Paixão Pós-morte escrita por RoBerTA


Capítulo 13
Lembrando lembranças esclarecedoras


Notas iniciais do capítulo

Aimeudeus! To tão feliz! Consegui cumprir minha promessa de postar hoje ^^ Espero que gostem, e que venha o suspense!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/247089/chapter/13

Eis meu segredo. Eu sofro de transtornos bipolares e sonambulismo desde pequeno. Eu sei, sou um afortunado.

-Então Felipe, como você está se adaptando a nova escola? Já fez amigos?

Como alguém é capaz de ser tão chato com tão pouco esforço?

-Muitos. Na verdade, estou tão feliz!

Marcy me olha cética, provavelmente exagerei um pouco na dose de felicidade fingida. Tudo o que eu queria era ir embora, e quem sabe, nunca mais voltar ali. Aquele lugar me trazia más lembranças.

-Você está se medicando corretamente?

Remédios? Que remédios? Olho para minha mãe, que esta propositalmente olhando além da janela. Sinto um nó na garganta.

-Sim.

Minha voz sai baixinha, sufocada. Manu me olha com pena, entendendo sem ninguém precisar explicar. Garota esperta.

-Como anda seu sono?

Eu estava morrendo de vontade de perguntar se sono tinha pernas, mas me segurei.

-Muito bem, na verdade. Raramente tenho sonhos, e não levanto mais no meio da noite.

-Como você tem tanta certeza?

Porque Manuela provavelmente me diria, mas não digo isso. Ultimamente minhas respostas não são minhas primeiras opções.

-Intuição.

Ela não discute, e continua com o questionário.

-O que você se lembra daquela noite?

Me encolho na cadeira, querendo desaparecer. ‘Aquela noite’ deveria se chamar ‘a segunda noite’. De repente me lembro como tudo começou, há cinco anos atrás. O dia em que a minha vida mudou sem o meu consentimento.

A chuva caia ruidosamente, e o chão áspero castigava meus pés descalços. Não tive tempo para calçar alguma coisa. O tempo era meu inimigo no momento. Ele estava tentando me impedir de chega até lá, no meu destino. A voz continuava me chamando, clamando por mim. Eu não deveria nem poderia decepciona-la. Acelerei o passo, ignorando a dor aguda em ambos os pés. Olhei para trás, e vi uma luz acesa na janela do
meu quarto. Droga! Eles descobriram Agora era só uma questão de tempo –aqui estava ele novamente, lutando contra mim—até eles me encontrarem.

Saí da trilha que por tantas outras vezes passeei com meu antigo cachorro. Fui em direção à estrada. Era madrugada, não devia ter carros por ali àquela hora. Continuei correndo, sentindo cada vez mais intensa aquela sensação de paz que o lugar me trazia. A voz me disse certa vez que aquele era meu lar. Meu verdadeiro lar. Quando contei isso a minha mãe, ela não acreditou em mim. Disse que gente viva não morava lá. Mas a voz também disse que eu não estava vivo. Nem morto. Ainda.

Uma luz me obrigou a parar abruptamente e cobrir os olhos, me sentindo cego por m momento. Era um carro vindo em minha direção. Vi minha curta vida de onze anos passar diante dos meus olhos, antes cegos pela luz, agora se preparando para a eterna escuridão. Só consegui pensar em uma coisa naquele momento. A voz me enganou. Ela disse que cuidaria de mim, e que não deixaria que nada nem ninguém me
machucassem. Mas a verdade é que a verdadeira verdade estava prestes a me atropelar. Mas isso nunca aconteceu, pois o carro freou a milímetros de mim. Sorte? Nunca acreditei nisso. A voz seria minha salvadora? Essa possibilidade estava tão desconsiderada, que nunca pensei nela. Naquele momento percebi que eu era tão não importante, que minha morte só importaria para meus pais e o espaço que ocuparia no obituário [n/a:
gente, não sei se é assim que escreve a palavra]
do jornal.  Eu era um nada, só mais uma pessoa ocupando espaço no universo infinito. Mesmo assim, algo maior que eu quis que minha vida não acabasse ali, debaixo daquele caro verde limão horrível. Foi então que percebi, eu tinha um propósito. Outra coisa também me ocorreu naquela hora. Se a voz não mentia, e isso eu tinha certeza, como ela me enganou?

-Felipe?

Todos estão me encarrando preocupados, provavelmente por ter me desligado do mundo e me prendido no passado. Foi naquele dia que conheci minha cara querida doutora. Essa foi a primeira noite. Nunca tentei me lembrar da segunda.

-Eu ainda não posso.

Ela parece compreender. Na verdade, ela é tão compreensiva que me irrita. Tantas vezes quis implorar para que ela gritasse comigo, enquanto tudo que fazia era sussurrar palavras de consolo, dizendo que tudo ficaria bem.

-Acho que terminamos por hoje. Talvez devêssemos nos ver novamente mês que vem. Eu vou ligar para agendar um dia. Eu não tenho
mais dias livres, mas você é especial.

Maneira agradável de dizer ‘você é de um nível de loucura prioritária’. Adoro.

Nos despedimos de forma simpática (Marcy), preocupada (mamãe), fingida (eu) e invisível (Manu).

 Entrei no carro, sem um pingo de vontade de falar com a minha mãe, e sem poder falar com a Manu, por mais que quisesse.

-Filho...

-Eu não quero suas desculpas.

Sei que posso ter parecido um tanto grosso, mas minha mãe estava me medicando sem o meu consentimento. Pode ter sido para o meu bem, mas isso não torna menos errado o que ela fez. Poxa, era só pedir. Eu
não sou mais uma criança de 11 anos que se nega a tomar remédios. Agora já sei o que é bom para mim.

O silencio é pesado durante a volta. Chego em casa e corro para o quarto. Pareço um adolescente em crise, eu sei. Talvez seja porque sou gay, certo?

Sentei na cama, afundando nos cobertores rosa. Talvez se eu fingisse que sou gay, poderia continuar com o quarto da Manu. Poderia ter motivos para bater o pé. E... É, acho que são esses os prós. Mas meu pai ficaria louco da vida. Talvez assim ele começasse a me dar mais atenção, quem sabe. Mas isso eu poderia resolver mais tarde. Agora minha
prioridade era conversar com um ser atravessante de paredes. Manuela inovou meu vocabulário, me forçando a criar palavras antes inexistentes para uma situação antes inexistente. Mas essa palavra existe. Isso era só uma reflexão.

-Desculpa não ter dito nada antes, mas você já me achava esquisito só de olhar para a minha cara.

Ela soltou um muxoxo ao sentar do meu lado.

-Você acha mesmo que eu ligo? Você poderia ser um terrorista, bandido, filho do Lord Voldemort...

-Espera, Voldemort, do Harry Potter? –ela assentiu, me olhando como se eu fosse um estúpido, me desafiando a não saber quem era Harry Potter, mas para a minha alegria (e de todo o resto) eu sabia – Mas ele não tem filho!

-Viu, era disso que eu estava falando. Eu gosto de você. Independente se você é muito estúpido. Mesmo se você fosse coisa muito pior, eu continuaria a gostar de você. Acha mesmo que saber que você tem uns parafusos a menos vai mudar alguma coisa a respeito dos meus sentimentos? Eu deveria me sentir ofendida com sua falta de fé em mim.

Ela estufa o peito, fazendo uma cara de irritação e frustação fingidas, o que a deixa muito fofa. Morro de vontade de toca-la, colocar seu cabelo atrás da orelha, ou simplesmente acariciar sua bochecha.

 -Quer ser minha namorada?

Seus olhos sorriem para mim, adiantando a resposta que sua boca imediatamente diz.

-Sim. Sim. Sim!

Nossa, ela é realmente uma raridade. Fecho os olhos, sentindo seu rosto próximo ao meu, deixando aquela gelada e doce sensação tomar conta de mim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!