Jogos Vorazes escrita por Lívia Andrade


Capítulo 23
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência,poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.
Foto : http://24.media.tumblr.com/tumblr_m6tt2meBS91r8berxo1_r1_500.jpg



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/213813/chapter/23

Uma sala escura. Aonde cada milímetro de ar vai se esvaindo aos poucos, não há para onde ir, não há o que fazer. Meus punhos socam o chão em busca de apoio, mas eu só consigo deixá-los vermelhos e inchados. Essa sala sou eu, na verdade nem sei se eu existo mais. Só meu corpo, que não aceita seguir orientações de meu cérebro. Fico parado ao lado do corpo gélido e inconsciente de Clove, sei que tenho que me afastar, mas não consigo acreditar. Percebo que depois que a conheci passei a ser uma pessoa diferente, a perceptiva de que eu e Clove viveríamos juntos me fez acreditar que eu podia finalmente ser feliz.

 O tiro de canhão não era uma indicação de que Katniss morrera, ou alguma coisa alegre como antes. Era o som mais grotesco que já ouvira em toda a minha vida.

- Não, Clove, por favor... Não! Clove! - Chamei, começando a praticamente urrar. - Eu queria... Queria que eu tivesse te salvado... Como sempre... Por favor, me diz que isso não esta acontecendo.

 Mas era tarde demais. Tarde demais para Clove. Tarde demais para mim. Tarde demais para nós.  

   Deito ao lado de Clove e fico ali parado. Não sei em quanto tempo o aerodeslizador virá para buscar seu corpo, como se isso me importasse, mas logo escuto o barulho da máquina sobrevoando o céu.  Não me afasto, continuo deitado do lado de Clove e seguro sua mão. Posso ver a garra descendo, ela se encaixa perfeitamente em Clove deixando apenas a sua mão que está presa a minha do lado de fora. Sinto a garra levantando, não tenho forças para levantar e impedir, de forma que apenas levanto minha mão e continuo segurando em Clove até que fica alto demais e toda a minha felicidade escapa pelos meus dedos.

  Vejo a pequena mão de Clove para fora da garra cada vez mais longe até que o aerodeslizador desaparece e eu fico sozinho, mas sozinho do que eu fiquei em toda a minha vida.

 Não tenho forças para correr atrás de garoto do distrito 11 e me vingar, não tenho forças nem se quer para me levantar. Não tenho forças para viver.

 Gotas de chuva começam a molhar todo meu corpo, de modo que eu sinto frio. Me surpreendo que eu ainda consiga sentir alguma coisa. Mas é bom saber que ainda estou vivo, mesmo sendo só meu corpo já que todo meu ser se foi junto com a pequena lançadora de facas. Agora só resta o Cato orgulhoso, que não liga para as pessoas, que não tem piedade. Uma máquina de matar.

 Fecho os olhos a medida de as gotas de chuva ficam mais fortes. A opção de voltar para o nosso... Agora só meu acampamento é completamente cruel. Então fico apenas deitado esperando que a vontade de viver volte, se isso um dia for acontecer.

 Perco completamente a noção das horas, quando me dou em si vejo o hino da capital e o rosto de Clove no céu. Esse meu momento de raciocínio dura pouco porque eu relembro que a morte da única pessoa que eu amei na vida foi inteiramente culpa minha. Eu apenas a deixei ir porque pensei que qualquer tributo que estaria por perto fugiria pela floresta e assim eu poderia acabar com eles. Nunca imaginei que Katniss e o garoto do distrito 11 iam ficar unidos contra Clove. Como fui tão burro de deixar toda minha felicidade em jogo. Tão idiota ao ponto de entregar a pessoa que eu mais amo a esse mundo feroz, eu devia ter a protegido. Eu devia ter morrido em seu lugar.

   O som do vento parece estar mais alto, a pouca chuva fina que ainda habita na arena parece entrar como agulha em meu corpo, ignoro completamente a dor e fecho novamente os olhos.

  Quando estou abalado meu cérebro me trás sonhos bons, talvez para tentar amenizar a minha dor. Sonho com Clove, particularmente com o sorriso dela, mas não o sorriso debochado, o sorriso que ela deu antes de eu entrar para avaliação nos jogos. A primeira vez que eu a vi sorrir de verdade. O Som da sua voz me acalma e quando acordo toda a dor de antes parece se multiplicar.

 Minhas juntas estão doidas devido ao muito tempo na mesma posição, minha garganta está seca, posso dizer que nunca senti tanta fome em toda a minha vida, meu corpo gelado e minhas roupas extremamente molhadas, mas isso não se compara a dor do vazio que eu sinto dentro de mim.

 Finalmente levanto, o céu possui uma cor alaranjada de forma que eu deduzo estar no fim da tarde.

 Sigo calmamente as orientações de meu cérebro‘’ Você tem que se secar agora, Cato’’. Fico só com a roupa de baixo, torço minha camiseta e bebo a água suja que sai dela. Estendo toda a minha roupa em um galho próximo para que elas absorvam o calor do fim de tarde. ‘’ Agora você tem que comer’’. Pego umas folhas de hortelã e mastigo. Isso não mata fome, mas só mastigar alguma coisa já me deixa saciado.

 Ao longe no chão, vejo algo prateado cintilar, me aproximo e abaixo para ver o objeto. É uma pequena faca, suja de sangue. A faca de Clove. Retiro do chão com cuidado, limpo o sangue com a pouca água da chuva que ainda escorre de minha camiseta pendurada na árvore e fito à faca, cada detalhe. O cabo parece ter sido feito a mão, os traços perfeitos para encaixar uma mão, na lâmina há um símbolo da capital. Imagino se todas as armas encontradas na arena tem esse símbolo. Pego minha espada e observo sua lâmina, encontro o símbolo.

  Quando o céu escurece minhas roupas estão praticamente secas, eu as visto. A insígnia da capital volta a aparecer, e não temos nenhuma vítima hoje.  Amanhã teremos um novo rosto aparecendo no céu, o rosto robusto de pele morena, o rosto do garoto do distrito 11. A aparição do rosto cujos todos saberão da minha vingança, o rosto que lembrará aos outros tributos que eu ainda estou reagindo e que eu vou mata-los também.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!