Por mais que tentasse, simplesmente não conseguia se concentrar nas palavras rápidas proferidas pela pequena morena ao seu lado. 

Em parte, conseguia distinguir uma palavra ou outra, entendendo o que ela estava contando, porém a outra parte estava completamente na cena que havia visto, um pouco antes de entrar na sorveteria. 

Katniss entrando no Central Park ao lado de Gale, aos abraços e risadas. 

Ele não conseguiu segurar o ciúmes dentro de si. Teve certeza que havia ficado vermelho, quando suas mãos se fecharam em punho em um movimento involuntário. 

Só quando sentiu um chute na canela que conseguiu tirar os olhos da entrada do maior parte de Nova York. Annie, com seu delicado sorriso, ergueu as sobrancelhas em desafio. 

Claro, fora ela quem havia lhe dado o chute e sussurrado em seu ouvido, comentando que hoje era aniversário dos dois ou alguma coisa assim. 

Perguntou-se, por um momento, como Annie sabia de tantas coisas sobre a vida de Katniss sendo que elas duas nem se sequer se olhavam na cara mais. 

De qualquer forma, depois daquele momento, não conseguiu acompanhar a conversa e as risadas em torno dele. Tampouco percebeu quando todos terminaram seus sorvetes. Só voltou para si quando Annie, ingenuamente, sugeriu que Peeta levasse Clove até sua casa. 

Ingênua? Ora. De ingênua Annie Cresta só tinha o olhar.

Agora ele estava andando ao lado de Clove, enquanto essa falava sem parar sobre alguma coisa que ele já havia se perdido a tempos e… 

Será que Katniss ainda estava no Central Park? O que ela estaria fazendo lá, afinal? Não parece ser exatamente um lugar para se jantar ou qualquer coisa do tipo.

Só se Gale tivesse preparado algo especial. Algo que Katniss gostasse. Algo que ele não sabia se ela gostava. 

Deixou um suspiro baixo escapar pelos lábios, enquanto passava as mãos pelos cabelos loiros bagunçados. 

_ … E então eu pensei em falar com a Katniss, ela poderia me ajudar a final só que Annie me proibiu de fazer isso. - Ela bufou baixo ao seu lado. 

Só com a menção do nome de Katniss que ele a encarou. 

Clove riu baixo, balançando a cabeça. 

_ Tinha certeza que se falasse o nome dela, você iria me ouvir. - Cruzou os braços na altura do peito, balançando a cabeça por um segundo. _ Aposto que você não ouviu nada que eu disse até agora, não é? 

Peeta deu de ombros por um instante, abrindo um sorriso sem graça. Ela riu de novo. 

_ Eu sabia. Você é distraído demais, Mellark. Agora entendo o porque Annie reclama tanto. 

_ Annie reclama de tudo. - Peeta murmurou baixo, revirando os olhos para o céu estrelado. _ De qualquer forma, o que ela te proibiu de fazer? 

_ Pedir ajuda à Katniss para revolver meus problemas amorosos. Ela acha que não é digno, que eu tinha que resolve-los sozinha. - Agora foi a vez de Clove revirar os olhos. 

_ Problemas amorosos? 

_ É. Eu tenho uma queda pelo Cato desde… Bem, desde que me conheço por gente. E Katniss tem uma certa amizade com ele e queria usar isso, quem sabe ela poderia descobrir se ele gosta de mim ou alguma coisa do tipo. 

Peeta respirou fundo. Chegou mesmo a pensar que Clove estava se referindo à ele? Era só Cato, afinal. 

_ Annie te contou que eu comentei o quanto bonito você voltou de Londres, não foi? Dá para reparar pela sua expressão. Não pode-se comentar nada para ela, credo. 

Agora foi a vez de Peeta rir baixo. De fato, Annie tinha complexo de cupido. Sempre com as pessoas erradas, porém. 

_ Digamos que ela meio que me obrigou a vir aqui para sair com você ou coisas do tipo. 

_ Ela me puxou pelos cabelos de casa então não reclame se só te persuadiu! - Peeta gargalhou alto, mais uma vez. 

Uma cena que ele queria ter presenciado: Annie puxando alguém pelos cabelos. 

_ Isso é até maldade. Você é baixinha demais para ela fazer isso. 

_ Como você é engraçado, Mellark, estou até rindo. - Ela revirou os olhos, com um sorriso divertido nos lábios. _ De qualquer forma, jamais iria querer algo com você. Acho que tenho medo do que Katniss pode fazer, caso me envolva com você. - Murmurou, com um bico pequeno se formando nos lábios rosados. _ E não me olhe com essa cara. É obvio que ela gosta de você. Todo mundo viu o que aconteceu no corredor. Você sabe quanto tempo faz que ela não demostra sentimentos em público? Bem, faz muito tempo. Desde que voltou para Nova York e se tornou a rainha das vadias. Ela acabou com Finch publicamente. Depois disso Glimmer a segue igual à um cachorrinho. - Completou, dando de ombros. 

Peeta ergueu as sobrancelhas por um breve segundo. Desde quando Katniss humilhava alguém? E era "rainha" de alguma coisa? 

Talvez, apenas um talvez, não a conhecesse mais. Não tanto quanto pensava. 

_ Eu gostei do que ela fez. Finch estava merecendo isso a tempos. - Clove bufou baixo, balançando a cabeça. _ De qualquer forma, vamos marcar de sair outra vez. E de preferencia, com você por inteiro, não só o corpo. 

Ele abriu um sorriso sem graça, antes de dar um beijo na bochecha da pequena morena. 

_ Talvez possa de ajudar com Katniss. Se me ajudar com Cato. - Soltou uma risada baixa, antes de acenar para o loiro e entrar correndo no enorme prédio. 

Só então percebeu o quanto perto Clove morava de sua casa. 

Colocou as mãos dentro dos bolsos da calça, antes de seguir o caminho para casa. Tinha muito o que pensar sobre Katniss. 

*** 

Não atravessou nem mesmo duas quadras quando ouviu seus gritos. Podia sentir seu coração na boca enquanto corria pelas ruas iluminadas por postes de iluminação até encontra-la ali. 

Alguns passos da rua de sua casa, Katniss estava encolhida no chão. Conseguia perceber o sangue em torno de seu corpo e principalmente formando uma poça debaixo de seus joelhos. 

Caminhou em passos largos, sentindo a preocupação subindo-lhe a cabeça antes de tocar de leve em seu ombro. 

Abaixou-se ao lado da morena, tirando uma mecha de cabelo e sentiu o coração apertado, ao ler as lágrimas quentes escorrendo pelo rosto avermelhado. 

_ Katniss? - Sua voz falhou por um segundo, fazendo-o pigarrar por um instante. 

O que diabos havia acontecido com sua Katniss? 

***

Não tinha certeza de quanto tempo estava ali, naquela posição, mas sabia que já havia passado vários minutos. Quando estava com ela era assim, desde que havia a visto pela primeira vez. 

Aquela curiosa sensação de o mundo ter parado, pouco lhe importando o que acontecia em volta. 

Soa tão clichê quanto o possível aquilo. 

Quando Katniss finalmente parou de soluçar em seu ombro, conseguiu se afastar por um segundo, sabendo que finalmente ela estava se acalmando. Encarou-a fixamente, observando os olhos vermelhos, os lábios rachados e a maquiagem escorrida pelas bochechas, fazendo um caminho preto ali. Suas mãos sangravam, tão como os joelhos repletos de cacos de vidros, graças à garrafa que jazia no chão.

Ele sentia o cheiro do álcool no hálito de Katniss e alguma coisa lhe dizia que ela havia misturado alguma coisa com aquela vodka. Uma garrafa não deixava ninguém tão frágil quanto ela parecia. 

Delicadamente, tocou em suas bochechas, secando as lágrimas e erguendo os olhos cinzas nebulosos da menina para si. 

Fazia tempo que não os encarava. Da ultima vez, quando Katniss também chorava, eles não pareciam tão negros assim. Ela não era, nem de longe, aquela menina que havia deixado para trás, há cinco anos. 

Sentia-se mal por isso. Por ter se mudado e deixa-a a deriva. 

_ Está melhor? - Por mais que tentasse, não conseguia soltar as palavras mais altas do que um sussurro baixo. 

Katniss negou com a cabeça por um instante. 

_ Quer ir para casa? 

Ela negou mais uma vez, mordendo o lábio inferior. 

Oh não, isso não era nada bom. 

_ Vem, vamos para minha casa. Vou passar alguma coisa nesse seu joelho. 

_ Não vou na sua casa nesse estado, sua mãe vai pensar que sou louca. - Ela murmurou, soltando uma risada baixa. 

De fato, ela não estava em perfeitas condições. 

_ Ela não vai pensar nada e você não está em posição de discussão, Katniss. - Levantou-se, puxando-a consigo.

_ Não Peeta. Me deixa, por favor. 

_ Já fiz isso uma vez Kat e me arrependo. Não vou cometer o mesmo erro duas vezes. - Passou o braço direito em torno da cintura fina de Katniss, coberta pelo vestido sujo de sangue. _ Se você não vier por bem, vai vir por mal. - Soltou assim que percebeu que ela não saia do lugar. 

_ Por mal? O que você faria? Me arrastar? - Cruzou os braços na altura do peito, com um bico delicado nos lábios

Um lindo bico, diga-se de passagem. 

_ Foi você quem pediu. - Pegou-a pelas pernas, jogando-a em suas costas. 

_ Me sinto um saco de farinha. - Ouviu seu tom baixo, seguido por uma risada. 

Ele riu, voltando a caminha em direção à sua casa. 

Como suspeitava, Katniss não pesava muito para deixa-lo cansado. Na verdade acreditava que era bem mais leve do que os pesos que levantava quase que diariamente. 

_ Eu diria que você é um pouco mais leve do que isso. 

_ Pode me colocar no chão, isso é humilhante. Eu vou com você. 

_ Não quero correr o risco de você sair correndo. 

_ Sou tão previsível assim? - Ela riu mais uma vez, fazendo-o dar de ombros. 

_ Um pouco. Além do mais, assim me poupa uma corrida atrás de você. 

_ Chato. 

_ Eu sei. - Ele riu. 

_ Sabia! Vocês nunca venderam sua casa. 

_ Acho que meu pai sabia que um dia íamos voltar. Não parava de enche-lo, dizendo que queria ficar com você de novo. - Peeta a colocou no chão, assim que passaram pelos portões alto um pouco afrente da bela casa. 

_ Eu queria ir para Londres. Meu pai - Ela pigarrou por um instante, respirando fundo antes de começar: _ Disse que podia te ver no Natal e ficar em Londres até o começo das aulas. Me prometeu que iríamos em todos os feriados também. 

_ Por que nunca foi? 

_ Prim. - Disse somente, balançando a cabeça por um segundo. _ Oh, ainda tem o balanço. - Ela sorriu. 

Katniss soltou sua mão, antes de saltitar até o enorme carvalho ao lado da casa. Sentou-se no balanço, criado pelos dois quando tinham cinco anos e começou a se balançar. 

_ Quer ficar aí? Vou lá dentro pegar algum remédio e, quem sabe, um pouco de água. 

Virou os calcanhares assim que Katniss balançou a cabeça afirmando, ainda com o sorriso infantil nos lábios, os quais - hora ou outra - soltavam risadas baixas. 

Ele não podia deixar de sorrir. Por mais bêbada que ela parecia estar e, por que não, drogada, ele sentia falta das risadas e sorriso da menina. 

Encontrou em casa, pegando rapidamente o que necessitava e voltou para o jardim, abaixando-se na frente da morena, que parou de balançar. 

Peeta sentia o olhar de Katniss em si, enquanto passava delicadamente o algodão sobre o corte, tirando alguns cacos grandes que marcavam seus joelhos. 

_ O que aconteceu? - Perguntou depois de alguns minutos de silencio, assim que terminou de passar o remédio no joelho. 

_ Eu cai. - Ele ergueu os olhos azuis claros para encara-la. 

Algo em sua voz denunciava a mentira. Parcial, porém mentira. 

_ Não vai me falar a verdade.

_ Você vai achar que fiquei louca. 

_ Loucura é algo relativo, Katniss. 

_ Não. Loucura é problema na cabeça, Peeta. Não seja tão filosófico. 

Ele riu, revirando os olhos para ela. 

_ Vai me contar ou não? 

_ Tenho escolha? - Ele negou com a cabeça, enquanto pegava sua mão direita para passar o remédio ali também. _ Eu vi… Eu a vejo, as vezes. Primrose, gritando para mim. Quer dizer, foi culpa minha afinal. Mas não gosto, sabe? Já me jogaram muito isso na cara e … Eu não estou sóbria o suficiente para essa conversa, Peeta. - Ela riu, passando a mão livre nos cachos amassados. 

_ Não vai me contar o que aconteceu quando estava fora, não é? 

_ Talvez um dia, quando estiver sóbria. - Ela deu de ombros. 

_ Você mudou. 

_ As pessoas mudam, Peeta. 

_ Não em tão pouco tempo, Katniss. - Ele suspirou, antes de passar as mãos pelos cabelos loiros. 

Um gesto que Katniss conhecia bem demais. 

_ Pouco tempo? Passaram-se cinco anos. Você não tem noção do que aconteceu quando estava fora. No máximo sabe o que te contaram, não sabe o que eu passei. O que aconteceu comigo. 

_ É isso que eu quero saber, Kat. Você simplesmente sumiu, sem me deixar nada. Ninguém queria comentar o que estava acontecendo com você e aos poucos, pararam de te mencionar na conversa. Você se afastou deles. 

_ Muitos deles se esqueceram de mim antes de me afastar, lindo. - Katniss bufou, levantando-se do balanço. _ Vou para casa. 

_ Eu te levo. 

_ Não precisa. 

_ Precisa sim. Vem, nós vamos de carro. 

***

_ Shiu - Katniss murmurou baixo, colocando o dedo indicativo sobre os lábios assim que abriu a porta da sala de casa, com um sorriso nos lábios. 

Peeta sentia-se aqueles adolescentes de filmes, que entraram na casa da namorada escondidos. 

No caso estava entrando na casa da melhor amiga bêbada, para deixa-la na cama e ir embora.

É, talvez não tivesse sido uma boa comparação. 

Subiu as escadas na ponta dos pés, levando os sapatos da morena na mão direita enquanto a outra estava pousada na cintura de Katniss, uma vez que ela mais cambaleava do que andava. 

Seguiu por um pequeno corredor até a última porta fechada, onde ela entrou rapidamente. 

Ele fechou a porta atrás de si, colocando o sapato no chão e observando ao redor. 

_ Você continua a mesma bagunceira. - Ele murmurou, fazendo-a rir baixo. 

_ Bagunceira não, preguiçosa, é diferente. 

Ele balançou a cabeça, com um sorriso leve nos lábios. 

_ Você vai colocar o pijama ou precisa de ajuda? 

_ Pijama eu coloco sozinha, se quiser me ajudar no banho, eu deixo. 

_ Não abuse do meu auto controle, Everdeen. - Ele soltou, enquanto Katniss arrancava o vestido e jogava no canto do quarto. 

_ E se eu quiser abusar? - Ela perguntou, mordendo o lábio inferior. 

Certo, ele teve de respirar fundo para não fazer nada. 

_ Banho, Katniss. 

_ Credo, parece pai. Cade o seu senso de humor, Peeta? 

_ Ficou junto com o seu vestido. 

Ela riu alto, pegando a toalha em cima da cama. 

_ Me espere. Não se mexa, não pense, não fale. Fique. - Disse, antes de entrar no banheiro e bater a porta atrás de si. 

_ Onde você tem aspiras, Kat? - Ele encostou a cabeça na porta fechado do banheiro, a fim de escuta-la. 

_ Na segunda gaveta. 

Merda, Katniss conseguia ser mais bagunceira do que ele. Para chegar na segunda gaveta da cômoda, deve de jogar algumas peças de roupa em cima da cadeira rosa no canto do quarto. 

Pegou o remédio, colocando-o em cima da escrivaninha e tirou a roupa em cima da cama, liberando-a para Katniss deitar. Ajeitou os travesseiros, antes de arrumar os cobertores a tempo de ouvir a porta do banheiro se abrir e uma Katniss muito mais limpa e arrumada saísse de lá, trajando um conjunto de pijama curto demais para a sua saúde mental. 

_ Toma, assim você não fica tão ruim amanhã. - Ele entregou-lhe o remédio, o qual ela engoliu sem nem ao menor pegar água. 

Katniss jogou-se na cama, acomodando-se por um instante, antes de Peeta cobri-la. 

Ela balançou a cabeça, com o olhar fixo nele.

_ Faz anos que ninguém me coloca para dormir. 

_ Parte do pacote. - Ele sorriu, abaixando para dar-lhe um beijo na testa. _ Boa noite, Kat. 

_ Fica comigo. 

_ Mas e se sua mãe chegar e… 

_ Fica comigo, por favor.

_ Sempre. 

Ele suspirou, derrotado, arrancando o tenis e deitando-se ao lado de Katniss. 

Esta, por sua vez, deitou com a cabeça em seu peito, enquanto ele a envolvia em um abraço. E, pela segunda vez, deu-lhe um beijo na testa. 

_ Boa noite, Peeta. - Ela murmurou, já sonolenta. 

_ Boa noite, Katniss. - Peeta estendeu o braço, apagando a luz do quarto e soltando um bocejo. 

Havia sido, de fato, uma longa noite.