora, não faria diferença. A única coisa era que, se ficasse, deveria caçar sua própria comida, porque já sabia de longa experiência que o que trazia na carteira não cobriria a fome de um Saiyajin. Ele deu de ombros e saiu.

Durante horas ficou voando, até parar a muitos quilômetros da casa temporária. Desceu e ficou parado no meio da planície, sentindo o vento acariciá-lo e vendo o capim ondular-se a seus pés. Aquela imensidão deserta era um alivio depois de meses cercado de terráqueos barulhentos e conversas vazias. Lembrava-lhe um pouco os planetas que "visitara" em sua antiga vida.. As missões eram o mais próximo de um alívio naquela época, pois lhe davam uma sensação de liberdade, ainda que temporária e ilusória.

E agora que estava realmente livre, não sabia o que fazer. Só conseguia enxergar os anos de vazio que se seguiriam, à sua frente, de uma vida sem sentido naquele planeta estúpido. Kakaroto derrotaria os andróides sozinhos enquanto ele se resignaria apenas a ficar parado assistindo, como os amigos inúteis daquele soldado de terceira classe. Sentia as unhas na palmas mãos, quase furando o tecido das luvas, lágrimas afloravam aos olhos. Bom, talvez não. Poderia atacar os bonecos de lata antes de Kakaroto intervir, morrendo nas mãos deles como aquele pirralho do futuro dissera. Pelo menos morreria como um Saiyajin e lavaria aquela vergonha.

Mas ao pensar nisso, percebeu que não queria morrer. Aquilo o surpreendeu tanto que Vegeta abriu os olhos, e empertigou-se, inconscientemente. Por quê? Havia sido completamente derrotado, não tinha mais nada em que se agarrar, nenhuma esperança. Exatamente como... como quando vira que não conseguiria derrotar Freeza.

Não. Exatamente, não. Sentia-se desesperado, e impotente, como naquela vez, mas de um jeito diferente... alguma coisa dentro dele recusava-se a desistir. Havia alguma coisa que não encaixava no que Kakaroto dissera... alguma coisa errada...

—Mas o quê, diabos, o quê? Já experimentei todas as possibilidades! Não há mais nada a ser feito! —gritou para a pradaria.

—Maldito... se não fosse por você, eu não estaria nesta situação.

E pensar que, em parte, ele já fora responsável pela sobrevivência de seu maior rival.

"Quer que eu vá atrás de Kakaroto?


_Pra quê? Se ele foi mandado antes do planeta Vegeta explodir, deve estar com uns doze anos agora. Um moleque não iria nos servir de nada. Apenas mantenha a boca fechada, se é que você consegue, Radditz. Se deixar escapar que tem um irmão perto de qualquer um daqueles soldados, Freeza ficará sabendo em dois minutos!"

—Se eu soubesse... — rilhou os dentes com ódio.

Nunca devia ter colocado os pés na Terra. Deveria tê-la pulverizado de longe, como fizera com Arlia. Ao menos não teria se contaminado com as estúpidas emoções terráqueas. Com o cérebro nublado pela raiva, não lhe ocorria que talvez nem ele estivesse vivo agora se não tivesse tido cuidado para que o irmão de Radditz permanecesse desconhecido de Freeza. Só conseguia enxergar o imenso vazio dos anos que se seguiriam à sua frente, da eterna humilhação... Será que tudo que aprendera estava errado?

"Eu só me transformei porque fiquei com muita raiva de ver Kuririn morrer na minha frente , daquela maneira estúpida"

Vegeta apertou a cabeça entre as mãos, como se não quisesse ouvir.

—Não! Não quero acreditar! Somente os fracos têm sentimentos! Eu sou Vegeta! Não preciso disso!

"Precisa sim." disse uma voz dentro dele "Do contrário nunca se tornará Super Saiyajin."

—Não! NÂÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!

Um longo uivo quebrou o silêncio da planície, seguido por um vento súbito e um tremor de terra. Por alguns segundos, o cabelo de Vegeta brilhou numa luz dourada, sem que ele percebesse, depois voltou à cor negra de sempre. Mesmo assim, a energia criada queimou toda a vegetação à sua volta e uma imensa cratera se abriu sob seus pés (no dia seguinte, os jornais estariam falando de uma suposta nave alienígena ter explodido naquela área).

Exausto, deixou-se cair de joelhos e bateu furiosamente com os punhos no chão, abrindo novos buracos.

******************

Como Vegeta havia comido mais da metade do estoque de comida que ela tinha, Bulma cogitara encapsular a casa e ir comprar suprimentos na cidade mais próxima. Só que uma moleza no corpo e uma súbita sensação de cansaço a fizeram passar a manhã e o meio-dia estendida na cama vendo televisão, sem coragem de se mexer. Sempre ficava meio deprimida depois do seu aniversário.

—BULMA! — o trovão ecoou pela casa toda, ao mesmo tempo que a porta da rua batia contra a parede. Atordoada com o susto e o galo dolorido (bateu com a cabeça no teto), a pobre Bulma nem teve tempo de dizer nada, pois logo em seguida ouviu um trotar de botas e Vegeta já estava irrompendo pela porta do quarto e agarrando-a pela camiseta:

—Onde está o radar do dragão?

—Hã? O quê? Escuta aqui, que pensa q...

Levou uma cacoalhada que quase a deixou sem roupa:

—O RADAR DO DRAGÃO!!! —Vegeta urrou, como se ela estivesse do outro lado da casa e não nas mãos dele — Você o trouxe, não foi?

A moça engoliu em seco. Não sentia tanto medo de Vegeta desde o primeiro encontro dos dois, quando ele massacrara Zarbon:

—N-Não está comigo. Juro!

Vegeta deu seu clássico sorriso diabólico:

—Não se atreva a mentir pra mim... — disse bem devagar, com um olhar de cima a baixo - uma das suas técnicas preferidas de intimidação. Só então percebeu que Bulma estava só de camiseta, sem calças ou saias, e que a calcinha dela estava aparecendo com o puxão na roupa. Largou-a rápido e virou para o lado, cruzando os braços.

—É melhor não mentir — falou, no tom mais neutro que pôde — Quer dizer que está fazendo essa viagem sem sentido apenas pelo prazer de passear?

Bulma ajeitou a camiseta, indignada:

—Por que não? Acha que tudo o que a gente faz tem que ter segundas intenções? Eu só decidi fazer essa viagem pra ficar um tempo longe daquela enjoeira lá em casa! DEPOIS achei que seria legal aproveitar pra procurar de novo as esferas, por isso voltei pra casa. Quando você apareceu, eu estava pensando num jeito de entrar lá sem ser notada. Mas fiquei tão preocupada com você que acabei esquecendo até de pedir que pegasse o radar, quando mandei você buscar sua bagagem!

Vegeta arregalou os olhos. Droga! Quer dizer que, se ele não tivesse chegado naquele momento... arreganhou os dentes, furioso. Tudo estava contra ele, ultimamente!

—Aonde você guarda aquela porcaria? No seu quarto? No laboratório?

—Pra que você quer saber? — ela devolveu o olhar.

Se fitaram durante alguns segundos, depois Vegeta perdeu a pouquíssima paciência que ainda tinha:

—Vá $%%&*** ! Vou achar esse radar nem que eu tenha que revirar a casa de ponta-cabeça! — virou-lhe as costas e saiu marchando. Bulma foi atrás dele:

—Pra que você quer o radar do dragão? — insistiu — Pra se transformar em Super Saiyajin? Ou pra que o Goku não possa se transformar mais?

Ele parou, retesando os ombros.

—Pois tenho uma ótima notícia: Shen-long não vai poder te atender.

Ele retomou a marcha. Já estava alcançando a porta da rua, e Bulma foi atrás em desespero Se Vegeta levantasse voo, estaria tudo perdido.

—Estou falando sério, seu cabeça-dura! — gritou — O poder das esferas do dragão não pode ultrapassar o da pessoa que as criou. Por isso, Shen-long não pode interferir na vida de seres mais fortes do que ele.

Vegeta estacou, fazendo Bulma esbarrar nele. Teve que se agarrar na porta para não cair. Ele se virou e cruzou os braços, desconfiado:

—Não tente me enrolar.

—Não é enrolação. Pensa um pouco: quando vocês, Saiyajins, estavam vindo pra cá, por que acha que não pedimos ao dragão pra acabar com vocês dois, em vez de sacrificarmos nossos amigos naquela batalha horrível? E outra coisa: você decerto já deve ter ouvido falar no cataclisma que quase acabou com Namek anos atrás... por que acha que os namekianos não usaram as esferas pra impedi-lo?

Podia quase ver as rodinhas girando na cabeça de Vegeta, à medida que o seu olhar mudava. Ele não era nenhum idiota, aquilo tudo fazia muito sentido.

—Shen-long e Porunga podem trazer qualquer ser de volta à vida,desde que não tenha morrido de morte natural. Saiyajins, namekuseijins, monstros, o que for. Podem rejuvenescê-los também — Bulma acrescentou, lembrando de Piccolo Daimao — mas não podem tirar seus poderes nem aumentá-los! (rezou mentalmente que isso fosse verdade)

Foi como contar para uma criança que Papai Noel não existia. Depois de uma série de expressões que mataria de inveja qualquer ator dramático - compreensão, frustração, impotência, raiva de si mesmo - Vegeta voltou àquele ar abatido da véspera. Seus ombros caíram de novo, a cabeça pendeu, derrotada, os olhos arregalados fitando um ponto como se não acreditasse que mais uma vez a vida lhe dava uma rasteira. Bulma precisou respirar fundo para impedir que as lágrimas lhe viessem aos olhos.

—Não quer entrar e sentar um pouco? — perguntou meigamente.

Ele a olhou, relutante. Ela insistiu, forçando um sorriso:

—Venha. Você ainda não se recuperou de todo, estou vendo — segurou-lhe o ombro.

Ele se deixou levar, como um fantoche sem vontade. Afundou-se no sofá e fitou com raiva a parede. Vagamente, sentiu Bulma sentar-se ao lado dele, o calor de suas coxas bem perto.

—Tudo inútil... — resmungou, como se as palavras lhe custassem —De que adianta eu ser o guerreiros mais genial do universo, se ano após ano todos os meus planos e idéias falham? Gastei toda a minha juventude me apoiando num sonho... que deu em nada!

Ficou olhando um ponto escuro de umidade que se formara no material sintético do sofá, entre suas pernas. Seus punhos se abriam e cerraram. Agora ia chorar bem na frente dela... era o que faltava para completar sua derrocada. Felizmente, outras lágrimas não vieram.

—Eu sei bem o que é isso — disse uma voz triste ao lado dele, depois de um longo silêncio.

Ele lhe lançou um olhar entre irritado e cético.

Bulma insistiu, na defensiva:

—É verdade. Sei exatamente o que está pensando: como é que eu me atrevo a comparar minha patética vida terráquea a sua? Eu posso não ter perdido o meu planeta, nem minha casa ou minha família, posso não ser nenhuma princesa, mas minha situação não é muito diferente da sua. Aos dezesseis anos, saí pelo mundo à procura de um namorado, porque não queria ficar mais sozinha e estava entediada em casa. Não consegui fazer o pedido, mas meu desejo se realizou: ganhei um namorado, ganhei muitos amigos, vivi muitas aventuras, mas agora, depois de todos esses anos, penso: e daí? No fundo continuo sozinha, todo mundo ainda me trata como se eu fosse criança. Quer dizer, por mais que eu faça, minha vida continua igual.

—Por que me conta isso?_ quis saber o príncipe.

Quase sem querer, seu olhar desceu para os seios sob a camiseta amassada. No seu desalinho, o drapeado formado pela malha ao mesmo tempo revelava e escondia, num efeito bem mais sexy do que se ela estivesse usando um decote.

—Porque você não se importa. Não vai me criticar, me dar conselhos nem espalhar por aí, justamente porque você não fica metendo o nariz na vida dos outros. E - não adianta negar - eu sei que você realmente me ESCUTA, mesmo quando parece que não está prestando atenção.Talvez por isso eu me sinta à vontade quando estou com você... mais até do que quando estou com o pessoal.

De perturbado, Vegeta ficou completamente atônito. De novo bateu-lhe a velha vontade de fugir... porém, quando se apoiou no sofá para levantar, a mão roçou de leve a perna dela. Ergueu rápido a mão, sentindo aquele calor fugaz, o olhar pousou disfarçadamente nas coxas expostas.

—Por que você acha que não pode se transformar em Super Saiyajin?

—Hum?

Ela repetiu a pergunta, obrigando-o a voltar à sua deprimente realidade.

—Kakaroto me disse como realmente se tornou Super Saiyajin — falou com dificuldade, como se a simples lembrança lhe fizesse mal — Ele só conseguiu porque ficou transtornado depois que viu Freeza matar aquele carequinha... Kuririn.

—Típico do Goku — Bulma levou um dedo aos lábios, pensativa — Eu devia ter imaginado. Kuririn é o melhor amigo dele, e Goku sofreu muito a primeira vez que ele morreu.

—Primeira vez? Ele já tinha morrido antes?

—Foi morto por um dos demônios de Piccolo, quando eles eram crianças — a voz dela tremeu ligeiramente —Goku pediu depois pra ele ser ressuscitado, é claro, mas Shen-long não pode trazer ninguém de volta mais de uma vez. Acho que deve ter sido isso que deixou Goku tão zangado: ele não sabia que Porunga pode ressuscitar as pessoas quantas vezes a gente quiser, e achou que Kuririn estaria perdido para sempre.

Vegeta guardou mentalmente mais aquela informação sobre a diferença entre os dois dragões. Poderia ser útil mais tarde.

—Então Kakaroto se transformou de raiva porque nunca mais veria seu amigo careca — zombou — Desse jeito alguém poderia até pensar que há alguma coisa entre eles...

PLAF!

Pela segunda vez ele levou uma bofetada de mulher. Antes que tivesse tempo de abrir a boca,mais surpreso que indignado, Bulma já estava em pé na frente dele, sacudindo furiosa o dedo na sua cara:

—SEU IDIOTA!!! Será possível? Eu estou falando uma coisa importante, e você só fica aí fazendo piadinhas sem graça! Depois fica choramingando que não consegue se transformar em Super Saiyajin, que sua vida é um fracasso... não é a toa que sua vida é um fracasso, porque quando a resposta fica bem na sua frente VOCÊ NÃO A ENXERGA!!!

—Que resposta? — ele deteve - de leve- a mão com o dedo ofensivo.

—Se você não tivesse ficado me secando já teria percebido! Você mesmo acabou de me dizer o que fez Goku se transformar! Agora só precisa descobrir o que deixaria VOCÊ furioso a ponto de se transformar também!

O queixo de Vegeta caiu. A mão que segurava a de Bulma também.

—Ah, estou vendo que caiu a ficha — ela cruzou os braços — Aposto que você pensou: "Oh, nunca vou virar Super Saiyajin porque não tenho amigos nem sentimentos." Não foi?

—Não! — a mentira era tão evidente que ele ficou vermelho — Não foi... bem assim.

De que adiantava negar? A mulher tinha toda a razão: ele era um idiota!

—O que eu poderia pensar? — berrou — É difícil eu sentir mais raiva do que sinto agora! Se fosse por uma questão de raiva, eu já deveria ter me transformado há muito tempo!

—Então você vai ter que descobrir alguma coisa que o faça ficar mais zangado ainda — Bulma fez um esforço para se acalmar, depois balançou a cabeça —Vegeta, você e Goku são completamente diferentes um do outro, mesmo pertencendo à mesma raça. Talvez a maneira de se transformar em Super Saiyajin seja diferente para cada um de vocês. Mas você não pode ficar se castigando assim..._ estendeu a mão para o rosto dele e tocou com o dedo, de leve, na face onde há pouco havia deslizado uma lágrima _Nós temos três anos ainda para descobrirmos. Eu sei que você vai, de um jeito ou de outro, recuperar o seu orgulho.

Os dois pares de olhos se fitaram longamente: um duro, indecifrável, o outro ansioso, quase suplicante.

"Por que você ACHA que não pode se transformar em Super Saiyajin?"

Quando fora a última vez em que alguém tivera tanta fé nele?

"Meu filho: você é o mais poderoso da nossa raça. Talvez seja até o Super Saiyajin da Lenda..."

A mão enluvada estremeceu, ergueu-se e segurou a outra, desnuda, que ainda tocava sua face. Bulma assustou-se com o toque repentino, depois viu que ele sorria - um sorriso duro, os olhos brilhando perigosamente.

—Acho que está na hora de eu retribuir o uniforme que me fez... — disse o príncipe, colocando as mãos dela em seus ombros. Sua própria mão deslizou para a cintura da mulher, puxando-a para perto — E mais todas as outras coisas — disse baixo, perto do ouvido dela.

Num arranco súbito, sentiu sua cabeça ser agarrada e virada para frente com violência; logo em seguida os lábios dela esmagaram-se contra os seus. Por alguns instantes, Vegeta ficou sem saber o que fazer, mas ela insistia, e ele acabou decidindo acompanhar seus movimentos, deixar-se levar pelo que os instintos lhe diziam. Ela era quente, macia, tudo o que precisava agora para distrair sua mente cansada. Recuperara a esperança, e no momento não queria pensar em poder, lutas, nada, apenas sentir, sentir... e sentir-se vivo, para variar.

I just wanna feel real love,

Eu só quero sentir amor de verdade,

Feel the home that I live in,

Sentir o lar em que moro

I got too much love,

Eu tenho amor demais,

Running through my veins, going to waste.

Correndo pelas minhas veias, indo para o lixo

I just wanna feel real love,

Eu só quero sentir amor de verdade,

In a life ever after

Para sempre

There's a hole in my soul,

Há um buraco em minha alma

You can see it in my face, it's a real big place.

Você pode vê-lo em meu rosto, é um lugar imenso.


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