Psycho escrita por H Lounie


Capítulo 5
Loucura gritante




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Subi a colina arrastando as pernas, ouvindo uma lá-lá-lá incomodo em minha mente. Eu queria gritar, lançar-me no chão, fazer qualquer coisa para pará-la, mas Loucura não parou de berrar besteiras em minha mente o tempo todo até estarmos dentro da van de Argos, sacudindo pela estrada em direção a Manhattan. Aquela era uma missão insana. E ela gostava de coisas insanas, deixou claro isso desde o início.

“Você não faz idéia sorry, nós vamos nos divertir tanto” Ela disse, voltando a cantarolar seu lá-lá-lá estúpido. Eu estava decidida a não responder, não perguntar e principalmente não incentivar aquilo a continuar. Talvez ela se cansasse se mim e se fosse, embora isso me parecesse meio improvável. Algo me dizia que Loucura não ia ser fácil. Respirei fundo, recostando-me no banco, descansando a cabeça no vidro, mal percebendo as horas de viajem passarem.

- Tudo bem, Sury? – Estava tão absorta no cantarolar de Loucura que demorei a perceber Blake falando comigo, só voltando a mim quando ele começou a sacudir meu braço.

- Ah, sim? Eu estou bem, só estou, você sabe, preocupada com a missão e tudo.

- Entendo – Ele sorriu compreensível, um brilho estranho surgindo em seus olhos – Sabe aconteceu uma coisa estranha ontem, parece que uma deusa...

- Ei perdedores, olhem aquilo! – Lexy interrompeu o que quer que Blake fosse falar – Aí, Argos, pare aqui, precisamos checar isso.

Era um outdoor imenso de uma construtora qualquer, ao lado esquerdo da rodovia movimentada. Exibia um prédio bonito, pessoas felizes e um grande delta esverdeado em um dos cantos. Quis acertar a cabeça de Lexy com um martelo para que ela parasse de ser idiota, afinal aquilo era apenas um anúncio publicitário, mas ela cruzou a rodovia a toda, deixando-nos do outro lado da estrada.   

- Vamos lá Lexy! – Blake gritou - Você não pode achar que seria tão obvio assim, certo?

- Então me diga, filho de Zeus, já está arrependido de trazê-la conosco? – Falei, mostrando-lhe meu melhor sorriso de triunfo.

Lexy analisava o outdoor como se o desafiasse a se transformar em uma entrada para o labirinto. Sacudia-o e xingava, mas nada acontecia.

- Vamos embora, não há nada aí Lexy! – Gritei, vendo a menina virar em minha direção com um olhar homicida.

Ela atravessou marchando a rodovia tripla enquanto os carros buzinavam e por muito pouco não a atropelavam. Ao chegar perto da van, cruzou os braços, olhando-nos irritada, mas debaixo daquilo tudo parecia severamente constrangida.

- Entrem – Blake falou – Vamos seguir viagem. Argos?

O jovem loiro mantinha muito de seus olhos fixos em um ponto do outro lado da rodovia, um amontoado de pedras atrás do outdoor. Ele apontou um dedo naquela direção, e a menos que eu estivesse muito enganada, havia um minúsculo delta brilhando entre as pedras.

- Não pode ser! – Quase gritei.

- Ahá! Estão vendo perdedores? – Lexy me deu um tapa na cabeça que me fez tropeçar para frente – Disse a vocês que havia qualquer coisa aqui.

A garota abriu a porta da van com violência, jogando nossas mochilas para nós e agarrando a sua própria, enquanto dispensava Argos sem nem ao menos dizer obrigado pela carona. Sorri para nosso motorista, agradecendo enquanto Lexy voltava a cruzar a rodovia sem qualquer cuidado. Quando a van de Argos fez a volta e ele acenou em boa sorte, Blake e eu, mais cuidadosos que Lexy, cruzamos a rodovia e nos juntamos a filha de Ares que parecia tentar intimidar o amontoado de pedras com o olhar.

- E agora? – Blake falou, em meio a um suspiro.

Instintivamente, movi minha mão, cobrindo o pequeno delta com ela. As pedras rugiram ganhando vida, enquanto se afastavam e mostravam degraus que desciam uns bons três metros no chão.

- E agora nós entramos – Sorri para o filho de Zeus, que retribuiu o sorriso contente, seus olhos brilhando de forma estranha outra vez.

- Certo, certo, senhorita move-rochas. Você primeiro, visto que é a menos importante aqui – Lexy sorriu divertida, empurrando-me para os degraus.

Assim que entramos, a passagem fechou-se, as rochas se unindo novamente, nos deixando no mais profundo breu.

- Não vamos voltar por onde viemos – Minha voz não foi mais que um sussurro, mas mesmo isso parecia barulho demais naquele silêncio – Alias, alguém aí consegue achar uma lanterna?

Lexy remexeu na sua mochila e acendeu a sua, iluminando os degraus que nos conduziam a um túnel estreito, fazendo brilhar um cadáver parcialmente decomposto de algo que parecia muito um carteiro dos anos de mil novecentos e alguma coisa, com uma bolsa de couro nas costas e um boné semi decomposto na cabeça. Soltei um grito que misturava pavor e nojo, e saltei para longe da coisa, enquanto Lexy pisava o corpo do pobre carteiro e empurrava a lanterna para as minhas mãos, puxando a mochila de Blake e retirando dela o fio de Ariadne, como se fosse a líder da missão.

Uh-uh. A aventura irá começar” gargalhou Loucura. Sem pensar duas vezes, dei um forte tapa na cabeça como uma retardada mental. Blake me olhou em dúvida, Lexy nem ligou, como se já esperasse esse tipo de coisa de mim.

- Vamos lá sua coisa velha, nos mostre o caminho da maldita chama para que possamos logo sair daqui.

O fio se agitou nas mãos da filha de Ares, brilhando intensamente. Um das pontas se soltou do resto do emaranhado de fios e seguia a sua frente, como uma seta apontando o caminho. Seguimos por um caminho escuro e estreito, Lexy à frente, eu no meio com uma lanterna e Blake com outra, seguindo mais atrás. Seguimos por apenas alguns minutos, mas eu me perguntava quanto tempo havia se passado lá em cima, lembrando do aviso de meu pai, sobre como tempo e espaço seguiam uma ordem diferente no labirinto. O fio acabou por nos conduzir a uma sala ampla e surpreendentemente iluminada. O chão parecia um tabuleiro de xadrez, as paredes pareciam feitas pedras tão antigas quanto o mundo e, cruzando a sala, havia três enormes portas.

- O fio aponta para aquela porta do meio, do outro lado da sala – Blake falou, semicerrando o olhar como sempre fazia - Mas eu tenho a impressão que...

Ele deu um passo à frente, e duas espadas de lâmina longa, sustentadas pelo ar, bloquearam sua passagem.

- Tenho a impressão de que é algum truque – Findou ele, seu rosto se empalidecendo devido ao susto.   

As luzes piscaram e diminuíram de intensidade e uma espécie de hino canibal soava alto em falantes invisíveis. Do chão brotou um tipo de palco, e sobre ele um tipo bem curioso surgiu. Não se movia e parecia meio anguloso demais, de fato, muito anguloso. Quando as luzes se acenderam novamente, pude notar com clareza, ali se erguia majestosamente uma estátua de mármore branco, um homem em tamanho real com cabelo crespo petrificado, sem braços, e uma expressão muito irritada, como se o fato de ter sido esculpido apenas da cintura para cima o tivesse deixado profundamente desgostoso, visto que abaixo do meio do corpo era apenas um bloco de mármore branco polido. Bem, ele era realmente um tipo muito anguloso.

- GRAECOS, ARGH! – Sua voz soou esganiçada e ultrajada, sua expressão de desagrado intensificada ao nos analisar de cima abaixo, como que procurando defeitos de fabricação em uma peça de decoração – Isto é, bem... é desconcertante, certamente, esses gregos, bem, eu não sei – Ele falava para si mesmo, como se não estivéssemos ali – Bem, bem, tolinhos, um alô a vocês. Eu sou Términos, como vocês bem sabem, obviamente.

Pela maneira como ele falava, eu pensei estar diante de uma estátua magra e não fiel de Dionísio, mas então ele disse Términos, e eu fiquei sem entender.

- Desculpe, Términos? Pensei ser uma estátua de um Dionísio magro – Falei, olhando de canto para a estátua que parecia muito, muito ofendida.

- Dionísio, francamente – Resmungou a estátua, suas feições de pedra se unindo em uma careta disforme – Oh, graecus, vocês são tão... obtusos. Sou Términos, o deus romanos dos limites, mas eu não estou assim tão surpreso por vocês não saberem, não é novidade, sabem, é como eu disse, obtusos.

Certo, uma estúpida estátua de deus veio para insultar.

- E o que o deus romano dos limites faz aqui atrapalhando nossa missão, hein? – Lexy, simpática como um milhão de minotauros, lançou.

O rosto de Términos adquiriu um tom de cinza profundo e tudo que eu pensei foi opa. Lexy pareceu não se intimidar com isso. Fixou o olhar no deus, um que faria qualquer pessoa normal desviar o olhar só para fugir daquilo que parecia um convite para uma briga.

- Vocês estão – Era como se ele estivesse respirando fundo para não socar Lexy, era muita sorte que ele não tivesse mãos – prestes a cruzar um limite, é claro. Estão vendo aquela porta? Ora vamos, aquela ali que eu estou apontando.

Nós nos entreolhamos sem saber muito como reagir, Lexy ria baixo, Blake parecia estar se esforçando muito para não fazer o mesmo.

- Bem, senhor deus Términos, - Comecei, minha voz pontilhada pelo riso – Não sei como isso pode afetá-lo, mas... o senhor meio que não tem braços, então...

- Ah! Olha só, obrigada por me lembrar! – Seu rosto novamente foi coberto por um cinza escuro – Além de obtusos são metidos a engraçados. Você! É! Estou apontando para você menina de Dionísio, você deveria tirar o cabelo dos olhos e vestir roupas mais inteiras. Notou os rasgos em sua calça? E você meu jovem, que tal cortar esse cabelo, sim? Vê, bem aí, é só seguir a direção do meu dedo, você vai ver onde precisa de mais tesouradas. E, minha menina grande, você, ah, você certamente poderia parecer mais feminina, eu digo com todo respeito é que, você sabe...

 Acho que Términos não conseguia suportar a idéia de ter sido esculpido sem as mãos, isso era meio demais para ele, então agia como se as tivesse, como um transtorno obsessivo compulsivo. Lexy ficou realmente, realmente irritada, podia jurar que ela estava a ponto de saltar sobre Términos, quer ele fosse um deus, quer não.

- Certo, senhor, a conversa está realmente ótima, mas pode nos deixar passar? Estamos meio que dentro de uma missão, sabe? – Falei, tentando aquela coisa do dom para teatralidade convincente. Por fim achei que não funcionava com estátuas de deuses romanos.

- Eu certamente poderia jovem filha de Dionísio. Mas primeiro, um desafio a cumprir. Se acertarem a questão que irei lhes propor, ótimo! Senão, bem, falamos disso depois. Hora do desafio!

- Ei! Espere! Nós não aceitamos nada! – Blake objetou.

- Oh, cheguei a mencionar que vocês não têm escolha? E vamos lá, não é tão difícil assim. Ou é ou não é, é simples, bem simples, se bem que vocês são tão... De qualquer forma, lá vai, a pergunta do dia é:

Tambores rufaram em um canto, embora eu não pudesse vê-los. Términos nos lançou um sorriso que julguei como sendo maldoso, pigarreou e falou alto: 

  - Três heróis, que participavam de uma missão no norte, foram capturados por gigantes Hiperbóreos. Foi dada a eles uma chance de escapar com vida. Os heróis foram colocados em fila e amarrados a estacas, de maneira que o que estava no fim da fila podia ver as costas dos seus dois companheiros, o que estava no meio podia ver as costas de seu companheiro da frente, e o que estava na frente não podia ver nenhum dos dois companheiros.

Era como se eu pudesse ver seus olhos de pedra brilhando em expectativa, ele esperava que falhássemos e provássemos que seu julgamento sobre nossa capacidade estava correto.

 - Depois, - ele continuou – foram mostrados cinco elmos aos heróis: três de prata e dois de bronze. Os semideuses foram vendados e cada um recebeu um elmo, sendo que os dois elmos restantes foram escondidos. As vendas foram tiradas e os Hiperbóreos disseram que se um dos heróis dissesse de que era feito o elmo que estava usando, os três sairiam com vida. O tempo passava e ninguém dizia nada. Finalmente, o herói da frente, que não via seus companheiros, acertou de que era feito seu elmo. A pergunta é, de que material era feito o elmo?

Lexy olhava para Términos como se ele houvesse acabado de sentenciá-la a morte. Blake parecia prestes a disparam um milhão de volts de seu corpo e eu, bem, senti que fosse desmaiar. Achava sinceramente que nossa missão acabava ali. 

De repente, pelo canto do olho vi Blake enrijecer.  Seguindo seu olhar, me deparei com um estranho que ria abertamente enquanto nos observava sentado em um canto, recostado à parede esquerda. Tinha um capuz que escondia parte de seu rosto, pele escura e cabelos compridos e não mais que trinta anos, talvez. Seu olhar era frio, como se algo faltasse ali. Mesmo sorrindo parecia triste, como se viver fosse algo extremamente deprimente. Sorriu uma última vez, sumindo em névoa esverdeada.

Ah, sorry. Penso que vocês têm problemas” Loucura gritava histérica em minha mente, rindo como nunca.

- Blake, - senti minha mão escapar para junto da dele e ele a segurar com força – Quem era ele?

- Oizos.

- Quem? – Lexy estranhou, eu mesma não compreendendo também.

- Personifica a angustia e a tristeza. Não é alguém que você queira ver em uma missão como esta, ou melhor, não é alguém que você queira ver em qualquer lugar, na verdade.  

Términos pigarreou outra vez.

- E então heróis?

Olhei-o irritada, sentindo-me cansada de repente. Droga, então era hora de pensar como um filho de Atena e resolver aquele maldito enigma. Pensei um pouco, aquilo não deveria ser tão difícil, era apenas lógica. Eu estava determinada, mas segundos depois, entendi que não podia.  Eu não era uma filha de Atena, não chegava nem perto disso. Lexy e eu olhamos para Blake automaticamente, esperando por respostas, mas bem, apesar de filho de Zeus, o pobre menino não podia levar o mundo todo nas costas, não é como se ele pudesse sempre resolver tudo.

“De prata. É isso! Não, não, acho que é bronze” Riu Loucura, querendo irritar “Melhor prata mesmo, digo, bronze, ah, você entendeu Samy. Bronze! Prata! Metade de cada!”

- Bem, - murmurei nervosa, tentando ignorar Loucura e formular algo coerente para responder, rezando para que Atena me ajudasse – O herói que estava no fim da fila podia ver quais elmos estavam usando os dois da frente. Então se os elmos dos dois fossem de bronze, ele saberia que o seu elmo seria um de prata, já que só existiam dois de bronze, mas uma vez que ele não disse nada, com certeza viu pelo menos um elmo de prata à sua frente, não é?

Olhei para os outros dois e vi que Blake sorriu, acho que estávamos chegando a alguma coisa, pensando da mesma forma.

- É, seguindo esse raciocínio, o herói que estava no meio da fila teria percebido que o de trás não pôde definir de que era feito seu elmo. Deve ter deduzido que deveria existir pelo menos um elmo de prata, usado por ele ou pelo herói da frente. Se ele agora visse que o da frente usava um elmo de bronze, poderia definir que o dele era de prata.

- Porém, se ele também se manteve calado, só poderia querer dar a entender que o elmo que ele via à sua frente era de prata. Assim, se usasse dos mesmos procedimentos lógicos já usados pelos outros heróis, o da frente só poderia deduzir uma coisa. O seu elmo era de prata – Findei com segurança.

“Estou surpresa, sorry”.

Blake me abraçou e eu vi o sorriso de Términos desaparecer. Lexy nos olhava meio em dúvida, como se não estivesse certa do nosso raciocínio. Notei que continue por mais tempo do que o esperado no abraço de Blake, então me afastei, sentindo o rosto queimando.

- Bem, graecus, vocês me surpreenderam, até – Sua expressão era dura, tipo, é claro, ele é uma estátua, mas dura como se a raiva pudesse quebrá-lo – Acho que terei que deixá-los passar. Mas um aviso, seguindo adiante tomem cuidado com suas escolhas, o que é deixa de ser e o que parecer ser não é.  O labirinto é traiçoeiro, para seguir abandonem todo o orgulho, ou um certamente ficará para trás.

Ele nos lançou um olhar sugestivo que dizia tudo... e nada, como se apenas ele quisesse irritar. Depois as luzes voltaram a se apagar, quando acenderam não havia mais nada ali, um nada tão nada que eu começava a pensar que imaginei tudo aquilo. Mas então havia algo, algo como dúvida pairando no ar, me fazendo pensar que aquele aviso de Términos mais era uma sentença, algo irreversível, como se um de nós mais cedo ou mais tarde fosse realmente arrebatado pelo orgulho e deixado para trás.

- Bem, penso que é hora de seguir em frente – Falei.

Você é tão esperta, sorry querida”. Ironizou Loucura, voltando a se concentrar em seu canto sem sentido aparente. Aquilo estava começando a me incomodar muito.

- É, vamos logo – Lexy falou, seguindo para a porta do meio, para onde o fio apontava – Espero que não tenhamos mais nenhum encontro com deuses romanos idiotas. 


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