Cartas de Fogo e Água escrita por José Vinícius


Capítulo 16
Carta 11 - Água




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Zuko,

Ainda estou chorando. Chorando muito. E não é por tristeza. A alegria é que se excede.

Eu havia acabado de finalizar a minha última tarefa do dia. Estava muito cansada, e passei o dia todo pensando nas minhas últimas palavras. Eu sabia que, por mais que você conseguisse me aliviar de tal pensamento, eu ainda pensaria que, tão logo você conseguisse encontrar a paz, eu encontraria o desterro.

Por que, mesmo que não pareça, minha vida ainda é turbulenta. Eu encontro sempre uma mágoa, um rancor, algo para superar. E, nem sempre consigo. O que eu consigo mesmo é esquecer, mas deixo a lembrança ainda sem uma resposta definitiva. Ultimamente é que tenho modificado essa conduta tão rígida quanto a erros. Especialmente, os últimos erros que tenho enfrentado ultimamente, como você deve saber. Depois que voltei daquele dia na praia com os outros, eu achei que tinha encontrado o alívio; entretanto, como eu escrevi para você os pormenores desses lamentos, creio eu que você já deve ter uma noção de como eu ainda me sentia.

Até que eu li sua última carta, não esta agora, a anterior. Notei que você estava sendo muito carinhoso e muito sensível comigo. Estava abrindo seus braços para mim, como que dizendo: “não tema. Estou aqui, te esperando”. Como eu aguardei algo assim, mesmo que escondido nas entrelinhas! Nunca me senti tão confortável quando eu li aquela carta. Senti que dentro de mim, algo estava sendo carregado para longe, tal qual o mar carrega as lamúrias dos rios que nele deságuam.

Eu me senti assim por algum tempo, mas logo depois, perdi uma parte de mim mesma nessa torrente de água ácida. Como eu poderia ser acolhida por alguém que estava tão distante, mas parecia estar tão perto? Eu nunca compreendi direito como funcionam as distâncias, até por que, elas são nada comparadas a esta capacidade estranha que temos de estar perto um do outro. Sim, nós temos essa capacidade, e quando eu li a sua última carta, meu coração se transbordou de algo novo, novo com cara de velho, mas ficou tão cheio que desaguou em meus olhos e não pude impedir alguns vazamentos antes dessa enchente benévola.

Eu me sinto lavada.

Não sei se realmente consigo continuar escrevendo, após reler sua última frase. Zuko, aquilo foi mais que lindo demais. Não encontro palavras para caracterizar o que você disse, e como me disse. Você fez aquilo que você sente que é uma forma segura de deixar as coisas claras, de demonstrar o que você realmente sente, sem usar palavras fúteis ou jogadas ao alento. Você usou muito mais que uma metáfora, muito mais que uma comparação ou qualquer figura de linguagem que haja em nossa língua (por mais que a minha gramática seja imperfeita, comparada com a sua): usou algo que veio de dentro de você, das suas profundezas, do obscuro canto de sua alma.

Um lugar muito quentinho. Eu conheço aquele lugar, por que eu estava morando lá.

Não sei como dizer isso para você, mas, agora eu realmente entendo por que eu escrevi estas cartas para você. Comecei com um tom amigável, simples, apenas querendo um contato comum com um amigo. Aí descubro que ambos, eu e ele, cultivamos um pelo outro uma carícia, um toque, um abraço, um suspiro, um sentimento um pelo outro. Feito dos ímãs, que, quando descobrem seus lados diferentes, se unem imediatamente, numa força magnética poderosa.

É assim que meu coração está.

Zuko, quando comecei a escrever, eu acreditava que estava apenas me correspondendo com um amigo novo. Um amigo que teve comigo um passado não muito calmo, mas também, com seus pontos altos e baixos. Principalmente, aquele momento que nós dois sentimos renascer e se fazer doer infinitas vezes. É necessário, pois nós dois sabemos que aquele momento, nós dois éramos um, e fomos convencidos disso. Nós dois estávamos mais próximos do que poderíamos imaginar, e dentro de nós, algo estava querendo sair, se libertar, algo que fazia parte deste elo esquecido.

Não volto atrás nas coisas que eu fiz. Não há como. Só posso reparar.

Quantas noites eu perdi pensando que estava fazendo a coisa certa... Que caminho que eu estava seguindo era o único. Por que não parei para pensar antes? Tudo ao nosso redor estava dizendo o contrário, estava dizendo que eu estava certa e que deveríamos permanecer assim. Sei que ambos temos nossa parcela de culpa nesta história. Quantos corações nós dois tivemos que renunciar, por que era necessário e certo? Nós sabemos, e nós temos certeza que nossas ações não foram feitas para nós. Foram feitas para o outro, o dono de cada um de nós.

Zuko, eu admito que no fundo, esperei por estas palavras suas com muito mais desespero que um condenado espera pela liberdade. Eu não tinha segurança de nada, segurança de que poderia erguer uma sólida construção e depois disso, seguir em frente, morando nela. Não estava com certeza de nada, falava tudo de qualquer jeito. Então eu pude te ver, eu pude ler suas palavras, e nelas, eu vi a alma solitária e escura que se escondia neste sol. Eu a contemplei por muito tempo, por que dentro de mim, ela brilhava mais que qualquer astro celeste, mais que qualquer coisa capaz de iluminar ou refletir a luz de maneira pura. E senti uma vontade de acolhê-la em meu seio, fazer nela algo novo, uni-la a mim, para torná-la nova, única, forte e acima de tudo, feliz.

E você advinha meus desejos mais secretos com aquela frase, Zuko! Você é incrível.

Eu te conheci mais por estas cartas do que pelos momentos que vivemos juntos. Eu vi que você estava em busca de algo, e quando o encontrou, sabia que faltava alguma coisa para você aproveitar a plenitude disso. Assim como eu, que havia pensado que tudo estava terminado.

Então, escrevemos um para o outro, e descobrimos juntos que estávamos errados.

(...)

Zuko, eu anseio por você no mesmo grau – senão maior – que você anseia por mim. Nós dois queremos permanecer juntos, embora, o mundo conspire ao contrário. Só que agora, eu e você temos algo que nos ajuda e lutar e a vencer isto. E sinto que a partir de agora, nós dois faremos desta coisa a fonte de nossa alegria, a força dos momentos ruins, o gozo dos momentos felizes.

Isto, Zuko, você bem sabe o que é. E assim como você, eu só teria coragem de dizê-lo ma sua frente, olho no olho. Isto, que falo, é poderoso e infinito. Assim como seu desejo, de que permaneceremos juntos pela eternidade.

Zuko, eu preciso de você de uma forma completamente nova para mim. Não de como eu achava que precisava antes. É de um jeito estranho. Eu me sinto incompleta, imperfeita, inútil. Eu preciso de algo de você para que eu me sinta única, completa, quem sabe, perfeita. Mas isto, (risos), podemos alcançar juntos.

Aquilo que eu descrevi, não escrevo aqui. Por que nós sabemos o que é, e não precisa ser dito.

Zuko, eu preciso de você para ser completa.

Katara.


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Notas finais do capítulo

Antepenúltimo Capítulo.



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