Psycho escrita por H Lounie


Capítulo 7
Sir Pigmaleão, o insatisfeito do labirinto




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Mitologicamente falando existem monstros, monstros feios, monstros grandes, e bem, existe aquilo. Não era grande, mas isso, de certa forma, tornava-o mais difícil de matar. Era rápido, tinha presas grandes que gotejavam veneno, olhos amarelados e frios e, como nunca damos sorte, ele soltava fogo pela boca. Corremos por um corredor estreito que acabava em uma bifurcação. O basilisco se ergueu em sua cauda de serpente, sibilando e expandindo o colar de espinhos brancos ao redor de seu pescoço.

Lançou uma onda de fogo atrás de nós e eu senti as pontas dos cabelos chamuscarem e Blake, que vinha na retaguarda, gemeu de dor.

- Vamos seguir por ali! – Ele gritou, apontando para a bifurcação na qual se estendia um túnel estreito.

- Ah, mas isso é ridículo! – Grunhiu Lexy, que corria ao meu lado – Não vou fugir dessa coisinha.

E deu meia volta, brandindo sua espada e gritando. Eu poderia não ser muito boa com probabilidades, mas eu sabia que ela não ia vencer aquilo. O tamanho do basilisco não media seu poder, assim como Lexy não media seu orgulho.

- Lexy, venha! Não podemos vencê-lo! – Gritei, mas ela fez que não me ouviu.

Outra rajada de fogo foi lançada, fazendo-me recostar a parede junto a Blake, enquanto Lexy era empurrada para frente pelo fogo, sem nenhum escudo para protegê-la. O basilisco investiu contra ela, empurrando-a pela bifurcação e adiante através do túnel, cravando as presas envenenadas em seu braço. Seu gritou de dor ecoou pelo espaço, então os seguimos, o basilisco a nossa frente empurrando Lexy pelo túnel, até estarmos em uma sala levemente iluminada.

E então, sem que pudéssemos fazer nada, vimos Lexy e basilisco despencarem em um fosso de águas escuras, sumindo de vista em segundos.

- NÃO! – Gritamos Blake e eu em uníssono, apoiando-nos na beirada do fosso, sem conseguir ver nada.

Perdemos Lexy não muito depois do agora não tão sutil aviso de Términos sobre o orgulho. E o pior: o fio de Ariadne estava com ela.

- Perdemos Lexy – Blake estava pálido.

- Perdemos o fio de Ariadne – Senti que ia desmaiar – Dionísio vai me matar.

- Oh, mas que pena – Disse uma voz aguda perto de onde estávamos – Esse fosso vai diretamente para o Tártaro, é claro. Receio que sua amiga tenha muito azar.

Muitas coisas giravam em minha mente, uma em especial: “Algo pior que a morte”, seria isso? Amaldiçoei-me por ter desejado que essa parte se referisse a Lexy desde o inicio, eu não gostava dela, mas o Tártaro? Não, definitivamente ela não merecia isso, ninguém merece, exceto titãs e monstros.

Minha atenção foi então atraída para quem falou. Era um homem feio. E feio talvez fosse, muito provavelmente, eufemismo para sua aparência. Seu rosto era enrugado e desigual, tinha algo que parecia acne, mas era mais profundo, como uma doença de pele, talvez. Seus olhos eram vazios e escuros e de sua cabeça brotavam tufos de cabelo grisalho. Quando sorriu, notei que havia vários dentes faltando e os que restavam estavam tortos e estragados. Sua pele tinha um tom acinzentado que o deixava com a aparência severamente doente. Sua roupa era uma toga que um dia talvez tenha sido branca, mas hoje apenas retalhos amarelados. E então, para minha completa surpresa, suas mãos eram impecáveis, como as de um jovem pintor, brancas e de aparência macia, de dar inveja a qualquer um.

- Quem? – Foi tudo que consegui balbuciar, ainda chocada por Lexy e mesmo pela presença do homem. 

Notei a sala com mais atenção. O lugar era repleto de estátuas de mulheres, ou melhor, de uma mulher só, em todas as formas. Ela era linda, esculpida com cabelos longos e um desses vestidos gregos, com mangas. Era, de certa forma, assustador, ela parecia estar nos encarando com aquele seu sorriso eterno de pedra.

- Eu sou Pigmaleão – o homem suspirou, como que cansado – Essa é minha Galatéia – Findou, apontando tristonho para as estátuas.

- Pigmaleão? – Eu tive que rir. Blake me deu um cutucão nas costelas – O que foi garoto?

- Pigmaleão era um artista – Blake murmurou, enquanto Pigmaleão olhava apaixonado para a estátua mais próxima – ele fez uma estátua muito perfeita, enquanto tentava reproduzir a mulher ideal. Resultado? Ele se apaixonou pela estátua.

- Argh! Isso é doentio e bem estúpido.

- Não é só isso, Afrodite viu o quanto ele a amava e quão perfeita havia ficado a estátua, então deu vida a ela, chamou-a de Galatéia. E ela se casou com Pigmaleão.

- Então onde ela está? – Procurei entre as estátuas, mas nenhuma mulher estava à vista.

- Voltou a ser o que era – Pigmaleão falou, aparente tinha ouvido o que falávamos – Afrodite me alertou sobre isso. A personalidade, ela disse, como você quer a personalidade? Quis que Galatéia me amasse mais que tudo e isso foi o que me forçou a... Oh! Tanto ciúme, você sabe, ela não me deixava para nada... Afrodite a fez virar estátua outra vez porque, ah, minha pobre Galatéia!

A tristeza na voz dele era de cortar o coração. Senti até vontade de abraçá-lo. “Sorry, você é patética” Até Loucura estava séria como jamais vi, quase como comovida.

- Afrodite ficou profundamente desgostosa – Ele lamentou – E estou preso a isso para sempre, e sempre. Ficarei com Galatéia de uma forma ou de outra, sem jamais descansar. Um castigo eterno em um lugar eterno.

Todas aquelas Galatéias de pedra pareceram sorrir em deleite, como se estivessem adorando aquele castigo.

- Mas eu digo uma coisa semideuses, eu não posso aguentar isso muito mais. Eu preciso partir.

- Há alguma coisa que podemos fazer para ajudar? – Perguntei tremula. Ele balançou a cabeça negativamente.

- O único jeito é conseguir o perdão de Afrodite por ter desdenhado seu presente, por ter desprezado o amor. Já a chamei tantas vezes, mas ela nunca responde.

Queria dizer que não era tão simples assim, que os deuses não chegavam e simplesmente respondiam a chamados, mas antes que eu fizesse isso, ele começou a gritar:

- Afrodite! – Seu rosto foi tingido de vermelho, olhando para o teto como que procurando por algo – Oh deusa do amor e da paixão. Ouça o meu chamado! Afrodite!

Eu ia pedir para ele parar de gritar, pois aquilo era a maior idiotice, mas então uma voz metálica soou em toda a sala.

“Você acabou de chamar Afrodite. Aguarde um instante, seu pedido é muito importante para nós. Sabemos que tem mais opções, obrigado por nos escolher”

- Ora veja! – Pigmaleão parecia maravilhado – Ela vai me atender enfim!

- Isso não pode ser verdade – Blake parecia perplexo.

“Sua chamada será completada em três... dois... um.”

O ar se encheu com o cheiro de perfume de grife e flores brotaram do chão, ao mesmo tempo em que a mulher mais bonita que eu jamais vi surgiu em brilho rosa. Tinha os cabelos mais incríveis, os olhos mais brilhantes e a pele mais perfeita, me fazendo sentir nauseada pela inveja, me fazendo querer ser ela.

- Olá, quem me... Oh, Pigmaleão, o que quer? – Sua voz era suave e musical, levemente irritada ao dirigir-se a Pigmaleão – E quem mais tenho aqui, ah! Blake e Sury, absolutamente! – Afrodite bateu palminhas e sorriu animada – Estou tão empolgada com a missão de vocês, finalmente se livraram daquele pequeno empecilho, eu vejo aqui.

- Empecilho? Está falando sobre Lexy? – Perguntei atônita, ainda sentindo a inveja incomodar.

A deusa sorriu, tocando o alto de minha cabeça levemente. Um leve choque percorreu meu corpo, e notei a sujeira dele sumir, meu cabelo cair suavemente em meus ombros, as ondas negras acomodam-se perfeitamente, minha pele parecia radiante e minhas roupas, agora limpas e exalando um cheiro bom, foram mudadas de jeans rasgado, camiseta do acampamento e tênis para calças justas de corridas com botas de combate de couro sobre elas e regata colada ao corpo coberta por um casaco de um tecido leve, em cores escuras que combinavam entre si e impossivelmente confortáveis, que me faziam sentir como uma espiã de filmes.

- Caramba, Sury, você está bem bonita – Blake falou, seus olhos com aquele brilho estranho.

Afrodite soltou um risinho baixo, agitou as mãos e Blake estava limpo, sem qualquer outra modificação. O recado da deusa era claro: esse não precisa de melhorias.

- Desde o início essa missão era para ser só de vocês, a outra já foi tarde.

- Mas e quanto a parte da profecia, para algo pior que a morte um...

A deusa agitou as mãos, um sinal claro para parar de falar.

- Não me pergunte sobre isso, eu não saberia lhe responder, apenas sei que era só para vocês estarem aqui, de qualquer forma.

- Mas Quíron disse que três é um número... – Blake começou, mas novamente Afrodite agitou as mãos. Se ela não fosse uma deusa, eu diria que aquilo era como um surto de TDA.

- Não me importo com o que o centauro disse, agora, não me chamaram para isso, imagino.

- Fui eu deusa! – Pigmaleão chamou.

Eu fiquei pasma. Tive que piscar os olhos várias vezes para ter certeza, pois de alguma forma Pigmaleão estava absolutamente deslumbrante. Não sei se seria possível descrever com perfeição no que ele havia se transformado, era como se a simples presença de Afrodite tivesse feito ele mudar de forma divinamente impossível, até. Seus cabelos estavam em um tom dourado perfeitamente cortados e penteados, em seu rosto não havia sequer uma marca de expressão, seus olhos outrora vazios e escuros brilhavam em um tom de chocolate liquido, exibia um sorriso perfeito e roupas impecavelmente brancas, algo naquilo me fez pensar que ele era exatamente assim nos tempos antigos, a presença de Afrodite o fez se revelar como ele realmente era, antes de Galatéia e toda a história.

- Eu imploro deusa, por favor, livre-me disto, eu não posso mais – Ele balbuciou, caindo de joelhos em frente à deusa que o olhava inflexível.

Afrodite suspirou, piscando os belos olhos, como se ponderasse a questão. Parecia estar editando seu texto, como que se esforçando muito para criar algo coerente e deixar-lhe com razão no fim. Notei Blake a encarando com algo que julguei como sendo dúvida, o que era bem estranho. Deuses, ali estava Afrodite, a mais bela dentre as deusas, e ele a olhava com dúvida e não com deslumbre. Certamente havia algo muito estranho ali. Afrodite sorriu para o filho de Zeus, mas isso não o fez relaxar de forma alguma, continuou com aquele olhar interrogativo na direção a deusa, que não parecia de nenhuma forma incomodada com isso, como se os dois guardassem um segredo.

- Bem, meu querido Pigmaleão, eu o havia alertado antes, às vezes o amor pega todas as suas forças apenas para manter-se seguro. Você ficou tão ansioso que esqueceu o que mais importa, a personalidade. A beleza, sim, isso é importante, mas a personalidade é fundamental. O amor é poderoso, eu lhe disse. Os mortais o tratam de maneira tão trivial que isso me enoja! – A deusa parecia de fato ultrajada - o amor está tão vandalizado hoje em dia, ao invés de vivê-lo, de senti-lo, apenas exigem-no, como se fosse uma mercadoria barata. É tão raro encontrar o amor verdadeiro hoje.

Ela lançou um olhar sugestivo a mim, algo que me deixou confusa, como se ela esperasse algo de mim.

- Já vi amores que eram para sempre acabarem em uma noite, nesse caos que virou o mundo moderno – Findou com um suspiro – Mas bem, amor também é perdão.

Seu olhar recaiu sobre Pigmaleão, ainda ajoelhado de cabeça baixa a sua frente.

- Meu valente, creio que é hora de romper as correntes.

- Minha... Minha senhora? – Os olhos do homem foram tomadas por lágrimas, suas mãos tremendo violentamente.

- Descanse, meu nobre homem. Você já aprendeu sua lição.

Afrodite beijou-lhe os lábios com delicadeza, e a imagem de Pigmaleão começou a se desfazer em brilho rosa. A nossa volta, as estátuas de Galatéia ruíam e se despedaçavam, voltando ao pó.

- Pobre homem – Sussurrei, mas é claro que Afrodite ouviu.

- Ele descobriu porque as pessoas não gostam de ficar sozinhas – Falou ela, seu rosto adquirindo uma expressão séria, quase preocupada – A solidão nos coloca a prova de uma das coisas mais perigosas que existe. Talvez a maior delas, se eu bem estou certa.

- E o que seria?

- Nós mesmos.

Naquele momento o olhar da deusa parecia abrigar todo o mundo. Seus olhos brilhantes pareciam refletir um infinito de possibilidades. E nela havia tanto poder, um poder que eu desconhecia. Aquilo me fez recuar, aquilo emudecia Loucura, eu soube naquele momento quão poderosa arma era o amor e o quanto ele poderia destruir com toques e caricias.

- Bem, receio que eu deva ir agora – A deusa sorriu – E quanto a vocês, só me resta desejar-lhes boa sorte. Ainda tantas surpresas pela frente, eu chego a ficar emocionada com isso, vai ser tudo tão... lindo.

Afrodite soava sonhadora e perigosamente cheia de razão e conhecedora do futura. Ela soprou-nos um beijo e desapareceu em névoa rosa, levando o cheiro bom do lugar com ela.

E agora? Fazia frio, estávamos cansados, famintos e completamente sem opções.

- Blake?

- Sim?

- Estamos com grande problemas.

Desabei no chão, recostando-me à parede. E ali estava o mundo todo desabando sobre nós outra vez, como sempre. Eu sabia que aquela missão seria um fracasso e eu viraria uma piada. Os olhos de Blake refletiam um grande nada agora, nada além de preocupação e medo. Eu não deveria estar muito melhor, e nenhuma idéia vinha à mente, nada estava ao alcance.

- Como vamos seguir? Como faremos para...

Percebi que estava chorando, o que era realmente perfeito. Blake sentou-se ao meu lado, envolvendo-me em um abraço desconfortável, beijando-me o alto da cabeça.

- Nos mandaram para morrer aqui, Blake – Falei, percebendo o quanto essas palavras soavam verdadeiras.

Blake deve ter percebido o mesmo, porque senti seu corpo se enrijecer.

- Não, vamos encontrar um jeito, deve haver um... Tem que haver. Vou achar um modo de sairmos vivos daqui, confie em mim.

Soltei um suspiro exagerado, de pura descrença. Blake riu baixinho, acariciando meus cabelos.

- O que foi? Não confia em mim, é isso?

- Alguns de nós aprendem a não confiar nas pessoas de uma forma meio dolorosa.

Soei como uma criança mimada que perdeu o colo, mas isso não tinha muita importância.

- Sinto que teremos ajuda, há algo atrás de nós desde que entramos.

- Você viu algo?

- Não.

- Então como pode acreditar que é real?

- Certo Sury – Ele respirou – Imagine você sendo um herói dos tempos antigos, não, não um herói, um cidadão que viveu nos tempos dos heróis, caminhando sozinho no meio de um lugar deserto. Você vê um movimento pelo canto do olho, acredita ser um monstro. Você corre, você sobrevive.

Eu assenti, como se tivesse compreendido, coisa que não aconteceu realmente.

- Ou então você vê o movimento e imagina ser apenas o vento. Você fica, você morre – Ele esperou, mas eu não disse nada, não entendendo qual era a ligação daquilo com o seu pressentimento – O que eu quero dizer é que nós somos descentes daqueles que correram, acho que temos tendência a acreditar naquilo que não vemos, independente da circunstância.


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