Santuário escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 9
Coisas do frio




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Ele a acompanhava tentando equilibrar três sacolas com cobertores e outras duas com as compras feitas num supermercado.


– D. Morte, a senhora sente tanto frio assim? – ele perguntou intrigado por ela ter comprado quatro cobertores novos.

– Não são para mim.

– São pra quem?

– Você vai ver. Acho que já comprei tudo. Vamos.

– Pra onde?

– Para o cemitério, criatura! É onde eu moro.


Apesar de não gostar muito da idéia, ele foi atrás dela até o cemitério. Ele nunca tinha ido até lá antes e não estava acostumado a lidar com as almas penadas que vagavam na terra.


– Não precisa ter medo. – ela falou ao perceber que ele parecia hesitar. – ninguém ali vai te morder.


Ela levantou vôo, sendo seguida por ele e em pouco tempo eles chegaram ao cemitério do bairro. A noite já tinha caído e fazia bastante frio ali.


– Puxa, parece que esse ano vai mesmo fazer frio!

– Você não gosta dessa época?

– Eu não! Minhas asas doem muito por causa do frio.

– Pois é a minha época preferida do ano.

– Ué, pensei que fosse o outono...

– Blé, por que todo mundo pensa isso?


Em um local afastado no cemitério eles viram uma pequena casa cercada com um pouco de vegetação e alguns túmulos. Ele não pode deixar de ficar surpreso.


– A senhora mora aqui?

– É. Onde pensou que eu morasse?


Em sua cabeça, Ângelo pensava que D. Morte vivesse em algum antro aterrorizante, repleto de almas atormentadas e um enorme cachorro de três cabeças vigiando a entrada. Ao entrar, ele viu que a decoração era bem previsível. Cortinas rasgadas na janela, antenas em formato de ossos na televisão, uma luminária feita de ossos e um crânio, um peixe com aspecto ameaçador em um aquário e uma planta carnívora devorando moscas desavisadas. Apesar da decoração, ele reparou que tudo ali era muito limpo e arrumado. Ela pegou as sacolas dos cobertores e instruiu o rapaz.


– Pode colocar as outras sacolas na mesa da cozinha. Eu já vou.


A cozinha não era muito grande e tinha o mesmo estilo de decoração do resto da casa. E também era bem limpa. Um pequeno fogão de quatro bocas, armários com pequenas caveiras nos lugares dos puxadores, uma geladeira com aspecto antigo e mesa com quatro cadeiras, todas feitas com ossos. O item mais moderno que tinha ali era um forno de microondas.


– Você pode começar a picar o pão enquanto eu preparo os salgadinhos.

– A senhora vai jantar pão com salgadinhos?

– Claro que não, seu bobo! É pra servir hoje à noite.

– Heim?

– Anda, pica logo esse pão que não temos a noite toda.


Enquanto ele picava o pão, D. Morte ia colocando os salgadinhos para assar. Tinha pastéis, coxinhas, empadas e até bolinhas de queijo, que Ângelo adorava. Quando ele terminou de picar o pão, ela colocou tudo em vasilhas de plástico e deu para ele carregar.


– Olha, não está na hora de eu ir embora?

– Claro que não! Você vai ficar e comer um pouco de fondue com a gente.

– Será que é boa idéia? Seus amigos podem não gostar...

– E por que eles não iriam gostar? Relaxa, eles são gente boa!


Mesmo desconfiado, ele a acompanhou. Na sala, ele viu uma caixa grande repleta de cobertores.


– São os cobertores que a senhora comprou hoje?

– Não, são do ano passado. Os que eu comprei hoje vão ser pro ano que vem.

– E o que a senhora vai fazer com isso?

– Hã... vamos fazer o seguinte?

– O quê?

– Não precisa me chamar de senhora, é formal demais! Tá certo que eu sou tão velha quanto a humanidade, mas pode me chamar por você.

– Tá bom...


Os dois foram para o meio do cemitério e foram saudados pelo Penadinho, que de cara ficou surpreso ao ver um anjo num lugar como aquele.


– Ele veio me ajudar a distribuir os cobertores e depois vai comer fondue com a gente.

– Ah, beleza. Como vão as coisas lá no Céu?

– Tudo tranqüilo.

– Hum... Tem uns cobertores bonitos, posso pegar um D. Morte?

– Claro! Aproveita e ajuda o Ângelo a distribuir pro pessoal.


Junto com Penadinho, Ângelo foi distribuindo cobertores aos fantasmas e aos poucos foi se sentindo mais a vontade. Todos ali eram apenas pessoas normais, que um dia viveram no mundo dos humanos. Não havia nada para ter medo. E ele também entendeu a razão de D. Morte comprar tantos cobertores. Era para distribuí-los entre os fantasmas.


– É por isso que eu adoro o inverno, Ângelo. O frio, a solidariedade... e veja como o cemitério ficou colorido!



O rapaz acabou dando uma risada alegre ao ver os fantasmas circulando, cada um usando um cobertor mais espalhafatoso que o outro. Tinha xadrez, florido, estampa de bolinhas...


– Agora que a gente acabou, vamos nos encontrar com o resto do pessoal.

– Boa idéia, eles já estão esperando a gente!


Já mais relaxado, Ângelo os acompanhou e nem se assustou tanto ao se deparar com uma múmia, uma caveira, um vampiro, um Frankenstein e um lobisomem em volta de um crânio que estava de cabeça para baixo em cima de uma pedra.


– Oi, gente! Eu trouxe o pão e salgadinhos!

– Uêba!!!

– Quem é o seu amigo, D. Morte? – Zé Vampir perguntou enquanto espetava um pão em um garfinho para mergulhar no queijo derretido que estava dentro do Cranícola.

– Ele é o Ângelo.

– Um anjo de verdade! Há tempos eu não vejo um! – Muminho falou apalpando as asas dele. – Suas penas são bem macias!

– Valeu...

– Senta aí, Ângelo! – Frank falou tirando um garfo de fondue da sua cabeça e entregando a ele. – E come um pouco também. É de gorgonzola!

– Puxa, parece delicioso! – ele falou tentando vencer a repulsa de comer queijo derretido dentro de um crânio humano. Será que eles pelo menos lavaram aquilo?


Os outros foram comendo do fondue sem nenhuma preocupação e para não parecer grosseiro, Ângelo se serviu também e logo pegou mais outro. Estava mesmo delicioso e apesar de aquilo estar em um crânio, o queijo estava bem limpo.


– Ei, não esqueçam de colocar um pedaço na minha boca também! – Cranícola protestou, sendo atendido pelo Ângelo. – Valeu, puxa isso tá bom demais!


Depois do fondue, D. Morte também serviu os salgadinhos que tinha levado, junto com alguns sanduíches preparados pelo Muminho. Tudo acompanhado com chocolate quente trazido pelo Lobi, que tomava o seu com biscoitos para cachorro.


Eles conversaram, dando muitas risadas com os casos de D. Morte contava.


– Eu tive que correr atrás dele por cinco quarteirões, dá pra acreditar? Ô velho bom de perna aquele! Também teve aquele outro que me fez ficar toda coberta de tinta. Ainda bem que era tinta lavável, senão eu ia ficar sem minha mortalha preferida!


D. Morte relatava seu trabalho como se fosse algo banal e do jeito que ela falava, até Ângelo acabou achando graça. Mesmo sendo a morte, ela era muito atrapalhada e sempre se metia em confusões para levar as pessoas ao outro lado. O anjo ficou tão relaxado que acabou contando também as aventuras dele com a turma, quando eram crianças.


– Toda vez que a Mônica ganhava um brinquedo novo, ela me chamava pra testar em mim. Teve um que era um kit de cabeleireiro. Depois de cortar uns cachos meus, ela alisou meu cabelo todinho. Até que isso não foi tão ruim. Terrível mesmo foi quando a amiga dela ganhou um estojo de maquiagem. Eu tive que me esconder por uma semana inteira!


Eles riram tanto das suas historias que Zé Caveirinha acabou se desmanchando de tanto rir. Passava da meia noite quando eles se despediram e Ângelo resolveu ir embora também.


– Puxa, D. Morte, valeu. Eu me diverti muito.

– De nada. Apareça de vez em quando pra bater um papo com o pessoal.

– Eu não sabia que você tinha esses momentos de folga.

– A vida não é só trabalho e cumprimento do dever, Ângelo. À medida que a gente amadurece, vai aprendendo a equilibrar as coisas.

– Deve ser tão difícil...

– Difícil sim, mas impossível não. Com o tempo a gente aprende.

– Ainda assim, tem coisas que não dá pra conciliar com os deveres, então temos que deixar de lado.


Ângelo falou aquilo com uma fisionomia tão triste que D. Morte acabou ficando com pena do rapaz. Vendo que ele não parecia disposto a falar, ela resolveu não insistir no assunto e apenas falou.


– A única coisa que não tem conserto é a morte. Quando o tempo de uma pessoa se esgota nesse mundo, não há nada que se possa fazer. Fora isso, a gente sempre pode dar um jeito.

– Não quando se trata de leis divinas.

– ???

– Bom, agora eu tenho que ir, estou com sono e tenho um dia cheio amanhã. Até mais, D. Morte e obrigado de novo!


Ela ficou observando o rapaz enquanto ele se afastava, tentando imaginar que leis divinas eram aquelas de que ele falava.


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Notas finais do capítulo

Vocês devem estar estranhando um pouco a presença recorrente da D. Morte. Bom, pra falar a verdade, a personagem de quem eu mais gosto entre os quatro protagonistas é a Mônica, mas considerando o geral, eu gosto mais da D. Morte. Pode parecer estranho, mas eu sempre adorei ler as histórias dela. É por isso que apesar de a história ser centrada no Ângelo e na Nina, ela também terá um papel importante. Para saberem mais, só acompanhando o resto da fanfic. Não esqueçam os reviews!
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E esse capítulo é baseado em duas histórias. Uma que tem o mesmo nome e pode ser lida aqui: http://www.monica.com.br/comics/frio/welcome.htm e outra chamada "Frio... Trevas..." que pode ser lida aqui: http://www.monica.com.br/comics/trevas/welcome.htm



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