Mar de Lírios escrita por Jajabarnes


Capítulo 4
Nossa Posição é Esta


Notas iniciais do capítulo

Contém trechos de A Viagem do Peregrino da Alvora, capítulo 2. Esses trechos foram adaptados para a fanfic. Todos os créditos desses trechos à C.S. Lewis, sem ele essa fanfic não existiria ;D

Capítulo revisado e repostado em 23/04/2022



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Quando saí da cabine, adentrando o convés, encontrei-o muito movimentado. Os marinheiros passavam para lá e para cá sem parar, concentrados em suas tarefas. Um deles veio em minha direção e me entregou algo para beber, agradeci e caminhei até a lateral do navio – estibordo, como Edmundo me ensinara uma vez – e debrucei-me na beirada, olhando para o horizonte de águas que só se distinguiam do céu por causa da tonalidade do azul. Senti a brisa mexer meus cabelos ainda húmidos e agitar o algodão das mangas da camisa envolta do corpo. Tomei um gole da bebida que me entregaram, saboreando a deliciosa limonada. 

—Está bem instalada? - uma voz grave soou ao meu lado. Empertiguei-me, ajustando distraidamente o colete que optara por usar antes de sair da cabine. 

—Sim, a cabine é perfeita - respondi, sorrindo levemente. Caspian assentiu de volta e parecia não saber o que dizer, então perguntei: - Para onde estamos indo? 

—Estamos à procura dos sete fidalgos de Telmar. - respondeu. - Eram os melhores amigos de meu pai. Miraz os mandou para bem longe pouco antes da nossa batalha contra os telmarinos e eles nunca mais foram vistos em Nárnia ou em Telmar, nem temos qualquer notícia desde então. A única coisa que sabemos é que seguiram pelo mar, para Leste. 

Assenti devagar. Uma missão de resgate, então. 

Estão no mar há muito tempo? 

—Algumas semanas, apenas. 

—Cheguei a tempo de pegar a maior parte da aventura, então. - maneei. Caspian sorriu e concordou com a cabeça. 

—E seus irmãos, como estão? - emendou, continuando nossa conversa trivial. Agradeci por isso. Algum tempo certamente havia se passado, por mais que me preocupasse a respeito, sabia que talvez nem tudo correria como já tinha sido um dia. Aquele lado de minha mente que precisava de toda segurança possível me deixava ainda mais grata por não ser preciptada. 

—Ah, bom... Estão muito bem, até onde me contaram. - Caspian inclinou a cabeça levemente ao passo que uma quase imperceptível ruga aparecesse entre suas sobrancelhas. Tomei um gole da limonada antes de continuar: - Não os vejo há algum tempo. Estou... ou estava... morando com meus pais em outro país. Pedro, Edmundo e Lúcia permaneceram na Inglaterra. Mas trocamos cartas com muita frequência. 

—É difícil imaginá-los separados. - comentou. Eu sorri. 

—Sim, bastante. 

O silêncio quis recair outra vez, então devolvi a pergunta. 

—E como vai você? Como vão coisas em Nárnia? 

—Estavam agitadas, mas esperei tudo se acertar antes de partirmos nessa viagem. - contou. - Conseguimos resolver problemas antigos. Depois que você e seus irmãos partiram, os Gigantes do Norte se renderam de uma vez por todas e derrotamos os exércitos da Calormânia no Grande Deserto. A paz reina em toda Nárnia... Em apenas três anos... - acrescentou meio orgulhoso. Eu sorri. - Parece que eu comecei bem. - observou, olhando o horizonte. 

—Não, Caspian. Você começou bem lutando ao lado de Nárnia contra seu próprio povo. Agora você está indo bem. Meus irmãos e eu sabíamos que seria assim - corrigi e Caspian sorriu. 

—É uma honra receber um elogio assim vindo de uma das Grandes Rainhas. - olhou para mim com um leve sorriso, corei levemente sorrindo também. - Mas me fale de você. - mudou de assunto apoiando os cotovelos no parapeito, com o vento fazendo seu cabelo, agora mais comprido, balançar. - O que aconteceu depois que voltaram? Deve ser estranho para você ficar afastada de seus irmãos. 

O máximo que consegui fazer foi dar um leve sorriso melancólico, lembrando dos últimos acontecimentos em meu mundo. Desviei o olhar de volta para o mar. 

—Bom – comecei. – Nosso pai conseguiu um emprego em outro país e minha mãe decidiu ir com ele, mas sairia muito caro levar os quatro filhos, então só eu pude ir. Pedro foi para a casa do Professor Kirke por causa dos estudos e Edmundo e Lúcia foram para a casa de nosso primo. Lamento por eles. 

—Por quê? 

—Por que o garoto é... difícil, para não dizer insuportável. – eu ri e ele me acompanhou. Continuei: – Eu estava nos Estados Unidos quando vim parar aqui. – sorri, mas esse sorriso foi se desfazendo contra minha vontade, deixando em meu rosto um ar de preocupação. 

—Está tudo bem? – perguntou Caspian calmamente, intrigado com o silêncio. Suspirei. 

—Não... não é nada. 

—Tem certeza? 

—Sim... é só um pouco confuso estar aqui, subitamente. Hoje mesmo, horas antes de vir para cá, estava em um chá com amigos do meu pai. – encarei as águas que corriam lá em baixo. - Já faz algum tempo desde a última vez que aconteceu. 

—Nunca atravessei mundos, mas acredito que deve mesmo ser estranho – Caspian brincou. 

—Maravilhoso e assombroso – descrevi. 

Ele apenas sorriu, e de repente o silêncio que evitávamos recaiu entre nós. De uma hora para outra, foi impossível desviar o olhar do dele. Até que alguém derrubou alguma coisa e o barulho fez aquele torpor se dissolver. Tomei um pouco mais da limonada. Caspian pareceu pensar em algo. 

—Venha, posso lhe mostrar o navio se quiser. 

—Seria ótimo! 

Ele começou a andar para longe da beirada, e eu estava prestes a segui-lo quando uma voz alta e grave soou acima de nós. 

TERRA À VISTA!— anunciou o marujo lá no alto do mastro. Caspian, desviou o caminho e correu, subindo os degraus que levavam ao manche. Subi também e olhei na direção em que ele mirava a luneta, para a mancha escura que se formava no horizonte. 

 

Caspian 

 

Estávamos chegando às Ilhas Solitárias. Foi o que Drinian me informou enquanto olhava pela luneta. Senti que Susana se aproximou de nós, mas concentrei minha atenção adiante. O conjunto de ilhas parecia deserto, mesmo de tão longe... esse cheiro... engoli em seco. A brisa soprava contra Susana e contra mim em seguida, atraindo meus sentidos para o perfume dela. Algo que lutei para ignorar há poucos minutos. Drinian dizia alguma coisa ao meu lado, competindo com o som acelerado em meu peito, e me apeguei a ele para vencer aquela luta. 

Eu havia me recriminado internamente por procurar qualquer vestígio de compromisso nos dedos de Susana. Mesmo tendo consciência de que fiz, não queria admitir. Durante aqueles anos desde a coroação muitas coisas haviam mudado, eu havia crescido, sentia isso. Porém, vê-la novamente desestabilizou qualquer segurança dentro de mim. Num passe de mágica, mais uma vez era o príncipe de coração acelerado e mente paralizasada que mal conseguia pensar em algo a dizer quando ela se aproximava. Buscar por um anel em seu dedo é um exemplo óbvio. Ficar aliviado por não encontrar, também. 

Percebi, então, que ficara em silêncio por tempo demais. 

—Está tudo bem, Caspian? – perguntou ela. Baixei o objeto. 

—Há uma bandeira de Nárnia a vista. – comentei. 

—Mas as Ilhas Solitárias pertencem a Nárnia há muito tempo – disse ela. Tinha razão, mas mesmo assim, havia alguma coisa estranha. – Quanto tempo daqui até lá? – perguntou. 

—Chegaremos ao pôr-do-sol, majestade. – respondeu Drinian. – Umas duas horas mais ou menos. 

—Mande deixarem os botes a postos. – falei. – Nos encontre na cabine com Ripchip. 

—Sim, senhor. – fez uma leve reverência e desceu para o convés. 

—Venha. – chamei Susana, tocando em seu cotovelo antes de ir para a escada enquanto Drinian dava ordens aos marujos. Seguimos para a cabine principal, que usávamos para reuniões. Peguei um mapa enrolado sobre a mesa e estiquei-o na superfície. 

—São os fidalgos? - perguntou Susana, passando por mim e olhando para a parede onde estavam os sete desenhos, cada um retratando um dos lordes. Ela tocou uma das imagens, analisando-a com os olhos estreitos e concentração analítica, como se pudesse perceber cada risca tracejada pela tinta. 

—São sim. – confirmei, parando logo atrás dela, o suficiente para esticar o braço ao seu lado a fim de indicar as imagens – Lorde Bern – podia sentir a umidade ainda em seus cabelos. Continuei:– Lorde Revilian, Lorde Argos, Lorde Mavramorn... 

 

Susana 

 

Lorde Mavramorn— a voz de Caspian soava grave e serena atrás de mim, lenta, quase sussurrando em minha orelha à medida que indicava os retratos. Podia sentir seu hálito doce afagar minha face, atiçando borboletas a voarem em meu estomago. – Lorde Octasiano, Lorde Restimar... E Lorde Rupe.  

O silêncio pairou entre nós, ao ponto de eu temer que o som em meu peito ecoasse por toda a cabine. Como uma defesa contra o transe, uma observação saltou à minha frente. 

—Suponho que, como eles eram amigos de seu pai, Miraz os mandou para longe de Nárnia, para que não ficassem ao seu lado – falei baixo. 

—Sim. Ele os mandou explorar os Mares Orientais além das Ilhas Solitárias, mas claramente era um pretexto que os levaria à morte. - Uma batida na porta o fez se afastar de mim sábia e cordialmente, voltando para perto da mesa. – Entre. – permitiu. Drinian e Ripchip atravessaram a porta enquanto eu me posicionava do outro lado da mesa, de frente para Caspian. 

— Majestades. – Rip fez uma reverência animado, antes de saltar para a mesa e permanecer no canto que o mapa não ocupava. Drinian se aproximou, parando de frente para a mesa e de costas para a porta da cabine. 

—Rip – sorri. 

—Você explicaria melhor do que eu nossa trajetória até aqui – Caspian explicou sorrindo de leve e olhando de Drinian para o mapa. O segundo assentiu uma única vez. 

—Nossa posição é esta – respondeu o capitão, apontando com o dedo um lugar no mapa a apenas alguns centímetros das formas irregulares do arquipélago das Ilhas – Pelo menos era ao meio-dia de hoje. Tivemos um vento esplendido desde que saímos do porto de Cair Parável e paramos ao norte de Galma, aonde chegamos no dia seguinte. Estivemos no porto durante uma semana já que o duque de Galma tinha organizado um grande torneio em honra de Sua Majestade, que desmontou muitos cavaleiros... – ele ergueu os olhos em direção a Caspian. 

—E levei também umas tremendas quedas, Drinian – Caspian riu. – Ainda tenho as marcas... – ri de leve, cruzando os braços em frente ao corpo. 

—Desmontou muitos cavaleiros. – repetiu o capitão, dando de ombros. Ajeitei uma mecha do cabelo atrás da orelha, a mesma em que Caspian sussurrava agora há pouco. Podia jurar que ainda a sentia quente. 

—Pareceu-me que o duque teria ficado muito contente se o rei tivesse casado com a filha dele – adicionou Rip. Evitei o impulso de morder o lábio. 

— Sem chance, Rip! – Caspian protestou. 

— Saímos de Galma – continuou Drinian, mudando de assunto e eu agradeci mentalmente por isso. – E por dias pegamos uma grande calmaria que nos obrigou a remar, mas o vento voltou e levamos quatro dias para chegar a Terabíntia. Aí, o rei nos mandou um recado para que não desembarcássemos, pois havia peste no país. Assim, dobramos o cabo, ancoramos numa pequena enseada longe da cidade e recolhemos água. Tivemos que ficar ancorados três dias nesse lugar, antes que apanhássemos um vento sudoeste para seguir a caminho das Sete Ilhas. – apontou para as tais ilhas – Cinco dias mais tarde estávamos à vista de Muil, que, como sabem, é a mais ocidental das Sete Ilhas. Remamos através dos estreitos e, perto do anoitecer, chegamos a Porto Vermelho, na ilha de Brena, onde nos receberam festivamente, e onde nos abastecemos à vontade de víveres e água. Deixamos Porto Vermelho há seis dias e temos navegado com tanta rapidez que esperávamos ver as Ilhas Solitárias só depois de amanhã, mas aí estão elas. Em resumo, estamos no mar há cerca de trinta dias e já navegamos mais de quatrocentas léguas desde Nárnia. 

—Ninguém sabe o que há depois das Ilhas Solitárias... A não ser que os próprios habitantes saibam nos informar. – acrescentou Caspian. 

—Não sabiam quando eu e meus irmãos governávamos, e é muito improvável que alguém tenha tido coragem de ir explorar. – comentei casualmente. 

—Por isso – disse Ripchip – É depois das Ilhas Solitárias que a aventura é pra valer! 

Sorri com o entusiasmo e a bravura dele. 

 

Caspian 

 

Drinian ainda repassou mais alguns detalhes de nossa viagem até ali e, assim que terminamos de colocá-la a par de tudo que acontecia, encerramos a breve reunião. Após Ripchip passar pela porta, dei espaço para Susana deixar a cabine e segui logo atrás dela. Ela parou e se virou para mim, prestes a falar alguma coisa, quando escutamos o alerta da sentinela. 

—HOMEM AO MAR!  

Corremos para a borda do navio a tempo de ver, lá na superfície azul e ondulada, surgir um rosto desconhecido para mim. Ouvi Susana reprimir o susto ao meu lado, os olhos arregalados fixos no menino na água. O garoto se debatia lá em baixo e a ordem para resgatá-lo chegou à minha garganta e lá entalou, pois Susana deu impulso e pulou na água de forma graciosa. Minha mente gritou um pedido de espera, mas não sei dizer se foi verbalizado.  

—Eu quero voltar para casa! – o vento trouxe o grito do menino, em meio a soluços e tentativas desesperadas para respirar, lutando para não afundar. – Eu quero voltar para casa! Parem com essa brincadeira! Edmundo, eu sei que é você! Vou contar tudo para a Alberta! 

—Eustáquio! – chamou Susana.  

A cena que começou a tomar forma em minha mente me fez chutar as botas para longe. O garoto deu a entender que escutara algo distante. Ele olhou em volta e viu Susana, que se aproximava mais e mais. Um alívio pareceu percorrer sua expressão, mas durou apenas o tempo de sua próxima frase. 

—SUSANA! Ainda bem! Me tire daqui! Edmundo vai...! – num momento impensado, ele se lançou em direção a ela. Saltei do navio, deixando para trás os marinheiros que se acumulavam ali. Nadamos até o garoto que começava a tossir e bradar. 

—Não, Eustá... – Susana tentou impedi-lo, mas ele se agarrou a ela e os dois começaram a afundar a algumas braçadas de mim.  

Acelerei e o esforço fez meus braços arderem. Mais perto, mergulhei. Eles estavam alguns metros abaixo e, agora mais desesperado do que nunca, o garoto não largava Susana, sem perceber que isso só os levava cada vez mais para o fundo. Pude ver que ela tentava fazê-lo soltá-la, mas não conseguia. Impulsionei mais e alcancei os dois, fazendo-o larga-la, acertando-lhe o rosto. Livre, Susana voltou imediatamente para a superfície. O garoto, atordoado, entendeu que só estava piorando tudo e voltou à superfície sozinho. 

O ar invadiu meus pulmões violentamente assim que alcancei a superfície. A alguns metros, os marinheiros içavam Susana de volta ao navio, sinalizei para que o menino nos acompanhasse e como um misto de indignação e confusão, ele o fez. Logo foi a nossa vez. Quando cheguei ao convés, vi Susana de joelhos, tossindo de maneira compulsiva. O menino caiu em algum lugar do assoalho enquanto segui até ela, agachando-me ao seu lado e tocando seu ombro gelado. 

—Você está bem? - ofeguei. Parecia uma pergunta idiota vendo seu estado, mas eu sabia que ela diria que sim, e eu precisava ouvir que ela estava. Ela tossiu, sacudindo a cabeça. 

—Estou sim - a voz saiu fraca, mas a tosse parou. Para confirmar, ela ergueu os olhos para mim e assentiu com segurança. Susana se ergueu e seguiu até o garoto jogado no chão, que parava de tossir e ofegava intensamente, como se alguém pisasse em seu peito - Eustáquio... - ela tossiu. - Você está bem? 

O som despertou o garoto de volta para a realidade. Seus olhos se arregalaram e ele encarou Susana, lívido. Estava quase esperneando. 

—Eu estou péssimo! Vou matar Edmundo por toda essa brincadeira idiota! Ele vai ver só, vou contar tudo para a Alberta! Vou dizer também que a Lúcia participou! É isso que eu vou fazer quando voltar! - soltou um protesto infantil. - Eu quero ir para casa! Eu quero voltar para a Inglaterra, eu quero a Inglaterra! Me tira daqui, Susana! - ele se agarrou a ela desesperadamente, quase a derrubando. Ela o afastou pelos ombros. 

—Acho que ele engoliu muita água salgada. - comentou Ripchip ao meu lado, os marinheiros que escutaram, riram. Todos observavam a cena com muita confusão - Tente se pôr de pé primeiro, rapaz! - gritou ele ao garoto que parou subitamente, erguendo-se do chão num rompante. 

—Quem disse isso?! - perguntou assustado, olhando em volta. 

—Eu disse.  

Rip chegou mais perto do rapaz. Ele arregalou os olhos enquanto recuava alguns passos para trás, tremendo dos pés à cabeça. Fiquei de pé, Susana passou as mãos no rosto. Continuava a encarar o menino como se não acreditasse em seus próprios olhos. A menção de Lúcia e Edmundo deixava clara a relação entre os irmãos e aquele garoto em pânico. Com mais curiosidade do que irritação, me aproximei deles. 

—Ti-ti-ti-r-ra esse bi-bi-cho daqui! Fica longe de mim! - ele se escondeu atrás de Susana enquanto um murmúrio de ultraje percorreu os homens. Ripchip levou a mão ao cabo da espada. Certamente uma ofensa desse tipo não seria cobrada de forma barata. 

—Eustáquio, pare com isso! - Susana arguiu, o único motivo que deve ter impedido Ripchip de sacar sua lâmina. 

—Você também está envolvida em toda essa brincadeira de mal gosto, Susana?! Eu não acredito! Pedro, se você também está aí apareça, moleque, eu não tenho medo de vocês! Vocês quatro vão se ver com a Alberta! - ele gritou para o nada. O murmúrio de exasperação foi ainda maior diante a ofensa contra os reis. 

—Como ousa falar assim do Grande Rei?! - exigiram alguns dos marinheiros. 

—Você poderia ser morto por isso! - exclamou outro. Algo em minha mente me lembrou de que precisaria intervir na confusão caso o garoto prosseguisse com as ofensas. Ninguém ali ouviria tais absurdos por muito mais tempo, muito menos vindos de alguém que deveria estar grato por termos lhe salvado a vida. 

—Você está sendo ridículo - Susana disse, em uma calma aborrecida. 

—Se continuar assim - falei, me aproximando dele. - jogarei você no mar de novo com muito prazer. - falei firme. Aslam sabia que a ofensa daqueles homens era a minha própria. - Você não deve ter mais idade para chorar e espernear desse jeito, comporte-se como homem - ele me encarou ofendido e depois olhou para Susana como se quisesse que ela o defendesse. 

—Você ouviu - ela deu de ombros. 

—Eu exijo que você e qualquer um dos seus irmãos que esteja envolvido nisso me levem de volta a Inglaterra imediatamente! - ele gritou para Susana, que rolou os olhos. 

—Isso não será possível, Eustáquio. - falou. - E pare de falar mal dos meus irmãos por que eu tenho certeza que eles não têm nada a ver com tudo isso. - cruzou os braços. 

—Isso mesmo! Não aturaremos que você continue a insultar nossos Reis e Rainhas! - disse Rip, furioso. Eustáquio parou. 

—Reis? - questionou. - Oh, não, não, não... 

Susana sorriu de lado. Um sorriso que vi poucas vezes em seu rosto. Era um desafio e uma provocação nada sutis. Então, como um trunfo secreto contra o garoto, ela disse: 

—Bem-vindo à Nárnia, Eustáquio.  

Foi o suficiente para ele arregalar os olhos, todo sangue deixar seu rosto e seu corpo cair para trás, desfalecido. Susana suspirou, balançando a cabeça de um lado a outro. O sorriso havia sumido, mas aquele brilho de vitória continuava no azul pálido de seus olhos. 

—Ainda dá tempo de fingir que não o conheço, não é? 

—Er... Não - balancei a cabeça para ela, sentindo um riso despontar em meus lábios, espantando a recente irritação. Em resposta, Susana suspirou. 

O sorriso se fez sozinho. 

—Obrigado por fazê-lo calar a boca, Majestade! - alguém disse. 

—Ele... Você o conhece, Majestade? - perguntou Rip, numa mistura de surpresa e incredulidade, parando aos nossos pés e olhando de Susana para o menino desmaiado. 

—Eu queria poder dizer que não - Susana murmurou. Os marinheiros riram. - Eustáquio é meu primo. 

Houve um segundo de silêncio surpreso, inclusive meu. 

—Bem... Tarvos, pode cuidar dele? - perguntei. 

—Sim, majestade. - ele fez uma rápida reverencia, falando com sua voz grave. Ripchip riu, enquanto Susana e eu recebíamos as toalhas que nos foram trazidas. A pena vermelha tremeluziu com a travessura quando Rip declarou: 

—Quero ver a surpresa que ele vai ter quando acordar e dar de cara com Tarvos! - e logo saiu no mesmo rumo do minotauro. Sequei o rosto. 

—Voltem ao trabalho, homens! - ordenou Drinian. 

Logo todos se distraíram com seus afazeres e acho que nenhum deles percebeu quando entrei na cabine com Susana, mas deixei a porta aberta despretensiosamente. Ela suspirou enquanto secava os cabelos com a toalha, parecendo inquieta. 

—Então, ele é seu primo. - comentei, secando o cabelo e o pescoço. 

—Sim. É na casa dele que Lúcia e Edmundo estão hospedados. Acho que deu para perceber que ele não uma das melhores companhias. - disse ela. Concordei: 

—Você não estava mesmo brincando.  

Ela selecionou outra roupa e a deixou sobre o encosto de uma das cadeiras, continuou a secar os cabelos. 

—Não mesmo – riu, ficando de costas, voltando sua atenção para onde havia deixado a escova. 

E bastou olhá-la mais uma vez para notar a roupa molhada que grudava ao seu corpo, deixando minha mente em branco. O tecido marcava o vale vertiginoso da cintura fina e, nos pontos mais críticos, permitia vislumbrar a pele clara dos ombros e braços. Para a minha sorte, o colete escuro impedia qualquer outra coisa. Não permiti que meus olhos avançassem para suas pernas. Pigarreei para assumir o controle outra vez, envergonhado, despertando o senso de decoro que fora desligado momentaneamente sem minha permissão. 

—Tarvos deve tê-lo levado para o dormitório lá em baixo, caso queira vê-lo.  

Susana olhou-me fixamente nos olhos e parou, apenas assentindo para mim. Isso fez a camisa molhada pesar em meus ombros ao mesmo tempo que um suave e sutil tom rosado apareceu em seu rosto. Soube que era minha hora de ir. Com um sinal desajeitado, disse que nos veríamos mais tarde. Caminhei somente até a porta aberta e parei, voltando-me para dentro mais uma vez. 

—Chegaremos às Ilhas Solitárias ao pôr-do-sol – lembrei. - Devemos estar preparados, há algo muito estranho vindo daquela ilha, não sabemos o que vamos encontrar lá. 

Ela apenas assentiu outra vez e nada mais impediu a urgência de sair dali. 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Reviews? ♥
Beijokas!!



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