I am outside
And I've been waiting for the sun
With my wide eyes
I've seen worlds that don't belong

Eu estou do lado de fora
E eu estive esperando pelo sol
Com meus olhos bem abertos
Eu vi mundos que não se encaixam

Peeta caminhava lentamente, ignorando o barulho que seus pés faziam de encontro à relva úmida, esgueirando-se pela floresta.

Não sabia ao certo a causa de estar indo ali, a única coisa que sabia era que o impulso de seguir em frente era incontrolável.

Deveria ser quase cinco da manhã, porém ele estava acordado há muito tempo, desde que não conseguia mais dormir sem ter pesadelos. Sem ter lembranças perturbadoras invadindo sua mente e tornando tudo ainda mais confuso.

Os grandes pinheiros que o rodeavam tapavam quase toda a luz, fazendo as sombras erguerem-se malignamente ao seu redor. Mas não era isso que o assustava. O que o assustava era o fato de estar indo para ali, um lugar tão claramente parecido com a primeira arena, um lugar que despertava tantas lembranças ruins.

Mas não conseguia parar. Não conseguia porque, da mesma forma que aquele lugar estava cheio de lembranças ruins, também estava cheio dela.

Era fácil imaginá-la empoleirada em uma arvore com um arco em suas mãos enquanto mirava seu alvo concentrada.

Era fácil imaginá-la caminhando despreocupadamente por ali. Era fácil imaginá-la como ela mesma naquele lugar.

Porque a garota que agora passava os dias sem nada fazer, a expressão vazia, os olhos mortos, essa garota não era a sua Katniss.

My mouth is dry
With words I cannot verbalize
Tell me why
We live like this

Minha boca está seca
Com palavras que eu não consigo verbalizar
Me diga por que
Nós vivemos assim

Novamente Katniss acordou aos berros. Arfava enquanto sentava-se na cama constatando que era apenas mais um pesadelo.

Apenas mais um.

Sentia sua boca seca enquanto tentava forçar sua respiração a voltar à normalidade.

Desceu da cama e calçou seus chinelos, direcionando-se para fora do quarto, descendo as escadas a fim de ir até a cozinha tomar um copo d’água.

Porém, antes de chegar à cozinha, algo a fez parar. Pela janela da sala era possível ver a rua dos Vitoriosos e, por ela, uma imagem escura caminhava.

Olhou para o relógio localizado no canto esquerdo da parede onde a janela estava e constatou que eram quase cinco da madrugada.

O que Peeta estava fazendo?

Subiu até o quarto rapidamente, pegando o casaco de seu pai e calçando suas botas, ainda de pijama.

Talvez ela não devesse estar indo atrás dele, mas não conseguiria mais dormir assim como também não conseguiria ficar em casa até ele voltar, perguntando-se o que ele poderia estar fazendo.

Sem falar que a perspectiva de fazer algo era muito melhor do que ficar ali, absorvendo tédio.

Os últimos dias pareciam não passar nunca, fazendo-a quase enlouquecer devido à monotonia total que sua vida havia tomado.

Se é que poderia chamar de vida o que tinha. Estava mais para existência. Porque a vontade de viver havia morrido no momento em que Prim se foi, no momento em que Peeta se foi. No momento em que ela mesma se foi.

Saiu da casa, caminhando rapidamente pelas ruas. Podia ver a silhueta de Peeta no fim da rua, dobrando à esquerda. Novamente se perguntou onde ele estaria indo.

Katniss e Peeta estavam distantes, frios e completamente ‘não’ eles mesmo. Ela sabia que tudo o que lhe ocorria era por sua culpa, mas toda vez que tentava falar com ele, ou até mesmo pedir-lhe desculpas, seus olhos escureciam e ela sabia que as lembranças estavam tomando-o novamente.

Presidente Snow havia feito bem seu trabalho. Peeta já não era mais uma arma contra ela, porém sua distancia gélida era muito pior do que se ele tentasse esganá-la novamente.

Perdida em pensamentos, percebeu tardiamente onde o garoto do pão estava indo. Ele ia em direção à saída que ela sempre usou para ir até a floresta.

Ela queria ter gritado para ele não fazer aquilo, a visão da floresta provavelmente o deixaria cada vez mais perto da loucura, porém sua voz não parecia ser capaz de sair. Então somente o seguiu.

'Cause we are broken
What must we do to restore
Our innocence

Pois nós estamos quebrados
O que nós devemos fazer para restaurar
Nossa inocência

Peeta sentou-se junto à raiz de uma arvore encarando as folhas que impediam sua visão do céu.

Um esquilo passou rapidamente perto de seus pés e ele o encarou até que o animal sumiu nas sombras de um tronco caído.

– Peeta? – uma voz suave, sua voz suave, tirou-o de seus devaneios, fazendo-o virar-se em direção ao som e encontrar Katniss encarando-o receosamente.

– Katniss – respondeu e estranhamente não estava frio como normalmente a tratava nos últimos dias.

A garota se aproximou lentamente, sua expressão confusa. Ele podia ver o pijama por baixo do grande casaco de seu pai, o que somente à tornava mais frágil.

– Você devia estar dormindo – ele disse e ela sorriu sem humor.

– Eu não posso dormir – Katniss respondeu e sentou-se próximo à ele, mas com alguma distancia.

Peeta entendeu. Ele também não podia dormir. Simplesmente parecia que ele não era mais feito para isso. Agora era muito mais fácil ficar acordado durante à noite, mesmo que no outro dia não conseguisse manter-se em pé por causa do cansaço. Era mais difícil descansar à noite, quando tudo parecia mais sombrio. Conseguia compreender Haymitch agora.

Ele não perguntou à ela como havia o achado, apenas ficou em silêncio por algum tempo. Algumas luzes cinzentas que passavam por entre as folhas altas indicavam que estava quase na hora do amanhecer.

– Porque veio aqui? – Katniss novamente interrompeu seus pensamentos.

Então a resposta veio tão facilmente que ele pensou que ela sempre estivesse lá.

– Porque aqui é o lugar onde eu consigo ver – ele disse. Talvez outras pessoas não compreendessem o sentido de sua frase, mas para ele era muito claro.

Incrivelmente, ali, naquela floresta, ele conseguia lembrar tudo sem ter sua mente quase espatifada pelo trabalho de Snow em suas lembranças.

– Eu também – ela respondeu tranquilamente.

– O que aconteceu conosco? – Peeta perguntou quase infantilmente.

– Seria mais fácil perguntar o que não aconteceu conosco – Katniss disse.

Foi a vez de Peeta sorrir sem humor.

– Eles conseguiram não é? – perguntou e a encarou, fitando-a intensamente. – Todo o trabalho que tivemos em nos manter vivos, em nos proteger. Eles fizeram com que fosse invalido.

– Nós estamos quebrados Peeta – ela disse e uma lágrima desceu por seu rosto. – Eu só queria que tudo voltasse ao normal. Eu só queria viver novamente.

And all the promise we adored
Give us life again
'Cause we just wanna be whole

E toda a promessa que adorávamos
Nos dê a vida novamente
Pois nós só queremos ser completos

Katniss sentia as lágrimas quentes descerem por seu rosto, fazendo-a parecer pateticamente fraca.

O que, infelizmente, ela era.

Sentiu um movimento ao seu lado e virou-se para ver Peeta se aproximar. Ele colocou uma mão sobre a dela e seus olhos azuis encaravam-na tristemente.

– Também queria ser completo novamente – disse suavemente.

Todas as partes dela, todas as coisas que um dia lhe pertenceram. Tudo. Tudo se fora. Apenas deixando lembranças agridoces e dolorosas com as quais tinha de conviver.

– E o que podemos fazer? – ela disse infantilmente.

– Cante para mim – Peeta pediu, apertando mais firme sua mão, fazendo-a sentir-se estranhamente segura.

Inconscientemente a voz de Katniss soou, numa melodia triste e linda. Peeta fechou os olhos como se quisesse absorver cada palavra.

Lock the doors
Cause I'd like to capture this voice
It came to me tonight
So everyone will have a choice

Tranque as portas
Pois eu gostaria de capturar essa voz
Que veio até mim essa noite
Assim, todos terão uma escolha

Peeta queria guardar aquele momento para revivê-lo mais tarde, em um de seus momentos em que nada parecia ser real.

A voz de Katniss parecia penetrar por seu corpo, fazendo-o lembrar-se da primeira vez que a ouvira. Tão pequenos, tão inocentes. Nada do que vivera o havia preparado para estar onde estava naquele momento.

O primeiro sorriso verdadeiro de muito tempo brotou em seus lábios, fraco, porém estava lá.

A voz de Katniss parou e ele abriu os olhos.

As luzes cinzentas estavam avermelhadas agora, o que indicava que o sol estava nascendo. Os pequenos raios de luz iluminavam Katniss que o encarava absorta, fazendo-a parecer como se estivesse queimando.

A garota em chamas.

– É bom te ver sorrir – ela disse, fazendo-o sorrir um pouco mais.

Peeta esticou a mão involuntariamente até seu rosto. Foi a vez de Katniss fechar os olhos.

And under red lights
I'll show myself it wasn't forged
We're at war
We live like this

E sob luzes vermelhas
Eu irei mostrar a mim mesma que não foi forjado
Nós estamos em guerra
Nós vivemos assim

As mãos de Peeta acariciavam seu rosto, limpando as lágrimas que ainda caiam.

E por algum tempo, tudo parecia normal, tudo parecia bem. Ela tinha seu Peeta de volta. Ela estava completa.

Eles estavam juntos.

Não havia guerra, não havia dor, somente havia os dois e o nascer do sol.

Ela sentiu os braços dele à envolverem em um abraço à tanto esperado. Um abraço que ela sentia tanta falta.

Porque somente em seus braços ela conseguia sentir-se segura.

Keep me safe inside
Your arms like towers
Tower over me, yeah

Me mantenha salva dentro de
Seus braços que são como torres
Torres sobre mim, yeah