Entre Céu & Mar escrita por Tassi Turna


Capítulo 10
Furacão Katrina


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Espero que gostem, não esqueçam de dar sua opinião! xD



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Tanto Kate como Connor correram à porta ao ouvir aquela voz que há muito tempo não ouviam. Ao identificarem aqueles cabelos vermelhos, os olhos da cor da fênix, e o comportamento vulgar, a reação não poderia ser outra a não ser a surpresa. Não uma surpresa boa, mas algo inesperado (e indesejado). Ágata os acompanhou, sem entender o que se passava naquela sala. Encontraram a tão polêmica visita agarrada ao pescoço de Evellyn, como um daqueles reencontros emocionantes que repetem tanto na televisão. Trina observou Ágata por trás dos ombros de Evellyn, e avançou para o seu encontro, como cachorro atrás de gato.

-Oh meu Deus! Ágata! Você não mudou nada! –Ela envolveu-a em seus braços afobados. Ágata, como não resistia a nenhuma demonstração de carinho, deixou-se levar pelo abraço daquela desconhecida.

-Ah.. E como poderia esquecer. Olá Kate, quanto tempo, não é? Já era esperado vê-lo aqui, Connor. –Disse, num tom de simpatia um tanto irônico. Kate ainda continuava perplexa pela visita inesperada, e pela quantidade de malas que vieram junto. Connor era um mister de surpresa e luxúria, assim que algumas recordações lhe vieram a mente, automaticamente. Ágata ainda buscava qualquer vestígio familiar naquele rosto maquiado, e por mais estranho que pareça, encontrou em suas feições algum vestígio do rosto de sua mãe.

-Já que a sua tia não teve a gentileza de me apresentar, eu falo. Sou Trina, prima de sua mãe, e naturalmente de vocês também!

-Eu não me lembro de você. –Evellyn disse, com a velha desconfiança, a mesma de quando conheceu Kate.

-E não lembraria mesmo, a última vez que as vi eram dois bebês, desde então não tive a oportunidade de revê-las.

  As duas irmãs estavam confusas com toda a situação. Era incrível o fato de não conhecerem nenhum tio, avô, primo etc. Seus pais, quando ainda vivos nunca tocaram no assunto, sempre diziam que a família era distante demais e não valia a pena se importar com “estranhos”. Não recebiam notícias, nem em aniversário, natal, dia de ação de graças, etc. Porém, todos os seus parentes sabiam de sua existência. Só chegaram a conhecer no velório de seus pais, e mesmo assim, não se lembravam de Trina.

-Então você não foi ao velório dos nossos pais? –Ágata perguntou.

-Acredite, eu quis muito ir, quando recebi a notícia fiquei muito chocada. Mas algumas... Coisas me impediram de vir. –Ela respondeu, dirigindo um olhar a Connor que dizia muitas coisas, e ele havia percebido.

-É sempre bom revê-la, vejo que continua o mesmo furacão Katrina... –Connor disse, abraçando-a, automaticamente sendo fuzilado por Kate.

-Connor... Ainda se lembra desse apelido?

-Como poderia esquecer!

   Kate parecia uma panela de pressão, prestes a explodir, mas segurou as rédeas.

-Você não vai passar a noite aqui, ou vai? –Perguntou Kate, sem se preocupar em esconder a antipatia. Trina pareceu ter esperado essa atitude, pois não demonstrou surpresa.

-Não, não. Eu vou para o meu apartamento, eu só achei melhor avisar a minha família que eu cheguei para ficar! –Ela disse, fazendo Kate estremecer.

-Apartamento? Espere aí...Você... Vai morar aqui? Em Newport?! –Ela assentiu com a cabeça.

-Por quê? –Kate não conseguia acreditar.

-Sempre gostei do litoral, e além do mais, é uma época polêmica essa. –Ela disse, deixando bem à mostra que já sabia do que estava acontecendo. A desculpa poderia ter sido aceita pelas meninas, mas Connor e Kate suspeitavam do verdadeiro motivo. Mais uma vez ela se virou para Evellyn e Ágata.

-Agora eu já vou indo, estou morta de cansaço e o táxi está me esperando! Foi muito bom revê-las, não sabe como senti saudades! –Ela disse, realmente demonstrando que aquilo era verdade.

-Igualmente. –Respondeu Ágata.

-Tive uma ideia! Amanhã nós marcamos de sair, quero que vocês me mostrem o paraíso que é Orange County!

-Claro!

-Por mim tudo bem!

-Ótimo! Então nos vemos amanhã! Adeusinho! –Trina se despediu, dando um abraço triplo.

  O “furacão Katrina” foi embora do mesmo jeito que veio: arrebatador. As irmãs estavam ansiosas para conhecer a prima, e não tardariam em interrogá-la. Kate e Connor não demonstravam a mesma alegria, e sim preocupação. Trina era imprevisível. A palavra ciúmes estava praticamente estampada na testa de Kate. Ela se recolheu sem dar boa noite. Connor foi logo atrás. Aquela seria uma noite daquelas.

***

  Pela manhã, no serviço, Kate parecia estar mais calma. Ela não seria obrigada a ver Trina ali, não gostava da sua companhia, e principalmente, não confiava nela. Ela era como aqueles chicletes da calçada que grudam na sola do seu sapato. Pelo menos em seu trabalho ela estaria a salvo, pois se bem conhecia Trina, ela não a deixaria em paz nem tão cedo.

        Porém não seria tão simples assim. Seria bem pior.

-Olá, Kate! –Gritou uma voz conhecida, que quase a fez engasgar.

-Trina! O que você está fazendo aqui?! –Ela disse, apavorada. Era uma imagem engraçada aquela, Trina, usando um blazer cinza e uma saia justa social. Era quase surreal vê-la usar uma roupa daquelas.

-Nossa!Você é a chefe, porém não tem conhecimento sobre nada que acontece na própria empresa! Connor me contratou! Sou a nova secretária dele! –Mais uma bomba. A boca de Trina era algo semelhante a Segunda Guerra Mundial.

-Ele fez o quê?!

-Kate!Kate! Eu posso explicar! –Connor veio correndo quando as viu juntas. Ele sabia que não daria certo.

-Desde quando você tem autoridade para contratar alguém sem a minha permissão? –Kate mostrou seu lado autoritário, algo que tanto ela quando Andrew haviam herdado do pai. Trina seguiu o pouco bom senso que tinha e deixou os dois companheiros discutirem por ela. Não poderia deixar de lembrar que ela sentiu um grande prazer em ser o motivo.

-Kate.. A antiga secretária pediu demissão de repente, e Katrina é bem qualificada. Não entendo o motivo da histeria. –Kate o olhou sem acreditar. Era muito cinismo. Sem contar o estranho fato da antiga secretária ter pedido demissão, justo naquele momento.

-Ah! Claro! Se caráter fosse um requisito essencial em qualquer currículo, aquela vadia estaria sempre desempregada!

-Eu sabia que você não iria concordar, eu ia te contar depois, mas ela me chantageou...

-Como assim te chantageou? –Kate não acreditava na desculpa. Mas aquilo que parecia uma mentira para esconder outra, não era nada mais que a verdade.

-Ah, Kate. É melhor esquecer o que houve no passado. Será melhor para todos. Pensei que fôssemos parceiros.

-Também pensava assim. –Disse ela, sentindo a nova desconfiança infectando seus pensamentos, como uma doença.

***

   -Como assim ele fez isso?! –Madison parecia estar perplexa com o que Evellyn havia dito sobre Hank.

-E eu cheguei a pensar que ele era diferente, mas no fim eles são todos iguais. –Madison tomava as dores da amiga.

  Hank ligava e mandava mensagens o tempo todo para Evellyn, porém ela simplesmente o ignorava. Ainda estava chateada com o que havia acontecido.

-Vocês não estão se falando? É isso?

-Sim... –Evellyn afirmou, com certa melancolia. –Sabia que isso um dia aconteceria. “Era bom demais para ser verdade”, pensou. Hank deixara bem a mostra aquele dia que sentia vergonha por estar com Evellyn. Ela não precisava de uma babá, se acostumara a se virar sozinha. Não era tão ruim assim.

-Mas, acho que vocês vão se acertar. Eu te conheço Eve, e nunca te vi assim por alguém antes. E custo a acreditar que Hank seja um idiota, que seja igual a... –Madison não terminou a frase, mas Evellyn sabia o seu final. Olhou para a amiga e viu em seu olhar triste que não era a única a sofrer ali.

-Mad, posso te perguntar uma coisa? E você jura me responder com toda a sinceridade, sem esconder nenhum detalhe? –Ela havia percebido que de uns tempos para cá Madison escondia muita coisa.

-Claro que sim.

-Por que você continua com Alex?Por favor, não me venha com desculpas. Eu sem o que ele faz com você. É bem óbvio. O modo como ele te trata, esses hematomas. A Madison que eu conheço não se submeteria a isso.

  -É complicado Eve...

-Sou complicada também, me familiarizo com isso. Não me diga que... Que está amando aquele cafajeste?

-Claro que não! Olha, sei que parece estranho, mas o motivo que me une a Alex são outros.

-Como assim? Mad, eu não entendo nada.

     Madison calou-se por um instante, o que era bem raro nessa vida. Evellyn tinha que saber a verdade, era sua melhor amiga, a conhecia a dez anos, e algo que Evellyn sabia muito bem era guardar um segredo. Se Alex descobrisse que ela lhe contou, seria uma tragédia. Ele exigia sigilo total. Elas estavam em um canto afastado da escola, embaixo de uma árvore. Não se via ninguém, e ninguém poderia vê-las. Sem pensar, ela abriu a mochila e retirou uma embalagem. Evellyn logo notou a semelhança daquele pacote com o outro de outro dia, que Madison escondera. Examinou-o melhor dessa vez, e assustou-se ao ver o que era.

-Madison, isso é...

-É, cocaína. Você tinha que ver com os seus próprios olhos. Têm outras também, outros tipos, mas a que sobrou foi essa, e essa já é minha. Alex tem alguns amigos que fornecem a ele e ele vende. Eu vendo para o pessoal do colégio, e Alex me dá a quantidade que eu quiser, de graça. Por isso eu continuo com ele. Talvez você não entenda agora, mas se experimentasse....

    Evellyn ainda processava aquilo tudo. Como ela não percebeu antes? Era por isso que Madison andava estranha ultimamente. Nunca cogitou que ela um dia faria isso. Ainda não conseguia acreditar.

-Madison! Você ficou louca! Se eles te pegam com isto você está ferrada! Será que não entende?!

-Ninguém irá descobrir! A polícia e a escola são tão ingênuas quanto você! –E como sempre, Madison havia falando demais.

-Como assim? –Evellyn não entendia. Madison se arrependeu de ter falado, mas agora que começara, tinha que ir até o fim.

-Sinto muito que você ouça isso por mim, mas Hank estava envolvido nisso também. Ele era o principal cliente de Alex, e até recentemente ele comprava, até conhecer você. É por isso que Alex te detesta, você meche com ele, o muda. Pode perceber que ele andava desanimado, como um zumbi às vezes. Ele estava comprando com outro fornecedor.

   As palavras de Madison pegaram Evellyn de surpresa. É incrível como às vezes pensamos que conhecemos uma pessoa, e no fim, elas sempre conseguem nos surpreender. Agora que entendia a rixa entre Alex e Hank, a dívida, a briga, tudo fazia sentido. Sentiu-se enganada, como poderia não ter percebido antes? A submissão de Madison. Todos aqueles segredos. Ela sentia um ódio tremendo, todos mentiram para ela. Ela sentia nojo de toda a situação. Levantou-se do chão rogando milhões de pragas.

-Eve! Espera! Desculpe-me! Entenda que eu não poderia ter dito antes, para falar a verdade, nem agora! Só achei que merecia saber a verdade!

    Mas Evellyn não respondeu. Tudo estava estranho. Antes, não havia segredos entre ela e Madison, e agora era isso. Ela não sabia nada sobre a pessoa que mais lhe fazia feliz. Todos pareciam ser estranhos agora, e ela só queria distância de tudo e de todos.

***

   -Então, vamos sair hoje mesmo? Estou louca para conhecer O.C! – A mensagem chegou ao celular das gêmeas, e tinha como remetente o recente número adicionado: Trina Cooper.

-Claro! Preciso mesmo esfriar a cabeça. –Respondeu Evellyn.

-Hoje não dá! Prometi ao Erick que iríamos nos encontrar hoje. Fica para a próxima!

-Ok... Então seremos apenas nós duas, Eve!

-Melhor ainda. Está marcado!

   Evellyn era a pessoa perfeita para mostrar a verdadeira cara daquela região. Todos achavam que se tratava de um pacato e perfeito paraíso tropical, mas havia algo mais escondido. Trina tentava aos poucos conquistar as duas irmãs, e viu que estava conseguindo. Estava tudo saindo como planejado, a estima das meninas, o ciúmes de Kate. Ela havia esperado a hora certa para ressurgir.

    Como era esperado, Trina apareceu minutos depois de seu turno acabar. Kate a recebeu surpresa. Ela deixava bem à mostra que a presença de Trina em sua vida era quase uma ofensa.

-O que você faz aqui? Já não basta me perseguir no meu trabalho? Vai me perseguir até em minha própria casa? –Sussurrou Kate, a arrogância em pessoa. Quando ela não gostava de alguém, não sabia esconder isso.

-Kate, querida, eu não vim aqui por você. Já não me interessa o que você faz. Não mais. –Na mesma hora Evellyn apareceu a porta. Foi inevitável perceber a tensão entre a tia e a prima.

-Ela veio me ver, Kate. Nós vamos sair, prometi-lhe que mostraria a cidade.

  Kate fitou a sobrinha, como se dissesse que a estava perdendo. Exagero? Talvez, mas Trina era mestra em roubar-lhe, e não queria arriscar.

-Entendi.. Bom, tome cuidado. –Foi só o que disse, fuzilando Trina enquanto saía.

***

   Trina dirigia muito rápido, o que agradou e muito Evellyn. Ela gostava da velocidade, e ainda mais, gostava de pessoas audaciosas. O rádio estava ligado bem alto, e as duas quase perdiam a voz ao cantar o refrão.

-Pensei em começar pelas famosas praias. Disseram-me que são perfeitas. O que você acha?

  Evellyn queria evitar ao máximo ver Hank, e com certeza, não conseguiria se voltasse à praia.

-Vamos deixar as praias para outro dia. O.C não é apenas praia. Você verá.

  Evellyn lhe levou aos lugares mais bonitos de O.C. Mostrou as diversas lojas, restaurantes (evitando os praianos, que eram a maioria), casas de show, boates, o cinema, os verdes parques, etc. A cidade era realmente encantadora, apesar de pequena. Tinha aquela energia contagiante que somente as cidades tropicais podem proporcionar. Foi uma tarde maravilhosa para ambas, e não poderia ser encerrava melhor, senão pelo poderoso pôr-do-sol com a cara da cidade. As duas que contemplavam o belo show da natureza, optaram por terminar a tarde no shopping.

-Aqui tem o melhor sorvete da região, você vai adorar! Gela até o cérebro! –Dizia Evellyn, enquanto puxava a prima para a praça de alimentação.  Escolheram os sabores, e sentaram perto da enorme janela de vidro, que dava para assistir perfeitamente o pôr-do-sol. Trina ficou hipnotizada por alguns segundos, estava maravilhada com a beleza da cidade. Havia adorado tudo, e queria passar o máximo de tempo lá. Lembrou-se do seu sorvete. Após uma bela colherada, ela sentiu cada centímetro do seu cérebro congelar.

-Ai! Que dor! Você tinha razão! –Disse Trina, levando as duas mãos à cabeça, ao sentir a dor da enxaqueca. Evellyn não pode suportar o riso.

-É uma pena Ágata não ter vindo conosco, pensei que vocês preferissem sair juntas, sabe, com toda aquela coisa de ligação de gêmeos. –Evellyn mudou a expressão.

-Bem, na verdade, isso não existe. Bom, pelo menos nunca senti isso. Eu e Ágata não somos assim, próximas, como você pensa. Na verdade, vivemos em mundos totalmente diferentes. –Ela respondeu, com certa naturalidade. Havia se acostumado a isso.

-É uma pena... Eu me lembro como seus pais davam um tratamento diferenciado a vocês duas. Eu cogitei que isso iria acontecer, parece que vocês foram separadas desde o minuto em que vieram ao mundo. –Trina disse, despertando a curiosidade de Evellyn, ela tinha várias perguntas a fazer.

-Mas também, sua irmã está namorando, e parece viver apenas para isso agora. Não fique assim quando namorar, por favor! –Trina disse, mudando o assunto.

-Pode deixar, isso provavelmente irá levar muito tempo.

-Entendo, você quer aproveitar a vida. Está mais do que certa! Sabe Eve, somos muitos parecidas!  -Evellyn sorriu, levando aquilo como elogio.

-Ah, e a propósito, adorei a sua tatuagem. O dragão cuspindo fogo. Sabe, tenho certa paixão pelo fogo!

-E eu por dragões. Identifico-me muito com eles.

-Criaturas poderosas, vistas pela maioria como perigo, mas na verdade são fascinantes!Acho que isso define bem você! E... Aposto que você adora filosofia chinesa, não é?

-Sim! Como sabia?

-Querida, esse é o meu dom! Conheço as pessoas apenas pelos olhos. Eles são a janela da alma, sabia? E também porque o dragão chinês é diferente do ocidental. –Disse Trina, sorrindo. Evellyn achou incrível como Trina já a conhecia, pois geralmente ela não gostava de falar de si. Porém, se Trina a conhecia tão bem, nada mais justo que ela também arrancasse algumas informações da prima.

-Chega de falar de mim, fale um pouco sobre você. Estou curiosa.

-Não há muita coisa. –Ela mentiu.

-Tenho certeza que sim. Uma prima que aparece do nada com certeza deve ter uma bagagem de histórias.

-O que você quer saber?

-Tudo! Por onde andava? Por que meus pais nunca me falaram de você, ou Kate, ou qualquer outro parente. Por que aparecer logo agora? E....

-Nossa, calma! Quantas perguntas! Receio não ter todas as respostas para isso, mas na hora certa você saberá tudo e muito mais. Eu estava em Seattle quando recebi a notícia da nova investigação do caso dos seus pais. Não acreditei quando ouvi. Admito que foi essa a razão para eu ter voltado. Claro que finalmente poder revê-las foi ótimo. Algumas coisas interferiam para esse encontro, mas finalmente elas serão resolvidas, assim espero. Olha, eu não posso contar nada, até porque ninguém acreditaria em mim sem provas. Mas estou aqui para ajudar...

  Evellyn ficou confusa. Como Trina, uma prima distante, que nunca tinham visto, que morava em Seattle, ficara sabendo da investigação? Até onde sabia, era confidencial, apenas elas –e a polícia – tinham conhecimento. Sem perceber a confusão da prima, Trina continuou:

-Quanto aos seus pais, não posso afirmar nada. Eles queriam distância da família. Eram esnobes, você sabe bem disso. Acho que era isso que os tornava perfeitos um para o outro. – Evellyn teve que concordar com a prima. Seus pais nunca tocaram no assunto família, como se quisessem apagar uma parte da própria vida.

-Mas, voltando ao assunto anterior, - Continuou Trina, assim que o silêncio de Evellyn se tornara constrangedor – Eu adorei as pessoas daqui, são tão simpáticas, tudo parece, sei lá...

 - Perfeito? – Completou Evellyn, rindo. –Não se deixe enganar. É pura fachada, nada aqui é o que parece. Há segredos podres escondidos, e é isso que mais me dá raiva. Esses hipócritas vivem criticando, mas no fim, possuem o caráter dos mais podres! – Evellyn lhe alertou, profundamente indignada. Lembrou de suas noitadas, e de como os vizinhos a olhavam com ar de repreensão.

-Pois eu discordo! A cada segundo que passo aqui, sinto que estou no Monte Olimpo! –Retrucou Trina, mas sua atenção logo fora roubada pela figura que avistava, e de repente se via fora da conversa.

-E falando em Olimpo... Olha aquele Posêidon vindo na nossa direção... –Evellyn seguiu os olhos cinza e maliciosos de Trina, e surpreendeu-se ao se deparar com a figura que tanto conhecia. Virou-se rapidamente, a fim de não ser notada, mas era tarde demais. O dragão exposto nas costas, e as mechas vermelhas a denunciara.

-Olá... –Trina o Cumprimentou, examinando-o dos pés a cabeça.

-Oi.. Respondeu Hank, sem jeito. –Eve, será que eu posso falar um minuto com você?

-Hank, não acho uma ideia boa. –Ela respondeu, recebendo um olhar automático de reprovação, vindo de Trina.

-Por favor, Eve, pare de fugir de mim, só me escuta e eu vou embora!

-Eve, se você não for eu vou! –Interveio Trina.

-Trina! –Evellyn a repreendeu.  Hank a fitava com os olhos penosos, e mesmo com raiva, ela não conseguia resistir.

- Tudo bem... Eu vou... –Ela enfim cedeu, cansada.

  Eles se afastaram até Trina não poder ouvi-los.

-O.k, comece logo.

-Eve, por que não me esperou aquele dia? Você saiu tão depressa que nem te vi.

-Ah! Como sou distraída. Desculpe-me se esqueci de pedir permissão à “babá” para voltar para casa. Isso não irá se repetir. –Ela respondeu, irônica. Hank sentiu uma pontada de vergonha ao perceber que ela ouvira tudo.

-Eve, por favor. Olha, desculpa se eu falei algo que a magoou, sei lá. Aqueles caras são uns idiotas, me deixam nervoso e. Droga! Sempre acabo dizendo a coisa errada.

-Sério? Pois eles me lembram você. E nem adianta dizer que eles irão gostar de mim, pois sei que nunca chegarei aos pés da tal Pauline, como eu vi. –Ela retrucou, mais uma vez tendo um ataque de insegurança. Hank mal podia acreditar no que acabara de ouvir.

-Como? Pauline é uma neurótica, maluca. –Ele disse, rindo, não acreditava numa comparação entre ela e Evellyn. –E, aliás, é você quem eu gosto, quem eu quero, e em quem confio. –Agora ele se aproximava mais dela, de modo que o seu calor e seu perfume agiam como entorpecente, porém, ela se manteve firme. Embora estivesse morta de raiva, não podia negar a forte vontade de beijá-lo.

-Eu não concordo. Se confia tanto em mim, por que não foi sincero comigo? Eu lhe contei tantas coisas,Hank, e você nada!

-Como assim? –Perguntou ele, sem suspeitar de nada.

-Ainda finge que não sabe? Pois eu sei de tudo, Hank. Sei sobre as drogas, e do seu esquema com Alex. Como pôde Hank? E ainda diz que confia em mim? Se confiasse tudo teria sido mais fácil, e não estaríamos tendo essa conversa.

  Hank congelou. Agora que ela sabia de tudo, não havia como prever a sua reação. Só temia que ela não o visse da mesma maneira, que o comparasse aos outros.

-Eu sinto muito Eve, não queria que você descobrisse por outra pessoa. Eu ia te contar, mas tive medo. Tive medo de você me julgar, de me comparar a Alex...

-Eu nunca faria isso, Hank! Como eu poderia te comparar a Alex? Como eu te julgaria? Se me conhecesse bem, saberia que eu nunca seria capaz de julgar alguém. Não sou a minha irmã.

-Desculpa! Mas eu ando tão preocupado ultimamente, que não consigo pensar muito bem...

- O que está acontecendo, Hank? E dessa vez a verdade, senão nunca mais olho na sua cara.

  Hank estava com medo. Mesmo sabendo que ela não o julgaria, tinha certeza de que ela não o olharia da mesma forma depois. Primeiro descobrir isso, e depois que ele era uma ladrão, era pedir demais. Mas decidiu não mentir, e era isso que ele faria.

-Sabe o dinheiro que eu devia a Alex?

-Como poderia esquecer. –Evellyn se recordou do episódio tenso na academia. O que tem?

-Não era meu. Quer dizer, era do meu pai. Eu roubei, e ele sentiu falta do dinheiro. Se ele descobrir Eve, não quero pensar no que vai acontecer. Ele já suspeita, e nunca me perdoaria. Meu pai é capaz de me por na cadeia! –Evellyn mal podia acreditar no que ouvia.

-Entendo perfeitamente seu olhar. Não sou a pessoa que você pensava que eu fosse. –Ele disse, sentindo-se mal.

-Hank, de uma coisa eu sei, as pessoas não são perfeitas. Eu não te julgo porque não sou um exemplo. Quando te conheci, sabia que tinha problemas, todo mundo tem. Mas continuo vendo-o da mesma forma. Eu sei quem você realmente é. Estou chateada, é óbvio, surpresa, é claro. Mas estou mais chateada pelo fato de não ter confiado em mim, eu poderia ter te ajudado. Mas você não levou a sério, nunca leva nada a sério...

   Hank se sentia mais confortável agora. Ele sabia que Evellyn era fascinante, e depois do que ela lhe disse, só o fez gostar ainda mais dela. Odiava a si mesmo por ter estragado tudo, mas não desistiria.

-Agora eu vou indo, e quando decidir confiar em mim, me levar a sério, volte a falar comigo. –Ela disse, afastando-se. Hank agarrou a sua mão, impedindo que ela se fosse.

-Eve, espera! –Ele não sabia o que dizer, não tinha mais argumentos.

-Que foi?

-Eu errei. Desculpe-me. Eu... Sou um idiota mesmo.

-Concordo. Mas tudo bem Hank, você não me deve nenhuma satisfação. –Disse ela, fria.

-Mas, pelo menos nos veremos na festa da Madison.

-Talvez, mas saiba que se eu aparecer, você não será a razão.

-A imprevisível Evellyn, mas eu esperarei. Nenhuma festa é uma festa sem você. Até.

-Adeus, Hank. –Disse ela, enquanto se afastava, de volta a Trina, que assistiu a toda discussão. Hank assistiu-a se afastar, ainda pensando em tudo. De todas as pessoas que conhecia, ela era a única que não o julgava, e isso era algo novo para ele. Não a deixaria passar, e já planejava algo.

***

   Não muito longe dali, Ágata e Erick desfrutavam o momento que passavam juntos. Era uma tarde leve aquela, no mesmo parque onde haviam se conhecido. Ágata havia preparado um belo piquenique, e tudo cheirava a geleia de framboesa. Erick, como sempre, estava acompanhado de seu violão, deitado no colo de Ágata, sem se cansar de fitá-la. Ágata lhe contava de suas ambições, do desejo de ser médica, enquanto Erick lhe explicava o sonho de sua banda.

-Sabe, -Dizia ele, -se um dia nós gravarmos um clipe, imagino um igual a este momento, como um sonho. –Ele referiu a última parte à Ágata. Ela não se censurou em rir um pouco. Erick realmente sonhava alto, mas o que se poderia esperar de um sonhador?

-Qual é a graça?

-Nada, mas, não acha que está levando isso a sério demais?

-Você mesma disse que eu devo levar a sério as minhas ambições.

-Sim, mas... Deixa pra lá, você realmente está empolgado com a banda, não é?

-É mais do que isso! Estamos trabalhando muito, e eu estou cheio de inspirações! Aliás, estou escrevendo uma música para você...

-Uma música para mim? Estou ansiosa para ouvir!

-E eu para terminar! Quero que fique perfeita, assim como você. Será nosso primeiro single! –Erick dizia com os olhos a brilhar.

-Erick, vá com calma, vocês nem ao menos escolheram o nome da banda!

-Sonhar nunca é demais, Ágata.

-Acredite em mim, tudo é. Só estou dizendo que não é bom criar muitas expectativas com algo que raramente dá certo. –Erick não aguentava mais aquela discussão.

-Você não acredita que chegaremos a algum lugar, não é? Não somos bons o suficiente.

-Não é isso! Vocês são ótimos! Mas eu me preocupo com você, quem sonha tão alto corre o risco de se machucar mais quando são decepcionados.

-Como você pode dizer que somos bons, se nunca nos ouviu? Nunca foi a nenhum ensaio, embora eu sempre a chame. Nem ao menos vai ao aniversário de Madison nos ver!

-Erick, meu amor, eu sei que parece que eu não ligo, mas eu andei ocupada essas semanas, você sabe... –Ele sabia, era verdade que ela andava ocupada, mas ao que parecia, qualquer coisa por mais insignificante que seja, era mais importante que as coisas dele.

-Tudo bem. –Foi só o que ele disse, pois não queria mais discussões, decidindo encerrar aquele assunto.

-Você ainda vai me visitar sábado, não é? Kate está ansiosa para te conhecer.

-Claro que vou. – Ele disse, recebendo um beijo. Havia dito que estava tudo bem, mas não estava. Por que custava tanto a ela entender seus sonhos? Ele tinha uma namorada, a quem adorava, mas ainda lhe faltava uma amiga, alguém que o apoiasse, alguém com ouvidos a emprestar.

***

   No caminho de casa, seguiu-se um completo interrogatório a respeito de Hank. Trina havia ficado curiosíssima, e não compreendia a raiva de Evellyn, e insistia em saber o que ele poderia ter feito.

-Infelizmente, não é a hora, mas você saberá de tudo em breve. –Respondeu ela, imitando a prima. Evellyn agora estava mais calma, apenas com alguns vestígios da raiva que sentira ao descobrir tudo. O que não saía de sua cabeça é que agora ela sabia de tudo, e automaticamente fazia parte da coisa toda. “-Se Alex descobrir, não vai me deixar em paz!” - Pensava ela, porém sua preocupação maior era se ele descobrisse que fora Madison que lhe contara. Nem queria imaginar o que ele faria.

   Levada pela força dos seus pensamentos e pela incrível velocidade de Trina, ela estava em casa.

-Obrigada Trina, foi ótimo! Vamos sair outra vez!

-Espere aí querida, eu te levo até a porta! Trina pulou rapidamente de seu carro e envolveu seus braços na cintura de Evellyn. Kate postou-se à porta como esperado, segurando uma xícara de café e um álbum de fotografias. Trina sentiu-se realizada ao ver o ciúme nos olhos verdes de Kate. Era bom que deixasse à mostra que havia chegado para ficar.

-Até mais, Eve querida. Olá e adeus Kate.

-Adeus. –Respondeu ela, fuzilando-a.

-O que está vendo aí, Kate? –Perguntou Evellyn, assim que Trina se fora.

-Nada, só algumas fotos antigas. Como foi com a Trina?

-Foi bem legal, Trina é divertida, dinâmica demais, mas ela é legal. Eu não entendo é essa rixa entre vocês duas.

-Como assim? –Perguntou a cínica Kate.

-Até parece que você não sabe. Vocês são muito frias uma com a outra, nunca conversam, até parecem estranhas, como se não suportassem a companhia da outra!

-Ah! Assim como... Você e Ágata? – Evellyn não respondeu.

-Olha, eu só não acho confiável. Eu não sei o que é mais falso, se é o caráter ou a cor do cabelo dela.

-Isso tem a ver com Connor?

-Como?

-Não disfarça. Eu vi como eles se falam, e como você fica com ciúmes.

-Eu... Creio que não. Pelo menos, não por minha parte. Eles já namoraram há vários anos atrás, mas isso é ridículo, quer dizer, quem brigaria por algo assim?

-Tem razão, não consigo imaginar vocês duas brigando por aquela coisa insignificante.

-Fala como se você valesse mais. –A voz de Connor penetrou na conversa.

-Eu vou subir, não quero me irritar com tão pouco. –Evellyn se retirou, passando por Connor como se ele fosse um objeto qualquer.

-Toda vez que eu sou obrigado a olhar para essa garota, eu dou razão por Andrew ter estado sempre irritado.

-Deixe-a em paz, Connor.

-Por que você sempre a defende?

-Connor, até parece uma criança falando desse jeito. Ela é minha sobrinha, e se algum dia você quer fazer parte dessa família, é melhor tratá-la melhor. Não vejo tanta implicância com Ágata. –Kate disse, chantageando-o com a única coisa que ele mais queria dela.

-Co.. Como assim? Então quer dizer que finalmente aceitou o meu pedido? –Connor estava extasiado, fazendo Kate logo se arrepender do que havia dito.

-Ah não Connor, outra vez....

-E daí? Às vezes parece que você tem fobia de compromissos, acho que já passou da hora de virar adulta.

-Você não entende! Não é isso, mas tem certeza de que quer isso mesmo? Você já viu como as pessoas ficam depois que se casam? Eu não nasci para isso..

-Tenho certeza absoluta do que quero. E você ainda pensa em retomar a sua antiga vida. Mas tem que pensar que a aventura sem compromissos acabou, você tem uma família e uma empresa agora, tem que levar as coisas a sério.

  As palavras de Connor assustaram-na. Ele aproximou-se, beijando sua nuca. Continuou:

- E se “cair na rotina” for o seu maior medo, não se preocupe, não vou deixar isso acontecer... –A voz de Connor era a própria malícia.

-Só preciso de mais tempo, sabe, até essa coisa toda passar. –A feição de Connor mudou, rapidamente adquirindo ar de preocupação.

-O que foi Connor?

-A polícia, eles querem me interrogar. –Ele disse, assustado.

-E quando vai ser?

-Eu não sei, estou nervoso. Não sei se devo ir.

-Entendo, mas é melhor ir. A polícia desconfia até onde não tem, por isso eu levei as meninas. É melhor não irritá-los.

-Mas, e se eu disser a coisa errada. Eles desconfiam muito de mim, e não finja que não sabe disso. –Kate se lembrou das interrogações, e lamentou ao saber que dessa vez Connor tinha razão.

-Não há o que temer, eles só estão fazendo o trabalho deles, e é melhor você cooperar. Vai ficar tudo bem.

-Assim espero. –Connor disse, sorrindo como alguém que esconde um segredo. Kate o beijou, a fim de acalmá-lo.

-E quanto a noivados, casamentos, espere só um pouco.

-Espero o tempo que for preciso.

   Connor a envolveu em seus braços, sem ter muita certeza se estaria aqui para vivenciar isso. Kate o abraçava, nervosa. Nunca se imaginou casada, ter uma vida fixa. Isso a assombrava. Aquela não era a sua vida, e estava presa a isso. Era como se a velha Kate falecera, e nem tivera tempo de dizer adeus. Muitas vezes desejou que fosse diferente, mas responsável. Entretanto, era só uma questão de tempo, pois seu estranho problema com compromissos salvaria a vida daquilo que mais amava no mundo. Num futuro mais perto do que suspeitavam.


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Notas finais do capítulo

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