Estórias De Terror escrita por Katagyu Suzuki


Capítulo 1
Repetição


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo da minha nova fic original :D Espero que gostem.



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Repetitivo.

Acordo mais um dia, o sol batendo no meu rosto. Era 15 de agosto. Seria maravilhoso, mas este evento que ocorre na minha medíocre vida está me consumindo, inclusive minha infeliz felicidade. No meu IPhone o horário marca exatamente oito horas da manhã. Saio da minha cama com um pulo. Encaro meu próprio reflexo no espelho, os cabelos ruivos bagunçados e os olhos antes azuis, grandes e cheios de vida estão semicerrados, sem brilho. Um azul morto.

Pego uma roupa qualquer do armário, aliás, a mesma de todos os outros dias. Lembro-me do mesmo compromisso de todos esses mesmos, ridículos e entediantes dias. Quanto tempo será que se passou desde a primeira vez que eu tive essa experiência? Sei, pelo menos que isso já acontecia há décadas. Mas quantas? Maldito tempo que não me diz onde estou realmente.

Dirijo-me ao banheiro, onde mesmo já trocado, o olhar vazio continua. Jogo água no meu rosto várias vezes. Acordo um pouco mais. Penteio meus cabelos, de um modo que não ficariam organizados demais e nem muito bagunçados, como antes. Coloco um tênis all-star preto e desço as escadas.

O cheiro do café da manhã delicioso que minha mãe preparara invadiu meu nariz. Ficaria um pouco mais feliz, se aquele cheiro não fosse o mesmo de tantos outros dias.

- Olá – eu disse, fingindo estar pelo menos um pouco alegre – Bom dia.

- Bom dia, querido – ela sorriu de volta para mim, sem nem mesmo notar a minha tristeza. Por sinal, ela nunca nota, nunca notou. Colocou uma bandeja à minha frente, onde se encontravam três waffles e um copo com leite achocolatado.

Fingi um sorriso.

- Obrigado, mãe – comecei a comer devagar, esperando o mesmo telefonema de todos os dias.

Três... Dois... Um.

O telefone toca ao mesmo tempo em que minha contagem termina.

- Filho, - minha mãe me chama – Jade quer falar com você.

- Obrigado – peguei o telefone da mão dela, limpando minha boca com um guardanapo.

- Ryan? – disse Jade, ao telefone – Não se esqueça do passeio! – que coisa repetitiva que eu era obrigado a ouvir, todos os dias – Vai estar lá meio dia e meia, certeza?

Nessa parte da conversa, era onde normalmente tentava impedir o maldito passeio, mas o final que ele apresentava sempre acontecia. Infeliz destino. Ou talvez uma feliz maldição que dera certo, jogada contra mim? Apenas um menino de quartoze anos. É ridículo pensar dessa maneira, apesar de ser a realidade.

- Certeza – respondi suspirando. Um suspiro triste. – Até lá.

Desliguei o telefone. Poderia chorar ali mesmo, apesar de passar tantas vezes por isso.

Depois do café, escovei os dentes, me olhando no grande espelho do banheiro com uma grande cara de tédio. Olhei para meu relógio de pulso. Ele marcava oito e vinte.

Subi para meu quarto, mergulhando a cabeça nos travesseiros em minha cama de solteiro. Na minha cabeça, os pensamentos estavam apenas direcionados à Jade. Tentei memorizar a mesma roupa que ela sempre usava. Um vestido azul de verão, sem alças. Uma sandália preta. Tudo combinava com seus cabelos curtos e pretos, completando com seus olhos castanhos e belos.

Envolto em meus pensamentos, olho distraidamente para o relógio de parede em meu quarto. Exatamente meio dia.

- Já estou indo, mãe – comentei, pegando meu IPhone e me dirigindo à porta de casa – Vou andando pro parque. Não quero almoçar.

- Tudo bem. Até, meu querido – ela respondeu. A mesma resposta mecânica que eu sempre ouvia.

Dirigi-me ao parque com passos pequenos e devagar. Meus pensamentos estavam a mil, pensando na maneira em como isso terminaria hoje. Às vezes, tinha um devaneio e pensava em uma maneira daquilo terminar. Sacudia a cabeça todas as vezes que pensava nisso.

Cheguei ao parque. Olhei ao redor. Pessoas rindo, conversando, jogando cartas, brincando com seus animais, crianças com seus brinquedos. No meu relógio, meio dia e quinze. Meu olhar se desviou para o balanço azul de dois lugares perto da rua, com completo nojo, repugnância e medo. Mais medo do que qualquer outro sentimento. Era ali onde eu o vira pela primeira vez. Aonde a minha vida e de minha amiga acabaram pela primeira vez.

Mais a dela do que a minha.

Ainda com nojo e medo, me dirigi ao balanço, estranhamente vazio. Sentei-me em um dos balanços, observando o vazio, ao meu lado. Segurei as lágrimas. Se começasse a chorar, seria estranho. E não seria apenas poucas lágrimas. Seria um choro alto e ridículo, parecendo o de um bebê. Desviei o olhar para os meus tênis.

- Apareça – falei baixinho.

Nada aconteceu. Apenas aquela névoa de calor, com uma brisa suave, bateu em meus cabelos. Dei um sorrisinho maroto.

- Aqui está você – respondi pro nada.

Ele não ia aparecer antes do acidente, com aquele sorriso idiota. A minha vontade de matá-lo era imensa. Sequei umas prováveis lágrimas dos meus olhos com o pulso direito.

- Ryan!

Levantei minha cabeça. Jade estava do meu lado, segurando um gato preto, e se sentando no balanço ao meu lado. Seus curtos cabelos pretos balançando ao vento. Sem nada pra fazer, comecei a conversar com ela.

- Mas... – disse Jade, em uma parte da conversa – Eu meio que odeio o verão – murmurou enquanto acariciava o gato.

Começamos a andar pelo parque. O gato preto pulou de seu colo e fugiu. Enquanto perseguia o gato, que andava em direção à rua, o sinal ficou verde para os carros no momento em que Jade pisou na faixa de pedestres.

Um caminhão passando a atingiu, e foi embora, sem a ajudar ou qualquer coisa. Apesar de aquela cena de Jade morrendo ser repetitiva, eu comecei a gritar e a chorar, como em todas as outras vezes. A cor do sangue espalhada pela rua me fez engasgar, levando minhas mãos à minha boca.

- Não é mentira – disse uma voz debochante.

A névoa de calor estava parada ao meu lado. Ela, apesar de ter uma forma masculina, era idêntica a mim, com uma diferença que os cabelos dela eram pretos, igualmente os olhos. Ela riu alto. Ninguém parecia notá-la, tirando eu.

- Não é mentira – repetiu, apontando para o corpo de Jade, no chão.

Logo, tudo começou a ficar preto, e aquele som irritante de cigarras cantando invadiu meus ouvidos novamente. Antes de perder a minha visão, aquela névoa riu de mim, acenando.

Eu acordei na minha cama, com o som dos ponteiros do relógio da parede do meu quarto ecoando. Que horas são? Pego meu IPhone que estava ao meu lado, como sempre. Dia 15 de agosto, um pouco depois da meia noite. Suspirei, largando o celular ao meu lado e tentando dormir novamente.

Depois de todo o ritual da manhã, lá estávamos no parque de novo, caminhando. O gato pulou dos braços de Jade, que começou a correr para alcançá-lo. Segurei seu braço.

- Que tal irmos pra casa por hoje? – o meu olhar era triste, e Jade não me questionou.

Estávamos atravessando a rua, em outra faixa de pedestres, bem longe daquela outra, do “dia” passado. De repente, as pessoas ao nosso redor apontaram para cima e pareceram impressionados. Virei minha cabeça para aonde elas apontavam.

Tarde demais.

Um cano que caiu do céu perfurou Jade, atravessando seu corpo bem no meio, lugar onde deveria ficar o coração. Aquele cano era parte de uma estrutura de um prédio em construção, na esquina onde estávamos. Desequilibrou-se ao ser colocado em seu lugar e caiu... Matando minha amiga.

O som de gritos ecoou entre o local. Novamente, levei minhas mãos a boca e nariz. Maldito cheiro podre de cadáver e sangue misturados. Corri até Jade, me ajoelhando em sua frente, chorando.

- Não é um sonho – disse a mesma voz de todos os dias.

A névoa de calor estava parada defronte a mim e Jade, com aquele sorriso babaca e maroto no rosto.

- Não é um sonho – repetiu. Por que ela sempre repetia, nunca soube, talvez nunca saiba. Olhei para o corpo de Jade, minha visão escurecendo de novo. Antes de tudo ficar escuro, tive a impressão de que... De que ela estava sorrindo.

Acordei na minha cama. Mesmo horário. Dia 15 de agosto, um pouco depois da meia-noite. Começando o mesmo ritual, de todos esses dias horríveis. Tentei fazer diferente, hoje. A minha vida agora, era aquilo, ver a morte de minha amiga de infância todos os dias. Sempre tive uma esperança de que se eu fizesse alguma coisa, ela pararia de morrer, nossas vidas voltariam ao normal.

Hoje, quando ela chegou ao balanço, e o gato preto fugiu, puxei-a pelo braço até a rampa de skate, que ficava em cima de uma cobertura, construída para não atrapalhar outras pessoas. Ali parecia tranquilo, talvez ela não morresse ali. Olhei para o lado. A névoa de calor estava ali, apoiada na parede, bem próxima de mim, com as mãos no bolso. Olhou para onde Jade estava. Estranhei, ela nunca aparecera antes que Jade morria. Meu coração batia mais rápido, o medo invadindo meu peito. Tentei encontrar a mão de Jade, mas ela não se encontrava mais ao meu lado. A névoa riu.

- É a realidade... – disse.

Olhei para as escadas. Arrependi-me profundamente de termos ficado próximos a ela. Jade tropeçara e caíra das escadas, batendo a cabeça no chão. Pelo jeito, rolara pelos degraus, pois seus braços e pernas estavam virados em ângulos estranhos, o sangue estava correndo ao redor dela.

- É a realidade... – a névoa sussurrou no meu ouvido, fazendo-me arrepiar, e ouvindo mais uma vez, aquelas irritantes cigarras, minha visão ficou preta e acordei na minha cama.

Dessa vez, não tentei dormir de novo. Comecei a refletir. Cheguei a conclusão que nesse tipo de história, só pode haver um final. E ele só pode ser encontrado além desse dia de verão repetido.

Dessa vez, ao ver Jade começar a perseguir o gato e pisar na faixa de pedestres, puxei-a pra trás pelo vestido, e o caminhão acertou em mim. Vi meu próprio sangue sendo derramado pela rua, e agora era Jade com as mãos na boca e no nariz, chorando. A névoa estava parada em frente a mim, com um rosto perplexo. Finalmente aquele sorriso babaca e inútil desaparecera de seu rosto.

- Você mereceu – eu disse pra ela, rindo.

Para minha incrível surpresa, aquele dia de verão, foi normal.

Alguma coisa acabou dessa vez.

Meus dias monótonos de repetição finalmente terminaram.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram?
Quero deixar claro que essa one-shot foi criada em base da música Kangerou Days - Hatsune Miku.
Até a próxima história!