Snow escrita por Julia A R da Cunha


Capítulo 3
Ódio




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Assim que cheguei na casa de Rose, tivemos de levar Jocelyn diretamente para o banheiro, para dar um banho quente nela e também lavar as feridas que possuía pelo corpo. Como estava bem fraca e ainda tremendo, tive de ajudar a retirar suas roupas e colocá-la debaixo do chuveiro. Enquanto eu a lavava, Rose percorria o apartamento fazendo várias coisas ao mesmo tempo: Retirando os sapatos, a presilha do coque, a parte rodada do vestido, revelando uma simples saia justa como o resto, e procurando remédios e utensílios de primeiros socorros.

A sujeira no corpo de Jocelyn estava tão grossa, os cabelos tão sujos e emaranhados, que o banho levou quase uma hora e meia para que eu pudesse ver a real cor clara de sua pele. Quando desliguei o chuveiro, juntei os cabelos dela e os torci várias vezes, deixando cair os excessos de água, peguei a toalha e envolvia-a com ela. Enquanto isso vi Rose passar várias vezes pela porta, falando sozinha, o que me trouxe uma ligeira lembrança de minha mãe e imaginar Rose como ela me fez segurar um riso.

Depois que estava seca, peguei Jocelyn novamente e Rose veio me guiando para levá-la até a cama de seu quarto. Deitei-a ali enquanto Rose juntava seus cabelos e os enrolava em uma toalha, depois retirando a que cobria seu corpo e analisando qualquer machucado que tivesse. A cada toque, uma careta se formava no rosto da menina, mas ela não hesitava e continuava tratando-a.

Comecei então a ficar um pouco incomodado a ficar ali, apenas observando o serviço de uma e a outra nua e reclamando de dor. Se pelo menos eu estivesse fazendo alguma coisa, mas não. Era inútil ali naquele momento. Olhei no relógio então. 23:15. Droga.

— Eu tenho que ir para casa. — Falei.

— Tudo bem. Ei, pode me passar a gaze que está ali, por favor? — Rose apontou para um conjunto de gaze que ela acabou deixando do outro lado do quarto durante seu momento de crise. Peguei e entreguei para ela. — Até mais, então.

— Até outro dia. — Levantei os olhos e encontrei Jocelyn me olhando, mexendo os lábios dizendo “tchau”. Acenei levemente e saí do quarto.

Já estava indo para a porta quando ouvi a pergunta de Jocelyn logo em seguida. Parei de andar e fui voltando, tomando cuidado para que meus passos não fossem ouvidos e comecei a prestar atenção.

— Ele é seu namorado?

Rose riu.

— Não. É meu melhor amigo, só isso. Acho que tínhamos a sua idade quando nos conhecemos na escola. — Rose fez uma pausa, deixando uns breves momentos de silêncio ressoarem. — Nem que fosse o presidente, Jocelyn.

Foi a vez de Jocelyn rir, parando em pouco tempo para reclamar de mais um curativo sobre um ferimento ardido.

— Você é bem bonita. — Disse ela. — E cheirosa, igual a rosa que ele me deu.

— Obrigada.

— Ele também é bonito. Não é?

Silêncio. Total silêncio e os únicos sons que se seguiram foram as reclamações de Jocelyn, potes de remédios e utensílios abrindo e fechando. Foi quando percebi que era minha hora de partir e voltei a andar com passos cuidadosos e silenciosos até a porta de saída, abrindo-a e fechando-a cautelosamente.

A partir do momento que estava do lado de fora do apartamento, não hesitei em fazer barulho e começar a correr. Em dez minutos já estava subindo o elevador para o meu apartamento, ofegante e suado, além de as roupas ainda estarem molhadas pelo banho em Jocelyn. A porta se abriu e fui diretamente para meu apartamento. Porta trancada, e eu sabia bem quem havia trancado. Bati três vezes e esperei. Eu podia ouvir a voz de minha mãe falando vários assuntos de uma vez, mas também ouvi a voz de meu pai lá dentro dizendo:

— Não abra, Lora. Esse menino tem que aprender a chegar no horário ao invés de ficar vadiando por aí.

— Mas... Onde ele vai dormir? E se estiver sujo? E se aconteceu alguma coisa? E se for outra pessoa? Preciso ver quem é primeiro...

— Não. Ouse. Tocar nessa maçaneta, mulher. Ele que durma aí fora. E se for outra pessoa, não tem nada para fazer para chegar aqui a essa hora. Essa casa não é aberta para quem bem entende chegar a hora que bem entende. Sente aqui ou vá dormir.

Respirei fundo e apoiei a cabeça na porta. Bati mais três vezes e quase pude sentir minha mãe olhando para a porta e para meu pai, nervosa, doida para levantar-se e movimentar-se no seu ritmo acelerado de sempre.

— Mãe! — Chamei. — Sou eu.

— Só um momento, querido! — Respondeu, e pude ouvi-la falando mais baixo com meu pai. — Não posso deixá-lo lá fora, por favor.

Silêncio. O mesmo tipo de silêncio que ouve entre a conversa de Rose e Jocelyn. Um silêncio incômodo e provocante. Por fim pude ouvir o som dos passos rápidos e equilibrados de minha mãe e a fechadura se destrancando, a maçaneta girando, e logo pude ver seu rosto extremamente branco ainda com uma boa quantidade de maquiagem, mas menos do que estava quando saí. A peruca rosa fora retirada revelando os cachos louros que chegavam até o ombro.

— Onde estava, querido?

— Com a Rose. Ajudando em umas coisas.

— Ah, sim... E conte-me como foi...

— Ajudando em que? A retirar a roupa e a maquiagem? — Perguntou meu pai naquele típico tom de voz cínico e irônico. — Ou seria a da mãe aleijada dela? Ou quem sabe a conseguir algum cliente para elas...

Naquele momento foi quando percebi que perderia o controle. O sangue esquentou muito e rápido, subindo logo à cabeça. Fechei os dedos em punho com tanta força que senti minhas unhas apertando a carne, e em minha mão direita, a dor dos furos dos espinhos retornou. Meu corpo estava tremendo de tanta raiva e força acumulada. Voltei-me para ele, meus olhos cheios do mais puro ódio e fúria. Sua expressão estava indiferente, mas seu olhar mostrava bem que queria me deixar assim e insultar ainda mais Rose e sua mãe que havia ficado incapaz de se mover da cintura para baixo, e ainda fazia fisioterapias para mexer a parte de cima do corpo.

No espelho do outro lado da sala, pude ver que meu rosto nunca esteve tão vermelho, estava quase roxo. Pude ver também minha mãe, que ficara ainda mais pálida e arregalara aqueles olhos azuis, temendo o que poderia acontecer. Comecei então a me aproximar dele, já apontando o dedo e começando a gritar e ele já levantando-se para gritar comigo. Foi então que minha mãe se enfiou na minha frente, empurrando-me para o outro lado enquanto dizia:

— Estamos todos muito cansados, o dia hoje foi trabalhoso, vamos nos deitar, tomar um banho e esfriar as cabeças, quem sabe amanhã conversar melhor, hein? Ou esquecer isso. Vamos, vamos — E então foi me empurrando para o corredor, interrompendo qualquer briga que fosse acontecer entre nós dois.

Quando percebi já estávamos dentro de meu quarto. Minha mãe fechou a porta e trancou-a, enquanto eu andava de um lado para o outro do quarto, procurando por algo em que pudesse bater e derrubar para o chão, chutar, descarregar toda a raiva. Por fim acabei jogando qualquer coisa que havia em cima da cama com força, fazendo um barulho alto. Logo minha mãe segurou-me nos ombros e me sentou na cama.

— Acalme-se! — Disse com a voz baixa, como se lhe faltasse ar e ainda assim tentando parecer forte e autoritária, mas parecia realmente ainda mais histérica do que era naturalmente. — Ele falou por falar! Conhece seu pai! Ele é assim mesmo.

— Não, ele só odeia a mim e a Rose! E chamou-as de putas!

— Olhe como fala, Coriolanus! — Como ela sabia que eu me irritava com isso, sempre usava o meu nome completo quando não conseguia me controlar. — Esqueça isso...

— Não vou esquecer.

— ... Tira essas roupas, tome um banho quente e vá dormir. É a única e melhor coisa que pode fazer agora.

E então ela saiu de meu quarto com seus passos ligeiros na ponta dos pés e fechou a porta novamente. Respirei fundo, jogando-me na cama e tentando me acalmar como ela dissera, mas era impossível. O ódio por meu pai só havia aumentado agora, e estava cansado do jeito que ele tratava as duas.

Depois de quase vinte minutos nesse estado, já tendo a raiva contida, mas não dissipada, levantei-me e comecei a retirar os sapatos, as meias. Joguei a gravata para longe, retirei o cinto e fui jogando cada peça da roupa para qualquer canto. Por fim, sem roupa alguma fui até o meu banheiro, liguei o chuveiro deixando a água em temperatura quente e enfiei-me debaixo dele, deixando molhar-me da cabeça aos pés. A água quente relaxava cada músculo tenso de meu corpo e aos poucos foi relaxando também minha mente.

Depois de quase uma hora, desliguei o chuveiro, peguei a toalha e comecei a me secar lentamente. Coloquei a toalha onde estava antes e fui andando novamente pelo meu quarto, pegando uma cueca e uma simples calça de pijama, enfiando-me debaixo das cobertas depois. Estava um tanto fresco para dormir sem a camiseta, mas eu não me importava, e a única coisa que queria agora, era dormir.


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