Psycho escrita por H Lounie


Capítulo 1
Não se esconda, mas tenha medo




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“Aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco”

Eurípedes

- Vê esse sorriso? É de mentira. Agora diga, quem é que nunca acreditou? Sou boa nisso.

Olhei para o garoto que me lançava um olhar indignado, quase magoado. Por quê? Porque bem, esqueça isso por enquanto, vou voltar um pouco na história, pra ver se as coisas podem fazer mais sentido.

Voltar um pouco? Bem, eu quis dizer muito, mas vá lá: Sanatório O’Hara. Palavra legal, não? Melhor que hospício, sanatório. Nada parecido com a realidade daquele lugar imundo. Depois de tanto anos parece que eu ainda posso sentir o cheiro podre de lá. Corredores compridos e mal iluminados com quartos pequenos, parecidos com celas, nas laterais. Se você estivesse procurando o inferno e encontrasse aquele lugar, não ficaria decepcionado. Mas veja só a surpresa, em O’Hara descobri algumas verdades, a primeira delas foi que mamãe não era de fato louca, não totalmente, talvez. Só porque talvez deuses existissem mesmo. Eu fui visitá-la porque era extremamente chato ser uma filha de mãe louca, e gostaria de compartilhar minha dor e vergonha com ela, afinal, aquilo tudo era culpa dela. Vovó dizia que ela estava lá porque sofria de uma doença tão rara, que não era seguro para nós nem para ela vivermos juntos. Vovô velho e rabugento como ninguém, era direto em dizer “sua mãe é louca”.  Você pode se perguntar como alguém faz isso com a própria filha, mandá-la para um lugar horrível, mas ei, ela era adotiva ou qualquer coisa assim. Não que isso foi uma desculpa.

Fui despachada para a América para viver com um tio quase desconhecido logo depois de ir a O’Hara, acho que foi sorte. No meio daquelas mulheres loucas ou doentes, encontrei um algo mais, algo que me fez pensar que mamãe não merecia estar lá. Primeiro, ela tocou meu colar – que antes era dela – como se aquilo fosse extremamente valioso e começou a me falar sobre coisas estranhas por trás das grades que nos separavam. Pai deus e heróis e monstros e um acampamento e então fomos interrompidas por uma vigilante tão magra e perturbadora. “Seu tempo acabou menininha”, algo assim foi dito. Mamãe arregalou os olhos, apontando o dedo ossudo e longo na direção da moça feia.     

Eu tentei estrangular a moça com um cordão de sapato em uma luta impossível! Mamãe sorriu toda orgulhosa, passando a faca brilhante por entre as grades. Um golpe, outro golpe, a moça se desfez em pó. Um assassinato em O’Hara, ah, as loucas ficaram loucas de medo. (No fim, o diretor disse que fora suicídio, e cinqüenta mulheres doidas respiraram aliviadas).

Depois de tudo isso, acho válido dizer que loucura virou meio que minha especialidade, depois que ahn, me jogaram no acampamento para crianças alucinadas, filhas de deuses gregos. Ainda antes disso, a vida com tio Cesaire na América não foi exatamente boa. Vovô tinha dito a ele que tinha certeza que eu matei a velha má de O’Hara, e que eu era tão ou mais doente que mamãe. “Uma criança Douglas” vovó tentava me defender “Só tem oito anos e quase nada na cabeça”. Não adiantou, trancafiaram-me em um avião com passagem só de ida para os Estados Unidos.  

Tio Cesaire não era exatamente velho, mas era tão rabugento como se fosse. Vestia roupas antiquadas e sapatos lustrosos, usava um relógio de bolso e tinha uma fábrica de bebidas não tão conhecida. Ora veja, vivíamos em Lynchburg, no Tennessee, que era, sem duvida, a terra do grande Jack Daniels, o fabricante de Whisky. O fato era que na verdade tio Cesaire bebia todo o lucro. Certa vez, cheia da mesma razão que qualquer criança de oito anos acredita ter, comentei isso com ele. E que grande erro. Fiquei trancada no armário por um bom par de horas. Isso não parece exatamente um castigo tão, tão terrível, mas é que eu não gosto de escuro, porque monstros gostam do escuro. Chorei até dormir, que deve ter sido mais ou menos quando Samy me encontrou. Chamava-a de tia Samy, mas ela não era minha tia, era só uma mulher de meia idade, com cabelos meio grisalhos, meio escuros, olhos cor de grama no verão, com um sorriso gentil, que preparava deliciosos biscoitos de ervas finas e trabalhava para meu tio na fábrica e em casa. Ela tinha um sotaque estranho, me dando a certeza de que tinha aprendido o inglês como segunda língua, o que me fazia pensar que ela era uma imigrante ilegal ou coisa do tipo, pois eu não via outro motivo para uma senhora tão bondosa aguentar um trabalho tão pouco digno com uma pessoa menos digna ainda, que era meu tio.   

Ela me dizia que gostava de estar ali, que eu precisava dela, pois meu tio não era uma boa pessoa. Acho que cheguei a ficar mais ou menos dois meses na casa de tio Cesaire, até por fim não aguentar mais. Depois de ser obrigada a empurrar pesadas caixas de bebidas a tarde toda, por derrubar uma garrafa fui deixada no armário por horas. Tia Samy não estava em casa e acabei passando a noite toda lá, chorando e implorando ao meu tio para me deixar sair. Ouvia risadas e música, como se ele estivesse dando uma festa, então é claro, ele fingiu que não me ouvia. Noutro dia, quando acordei, através dos olhos inchados de tanto chorar pude ver a porta aberta e a oportunidade de sair. Então, mais ou menos às 6 horas da manhã do dia errado, deixei a casa do meu tio apenas com uma mochila nas costas, a faca brilhante que minha mãe me dera – a essa altura já apelidada de Jack Daniels, como uma homenagem – escondida na manga da blusa e todo o dinheiro que encontrei no caixa da fabrica, o que de imediato não pareceu muito, mas deveria bastar.

Era inicio de primavera, mas ainda estava frio. Nas primeiras horas de caminhada tudo parecia ir bem, o vento gelado parecia clarear meus pensamentos e ninguém parecia preocupado com o fato de uma criança estar na estação rodoviária tentando pegar um ônibus para o mais longe possível, o que era um alívio. A verdade era que eu não tinha idéia de para onde ir, nem a mais vaga noção. Tudo que eu sabia era que devia ir para longe, bem longe de Cesaire e de qualquer pessoa que pudesse me conhecer. Depois de alguns dias, eu não sabia o que me decepcionava mais: o fato de estar sem dinheiro para qualquer tipo de transporte, quase sem comida e cansada em demasia, ou o fato de ninguém estar se preocupando comigo. Há duas noites, havia parado em uma lanchonete para comer. Vi no noticiário falarem sobre crianças desaparecidas, bem no fundo desejava que pelo menos tia Samy me quisesse de volta em casa, isso bastaria para mim. Começava a me achar incrivelmente idiota por ter fugido, pois agora todas as minhas opções estavam acabadas e eu estava perdida em algum lugar de Chicago, tendo apenas vaga idéia de como cheguei tão longe. Nenhum alerta Amber foi disparado por mim, ninguém me queria de volta, essa era a verdade.

Senti os olhos se encherem de lágrimas, e no desespero, comecei a caminhar sem rumo, enquanto a noite caia sobre mim, ameaçadora e fria. Depois de um tempo de caminhada, cheguei ao que parecia um parque. Vazio e frio, completamente assustador para mim. Uma leve precipitação começou, puxei o capuz sobre os cabelos e comecei a procurar abrigo. Debaixo de uma lâmpada, dessas comuns de rua, estava uma placa. Parecia algo como ARNGT RKAP, ou qualquer coisa assim, já que minha dislexia não ajudou muito. Era assim, como se não bastasse ser uma indesejada na família, havia sido diagnosticada com dislexia, transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e mais recentemente, bipolaridade, o médico disse que um grande trauma pode fazer isso com as pessoas e que provavelmente foi o que iniciou o distúrbio em mim, me fazendo ir de depressiva à alegre em um piscar de olhos, de bem disposta à suicida em segundos. Eu era uma aberração completa, como caçoava tia Samy.

Sorri com a lembrança, mas então a chuva que começava a ficar mais forte me tirou de meu devaneio, eu precisava logo encontrar um lugar para ficar. Além da chuva e do vento, era como se eu pudesse ver qualquer coisa no escuro, seguindo-me desde sempre, mas deveria ser apenas o medo.

Andei pelo parque, mas nenhum lugar parecia seguro o bastante. Tentei um agrupamento de bancos, mas o lugar não oferecia cobertura propriamente dita, já batia os pés em frustração, quando me deparei com uma fonte de água vazia, com uma dessas entradas para esgoto ao lado. Via uma fraca luz vir de lá de dentro e algo em minha mente gritou “perigo, corra para o mais longe que puder”, mas eu apenas a ignorei, notando a escada que conduzia ao fundo. Aquele não seria, realmente, um lugar terrível para passar a noite, já havia enfrentado piores, como quando dormi no galho alto de uma árvore que balançava com o vento, ou quando me abriguei em caixas de papelão atrás de um açougue e acordei com um cachorro lambendo meu rosto. Um esgoto não deveria ser tão ruim assim.

Preparei-me para o cheiro horrível que iria sentir, mas isso, surpreendentemente, não aconteceu. Na verdade aquele cano de esgoto era bem amplo e demasiadamente agradável, tanto quanto um cano de esgoto pode ser. Olhei para os dois lados me deparando com um pequeno dilema, que foi rapidamente resolvido por meu medo de escuro. A luz vinha do sul, então, claro, eu iria para lá. Andei por algum tempo, mas me permiti escorregar pela parede e sentar. Não queria andar, estava com frio, com fome e com pensamentos demais na cabeça. Pensava no que mamãe havia dito em O’Hara, sobre pai deus e poderes. Como ela havia dito? Semideus, isso. Se isso era ser semideus, eu não queria ser. Era ruim, era solitário, não conseguia ver um lado positivo, especialmente por estar sentada em um cano de esgoto, com frio, fome e todo o mais.   

Meus olhos estavam pesados, mas eu me recusava a dormir. Até isso era ruim. Tinha uns sonhos malucos com monstros de um olho só, me usando como bola em uma partida de basquete, e uma colina onde um dragão cuspia fogo em mim, enquanto a terra se abria e me engolia em um grande glup glup, como quem bebe um copo de água. E espelhos, eu sempre sonhava com espelhos. Espelho era algo horrível para mim, porque espelhos não mentem minha querida, dizia minha avó, que era quase tão estranha quanto um espelho. Quando o sono parecia prestes a me vencer, resolvi continuar descendo o túnel para ver o que encontrava, visto essa ser a única maneira de continuar acordada.

Era, de uma forma estranha, como se uma força me puxasse para lá. Eu deveria ter ficado próxima da saída, eu sei, mas era como mágica, uma conexão ou algo tipo. Ao fim do túnel, não encontrei apenas grades ou água suja como eu esperava, mas sim um elegante elevador, com uma letra M gravada em cada uma das portas. Ao lado do elevador, havia uma placa que eu levei uma eternidade para decifrar: Estacionamento, Canis, Entrada Principal: Esgoto. Mobília e Café M: 1. Moda de Mulher e Aplicações Mágicas: 2. Roupas de Homens e Armamento: 3. Cosméticos, Poções, Venenos & Diversos: 4.

Um shopping muito, muito bizarro. Não conseguia imaginar quem, exatamente, construiria algo como um shopping em um esgoto, ainda mais um que vende poções e armamento. Definitivamente boa coisa não era. Meu primeiro pensamento foi dar meia-volta e correr para longe, como sempre. Mas então ouvi um grito, de uma menina, e vinha de algum lugar acima de mim. Em um ato impulsivo e digno de um portador de TDAH, pulei para dentro do elevador, indo direto para Cosméticos, poções, venenos e diversos, sem nem pensar duas vezes.

Agarrei firme a empunhadura de couro de Jack Daniels, a faca, assim que o elevador parou no andar desejado. Sai em um tipo de outro mundo ou algo assim, meu espanto foi tanto, que quase deixei Jack cair. Era tudo muito vibrante, muito cheio de cores e formas que ficavam mudando e me deixando tonta. O teto era de vidro, e de alguma forma eu podia ver a noite a partir dali. No centro, um imenso espaço aberto, permitindo que eu pudesse ver os demais andares, até o térreo. Mais alguns passos para frente e eu pude ver uma fonte lá embaixo, jorrando água colorida. Correndo os olhos para os lados, vi todo tipo de coisa, quer dizer, todo tipo mesmo. De roupas a armas, frascos coloridos a camas. Ouvi mais um grito e me virei em direção a ele, ao passo que alguém tocava meu ombro.

- Posso ajudar?

Vir-me-ei apenas para pegar uma moça me encarando com um sorriso. Tinha cabelos longos e expressão orgulhosa, intimidando-me de pronto.

- Fuja! – gritou a voz feminina que eu ouvira outrora.

- Ahn, o que foi isso? – Olhei para os lados, procurando a menina.

- Isso, ah, isso não é nada querida. Posso saber seu nome?

Não, não pode. Pensei em dizer. Eu fui muito bem educada a não falar com estranhos, mas, por outro lado, eu havia invadido o lugar, e aquela mulher tinha... tinha alguma coisa que me incomodava, e me fazia sentir na obrigação de agradá-la.

- Eu sou Sury, Sury Windsor, senhora.

- Ah, é um belo nome esse seu - Ele me lançou um olhar duro - Há muito conheci uma menina com o mesmo nome que o seu, ela era uma...

Então, seu olhar foi de súbito atraído para o meu pescoço. Não, não exatamente para o meu pescoço, mas para o colar preso a ele. O velho cordão com o pingente de bronze em forma de ômega, que fora de minha mãe, e antes de minha avó, e da avó dela, e assim por diante. E aquilo, de alguma forma, pareceu enfurecer a mulher. Raiva pura e simples tomou seu rosto.

- Olha, mais que interessante – Seus olhos brilhavam em expectativa - É um belo colar, esse que você tem aí, querida Sury.

Apontou o dedo longo em minha direção, sua unha pintada em um tom próximo ao preto parecia com uma garra.

- Ah, essa velharia? Herança de família – Aquilo, de certa forma, pareceu incomodá-la ainda mais.

- Sim, entendo. Sabe, esse colar diz muito sobre você. Talvez devesse escondê-lo melhor.

O tom de voz da mulher me fez sentir um frio na espinha. Guardei o colar, escondendo-o debaixo da camiseta. A mulher me estudava de cima abaixo, e aquilo não me deixava muito mais tranqüila.

- Então – Tentei assunto – Está loja é sua?

- Sim, é minha – Ela sorriu. Notei seu sotaque, não era americano, com certeza. Também não era como o meu, logo, assim como com Samy, me fez pensar que o inglês dela foi aprendido como segunda língua – Sim, o que acha? Cheguei aqui não faz muito tempo, por assim dizer, mas estou tentando fazer meu melhor.

- Então não é americana? Eu também não, a adaptação deixa tudo bem difícil.

Engoli em seco quando ela me lançou mais um daqueles seus olhares.

- Entendo – ela sorriu, mas era um tipo errado de sorriso – Eu era a princesa de Cólquida. E você?

- Ah, é complicado – Vi-me sentando em uma poltrona e relaxando, como se eu e a princesa fossemos velhas amigas – Bem, minha mãe era uma aventureira, entende? Andou por todo o mundo, fez mil e uma coisas.

- Sim, imagino o quão aventureira sua família seja – Ela assentiu, me encorajando.

Naquele momento eu não achei estranho o fato dela aparentemente conhecer algo sobre minha família, só fui pensar nisso muito depois.

- Então, eu nasci dessa “aventura” – Fiz aspas com as mãos ao dizer aventura – Dela com quem quer que seja em uma cidade qualquer, algo assim. De qualquer forma, meus avós, digo, os pais adotivos de minha mãe, disseram que ela enlouqueceu logo depois de eu nascer, e eu fui criada em Belfast, na Irlanda, mas cá entre nós, acho que ela não era louca, na verdade. Mas mesmo assim vovô a mandou para o sanatório, a vi apenas poucas vezes. Quando eu atingir a maioridade, vou tirá-la de lá.

- Sim, é claro, querida. Sanatório, isso é ótimo – Achei isso um pouco estranho, mas deixei passar - Pais adotivos, bem, você sabe o que aconteceu aos pais biológicos dela?

Um sorriso se alargou no rosto da princesa, como se ela houvesse gostado de saber que eles estavam mortos ou qualquer coisa assim.

- Vovó uma vez me contou que ela e minha outra avó, a verdadeira, eram amigas. E que ela era muito como a minha mãe, assim, dada a sumir pelo mundo. Aí de repente, bum! – Fiz um gesto amplo com a mão – E alguma coisa terrível aconteceu. Ela e seu marido morreram, e ela adotou mamãe, pois não podia ter filhos e não queria ver a filha de sua amiga mandada ao orfanato.

 - Imagino que você tenha herdado isso de se aventurar também, aliás, não são todas as crianças de oito anos que tem coragem para fugir de casa, certo Sury?

- Ah, é, mas...

Epa. De repente, me dei conta de que contei boa parte da minha vida para uma estranha, uma estranha que parecia saber muito sobre mim, e era como se ela houvesse me obrigado a contar.

- Não me lembro de ter contado sobre fugir de casa.

Perto de onde estávamos algo pesado caiu, e alguém lamentou.

- Vossa alteza – Disse aquela mesma voz feminina de antes – Por que não conta a ela o que você fez com sua família, já que ela lhe contou tudo sobre a dela?

A princesa lançou um olhar raivoso na direção da voz. Depois, fixou o olhar em mim e sorriu simpática, mas ao mesmo tempo, parecia extremamente furiosa.

- Havia uma bela e poderosa princesa. Ela caía de amores por um herói, há muito tempo. Culpa de uma deusa – Ela olhou em direção a voz feminina – Afrodite, certamente. Ela a fez amá-lo para protegê-lo. Ela o ajudou a roubar o tesouro de seu pai, eles fugiram, e ele a abandonou. Mas ela se vingou, ah, se vingou sim. Matou os dois filhos que teve com ele. Ou assim pensou, já que, um deles, aparentemente foi salvo e deu continuidade a maldita raça do herói.

Ela veio até mim e apertou meu rosto com as mãos longas, me fazendo perder o ar. Girou-o algumas vezes, como se buscasse um sinal, ou algo do tipo.

- A principio, eu não teria te reconhecido. Você parece com seu pai, Sury. Mas então, o colar, o colar dele, a marca dele, que dizia quem ele era. Ele estava usando-o naquela noite...

Seu olhar vagou, perdendo-se em um passado muito distante. Ela esticou as mãos, parecia querer tocar algo.

- Todas, sempre traídas – Lamentou a mulher, com uma expressão de tristeza no olhar, algo de dar pena.

- Do que está falando? – Perguntei assustada.

- Ariadne cedeu o fio, e foi traída no final. Penélope, oh, pobre rainha, Ulisses foi tão... Argh! E ainda aquela filha de Atlas, que confiou em Héracles. Todas, sempre traídas no fim. Nenhum herói presta!

Respondi algo realmente inteligente como “se você está dizendo”.

- Sabe o que me deixa realmente feliz, Sury? – A princesa afagou meus cabelos, com sorriso terno no rosto.

- Nem posso imaginar.

- É saber que agora, eu estou de volta, aqui, frente a você. O resto imundo da prole imunda daquele herói.

- Sabe, senhora, eu já fui chamada de coisa pior pelo meu tio. Embora minha mãe fosse ficar realmente chateada com o comentário, imagino.

Ela lançou-me aquele olhar outra vez, e dessa vez pensei que iria morrer.

- Deboche enquanto pode garotinha. Aquela princesa da história, ela sou eu.

- Como? O que você está dizendo? – meus olhos, muito provavelmente, saltariam das órbitas a qualquer momento, devido ao choque.

- Ah, não conhece a história? Pensei que vocês, grandiosos descentes dele, vivessem disso. Por causa dele, eu dei as costas ao meu reino, fui chamada de traidora, de ladra, de mentirosa. As pessoas me vêem como uma das maiores megeras de todos os tempos até hoje.

- Eu ainda não...

- JASÃO! É dele que ela está falando! – gritou a voz feminina perto de nós – Francamente garota, você é mesmo uma semideusa? E essa, aí em sua frente é Medeia, e pelo visto, ela não gosta muito de você.

- Quieta! – berrou a princesa para a voz – Cuido de você depois, filha de Afrodite! Aguarde-me!

- Quanto rancor, princesa de Cólquida – respondeu a menina, em tom sarcástico – Só porque minha mãe fez de sua primeira vida um inferno?

O rosto de Medeia foi tingido de vermelho, uns sete tons. Aquilo era informação demais para mim, algo que eu simplesmente não podia assimilar. A princesa bateu os pés em direção à voz, e voltou empurrando uma menina. Ela parecia ter cerca de treze ou quatorze anos, estava ferida e cansada, e seus braços estava presos com uma corrente. Usava uma camiseta laranja e jeans meio sujos, mas ela era inegavelmente bonita, com um ar superior, como aquelas meninas malvadas que andam maltratando impopulares em escolas por aí. Já havia tido algumas experiências ruins com aquele tipo. Assim que me viu, lançou-me um olhar sugestivo, como se quisesse que eu fizesse algo para nós tirar dali.

- Quer dizer então, que você é um personagem de uma história? Eu entrei pelo esgoto e caí em um mundo paralelo ou algo assim? – Falei chocada, encolhendo as pernas sobre a poltrona.

A menina que Medeia disse ser filha de Afrodite revirou os olhos. Medeia sorriu.

- Estou realmente chocada, criança. Você realmente não sabe nada sobre sua família? Nenhuma das duas?

Foi minha vez de revirar os olhos.

- Já lhe disse moça. Eu cresci com avós maternos adotivos, uma mãe louca e nem imagino quem possa ser meu pai, muito embora, se me permite fazer um adendo, mamãe tenha dito que ele é Deus. O que me parece meio forçado, se quer saber.

- Ela não quis dizer Deus, aquele com d maiúsculo. Ela quis dizer deus, de deuses gregos, como minha mãe – Falou a filha de Afrodite, impaciente, lançando olhares de suas mãos atadas para mim, como que me pedindo para soltá-la.

- Ou isso – Admiti sorrindo, apontando um dedo para a menina como quem aprova a idéia, ignorando o olhar homicida que ela me mandou – No mais, não sei sobre nada.

- Ah, é realmente uma pena que não possa viver tempo suficiente para saber. Agora vocês duas, vamos dar um passeio pela loja, sim? Quero lhes mostrar uma...

Medeia não pode terminar de falar, pois as portas do elevador se abriram, e um menino lunático segurando uma espada grandona e gritando algo que não entendi adentrou a sala.

- Josh! Até que enfim, achei que ia morrer aqui! – Esbravejou a menina de Afrodite. O garoto sorriu atravessado.

Ele tinha uma carinha de menino travesso, talvez em seus quinze anos, por aí. Era rápido, e pegou Medeia desprevenida, fazendo com que ela soltasse a menina que mantinha presa. Com um golpe de espada, ele cortou as correntes de seu braço.

- O trono! – Ela gritou, apontando para um trono dourado – Ela disse que foi feito por Hefesto, aquele das histórias, se ela sentar, ficará presa!

Medeia pareceu despertar de seu choque, mas não antes que fosse empurrada por Josh em direção ao trono. Assim que caiu sentada, correntes douradas a envolveram, fixando-a no trono. Enquanto ela gritava, a menina de Afrodite pegou um arco e uma bolsa de flechas que estavam caídos, depois agarrou frascos com coisas verdes que pareciam fogo, e atirou-as no chão, perto do trono.

- Pegou o frasco? – Perguntou ela, Josh assentiu – Ótimo! Vamos logo sair daqui antes que o lugar exploda.

Eu estava em choque, ela teve que agarrar minha mão e me puxar para dentro do elevador. Quando saímos de volta no cano de esgoto, ouvimos e sentimos a explosão. Josh nos disse para correr até estarmos de volta à escada que conduzia a saída.


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