Colorblind escrita por HeyWonderland


Capítulo 4
She'll Turn To Gray




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Minha vida passava em frente aos meus olhos.

Lá longe eu avistava a fumaça do trem que ia para Londres. Como eu tinha saudade de Londres... Nunca mais vi as ruas e as luzes, nunca mais senti a sensação inexplicável de quando se sobe na London Eye e vê toda aquela cidade iluminada, nem quando se olha para cima e se vê o Big Ben girando seus ponteiros. Alguns dizem que escutam o "bong-bong-bong" do Big Ben de dentro da clínica, mas os médicos garantem que não dá pra ouvir. Talvez na cabeça deles, dê para ouvir porque querem ouvir. Assim como nos sonhos tudo é tão real, quando nós queremos muito alguma coisa, estamos sonhando acordados. Sentimos as sensações. Só não posso garantir que são reais. Mas também talvez não sejam totalmente ilusões.

Peguei meu violão e me sentei na cama, tentando obrigar meus dedos a tocarem. Vi o dia se tornar noite, e o breu total estavam chegando. Eram dez da noite, e Anny viera dar o toque de recolher.

– Anny. -Eu disse antes dela sair.

– Sim?

– Os voluntários não vieram hoje? -Eu pedi.

– Vieram... -Ela levantou uma sobrancelha. - Harry não veio?

– Não... Mas tudo bem. - Eu me levantei e guardei o violão, pegando meu pijama dentro da gaveta.

– Amanhã ele aparece! - Ela sorriu. O sorriso de Anny era acolhedor. Ela me deu boa noite e fechou a porta.

Coloquei o pijama e me senti cansada. Deitei e lentamente vi tudo se apagar. O sono tinha me pego em cheio. Não tive nem tempo de pensar no medo de sempre, apenas fechei os olhos e dormi.

Abri os olhos e senti o frio batendo nas minhas pernas. Meu cobertor estava todo no chão e Anny me olhava parada na porta.

– O que foi? - Eu levantei lentamente.

– Você teve uma parada respiratória a noite, Ally. -Ela disse, indo a minha direção. No dia que eu não me preocupei em morrer, eu tive uma parada? As coisas andam complexas demais pra mim.

– Eu...

– Como você se sente agora? Consegue respirar fundo? -Ela disse receosa. Sentou-se ao meu lado na cama e eu a encarei.

– Anny... Eu vou morrer?

– NÃO! -Ela disse alto. - Alice, pare de falar isso! Agora mesmo!

Eu respirei fundo e senti um pouco de falta de ar ainda.

– Me desculpe. - Eu disse, sussurrando. Me deitei outra vez e Anny levantou.

– Venha tomar café, Ally... Venha. - Ela me chamou com a mão.

– Eu já vou. - Eu me espreguicei deitada e senti que meus pés não me obedeciam. Acho que hoje vou precisar da minha amiga cadeira para me mexer. Chamei a Anny pelo botão do telefone, e ela me ajudou a me vestir e a me sentar na cadeira. Fui até a mesa do café e praticamente todos olharam para mim.

– Nunca viram? - Eu disse alto, jogando o peso das mãos na roda, indo direto para o meu lugar. - Meu pé deu um espasmo. Eu não consigo andar. E eu tive uma parada respiratória à noite, deve ter sido muito legal.

Todos me olhavam.

– Ally, fica calma. - James disse receoso.

Eu bufei e engoli todo o café num gole só. Fui para o quarto e fechei a porta, pesando a mão novamente na roda. Bati na parede com certa violência e me apoiei no batente da janela como sempre. As lágrimas começaram a rolar meu rosto. Eu estava outra vez naquela cadeira... E dessa vez eu estava sozinha.

Três dias se passaram, na mesma rotina idiota de sempre. Eu olhava o pôr do sol, como sempre fazia, até que ouvi algo.

– Ally? -Anny bateu na porta. - Ally, eu tenho uma ótima notícia para você! - Ela dizia animada. Minha animação não era tanta assim.

– O que foi?

– Sua irmã está aqui! - Ela sorria insistentemente.

Senti alguma coisa estranha no meu peito. Minha irmã só tinha treze anos, como ela veio de New Jersey até Cambridge, sozinha? Saí do quarto, empurrando a cadeira com calma. Ela me olhou de cima a baixo quando cheguei à sala.

E eu fiz o mesmo. Angeline estava usando uma blusa preta e rasgada nos ombros que deixava seu umbigo aparecer, exibindo um piercing de pedra brilhante. Seu cabelo, que sempre foi loiro e liso, estava preto, com uma franja enorme e a parte de baixo era vermelha. Sua calça era grudada e usava um sapato de salto muito alto, que a deixava talvez do meu tamanho se eu estivesse de pé.


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