Ninguém nunca seria capaz de entender pelo o que ela passou. Elas adoram julgar e disso entendiam bem, mas fazer um esforço para ver seus motivos era algo impossível.

Ela sabia disso. E odiava, com todas as suas forças, ser julgada. Odiava o modo como todo mundo passou a olhar ela, como se estivesse com dó. Detestava as perguntas do estilo: "Você está bem?". Principalmente, quando na verdade, essas pessoas não queriam saber como ela estava. E, toda vez que alguém dizia que tudo iria ficar bem, tinha uma imensa vontade de gritar que não ficaria. Nunca ficaria tudo bem de novo.

Uma pessoa lhe entenderia. Só ele seria capaz de ouvir o que tinha a dizer e jamais julga-la. Peeta nunca a olharia como se sentisse dó.

Ele a conhecia melhor do que a si mesmo, tal como ela o conhecia.

Precisava dele, naquele momento mais do que nunca.

E ele não estava.

Com o tempo, Katniss simplesmente se afastou. Precisava de Peeta para mante-la inteira e como ele não estava presente, ninguém o faria. Queria estar sozinha, sem ninguém lhe enchendo de perguntas idiotas.

Ela afastou-se de todos.

Depois, com a necessidade natural, acabou entrando em caminhos que, se Peeta a visse, tinha certeza que lhe repreenderia.

Ele tinha razão de fazer isso.

Mas ele não estava. Não estava do seu lado, nem mesmo pelo computador, como prometeu estar.

Ela mudou. Não só porque quis, mas porque houve uma enorme necessidade de juntar seus pedaços e seguir em frente, sozinha.

***

Sua cabeça latejava. Seus olhos lacrimejavam e mal conseguiam se manter abertos, enquanto ela tentava, a todo o custo, manter-se em pé.

Deixou seus joelhos falharem, sentando-se no chão do box, enquanto a água gelada descia pelo corpo. Ela precisava estar apresentável para a escola.

Katniss respirou fundo, encostando a cabeça no azulejo e ficou naquela posição até que sentiu seus músculos ficando rígidos. Juntando o máximo de coragem que conseguiu, levantou-se do chão, desligando o chuveiro.

Enrolou-se na toalha felpuda, enquanto olhava-se no espelho. Havia duas grandes olheiras abaixo de seus olhos acinzentados tão escurecidos quanto o céu antes de uma tempestade. A tempos não via seus olhos claros, como costumavam ser em épocas atrás.

Passou as mãos pelos cabelos molhados, prendendo-os antes de fazer uma maquiagem rápida, escondendo todas as imperfeições de seu rosto e dando-lhe a cor necessária para que a mãe não lhe enchesse.

Voltando ao quarto, colocou a roupa já separada em cima da cama, antes de olhar-se no espelho mais uma vez.

Ergueu um pouco da manga de sua camiseta, suspirando aliviada por estar bem escondido seu roxo no braço pálido e voltou a soltar seus cabelos, passando o secador rapidamente para deixa-los com o efeito desejado.

Antes de colocar seus sapatos de salto, pegou a bolsa dentro do guarda roupas, jogando o material necessário e seu iPhone branco e finalmente deixou o quarto, respirando fundo.

Encarar o café da manhã era mais um problema.

Talvez, só um talvez, conseguisse passar pela sala despercebida pela mãe e conseguiria fugir para a escola sem ter que encara-la. Seria uma ótima opção essa, sem dúvida alguma.

Decidida a tentar, Katniss desceu as escadas fazendo o mínimo de barulho possível. Bufou baixo ao encontrar a mulher de cabelos claros passando pelo corredor da sala até a cozinha.

_ Bom dia, querida. - Disse, erguendo uma sacola na direção da filha.

_ O que é isso? - Ela ergueu as sobrancelhas escuras, desconfiada. Desde quando sua mãe comprava alguma coisa para ela?

_ Vi na loja ontem a noite. Não quis lhe acordar quando cheguei - Escondeu um breve sorriso, fazendo-a revirar os olhos.

Era obvio que Elizabeth sabia que a filha havia chegado de madrugada em casa. Preferia ignorar, como sempre fazia.

_ Desde quando compra algo para mim?

_ Para uma ocasião especial, merece algo especial, Katniss.

_ Ocasião especial?

_ Um ano hoje! Em que mundo você vive, filha?

Ah, era disso que estava se referindo então. Claro, era a única coisa com que se preocupava de verdade.

Não entendia, e preferia ficar sem entender, a necessidade que Elizabeth tinha em manter a filha namorando. Principalmente quando essa não agüentava mais olhar para a cara do dito namorado.

_ Gale me ligou ontem de tarde, disse que está preparando algo incrível para vocês hoje. Claro que disse para eu não lhe contar, mas quando vi esse vestido, precisei comprar. Finja surpresa hoje a noite, sim?

_ Mãe, hoje é segunda. Não vou sair com ele.

_ Claro que irá. Ele está preparando algo para os dois, não seja chata e estraga prazeres, Katniss. - Bufou, arrancando a sacola das mãos da filha. _ Vá para a escola, vai chegar atrasada. - Completou, voltando para a cozinha.

Quando pretendia ir para a escola sem comer, era apenas para passar despercebida. Se tivesse que encarar a mãe logo cedo, iria para a cozinha.

Balançou a cabeça, ignorando a barriga a qual reclamava pela falta de comida.

Pelo menos iria emagrecer.

***

Existiam vozes irritantes. E existia a voz de Glimmer. Katniss duvidava infinitamente que aquela era mesmo a voz da menina. No mínimo, ela deveria forçar para que a voz ficasse ainda mais fina. Ou talvez só para ter a voz mais de vadia mesmo.

Concentrou-se no espelho, ignorando a todo o custo o relato da noite anterior com algum jogar de basquete ridículo da escola que a amiga fazia, retocou o gloss em seus lábios antes de ajeitar os cachos perfeitos.

Sentia falta de Annie. Principalmente quando era obrigada a ouvir a quantidade absurda de perversões que saiam da loira.

Achava tão desnecessário tudo aquilo. Parecia que ela queria mostrar o quanto linda e perfeita ela conseguia ser na cama com alguém.

Como se Katniss se preocupasse com isso.

_ Você não parece muito bem hoje, Kat. Aconteceu alguma coisa? - Glimmer ergueu seus perfeitos olhos azuis, emoldurados com uma camada generosa - até demais - encarando Katniss.

Ela simplesmente deu de ombros. Não era como se Glimmer realmente quisesse saber o que tinha acontecido.

Estava preocupada demais em contar à Katniss sobre a noite passada. Provavelmente apenas perceber que a morena não fazia o menor esforço para ouvi-la.

_ Só estou com um pouco de dor de cabeça. - Abriu um sorriso falso, encostando-se no mármore gelado da pia do banheiro.

A loira riu baixinho, balançando a cabeça em uma negação.

_ Você tem que parar de beber tanto aos domingos, Katniss.

Mais um dar de ombros. Conselhos eram completamente desnecessários na sua vida.

_ Vou pegar meu horário. - Anunciou, saindo do banheiro antes que Glimmer decidisse lhe fazer companhia.

Precisava ficar sozinha para colocar a cabeça no lugar e tirar, de alguma forma, a voz irritante de sua cabeça. Soava nos tímpanos, aquilo não era nada agradável.

Jogou a franja para o lado, ajeitando-a com as mãos, antes de virar à caminho da secretaria. Porém, antes que pudesse dar um único passo, paralisou ali no lugar.

No meio da multidão de alunos, um par de olhos azuis a encaravam de um modo que a muito não a olhavam. Não era um azul comum, igual ao de Glimmer ou de seu namorado, por exemplo. Era como o céu numa manhã de verão. Um azul limpo, lindo e perfeito o qual conhecia muito bem.

Peeta.

Seu corpo se moveu por vontade própria. Um instante estava parada, o encarando sem reação alguma e, no segundo seguinte, estava se jogando em seus braços e enterrando a cabeça em seu pescoço.

Estaria sonhado?

Não, era impossível. Nem mesmo em seus sonhos mais realistas era capaz de sentir aquele misto de sensações maravilhosas que só ele lhe causava.

Quanto tempo havia se passado mesmo desde que sentia alguma coisa?

Respirou fundo, sentindo o cheiro maravilhoso de sua colônia masculina antes de se afastar um pouco para encara-lo nos olhos

Ah, que vontade de beija-lo.

_ Katniss. - Seu murmuro a fez estremecer. O hálito de hortelã banhou-se o rosto, fazendo-a sorrir um pouco.

Antes que pudesse abrir os lábios para dizer qualquer coisa, uma mão grande puxou-lhe o braço, fazendo-a se afastar de Peeta.

_ Bom dia, Kat. - A voz soou em seu ouvido. Estremeceu mais uma vez, porém não do jeito gostoso como havia acontecido com o loiro, a segundos atrás.

Ele a virou em seus braços ágeis, depositando um selinho rápido em seus lábios repletos de gloss rosa.

_ Gale. - Sussurrou, soltando-se de seus braços e voltando a encarar Peeta. Só então percebeu que, atrás dele, estavam Finnick e Annie. - Ei, Finn, Ann. - Completou, sentindo a cor chegando um pouco em suas bochechas.

Fechou a expressão mais uma vez.

_ Você voltou, Mellark? - A pergunta de seu namorado a fez revirar os olhos.

Não, não. O Peeta a sua frente é uma progessão, o verdadeiro está em Londres.

_ É tudo fruto da sua imaginação, Hawthorne - Permitiu-se sorrir um pouco, ao ouvir as palavras de Annie.

Ela, pelo jeito, não havia mudado em nada.

_ Voltei esse final de semana, Gale. - Peeta soltou rápido, impedindo uma possível discussão que se formaria ali.

_ Que bom. - Soltou simplesmente, antes de virar seu olhar para Katniss. _ Preciso falar com você, linda. Temos que combinar algumas coisas para hoje a noite.

Tinha mesmo a necessidade de tudo aquilo?

_ Vou na secretária agora, pegar o meu horário e

_ Eu vou com você. - Merda! Queria ter alguns segundos com seu melhor amigo.

_ Tudo bem. A gente se vê por aí, Peeta. Estou feliz por ter voltado. - Disse, passando a mão pelas bochechas coradas do loiro em um gesto involuntário, antes de ser puxada por Gale, mais uma vez.

_ Que palhaçada foi essa?

_ Primeiro me solta. - Ela soltou entre os dentes, puxando o braço com força. _ Você é ridículo. - Completou, antes de caminhar em passos largos.

_ A gente vai conversar. - Gale a seguiu.

Não tinha se quer um único momento de paz na merda que chamava de vida.