Quatro Anos Depois. escrita por mandikasilva


Capítulo 11
As dúvidas.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/244924/chapter/11

A noite escura e quente caía sobre a casa de Hermione. Esta estava trancada no seu quarto, deitada em cima da cama feita, com Crookshanks perto de si. Escrevia umas linhas no seu diário mágico, comprado anos atrás na Flourish and Blotts. Um diário encantado, sem chaves nem cadeados, que abria apenas ao ouvir a voz da dona; um diário (ainda) pouco utilizado, devido á guerra e suas consequências. Gostava de escrever naqueles cadernos (ela já tivera outro anteriormente), onde contava todos os seus segredos. Mas mesmo todos- até mesmo aqueles que não contava aos amigos ou familiares. Podia afirmar que ninguém a conhecia melhor do que ele!

A luz do candeeiro era a única que existia no quarto, mas era suficiente. A casa estava silenciosa, o que levava a perceber que já todos se tinham deitado; até mesmo o enorme gato ruivo dormia aos pés de Hermione, com os bigodes a tremer.

« Não sei o que me aconteceu no momento em que ele caiu ao chão, mas foi como se Malfoy fosse uma criança e eu a mãe que o devia proteger! Ele parecia tão frágil, tão fraco quando caiu daquela cadeira, tão magro que até metia dó! Ele não era o Draco Malfoy que conheci em Hogwarts naquele momento- era apenas um rapaz que necessitava de ajuda. Mas assim que me aproximei do seu corpo, ele afastou-me, voltando a ser o pequeno monstro que conheci outrora. Nem pude ajudá-lo como deve ser...»

Parou a caneta e mordeu a tampa, um hábito seu. O relógio na mesa de cabeceira indicava 1 hora e meia da madrugada. Eram horas de dormir, mas o sono não vinha! Precisava de "despejar" algo cá para fora...

Ao estender a mão a Malfoy, ele agarrou-a e olhou Hermione nos olhos. Surpreendentemente, ela ficou como que petrificada! Aquele não era um olhar de ódio, de fúria ou desprezo- era apenas um que pedia auxílio, sendo magoado e...belo!

« Sinto vergonha ao dizê-lo, mas Malfoy tem um belo olhar. Olhar azul, que faz lembrar o mar forte e assustador, o céu sem limites, transmite e equilíbrio e segurança. Gosto de azul; gosto do olhar de Malfoy. Foi a primeira vez que olhei realmente os olhos dele, e posso dizer que não me arrependi!»

Acabou no ponto final. Mas o que é que ela tinha escrito? Devia estar fora de si naquele instante! Não...estava apenas a ser sincera!

Fechou o diário, guardou-o a apagou a luz. Deitou-se na cama e mirou o tecto escuro da divisão, pensando nas linhas que escrevera no caderno ainda há uns minutos atrás. Sentia vergonha ao admiti-lo, mas era a primeira vez que estava com ele de uma maneira diferente. Não como inimigos, mas como duas vítimas da guerra que precisavam de ajuda. E agora conseguia ver algo mudado. Teria ele outra faceta?

- Não, Hermione, ele é mau! Sempre foi, sempre será...- murmurou ela na escuridão do quarto.

No entanto, não pôde pensar muito mais. Vencida pelo sono e pelo cansaço, deixou-se dormir assim que o relógio da cozinha bateu as duas da manhã.

***

- Mas acha que eu faço bem? Tenho medo que me considerem traidora, não seria impossível...

- Hermione- suspirou Kathleen- ,porque é que tens sempre de te preocupar com o que os outros pensam? Se o rapaz precisa de ajuda, ajuda-o, não ligues aos outros!

- Sim, mas a avó diz isso porque não conhece o mundo mágico após a guerra. Nem eu o conheço!

A rapariga ajudou a levantar a mesa do lanche sempre a pensar no dia anterior, a pensar em Malfoy. O desespero, a mágoa, o sofrimento dele assim que saiu da enfermaria, ao cair da cadeira, ao ter de agarrar a sua mão para se levantar. Hermione tinha medo daquilo que os outros feiticeiros iam pensar caso descobrissem que ela estava determinada a ajudá-lo naquela luta diária. Ou será que ela tinha medo de ajudar o inimigo? Tinha medo que o ódio desaparecesse e surgisse outra coisa? Ah, não conseguia raciocinar correctamente!

- Mãe, vou sair!- avisou ela já à porta de casa.

- Também, desde que acordaste que não fazes outra coisa!- queixou-se a mãe, limpando as mãos ao avental, com uma expressão triste no rosto.

- Ora, mãe, acha que eu sou má filha?- inquiriu Hermione, passando os braços á volta dos ombros de Linda.

- Não, querida. Eu percebo que queiras ir visitar aqueles sítios esquisitos, reencontrar os amigos, ver coisas novas,... Mas passei quatro anos sem a minha única filha! Em Setembro voltas ás escola e fico mais um ano sem te ver; depois queres ir viver sozinha- provavelmente lá ao pé dos feiticeiros- casas e passo a só te ver no Natal!

- Será sempre a minha mãezinha querida, lembra-se? E vai ver-me sempre que quiser, o meu marido não vai ser igual ao dos filmes e suporta a sogra, OK?

Linda sorriu e deu um beijo na bochecha da filha. Sentia saudades de Hermione, mas tinha de admitir que era sorte ela ter 21 anos de idade e continuar com os pais. Mas ela passara 4 anos sem acordar, sem se mover, num sono profundo; para a família era difícil encarar que o tempo passara e Hermione continuava a ter 17 anos! Até a própria Hermione se esquecia da verdade!

Por esta altura, já ela tinha saído de casa. Ia visitar o parque da cidade, aproveitando aquele tempo que tinha para si. Um passeio para espairecer as ideias, para (tentar) deixar de pensar no inimigo loiro que tentava ajudar- mas era difícil! E já não era apenas a ajuda que ela lhe dava ou o episódio em Hogwarts: era o próprio Malfoy! Aquilo que dizia, que fazia, que era! Por muito que quisesse varrer aqueles pensamentos da mente, era apenas aquele rapaz que ela via na sua cabeça. E aquele olhar que ele lhe deitou. A cadeia de ideias e imagens que se seguiam na sua mente foram quebradas por uma mão que parou no seu ombro. Um perfume conhecido chegou ao seu nariz.

- Por aqui, Hermione?- perguntou Harry- É bom ver-te!

- Senta-te- convidou ela, a sorrir.

Harry contornou o banco onde Hermione se sentava e colocou-se a seu lado. Sorria nervosamente, talvez por se recordar que fora assim, num banco de jardim como aquele, que eles se beijaram a primeira vez. Pelo menos, ela lembrava-se disso. Alguém lhe dissera que o primeiro beijo nunca se esquece e ela assim o achava.

- Lembras-te? Foi assim, num banco de jardim, que nos beijámos pela primeira vez! -afinal, Harry não se esquecera.

Ela acenou afirmativamente e baixou a cabeça. O rapaz de olhos verdes pensou que o fazia ao recordar o namoro entre os dois e mudou de assunto á velocidade da luz:

- Olha lá, passou-se alguma coisa na casa dos Weasleys durante aquele almoço?

- Porque perguntas?- Hermione olhou-o assustada.

- Parecias um pouco triste á mesa e também vi que a Ginny não estava muito contente. Como estiveram as duas juntas antes do almoço, pensei que se tivesse passado alguma coisa!

- Ora, o que é que haveria de se passar?...

Desviou o olhar novamente. Não queria dizer a Harry que elas tinham discutido por causa dele; que ganharia com isso? Mas o rapaz não podia perceber o que se passava e mais uma vez pensou noutra coisa:

- Estás assim porque...por causa dos tempos antes da guerra, quando estávamos juntos?

- Não, Harry, não tem nada a ver com o nosso namoro- respondeu ela imediatamente- Estou assim por causa de assuntos meus, que só a mim me dizem respeito.

- Hermione, vou fazer-te uma pergunta e espero que me respondas com sinceridade- fez uma breve pausa- Tu ainda gostas de mim? Depois da guerra, depois do coma, depois da Ginny, ainda me amas?

Aquela pergunta apanhou-a de surpresa. Será que ainda amava Harry como há 4 anos atrás? Ou os seus sentimentos por ele teriam mudado? Ela não sabia que dizer.

- Pediste-me sinceridade e eu dou-ta: não sei. É tudo muito confuso neste momento, preciso de pensar naquilo que realmente quero, naquilo que realmente sinto. Tu deves saber aquilo que estou a falar.

- Sei...- concordou ele, pensando na amiga de cabelos ruivos.

O tempo passou e eles ali continuavam. Sem olharem um para o outro, observando apenas a bela paisagem que os rodeava. Não abriram a boca durante esse tempo, pensando nas frases que tinham dito.

Hermione não conseguia deixar de pensar naquilo que ela e Harry tinham dito um ao outro, deixando Malfoy de lado, finalmente! Na verdade, sabia que não estava já desesperada por causa de Harry. Se aquele relacionamento não voltasse a funcionar, paciência! Na verdade, pensava também em Ginny e naquilo que ela dissera na discussão de há dois dias atrás. Não sabia o porquê, mas também perguntava: se a rapariga amava Harry desde o primeiro momento em que o viu e ela apenas se apaixonara cerca de 5 anos depois, porque é que ele preferira a morena em detrimento da ruiva?

Agora, Hermione nem se importava de perder o rapaz. Não iria chorar durante meses nem iria ficar zangada. Podia ser chamada de doida, discutir com ele e depois abrir mão do rapaz, mas era verdade: já não amava Harry como amava antes. Mas ainda o amaria um pouco?

- Então, o que é que tens feito nestes dias? Quase não te tenho visto!- perguntou ele no fim de algum tempo.

- Tenho andado a descobrir o mundo, a ajudar quem precisa...- Hermione não especificou quem estava a ajudar.

- Ah, isso é bom! Também ajudei vítimas da guerra. Trabalhas em St. Mungus?

- Não, ajudo uma pessoa que está sozinha e precisa de auxílio.

- Espero que essa pessoa te trate bem!- Harry sorriu- Vais terminar o 7º ano em Hogwarts?

Ela acenou com a cabeça, aliviada por mudarem de assunto.

- Volto em Setembro. Garanto-te que estou ansiosa para começar, quero obter o diploma e ser uma bruxa a sério!

- Tu mereces! Eu espero por ti, daqui a um ano organizamos um duelo de feiticeiros para ver quem é o melhor. E nem sonhes que és tu, Granger!

- Ah, vai sonhado, Potter!

Riram-se e, apesar da sua idade, era um riso infantil, doce para os ouvidos de quem os escutava. Um riso que trazia saudades do tempo em que estavam em Hogwarts, na companhia de alguém muito querido por ambos.

- Tenho saudades do Ron!- lembrou a rapariga subitamente.

- Também eu, Hermione! Tantas saudades que mais parece que padeço de alguma doença!

- Pensas que ele ficou zangado por eu não me despedir dele?

- Ele apenas partiu zangado com uma pessoa: o homem que te pôs naquele estado. Desde aquele dia que ele nunca mais te viu!- e acrescentou ao ouvido dela, com tristeza- Eu sei porque ele me disse. Visitei-o na última noite da sua vida!

Procurou o olhar escuro de Hermione. Fossem de que cor fossem, transmitiam segurança, conforto e carinho; como naquele momento. Harry sentiu-se melhor ao olhar os olhos dela.

Também Hermione procurou os olhos verdes do amigo. Verdes como a Natureza, verdes cor da esperança- esperança por um mundo melhor, o principal sentimento daquela dura época em que viviam.

Sem saberem bem o que fazer, passaram os braços pelo pescoço um do outro, num abraço apertado. E embora estivesse bastante calor naquele dia, nenhum deles o sentiu. Preferiram ficar ali, vendo as horas a passar, o dia a terminar, sem largar o corpo do companheiro, como se aquele fosse o lugar mais seguro que ambos conheciam...

***

Já anoitecera há algum tempo. Só esperava que os pais não estivessem preocupados com a sua demora; detestava preocupar os pais. Mas não os pudera avisar que ia chegar tarde. Não pudera fazer nada enquanto estivera abraçada a Harry no parque.

Andava pela rua iluminada onde morava, sentindo na face uma leve e fresca brisa de Verão, relembrando tudo aquilo que se tinha passado naquela tarde. Mas foi interrompida por uma voz maliciosa, sarcástica e muito conhecida:

- Andaste a passear?

Hermione voltou-se para descobrir onde estava Malfoy, mas não o conseguia distinguir. Apenas sabia que ele estava ali, com ela. Ele surgiu por fim, vindo das sombras produzidas pela zona mais escura ao lado das escadas do prédio onde ela morava.

- Bem, Malfoy, nunca te pensei capaz de vires ao mundo Muggle!

- Preciso de te fazer uma pergunta!

- Talvez...- Hermione enrolou uma madeixa do seu cabelo encaracolado no dedo- Queres saber porque é que eu te ajudei quando caíste da cadeira! Acertei?

Draco acenou com a cabeça, afirmativamente.

- Ouve, eu estou farta de te dizer: eu preocupo-me contigo, sim? Fiquei aflita quando caíste, agora tudo é diferente e o facto de seres um Malfoy não significa que te vá deixar morrer quando precisares de ajuda! Gostaria de tornar a tua vida melhor, apesar de saber que voltaremos ás turras quando estiveres curado! Só te peço uma coisa: não a estragues, não queiras ir para Azkaban, Dra...Malfoy!

Os olhos dele encararam-na, mas logo Draco voltou a baixar a cabeça. No entanto, parecia a Hermione que ele tinha torcido os lábios naquilo que parecia ser o início de um pequeno sorriso. Se assim fosse, aquele deveria ser um momento raríssimo!

- Nunca pensei ter de dizer isto, mas- o rapaz levantou a cabeça, mais sério que nunca- acho que tenho de te a... Bom, és a primeira pessoa que realmente passa um tempo comigo sem me olhar daquela maneira esquisita. Acho que realmente te preocupas comigo!

- Mas se tu quiseres, todos se preocupam contigo.

Malfoy desviou o olhar, provavelmente, envergonhado por ter dito aquelas palavras. Mas aquele fora um momento importante para Hermione. Era agora que ela percebia que o que importava não era aquilo que os outros pensavam, mas sim retirara a dor daquele belo olhar, retirar a maldade e substitui- los pela alegria e aceitação. Acreditava que ele sorrira há pouco, e esse era um prémio maior que outros. Talvez, quem sabe, um dia Draco Malfoy mudasse!

Receosa, encarou-o nos olhos. Olhos azuis, azuis como o mar, como o céu. Um belo azul! Ao olhar os olhos, teve de mirar também o rosto e surpreendeu- se! Nunca pudera dizer que ele era feio, mas a sua maldade distorcia a beleza que existia nele; naquele momento, era um rosto mais humano, mais agradável e mais bonito também. Sentiu o coração bater fortemente no seu peito, a respiração tornar-se mais rápida.

- Porque é que estás a olhar assim para mim?- perguntou Malfoy, também ele nervoso.

- Não...a olhar como?

- Tu estás mesmo muito esquisita, Granger!- quebrou aquele "transe" que se estava a instalar entre os dois e afastou-se na sua cadeira prateada, sem sequer se despedir.

Hermione via a cadeira começar a ficar cada vez mais longe de si. Sentia o coração bater ainda fortemente contra si, os joelhos tremiam também, a respiração saía acelerada. Mas porquê, o que é que acontecera?

- «Estás apaixonada!»- dizia uma parte- «Não estás!»- dizia outra.

Amor, apaixonada por Malfoy? Nunca! Ele era mau, desprezível,...e também frágil, difícil, corajoso. Apaixonada? Não, claro que não! Era Harry...ela amara Harry antes da guerra, e, mesmo que agora não o amasse tanto, continuava a pensar nele. Malfoy era o inimigo, e é errado amar o inimigo. Mas que raio de ideias...!

Tentando afastar da mente aqueles pensamentos, abriu a porta e entrou no prédio. Aquele dia terminara!

*Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!