Entre Céu & Mar escrita por Tassi Turna


Capítulo 29
A grande revelação e o acerto de contas


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo e finalmente a revelação! Prontos para descobrir quem é o verdadeiro assassino?
Esperei muito para escrever esse capítulo, e espero de verdade que gostem.
Boa leitura, e por favor! Não esqueçam de comentar.



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A cidade fora abençoada com uma manhã de céu límpido, colorido de um inocente azul, com um clima ameno, perfeito. Em dias assim, quase frios, Kate, Ágata e Evellyn eram tomadas por uma calmaria contagiante. Um clima perfeito para prender um assassino.

As três estavam à mesa, servindo-se numa mesa farta de café da manhã, enquanto por incrível que pareça, conversavam normalmente. Kate parecia distante e pensativa, como sempre, olhando para o nada, como se esperasse por algo.

–Está tudo bem, Kate? –Evellyn perguntou, preocupada.

–Está sim. Só estou um pouco sonolenta. –Ela deu um meio sorriso fraco, e voltou a mexer o seu café, taciturna.

O silêncio tranquilo que provinha daquela manhã abençoada foi cortado pelo som de sirenes. As duas se entreolharam, curiosas. As sirenes se calaram, e a campainha soou desesperada.

–Vocês podem atender queridas? Vou terminar de limpar a mesa. –Disse Kate, limpando a mesa.

As duas irmãs foram até a porta e atenderam juntas. Era um policial aparentemente novo demais, e pelo visto, impaciente. A presença da polícia em sua casa era praticamente normal, e o motivo também. Tanto que ambas já podiam adivinhar do que se tratava.

–Posso ajudar em alguma coisa? –Ágata perguntou, desconfiada.

–Sim. –Ele disse, olhando para ela nervoso. –A responsável por vocês está em casa?

–Sim, ela está na cozinha. Mas espere aí, o que você quer? –Evellyn o impediu de entrar, olhando temerosa para as algemas e a arma.

–Descobrimos o verdadeiro assassino de seus pais. –Ele anunciou, ainda impaciente.

As duas se entreolharam, temerosas e desconfiadas. Ambas ansiavam pelo fim daquele pesadelo. Mas ainda não estavam preparadas para a verdade. Poderia ser qualquer um, e necessariamente alguém próximo.

–E quem é?Diga! Nós temos o direito de saber! –Ágata se pronunciou, agora tão impaciente quanto o policial.

Ele parecia não conseguir dizer aquelas palavras duras ali. Aquelas duas irmãs já haviam sofrido tanto, e agora aquilo iria se repetir.

–Eu preciso falar com a senhorita Kate. –Ele insistiu.

–Por quê? Por que tem que ser com a senhorita Kate? Por que não nos diz agora, o que está acontecendo afinal? –Evellyn disse, perdendo a paciência com toda a situação.

–Kate está presa pelo assassinato de Andrew e Scarlet Baker. –Ele disse enfim, cabisbaixo, e aterrorizado com aquela realidade que agora seria a sua rotina.

Ágata e Evellyn se entreolharam incrédulas. O cérebro das duas ainda tentava processar a notícia, mas ambas se recusavam a acreditar. Não era possível que a doce Kate, que tem sido como uma mãe para as duas durante aqueles anos difíceis, tenha feito algo tão tenebroso. Aquela que sempre esteve presente com os melhores conselhos, que desistiu daquilo que mais amava para estar perto delas, a única família que tinham. Não podia ser verdade. Os policiais estavam cometendo um equívoco. Os seres humanos sabiam mentir sem piedade, mas aquilo era demais. Eles estavam cometendo um grande equívoco.

–Que palhaçada é essa? Não, vocês cometeram um engano! Não é possível! –Evellyn latiu, desesperada.

–Connor deu o seu depoimento, ele a entregou...

–Pois ele mentiu! Como sempre! Ele quer se safar acusando a Kate! Aquele vagabundo! Eu já vi isso! Minha tia Kate, ela não pode ter feito isso! A mesma Kate que está ali na cozinha assando biscoitos! Não é possível e eu vou mostrar que vocês estão errados! –Evellyn correu até a cozinha vermelha de ódio, pronta para fazer o que pudesse para provar a inocência de Kate.

–Evellyn não! –O policial gritou, mas era tarde demais.

–Kate! Kate! Você não vai acreditar no que aconteceu! Eles pensam que você planejou a morte dos meus pais! Kate! Onde você está? –Evellyn gritou na cozinha, soltando um riso nervoso.

Mas não havia nada naquela cozinha incrivelmente alva e limpa, agora tão assustadora. Por que ela estava tão assustadora agora?

Por que Kate inexplicavelmente havia sumido.

–Kate? –Sua voz falhou, pois o pânico havia tomado sua garganta.

Evellyn sentiu um cano duro e gélido nas suas costas e uma mão igualmente fria segurar um grito de terror que estava prestes a sair de sua boca.

–Shh... Quieta, ou eu explodo o seu cérebro agora mesmo. –Kate sussurrou como um fantasma em seus ouvidos. –Agora ande devagar, anda.

Evellyn não poderia fazer outra coisa a não ser obedecer às ordens de sua tia, enquanto todo o seu desespero era impedido pela mão assassina de Kate, fazendo-a engolir toda a crise que se manifestava calada, destruindo-a por dentro.

Estava acontecendo de novo. Ela já podia sentir os sintomas.

O policial já invadia a enorme casa quando ele e Ágata se depararam com Kate pressionando uma arma contra as coisas de Evellyn, enlaçando-a num abraço mortal.

Ágata soltou um grito de terror ao ver aquela cena mil vezes pior que o seu mais sombrio pesadelo. Kate serrava os dentes num semblante diabólico, sem compaixão.

Os policiais não haviam cometido nenhum equívoco. Era verdade. Havia dividido o mesmo teto com o assassino de seus pais.

E aquela pessoa que sempre fingiu amar estava agora apontando uma arma para sua irmã.

–Kate, abaixe essa arma! –Disse o policial, estendendo a arma para Kate.

Ela deu uma sonora gargalhada.

–Acha que eu tenho medo da sua arma? Ninguém com o sangue Baker vai sair vivo daqui. Inclusive eu. –Ela anunciou o seu plano de carnificina.

Naquele momento, as duas irmãs eram feitas noventa por cento de pânico. Os outros dez por cento era ódio.

–Kate, por que não se entrega agora? Não vamos criar mais tragédia. –O policial disse sério, mas calmo.

–Nunca! Nenhum policial manda em mim! E agora, eu vou mandar em vocês! –Ela latiu.

O policial parecia confuso.

–Ágata, venha aqui. –Ela ordenou, sem tirar os olhos do policial.

Ágata recusou imediatamente. Com o movimento frenético de sua cabeça ao negar, as lágrimas de pânico dançaram no ar.

–Ágata! Venha aqui ou eu vou matar a sua irmã agora! –Ela disse, apertando com mais força a arma contra as costas de Evellyn. Dessa vez ela deixou a boca de Evellyn livre para soltar um gemido de dor e pavor. Criando o resultado que ela esperava.

–Não! Não a machuque! Eu vou. –Ágata se deu por derrotada, caminhando lentamente para a sua morte.

–Ágata, não! –O policial tentou impedir, mas como sempre, já era tarde.

Kate a enlaçou com outra mão que até então estava atrás de suas costas, mostrando outra arma. Aquelas armas estiveram lá todo esse tempo? Como elas não haviam percebido sua existência?

–Agora, senhor não-me-interessa-o-nome. Você vai sair daqui e avisar aos seus amiguinhos lá fora que eu estou com duas reféns, e que ninguém deve nos atormentar agora, pois preciso ter uma conversa em família.

–Kate, afaste-se das duas agora! –Ele repetiu, sem nenhuma convicção na voz.

–Mas que porcaria de policial é você? Eu aprendi a usar uma arma bem antes de você nascer. Eu sei matar desde os nove anos. Então, se não sair neste instante, eu mato as duas, te mato e ainda consigo me matar, antes que você pense em apertar o gatilho! –Ela gritou, assustando-o. –Dá o fora daqui! –Ela gritou mais uma vez, fazendo-o finalmente correr, pedindo reforços.

Evellyn e Ágata estavam paralisadas pelo terror, mas mesmo assim, Kate as obrigou a subir a enorme escada, pressionando cada vez mais forte a arma contra as suas costas.

–Já era hora de vocês descobrirem a verdade, não acham? Não fazem ideia de como é cansativo esconder quem você realmente é. Aposto que devem estar se perguntando por que eu estou fazendo isso. Pobrezinhas! Eu vou lhes contar uma pequena história de terror. É o momento certo. Preparem-se, porque agora é a hora do show.

*****

Enquanto um silêncio literalmente mortal se estendia pela mansão, do lado de fora a confusão era generalizada. Várias viaturas haviam chegado, e os policiais não sabiam o que deviam fazer numa situação daquelas. Poucas coisas interrompiam a paz naquele paraíso. Algumas gangues, drogados, violência. Mas nunca houve uma história daquelas. As pessoas se amontoavam ao redor da mansão, e só eram impedidas pelos policiais. Muitos conhecidos estavam ali presentes. Amigos de escola, vizinhos, e pessoas que nem sonhavam que existiam pararam sua rotina para presenciar o horror das possivelmente últimas horas da família Baker.

Além da multidão de curiosos e policiais, a imprensa também veio cobrir todo o “espetáculo”.

–... Kate é uma psicopata que já matou outras pessoas, inclusive seu irmão, sua cunhada, sua mãe, e se a polícia não encontrar uma solução, suas sobrinhas também. Ela tem diversos problemas, já esteve internada em um hospício, mas conseguiu fugir. De acordo com as informações obtidas com o seu cúmplice, Connor Holden, ela não vai parar até se vingar de toda a família Baker. Estamos todos torcendo que essa confusão tenha um fim sem tragédia.

Mais uma vez, aquela família estaria estampada nos jornais, e dentro das televisões graças a uma tragédia.

–Por que não deixam que eu entre lá? Eu posso fazê-la mudar de ideia! –Connor suplicou mais uma vez aos policiais, que o trouxeram para ‘entender a situação’.

–Connor, já disse que isso não é uma boa ideia. –O policial disse.

–Eu posso impedi-la. Kate me escuta! –Ele mentiu. A única coisa que ele queria era impedir Kate de matá-las. Afinal, Connor ainda era seu cúmplice, e todos iriam acreditar que ele também a ajudou a planejar isso. De certa forma, ele havia ajudado sim.

O policial olhou impaciente para ele, mas se deu por vencido.

–Está bem. Espero que saiba o que vai fazer. Tragam um colete à prova de balas para ele. Connor vai tentar negociar com Kate!

*****

Kate as levou até o antigo quarto de seus pais, que agora era seu. O quarto era enorme. Uma enorme cama feita de madeira nobre, toda em mogno, coberta por um colcha verde clara. Ela logo pensou em como aquela colcha ficaria manchada de sangue. Kate fechou as cortinas, e abriu seu guarda-roupas. De lá, tirou duas algemas, uma corda forte, que se encontrava com diversos outros objetos de tortura.

–Estão olhando o quê? Posso ser uma assassina, mas não sou sado-masoquista! –Ela gritou, fingindo estar ofendida.

Ela pegou uma algema e prendeu uma à outra. Passou a corda entre elas e a prendeu na cama em mogno, com um nó praticamente impossível de desenrolar. A chave da algema ela guardou dentro do sutiã, feito uma vadia. Evellyn só sabia olhar para Kate com os olhos brilhando de medo, e Ágata sabia em que estado ela se encontrava.

Era o mesmo olhar quando ela viu o corpo de seus pais, mas por incrível que pareça aquilo parecia ser pior.

Ágata tentava se livrar da corda em seu pulso, que a deixava com os braços para cima, mas quanto mais esforço fazia, mais a corda apertava. Quando ela sentiu que estava prestes a cortar os pulsos, ela desistiu.

–Não adianta, querida. Você não vai a lugar algum. –Kate disse com uma suposta alegria.

–Por que está fazendo isso? O que nós fizemos a você?! Por que matou os nossos pais?! –Ágata implorava por respostas entre soluços desesperados.

–Eu vou te contar uma pequena história, Ágata. A minha história. –Ela disse, sentando-se bem perto delas.

Lembrar do passado trouxe diversos insights à Kate. Mas ela precisava contar a sua história, assim como contou a Connor. Sua existência seria assim imortalizada.

–Seu pai nunca lhes contou isso, mas seus avós tinham problemas para ter filhos. Quando Andrew nasceu, foi uma vitória para eles. Mas não era suficiente. Eles queriam uma menina, seu sonho era ter uma pequena menina. Depois de anos, quando sua avó tinha chegado à idade da menopausa (mesmo que não parecesse por que ela era um socialite) ela engravidou outra vez, graças a um tratamento de fertilidade. E de uma menina! Foi a alegria da família! Eles compraram tantas coisas. Ela seria a luz daquela casa. Claro que Andrew nunca gostou da ideia. Deveria se chamar Katherine. Seu quarto era um mundo cor-de-rosa!

Kate contava a história com um brilho nos olhos e um sorriso assustador de palhaço no rosto. Fez uma pequena pausa para suspirar, e de repente seu semblante mudou para tristeza. Como se ela fosse capaz de sentir alguma coisa.

–Porém, um belo dia sua avó acordou banhada em sangue. Banhada em Katherine. Havia sofrido um aborto. Não podia mais engravidar. Ela entrou em depressão. Seu marido a abandonou. Aquela casa se tornou praticamente um cemitério, e ninguém tinha atenção para o pequeno Andrew.

Seu pai havia passado pela mesma coisa que elas. A dor do abandono. Então por que cometeu o mesmo erro de seus pais?

–Seu avô havia dado às costas para sua avó, mas sua atenção se virou totalmente para a jovem empregada de apenas dezenove anos. Lauren era o seu nome. De repente, Lauren apareceu grávida, e adivinhem só? De uma menina. Seu avô queria demiti-la. Não podia permitir que tamanho escândalo criasse raízes. Mas sua avó teve a brilhante ideia. Lauren não tinha condições de criar aquela criança, mas eles tinham. Então, quando ela nasceu, a tomaram para si, e Lauren continuou na casa, amamentando a criança. Colocaram seu nome de Kate, em homenagem à falecida, e aquela doce criança de olhos verdes deveria ser a menina que nunca nasceu.

Kate fez uma pausa para ver se suas sobrinhas prestavam atenção as suas palavras. Do jeito que elas a fitavam, apavoradas, tinha certeza que sim.

–Kate cresceu, mas não era a menininha que eles esperavam. Ela destruía seus brinquedos pomposos e caros, e preferia as armas e o videogame cheio de violência de seu irmão, que entrava para a pré-adolescência. Não tratava a avó de vocês como mãe, tinha apatia aos dois. Feria o irmão por brincadeira, e a única pessoa a quem ao menos fingia demonstrar afeto era Lauren. Mas as coisas ainda podiam piorar. Cada vez que Kate crescia, sua “mãe” percebia uma estranha semelhança entre Kate e seu “pai”. Como se fosse seu pai de verdade. A suspeita da traição foi o ápice para sua “mãe” criar uma apatia à Kate, sua menininha. E quando ela comprovou suas suspeitas, a apatia se transformou em ódio. Kate foi espancada e insultada, tudo porque era a prova de uma traição que ocorreu bem antes dela nascer. Enquanto seu “pai”, que era o verdadeiro culpado, estava impune.

Kate tinha os olhos banhados pela raiva. Qualquer um a lembrar de uma situação dessas desataria a chorar. Mas ela não.

–Lauren foi demitida. Tiraram a única pessoa que amava Kate, mesmo Kate sendo uma criatura incapaz de amar. Os insultos e as seções se espancamento continuaram. Andrew não fez nada. Finalmente estava recebendo a atenção que queria. Ele assistia tudo calado, enquanto um ódio enorme crescia no coração vazio de Kate.

De repente, aquele sorriso assustador brotou em seu rosto mais uma vez. Ágata se perguntava por que Kate se referia a ela mesma na terceira pessoa. Talvez fosse porque ela olhava sua história com outros olhos na hora de contar.

–Então, uma vez, Kate e sua “mãe” estavam discutindo bem próximo à enorme escada da casa. Era muito parecida com a nossa a não ser pelo rio de sangue que se escorreu, quando Kate, já farta de toda a violência, empurrou sua “mãe” com toda a força que tinha. Kate ficou parada olhando sua “mãe” rolar pela escada, quebrando várias coisas, tendo a cara arrastada nos degraus.

Kate fez uma pequena pausa mais uma vez, dessa vez para lembrar exatamente o que havia acontecido naquele dia.

Uma pequena e infantil Kate desceu os degraus lentamente até encontrar sua mãe caída no chão, imóvel, e pela primeira vez, inofensiva. Ela sentou-se do seu lado, assistindo o pequeno rio de sangue descer de sua cabeça e ir ao seu encontro por entre as madeiras do piso de assoalho. Andrew e seu pai correram para ver a origem daquele barulho, e soltaram um grito de terror ao vê-la caída, rodeada de sangue. E não foi preciso que ninguém dissesse o que havia acontecido. O sorriso diabólico no rosto infantil de Kate assumia toda a culpa, orgulhoso.

–Eles disseram que sua “mãe” teve uma tontura e desabou na escada. Logo depois, a internaram num hospício, e disseram a todos que ela tinha ido para um colégio interno bem rigoroso. Aquele foi o pior momento da sua vida. O hospício era frio, sem afeto algum. Uma verdadeira prisão. Eles a privaram de ter uma vida normal. O único contato humano que ela tinha era do médico, que sempre invadia sua intimidade. Vocês entendem o que eu quero dizer.

Os abusos que ela sofreu diversos anos durante sua estadia naquele hospício permaneciam cravados na mente dele com um ódio doentio.

–Um dia, ela conseguiu furtar uma câmera de segurança. Daí sua paixão por câmeras. Elas a salvaram. Conseguiu escondê-la e ela filmou tudo. Ameaçou enviar aquela gravação a todas as pessoas importantes da vida dele, então ele a liberou. Mas Kate enviou aquela gravação para sua família e chefe. Aquele desgraçado tinha que pagar pelo que fez. Foi a segunda vez que saboreou o gosto da vingança e admito que é viciante.

Aquele sorriso triunfante voltou mais uma vez para o rosto de Kate.

–Então, conseguiu pegar uma quantia boa do seu pai, que a deserdou. Incrível como as pessoas têm medo que a verdade seja escancarada. Então, aperfeiçoou sua habilidade com armas, fez fotografia, viajou para diversos lugares e depois que seu pai morreu, ela tentou mesmo lutar contra o desejo de vingança contra aquela família. Andrew roubou sua vida. Apagou sua existência sem deixar marcas. Pouco se importou quando ela se foi. Não era justo ele pegar tudo que por direito deveria ser dela.

A história de Kate, contada por ela mesma em 3ª pessoa foi interrompida com a entrada triunfante de Connor no quarto. As duas irmãs o olharam com olhos apavorados, e raivosos. Ali a sua frente estava o melhor amigo de seu pai, que contribuiu para sua morte, covarde a ponto de fugir. A imagem das duas irmãs amarradas e encarceradas, com o rosto encharcado de lágrimas e pele vermelha de tanta adrenalina o atingiu em cheio.

–Kate, por favor, pare com isso. –Connor aproximou sua mão calmamente, mas Kate apontou a arma para ele antes que ele pensasse em dar mais um passo.

–Connor, esqueceu que sou eu quem manda em você? Você nunca foi um bom líder. –Ela disse com certo ar de gozação. Kate conhecia o ponto fraco de todas as pessoas. Porque observá-las era sua grande obsessão.

–Kate, a situação já está muito ruim para nós dois. Por que não as deixa viva? Não vamos conseguir toda a fortuna para nós, de qualquer jeito. Elas não fizeram nada. Se entregue, Kate. Seja racional ao menos uma vez na sua vida. –Ele suplicou, e pela primeira vez Connor havia falado algo proveitoso.

Kate deu uma sonora gargalhada.

–Você realmente pensou que eu estava atrás de fortuna? Connor querido, o que eu quero não pode ser comprado com dinheiro. –Ela disse.

–Kate... Isso não vale a pena. Elas não merecem sofrer por algo que seu pai cometeu.

–Merecem sim! –Ela latiu em defesa. –Elas carregam a maldição do sangue Baker, assim como eu. E ninguém da família vai sobreviver. Eu eliminei praticamente todos.

Então era por isso que a família das duas irmãs era tão distante e desconhecida. Eles não existiam mais.

–Você realmente vai pôr um fim na sua vida por causa disso? –Connor tentou persuadi-la, mas sabia que era impossível.

–Não há outro jeito, Connor. Eu tenho um plano, eu elimino todos que se colocarem no caminho. –Ela disse, prendendo Connor com mais uma algema e cordas. Ela o levou para a janela, a fim de exibir sua mais nova vítima.

–Hoje o dia é do caçador. –Ela gritou para a multidão, antes de acenar.

–O que você está fazendo? –Connor perguntou, aterrorizado.

–Acenando, ora essa. São meus fãs. Sou uma assassina, mas isso não quer dizer que eu não possa ser gentil. –Ela respondeu casualmente, enquanto era banhada por flashes de diversas câmeras.

–Kate, esse é o último aviso. Se entregue ou invadiremos a casa. –Um policial gritou num megafone.

–Façam isso e eu estouro a cabeça de todo mundo aqui! Aliás, vou fazer isso com eles invadindo ou não. –Ela disse rindo, aprisionando Connor, e se preparando para a execução.

*****

No meio de toda aquela multidão aterrorizada, Trina rompia espaço entre os curiosos, tentando encontrar um jeito de entrar naquela casa sem que a polícia visse. Sua missão era proteger Evellyn e Ágata, como havia prometido à Scarlet. E faria isso, nem que tivesse que sacrificar sua própria vida. Infelizmente, a polícia não iria concordar com seu espírito heróico.

Trina se lembrou então de uma pequena entrada para um porão, que ficava atrás da casa, escondida. Ela se escondeu por entre os arbustos e árvores até encontrar a entrada. Trina escorreu lentamente até a pequena portinha, e adentrou no porão escuro e empoleirado.

Com muita dificuldade, ela conseguiu encontrar a pequena escada que dava para a garagem. A escadinha era feita de uma madeira podre, e poderia se desintegrar a qualquer momento, mas Trina não recuou e subiu rapidamente. Dentro da garagem, ela correu para a lavanderia, e mais uma porta, felizmente aberta, ela adentrou na cozinha.

Consegui! Ela gritou alegre para si mesma. Subiu em direção ao quarto, engolindo o pavor, pois num ato heróico não há espaço para o medo.

Quase caiu para trás com a imagem de Kate segurando duas armas em direção à Ágata e Evellyn.

–Kate, não! –Ela gritou correndo instantaneamente, mas Kate a fez recuar com a mira de sua arma apontada para ela.

–Olha quem veio fazer parte do show! Não lhes disse que ela viria? É a única Baker que não é uma covarde! –Kate anunciou, exibindo-a.

Como as coisas mudavam rapidamente. Há alguns dias, Ágata e Evellyn estavam convictas das acusações sobre Trina, sentindo o perigo fluir de sua presença. Nem ao menos suspeitaram que o verdadeiro perigo dividia o mesmo teto com elas. Agora, a pessoa que sempre acusaram, que sempre temeram, estava se arriscando para salvar suas vidas.

–Kate, abaixe essa arma, por favor. –Trina implorou, assustada.

–Não mesmo! –Ela disse, deslizando o cano da arma no rosto de Trina.

Trina estremeceu com o toque frio da arma, que matava com a mesma frieza.

–Trina, se quiser fazer parte de nossa pequena reunião, vai ter que usar uma dessas. –Ela disse, mostrando apenas uma corda. As algemas deveriam ter acabado. Ela não contava com a intervenção de Connor.

Relutante, Trina entregou seus pulsos, que foram quase esmagados pela força do nó de Kate. Ela puxou a corda até a janela, para que a polícia a visse.

Mais uma refém. E Kate não havia feito esforço nenhum.

–Agora, vamos continuar com as histórias. Vocês precisam partir esclarecidas, conhecendo todas as histórias. Vamos começar por Connor. –Ela disse, apontando a arma para ele rapidamente.

–Quando eu resolvi seguir com meu plano de vingança, comecei a mandar cartas ameaçadoras para seus pais. Eram as tais cartas misteriosas que você mencionou no seu depoimento, Ágata. Um pequeno lembrete para que eles não se esquecessem de mim, seu pior pesadelo. –Ela disse sorrindo e orgulhosa.

–Eu comecei a observar o mundo de Andrew e Scarlet. Minha obsessão. Eu sabia da situação em sua casa, e fiquei feliz que sua vida fosse um inferno. Depois, me infiltrei na empresa, e através de algumas “fontes”, conheci Connor. O melhor amigo de faculdade de Andrew. O amigo que ele mais confiava. O terceiro poder na empresa, e que secretamente, desviava dinheiro da empresa, a fim de afundá-la e montar a sua. Presumi que inveja pode ser uma ótima aliada da vingança, e praticamente o obriguei a ser meu cúmplice. O resto, vocês podem imaginar. Planejei tudo. Arrumei a bomba. Connor apenas executou. O que seria de você sem mim, querido? –Ela apertou sua bochecha, do jeito que fazem com as crianças.

Mas Connor não era tão burro quanto imaginavam. Ele examinou sua situação. A única que poderia se salvar era Trina. Aproveitando-se de um rápido momento de distração de Kate, ele apontou para um canivete em cima de um criado-mudo. Trina demorou a entender a mensagem, pois naquele momento, todos os seus esforços para salvar todos ali haviam desistido. Mas assim que viu o canivete, pegou com boca e jogou para sua mão. Rapidamente, ela começou o processo perigoso e dolorido de cortar a corda que prendia sua circulação. Seus erros eram maiores que seus acertos, e ela tinha que morder forte os pulsos para engolir os gemidos agonizantes, provenientes dos cortes acidentais.

–Agora, vamos para Trina, que por incrível que pareça, é a vítima! Veio para salvá-las dos meus planos de vingança. Mas ninguém acreditou nela, todos a incriminaram. Diga-me, Trina? Por que ainda está aqui? Por que salvar a vida de pessoas que nunca acreditaram em você? –Kate brincava com os sentimentos de Trina, que não lhe dava ouvidos, pois estava concentrada na tarefa de cortar as cordas.

–Bem, eu sabia que por trás de tudo isso, você tem um coração nobre. E é por isso que vai morrer. Para eu completar a minha vingança. –Kate disse, apontando a arma para Trina.

Trina olhou paralisada para a pistola apontada para ela. Kate ia lhe matar naquele momento. Não temia pela sua vida, mas pela vida de Ágata e Evellyn, pois ela era a sua última esperança. Faltava pouco, muito pouco para se livrar das cordas. Todos aqueles cortes não seriam em vão.

–Kate, não! –Connor gritou, surpreendendo todos ali.

Trina olhou espantada para ele. Por que Connor estava lhe ajudando? Connor era egoísta e só pensava em si mesmo. E ainda por cima, cúmplice de Kate. Por que estava ajudando justamente agora?

–Connor? –Kate virou-se para ele, surpresa.

–Kate, você não precisa fazer isso. Vamos nos render agora. Será mais fácil para todo mundo. Pense bem, quem sabe não conseguimos fugir? Viver juntos, livres. –Ele disse, fingindo falso entusiasmo. Viver na presença de uma psicopata não era uma ideia boa, nem mesmo para Connor.

Kate riu mais uma vez.

–Livre? Eu nunca vou ser livre enquanto não me vingar. Preciso acabar com isso.

Connor sabia que seu esforço seria em vão, mas ele precisava dar tempo para Trina. Kate se virou para as duas irmãs, juntas pelas algemas do medo.

–Ágata: boa, bondosa. E do que adiantou ser tão boa e ingênua assim? Evellyn: depois de tudo que ouviu aqui, não parece ser mais um pássaro de grande estirpe, não é? Eu realmente pensei que você descobriria. Mas acho que esperei muito de você. Ah vamos! Que carinhas tristes são essas? Eu lhes dei os melhores anos de suas vidas! Eu vi como seus pais a tratavam. Vocês queriam se livrar deles! E ainda deixei que vivessem um pouco mais. Aproveitassem sua juventude no meio de drogas, surfistas, músicos e traições. Sim, eu sei de tudo. E pouco me importa. Acha que eu tive essa chance?Eu nunca fui uma adolescente. Os melhores anos da minha vida foram roubados e trancafiados numa clínica fria e sombria. E eu ainda permiti que vocês vivessem isso!

Ágata sentiu um nó na garganta. Queria gritar para Kate, dizer tudo que estava engasgado. Como ela pôde pensar que desejavam a morte de seus pais? Como ela pode dizer que é boa? Ela é uma doente. Talvez aquelas pudessem ser suas últimas palavras.

E movida por uma raiva e uma rebeldia jamais vista em si, Ágata cuspiu em Kate.

–Você é um monstro! Como pode pensar que desejamos a morte de nossos pais? Você é um ser miserável, incapaz de amar, e por mais que se vingue, nunca saberá o que é isso. O que você passou naquela clínica foi pouco em vista do monstro que você é! –Ágata vociferou. Sua voz falhando por conta do medo e do pavor. Suas mãos tremiam.

–Ágata... Não é que você pode me surpreender, a essa altura do campeonato? Mas infelizmente, nada que você disser me fará mudar de ideia. –Ela brincou no gatilho, e de repente se escutou um tiro. Mas ainda não fora Ágata. Quando olhou para trás viu Connor segurando sua perna que sangrava, gritando de dor.

–Você vai morrer pela sua estupidez, Connor. Isso não estava nos meus planos. Ninguém nesse quarto vai sobreviver. –Ela disse.

–Kate Baker, nós vamos invadir a casa! –Ouviu-se a voz do policial no megafone. Kate deu um pulo fútil.

–Bom, é melhor nos apressarmos. Vejam isso. –Ela disse, exibindo duas armas incrivelmente iguais.

–Comprei-as especialmente para vocês duas. São do mesmo modelo, compradas no mesmo dia. Idênticas. Vejam que lindo! Vocês vieram juntas a esse mundo e vão embora juntas também! Aconselho que fechem os olhos. Hora do show.

Evellyn agarrou suas mãos gélidas e trêmulas às de Ágata, e as duas fecharam os olhos. Estavam apavoradas, mas juntas. Kate apontou as armas na direção das duas. Hesitando o dedo no gatilho, esperando o momento certo. Do mesmo jeito quando matou seus pais.

Ágata aguardou a morte, e se preparou para ela quando ouviu o primeiro tiro. Esperou pela dor, mas não a sentiu. Devia estar morta. Mas por que ainda ouvia o seu coração pulsar freneticamente? Por que ainda escutava Evellyn gemer em estado de choque. Um segundo tiro. Escutou outro grito. Era Kate ou Trina?

Com medo, as duas irmãs abriram lentamente os olhos.Primeiramente viram um fino rio de sangue atravessar por entre o piso amadeirado e seguir em linha reta até encontrá-las. Hesitante, ergueram a cabeça e se depararam com uma verdadeira cena de medo. Trina estava com uma arma na mão, e Kate não segurava nenhuma mais. Ela estava debaixo de Trina, que paralisava seus braços com os joelhos. Ambas estavam sangrando, e naquela confusão vermelha, não se podia discernir qual sangue era o de Trina e qual sangue era o de Kate. Trina finalmente largou a arma, e apertou de um jeito estranho o pescoço de Kate, que ainda lutava para sobreviver.

Kate virou os olhos para fitá-las, e de repente, eles ficaram paralisados. O seu fôlego havia acabado. Serena, vencida, presa enfim. Vermelha pelo sangue. Trina invadiu a sua blusa, e achou duas chaves ensanguentadas.

Trina parecia aterrorizada pelo que acabara de fazer, mas ainda tinha que salvar Ágata e Evellyn. Zonza por conta da perda de sangue, ela se aproximou das duas irmãs e lutou contra a dor do tiro e dos cortes, e o pânico de ter matado uma pessoa, para libertá-las. Ágata olhou para as mãos de Trina, que tremiam incessantemente.

–Trina! Trina! –Ela gritava, tentando mantê-la consciente.

–Eu matei uma pessoa. –Ela sussurrou, sentindo o gosto do sangue em seus lábios, lutando contra a vista escurecida e fraca, enfim, conseguindo libertá-las.

Ágata rapidamente se livrou das cordas que mantinham seus braços para cima, e agarrou o corpo quase desfalecido de Trina.

–Não. Você matou um monstro. –Ela conseguiu dizer, antes que Trina mergulhasse na inconsciência.

Naquele momento, a polícia enfim invadiu o quarto, deparando-se com aquele banho de sangue, procurando por sobreviventes. Numa rapidez, eles recolheram os corpos ensanguentados, procurando algum vestígio de vida.

–Vamos, venham comigo. –Uma policial disse calmamente, amparando as meninas.

Ágata notou que ainda segurava a mão de Evellyn. Olhou para a irmã, e ao notar sua expressão de choque, horror, e seus gritos agonizantes que começaram com os tiros, ela percebeu do que se tratava.

–Está acontecendo de novo. –Ela disse, segurando firme a mão da irmã. –Evellyn, Evellyn! Você está me ouvindo? Evellyn. Acalme-se, acabou. Acabou, minha irmã. O pesadelo acabou!

Ágata envolveu a irmã num abraço, pegando-a e levando-a longe daquele lugar.

–Tudo vai ficar bem. Eu estou aqui com você. Acabou. Vamos ficar bem! –Ágata repetia, sentindo as lágrimas rolarem no seu rosto. Mas ela tinha que se manter forte. Pela sua irmã.

Uma médica abriu espaço rapidamente e mediu a pressão de Evellyn.

–Leve-a para o hospital também! –Ela gritou, separando a mão de Ágata.

–Eu vou junto! –Ágata gritou convicta. Não deixaria que levassem sua irmã para longe dela, não dessa vez. Era a única nesse mundo que sabia o que se passava dentro dela. E nada, ninguém iria lhes separar.

Evellyn já havia perdido a razão há tempos. Seu coração parecia uma bomba-relógio. Já não enxergava nada ao seu redor. Ouvia as vozes. E as imagens se fundiam entre os últimos acontecimentos e a morte de seus pais. Eram as mesmas vozes, as mesmas frases.

–A garota está em estado de choque, anda, vamos examiná-la!

–A pressão dela está alta, é melhor levarem para o hospital. Parece que ela teve um colapso nervoso.

–Para onde estão levando a minha irmã?! Evellyn!Evellyn! Não me deixa aqui sozinha!

–Eu vou junto! Evellyn precisa de mim!

–Chamem as ambulâncias! Ainda podemos salvá-los!

Muitas pessoas dizem que quando se está prestes a morrer, sua vida toda passa como num filme. Algo similar estava acontecendo com Evellyn, mas apenas com os piores momentos de sua vida. Unidos numa só cena.

Porém, o ataque de pânico tirava-lhe toda a razão. Evellyn não sabia ao certo o que estava acontecendo mais, e nem mesmo quem era. Já vira aquele filme antes. E, a melhor coisa que aquilo lhe tirava, era a certeza naquele momento de que, finalmente, aquele pesadelo teria um fim.


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Notas finais do capítulo

Sim. É Kate. Que coisa não? O que acharam da descoberta? Esperavam por isso? Algum momento suspeitaram de Kate? Pois é, os piores psicopatas podem ser quem vocês menos esperam. Como aquela tia do colégio, ou até a autora daquela fic que você gosta.
O mistério foi resolvido, mas ainda há coisas inacabadas, principalmente o estado de saúde de muitos aí. Espero sua companhia no último capítulo. Por favor, deixem sua opinião sobre este. É muito importante para mim! Até a próxima!



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