Cartas de Fogo e Água escrita por José Vinícius


Capítulo 14
Carta 9 - Água




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Zuko,

Tem feito muito frio aqui no Sul, ultimamente. Todos os dias eu acordo e recebeo um jato de ar gelado. Minha casa é quente e aconchegante, mas nas primeiras horas da manhã, ela recebe uma brisa fria do oceano. O frio é tão grande que, ao invés de me levantar e acordar Sokka e meu pai, eu me encolho mais ainda nos cobertores. Até procuro deixar um extra nos meus pés, para puxá-lo e me aquecer um pouco mais. Este é o pequeno drama que eu vivo todos os dias, com raras exceções.

O frio aqui ainda é intenso. Estou acostumada, é claro, com o ambiente gelado do Sul, e por isso, não me sinto tão afetada. Muita gente que vem do norte diz que lá é muito mais frio que aqui, aqui eles se sentem bem melhor. Eu concordo com eles, por que eu já estive lá, e aparentemente, mesmo que ambos os lugares sejam frios, eu acho que aqui é mais quente que lá, mesmo que seja coisa bem pequena.

Aqui, o calor é precioso, e é sinônimo de vida, também.

Meu coração estava fazendo esforços para se manter aquecido. É preciso sempre dar as pessoas uma palavra de carinho, afeto, estímulo. Não se faz isso com o coração frio, gelado, muito menos duro; é preciso estar transparente, afável, quente, para fazê-lo.

Eu comecei a olhar o oceano no pôr-do-sol. E me senti muito triste, Zuko. Por que eu observava as pessoas ao meu redor felizes umas com as outras, e eu sabia que no fundo, eu não estava realmente feliz. Eu trabalhava para o bem do meu povo e para erguer minha nação, mas e quanto a mim? Que tipo de coisa eu poderia esperar de meu futuro? Eu poderia formar uma família?

Todos dizem para mim: seus olhos são tão vivos, mas tristes. Até certo momento, eu nunca entendi por que as pessoas diziam isso, até que, numa tarde, eu fitei o horizonte ao pôr-do-sol.

Já notou que no sul, em determinada época do ano, o sol demora a se por? Pois bem. Lá estava o sol, vermelho-fogo, querendo atravessar a linha entre os mundos, entre o dia e a noite, descansar de sua viagem no céu, mas impossibilitado para tanto. O céu naquele ponto ardia feito fogo, e eu não podia fazer nada. Eu queria uma noite bela, uma noite escura, com estrelas, mas não pude ver. Tive que esperar muito para que ele tocasse o mar e desaparecesse.

Então, eu chorei.

Eu estava completamente sozinha no mundo, Zuko. Eu tenho uma família, claro, mas por que meu coração ainda estava esfriando? Por que eu não conseguia manter o calor dentro de mim? Por que eu insistia em viver daquele jeito?

Eu já superei o que houve entre mim e o Aang. Até hoje, uma parte de mim não se convence de que o que houve entre nós, não deu certo. E outra parte de mim diz que eu fiz o melhor, que eu tinha que esperar outra coisa nascer, outra coisa mais profunda, muito mais profunda surgir de dentro de mim. Ela era profunda por que era verdadeira e muito real. Tão real que seria capaz até de alterar meu destino.

Não consigo pensar no que é isso, mas, meu coração dói muito quando penso. Sempre que eu tento entender o que é, eu me embaralho toda, fico confusa. Já tentou descrever algo que, de tão improvável para existir, realmente existe?

Naquela tarde, eu chorei muito. Eu estava sozinha, e quando o sol foi embora, eu me senti completamente só. A noite tinha chegado, e as ondas revolviam-se, em sue curso. O mar estava ansioso para o sol ir embora, por que ele queria ver outro astro luminoso. Mas aquele astro, não apareceu. Não tão cedo, por que eu fui embora e fui dormir.

Antes disso, aquele dia tinha sido um dia cheio. Eu tinha feito muitas tarefas,e já estava com uma turma de sete pessoas passa ensinar a dobrar a água. Vovó diz que eu sou tão poderosa que no futuro, serei muito conhecida. E eu digo a ela que eu sou só uma dobradora de água sortuda, uma sulista simples, que ajudou o Avatar a salvar o mundo e que agora quer só reerguer seu povo.

Eis minha função. Não sou especial para ninguém, foi o que eu pensei no resto do dia. Fiz o que tinha que fazer, e resolvi distrair meus pensamentos observando o oceano. E então, como eu disse antes, eu chorei, por que eu era somente uma garota.

Meu coração dói, Zuko.

Eu achei que poderia contornar isso facilmente, mas, eu não consegui. Outro dia, Suki veio visitar o Sokka. Eu fiquei feliz em vê-la, mas, você acha que eu realmente estive feliz? Não. Eu estava feliz por eles, e infeliz por mim. Completamente infeliz por mim. Não consigo mais digerir esses pensamentos tortuosos. Estou repetindo as mesmas coisas o tempo todo. Pareço as ondas do mar, sempre o mesmo movimento, sempre o mesmo mar.

Achei que eu ia desmoronar.

Então, me trouxeram uma carta com um selo da Nação do Fogo.

Zuko! Não tem idéia de como eu fiquei extremamente feliz com a sua carta. Ela me aqueceu completamente. Eu a abracei tão forte, e chorei assim que a abri. Lá estava ela, as letras escritas com seu punho, ela tinha o seu toque, o seu selo, tinha até o seu cheiro... Desejei seu abraço mais do que tudo naquela hora.

Eu te disse que quando você encontrasse a paz, eu encontraria o tormento. E foi isso mesmo: na sua carta, senti que seu tormento estava diminuindo e o meu, aumentando. Percebeu que nós vivemos como opostos? Nossas vidas parecem estar traçadas de maneira que, uma vez que um alivie os tormentos do outro, o primeiro viva a desgraça para que o segundo possa acolhê-lo mais uma vez, e vice-versa, num círculo infinito. Yin e Yang.

(Risos). Notei que você me censurou antes que eu dissesse alguma coisa.

Não diga tais coisas. A minha aflição está acabando, por que meu coração diz que agora, seguiremos juntos para o infinito. Onde o Mar beija o céu. Onde o Sol oriente encontra a Lua ocidente.

Este seu post scriptum me deixou muito reconfortada. Principalmente a parte que você diz: “seguiremos juntos para o infinito”. Meu coração pulou de alegria quando eu li esta parte. E, fiquei em êxtase ao reler: “Onde o Sol (...) encontra a Lua (...)”.

Ambos temos compromissos, e ambos carregamos um peso nos ombros. Compartilhamos esse peso com quem está do nosso lado, mas ainda assim, não temos algo dentro de nós que seja capaz de nos sustentar. Um alicerce, você quer dizer. Assim como você disse, também me sinto assim, sem rumo.

Zuko, não diga que você é um sol mentiroso. O povo acredita em você. Acredita nas suas ações, no que você faz. Tudo o que vocÊ faz é pelo bem de seu povo, assim como eu faço pelo bem do meu. Nossos povos tiveram conflitos no passado, mas agora, juntos, nós podemos torná-los amigos de novo. Podemos deixar as diferenças e perdoar os erros. Assim como eu perdoei você.

(Ainda hoje, eu sinto que o que eu disse, meses atrás, foi a coisa mais verdadeira que eu pude dizer a alguém. “Não serei capaz de perdoá-lo ainda. Mas sou capaz de perdoar você”. Lágrimas me vêm aos olhos quando eu lembro. Como eu pude, Zuko! Como eu fui capaz... De ignorá-lo. De achar que você não era confiável. De que você não tinha mudado. Que suas ações eram fingimento, farsa. Mas aí, você me salvou de Azula. Eu não podia suportar perdê-lo. Tenho força para dizer agora que, quando eu chorei, eu estava em puro desespero. Nunca chorei assim pelo Aango ou por qualquer pessoa, Zuko. Nunca. Naquela hora, eu notei o quanto eu tinha me aconchegado a você, o quando eu precisava de você).

Não seja tão severo consigo mesmo, Zuko. Por que autopiedade não leva a nada. É preciso que vocÊ reconsidere seus erros, claro, mas seja capaz de revertê-los. Seja capaz de torná-los benéficos. Seja capaz de transformar os alvos de suas imperfeições em coisas perfeitas, completas. É assim que se constrói o ser humano. Somos imperfeitos, mas, juntos, nós podemos nos tornar únicos.

Preciso tanto do seu apoio quanto você do meu. Eu preciso sair desta escuridão gelada, Zuko, e só você pode me tirar. Mesmo que eu tenha dito coisas, ou insisnuado, agora, meu coração está me dizendo algo que minha mente achava improvável, ou não-real. Estou começando a aceitar a verdade, e a querer abraçá-la com força, mesmo saindo de um relacionamento de mentiras. O sacrifício foi duro, desfazer algo que não era verdadeiro, para aceitar, após a dor, algo muito mais real ainda, tão forte que poderia me arrebatar para o Plano Espiritual.

Você, Zuko, você... É o meu sol. É minha força. Meu calor. Você, Zuko, é quem eu mais preciso ver neste mundo. É quem me dá força. É isso que eu estou aceitando, e que já morava dentro de mim. Estou aceitando você dentro de mim, Zuko. Estou aceitando o que ambos sabemos, mas não temos coragem de ir adiante.

Aguardando uma resposta e uma visita sua,

Katara.

P.S.: Agora sei que é real. Está crescendo.


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Notas finais do capítulo

Escrevi este capítulo com lágrimas nos olhos. Sinto que o fim está próximo.



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