For Amelie - 1a Temporada escrita por MyKanon


Capítulo 13
XIII - (R)Evolução


Notas iniciais do capítulo

Beta Reader: Keli-chan
Música: You Create (Lacuna Coil)



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Eram 6:45. Já estava no pé da passarela quando ouvi um assovio familiar. Parei e me virei.

Ele correu um pouco até me alcançar e me cumprimentou com um beijo no rosto.

_ Bom dia Mel.

_ Bom dia.

_ Ontem eu dei mais uma estudada, mas não sei não hein...

_ Até sábado você sabia exatamente o que fazer.

_ Então... Mas eu sou muito volúvel. – Depois disso ele riu.

_ Não comece Aquiles! Não quero nem pensar que perdi meu sábado inteiro por nada. – Só fazendo drama, todos sabemos que eu não tinha nada pra fazer.

_ Tá bom, tá bom. Acho que vai ser de boa. Raspando eu acho que passo!

_ E trate de não descuidar esse ano, ok?

_ Deixa comigo.

Antes de entrar para a aula de Língua e Literatura, o Aquiles foi procurar o professor de química para saber quando faria a prova.

Depois de cerca de quinze ou vinte quinze minutos ele estava de volta, e a sala ainda estava terminando de entrar. A Bia estava sentada atrás de mim, então o Aquiles teve de sentar na fileira do lado.

_ E aí? Quando vai ser a prova? – ela perguntou sorridente.

_ Ele disse que não ia dar aula até o intervalo, então combinei de fazer na terceira aula, pra poder estudar mais um pouco agora na aula dessa doida.

_ Se a professora o vir estudando química, ela vai se irritar. – alertei.

_ Prefiro correr o risco. – ele sorriu e deu uma piscadela.

Eu já conseguia controlar o fluxo sanguíneo das minhas bochechas, por isso não corei com aquele gesto tão fofo dele.

Ele abriu o livro de gramática e colocou as folhas de química no meio. Resolvi me concentrar na aula, para não chamar a atenção da professora.

Na segunda aula a professora começou a passar alguns exercícios, e o Aquiles fingiu escrever enquanto repassava os exercícios de química. Às vezes eu dava uma olhada de canto de olho pra ver como iam as coisas, mas ele parecia familiarizado com os tais balanceamentos.

Por fim fomos dispensados. O Aquiles saiu na frente e então a Bia se virou pra mim e disse:

_ Cris, você se incomoda de eu ir na frente pra formar um time com as meninas?

_ Claro que não.

_ Então até loguinho!

Ai, que vondade que me deu de fazer uma careta assim que ela se virou... Mas isso não era coisa de gente civilizada. Tá bom, algumas crianças eram civilizadas... Mas eu não as curtia muito...

Só fui para a aula de EF porque as notas eram baseadas em presença. Para a minha sorte...

Depois de responder presença, sentei novamente no gramado que já tinha o meu formato e resolvi ler em vez de ouvir música. A história ficava cada vez mais instigante. Penetrava nos mistérios da alma humana, um mundo tenebroso, onde nada era o que parecia ser. Exatamente como a minha vida.

Faltavam pouquíssimas páginas para o desfecho, mas percebi que estava quase na hora de acabar a aula, então decidi ir para a sala de química.

Só tinha o Aquiles e outro menino na sala... Por que ele estava demorando tanto? Será que tinha esquecido tudo outra vez? Como era horrível essa sensação de ansiedade...

Ultimamente eu até achava que não tinha mais capacidade de sentir essas coisas... Ansiedade, nervosismo, constrangimento, empatia... Essas coisas que usualmente sentimos quando gostamos das pessoas e as pessoas gostam da gente...

Mas apesar de ser ruim, eu estava gostando. Era bom saber que eu podia ser normal.

Parei de filosofar quando a porta se abriu. Mas infelizmente não era o Aquiles, era o outro menino. Ele desceu as escadas com ar preocupado.

Poucos segundos depois a porta se abriu novamente, e dessa vez era ele.

_ Você demorou.

_ Não é tão fácil pra mim como é pra você! - ele respondeu indignado.

Dei uma risada complacente enquanto perguntava:

_ Mas como foi?

Ele fez uma careta de “mais ou menos” enquanto respondia:

_ Acho que dá pra passar...

_ Bom, não ter esquecido tudo já é um bom sinal...

_ É, agora vamos pro intervalo?

_ Não, vou esperar a aula começar aqui mesmo.

_ Você não aprende mesmo não é? Tem tanta inteligência pra umas coisas, e tão pouca para outras...

_ Prefiro utilizar toda minha inteligência para o que me vai ser útil.

_ Isso não é saudável Mel... Pra tudo deve existir um equilíbrio.

Fiquei quieta refletindo sobre tão sábias palavras...

Pela primeira vez eu gargalhei na frente dele.

_ Desculpa Aquiles, mas é que você pareceu um monge tibetano dizendo isso...

_ Ora vejam só... Não é que descobrimos uma humorista por baixo dessa casca de Rambo?

_ Certo Aquiles, vá comer seus cinco hambúrgueres enquanto eu continuo enriquecendo minha inteligência e consequentemente me desequilibrando.

_ Sua boba. Eu vou lá rapidinho e já volto.

_ Não tenha pressa.

Depois de fazer uma careta ele desceu para o intervalo. Fui até a porta da sala e perguntei ao professor se podia entrar. Ele assentiu sem me encarar. Fiquei uns cinco minutos lendo antes do professor avisar que já voltava e sair. Tá bom vai... Eu não estava tão normal assim... Todos faziam intervalos, todos tinham necessidades fisiológicas, orgânicas, etc... Bom, eu estava começando a desenvolver sentimentos, logo desenvolveria necessidades sociais também. Uma coisa de cada vez.

Em pouco tempo ele estava de volta e continuou com suas coisas sem dispensar a menor atenção a mim. Ouvi o sinal batendo e em seguida o pessoal começou a entrar. O Aquiles foi um dos últimos. Claro, acompanhado por sua fiel companheira apaixonada, Bia.

_ E aí, está intelectualmente mais rica?

_ Absolutamente. Aprendi uma nova palavra.

_ Qual?

_ Esboroar.

Ele pensou por um tempo, enfim perguntou:

_ E o que significa?

_ Esmigalhar, reduzir a pequenos fragmentos.

_ Uau, o que você anda lendo?

_ O quarteto de cordas.

_ Não parece muito musical.

_ Não é mesmo muito musical.

_ Ahan. E como descobriu o significado?

_ Contexto.

_ Só?

É verdade... Eu não definiria “Esmigalhar, reduzir a pequenos fragmentos” simplesmente pelo contexto.

Mostrei meu mini-dicionário.

_ Caramba, você anda com um dicionário?

_ Não gosto de levar dúvidas pra casa.

_ O que mais você tem aí? Mein Kampf¹?

_ Pra um comediante, até que você tem cultura...

Ele deu risada e paramos de nos falar porque o professor começou com a aula. Ele havia corrigido as provas e ia nos entregar para resolvermos as questões juntos.

_ Até que a média da sala foi boa... - começou - …Embora eu tenha dado apenas 3 notas dez. Coincidentemente 2 vieram da mesma bancada.

Ele sorriu e olhou significativamente para nós.

Ops... Acho que arrumamos encrenca.

Mas ele não fez nenhum outro comentário. Ele distribuiu as prova, começou com a correção e solução de dúvidas.

_ Será que ele vai deixar passar Mel? - ele me perguntou baixinho.

_ Acho que sim... Como ele pode provar se fizemos alguma coisa?

_ Sei lá...

Ficamos ambos tensos por toda a aula, por isso não nos falamos mais. Tentei não olhar muito para o professor para ele não notar meu nervosismo. O Aquiles fez o mesmo.

Nós já estávamos com o nosso material todo arrumado quando o sinal tocou, mas não pudemos sair.

_ Aquiles e Amélia, vocês podem vir aqui um minuto? - pediu o professor discretamente enquanto o resto da sala saía.

A Bia tentou se aproximar do Aquiles para se pendurar nele novamente, mas percebeu que não era uma boa ideia quando notou a gravidade com a qual nós três nos encarávamos.

_ Vejo vocês na aula de história. - disse, saindo da sala.

O Aquiles consentiu com a cabeça e fomos até a mesa do professor. Ele estendeu a mão para receber as provas, e depois de dar uma olhada para as duas, disse:

_ Incrível como até o número de linhas que usaram para a resolução foram iguais.

Fiquei quieta assim como o Aquiles.

_ E então? Vocês tem algo pra me dizer?

Nada.

_ Muito bem. Então eu digo. Isso aqui é o típico trabalho em equipe. Concordam comigo?

O Aquiles não disse nada, por não saber o que dizer. E eu, para não estragar o que já estava ruim.

_ De quem é o dez?

Como assim? Ele tava nos pedindo para escolher?!

Na pior das hipóteses, todos ficavam com zero e ponto final.

_ Dela.

_ Dele. - Dissemos em uníssono.

Olhei para ele como quem diz “cala a boca e só escuta!!!”.

_ Eu só queria saber se vocês confessariam. Eu sei de quem é o dez.

_ Como? - perguntei, corajosamente, admito.

O professor me encarou surpreso pela minha ousadia, mas não discutiu. Pegou o canetão e escreveu o nome de um hidrocarboneto na lousa.

_ Aquiles, escreva a estrutura desse alcano pra mim por favor. Essa foi a terceira questão da prova.

É, eu consegui estragar tudo...

Apreensivo, o Aquiles pegou o canetão e foi até a lousa. Era o 3-metilhexano... E tinha caído na prova. Se ele não resolvesse, não teríamos direito nenhum de protestar a decisão do professor.

Escreva seis carbonos... Seis carbonos...” Pensava em desespero.

Ele começou a escrever. Um... Dois... Três... Quatro. E parou.

Por favor... Mais dois...”

Ele continuou estudando o que tinha escrito. Por sorte colocou mais 2. Depois foi para a parte mais fácil, os hidrogênios.

No terceiro ele devia colocar um radical metilo. Ele sabia pois não colocou o hidrogênio ali. Por fim terminou. Suspirei aliviada, pois ele conseguiu resolver certo.

_ É, parece que você se lembra. Agora, por gentileza, pode resolver mais um somente para eu acabar com as minhas dúvidas?

Sem esperar resposta ele passou outro hidrocarboneto na lousa.

2-cloro-1,4-dimetilciclohexano?!?!”

Obviamente o Aquiles não resolveria.

 

Hope seize the invisible

Esperança apreende o invisível

 

_ Isso não caiu na prova, professor. - argumentei.

_ Tem razão. Mas aprendemos, não aprendemos?

E agora?

_ Não me lembro.

O professor suspirou. Ele sabia que aquela discussão era improdutiva e não nos levaria a lugar algum.

_ A nota é do Aquiles professor.

Encarei o bocó antes que ele estragasse tudo.

_ Se é assim que vocês preferem. Que sirva de lição. Não darei uma oportunidade como essa novamente. Podem ir.

Saímos silenciosamente da sala. Depois de fecharmos a porta, o Aquiles disse:

_ Valeu... De novo Mel.

_ Ah, não esquenta.

_ Mas você ficou com zero...

Oh Deus, ele estava chateado.

_ Que isso Aquiles! Você sabe que eu posso tirar um dez a hora que eu quiser!

Será que uma dose de arrogância o ajudaria a se recuperar?

Ele forçou um sorriso meio de canto, mas notava-se que não estava satisfeito.

_ Foi injusto. Eu devia ter ficado com o zero. Eu teria tirado de qualquer forma.

_ Ihh, vamos parar com esse papo? Você podia pelo menos fazer valer a pena, não é? E se te serve como redenção, tire uma ótima nota na próxima prova!

Ele continuou me olhando de uma forma meio deprimida, mas aquilo não durava muito nele, não fazia parte da natureza dele.

Ele me agarrou e deu um beijo bem estalado na minha bochecha.

Por que ele tinha que fazer isso comigo?

Empurrei-o irritada enquanto pedia:

_ Para com isso, vai.

_ Calma Mel! Eu não ia te atacar! - E riu.

_ Ótimo. Mas enfim, não curto muito essa proximidade à qual você está acostumado com as suas amigas. - “A Bia por exemplo”.

Mentira. Eu só tinha medo de acabar... Não interessa. Ele não devia fazer aquilo.

Ele ficou surpreso com a minha justificativa, e eu não estava a fim de me explicar ou discutir minhas razões. Como ele não disse mais nada, saí andando em direção à escada.

_ Ah não Mel... Você vai ter que se acostumar com isso!

_ Hã?

Antes de eu me virar por completo, senti ele se agarrar a mim. Ele se abraçou às minhas costas, enquanto eu tentava me proteger com os braços.

Fiquei sem reação, sem saber o que dizer, o que pensar. O prédio estava silencioso, praticamente ninguém mais estava tendo aula lá. Só havia nós dois. Eu imóvel, quase sem nem respirar, enquanto o Aquiles se abraçava em mim pelas costas.

 

Achieves the impossible

Consegue o impossível

 

_ O... O que você...? - consegui balbuciar.

_ Você não é esse bloco de gelo.

O quê?!”

O que ele queria afinal? Me matar com uma parada cardio-respiratória? Pois eu sentia minha pressão aumentar, minhas mãos suarem e minha visão escurecer enquanto sentia o calor do corpo dele nas minhas costas, e o das mãos nos meus braços.

_ Aquiles...

Mas parei, pois não sabia o que queria pedir. Sabia o que devia pedir, mas não queria.

_ Eu já entendi... Agora me solta, e vamos para a aula.

_ Entendeu?

Estávamos falando da mesma coisa?

_ A-acho que sim.

_ Ótimo.

Mas ele não soltava. Apertei meus olhos com força para manter a lucidez. E também para não encará-lo. Com medo do que pudesse encontrar.

 

If you look up, there are no limits...

Se você olhar acima, não há limites...

 

_ Vai, vamos logo pra aula, sua frangote! - disse brincalhão quando me soltou.

Eu queria um tempo para reencontrar o chão e estabilizar minha respiração, mas não podia demonstrar tamanha fraqueza.

_ Frangote? - perguntei por não saber o que falar.

_ Sim. Você é uma fujona.

_ Por quê?

_ Porque você quer manter essa distância segura. Me pergunto: segura do quê?

_ Eu nunca disse que era isso.

_ Mas nota-se.

_ Quem é você para me analisar?

_ Ok, não está mais aqui quem analisou!

_ E que não volte.

Ele riu e me puxou pelo braço para as escadas. Eu ainda estava com os joelhos trêmulos, mas estávamos atrasados para a aula de história. E se eu caísse, ele teria de burlar minha “distância segura“ novamente. E apesar da taquicardia, não era de todo mal...


Continua

***

¹ Mein Kampf (em português Minha Luta) é o título do livro de dois volumes de autoria de Adolf Hitler, no qual ele expressou suas idéias anti-semíticas, nacionalistas então adotadas pelo partido nazista.

FONTE: Wikipédia


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