O Coração de um Caçador escrita por Joanna


Capítulo 47
Capítulo 48




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 O capacete continuava incomodando, mesmo com todo o tempo trabalhand nas minas. Não havia uma parte do meu ser que não estivesse milimetricamente contornado pelas cinzas. Era uma poeira dura, escura e impregnava. Eu olhei para o céu antes de entrar e hoje, como o céu estava tentador. Era cor de neve suja. Era acinzentado e ainda assim eu queria tanto deitar no chão gélido da floresta e sentir a grama encostando no meu pescoço, nos braços. Pendurei meu cachecol e andei até o elevador que nos levaria até o fundo da mina, para mais perto do inferno. O frio do lado de fora era substituído pelo calor das respirações e do centro da Terra.

- Hawthorne, ligue a lanterna.

~*~

O domingo. Eu estava sentado no meu ponto de encontro com Katniss, envolto em um cobertor e tomando chá quente. Estar parado trazia o frio para dentro de mim, mas o frio não chega até minha alma. Katniss está vindo, penso. Recosto em uma pedra coberta pela geada e tento imaginar as conversas de hoje, diálogos que ainda não existiram. Eu a imagino corada pelo frio e tentando aquecer as mãos antes de segurar o arco-e-flecha. Eu me imagino olhando para ela até que ela me encare de volta e sorria. Eu estava construindo o futuro no meu modo, como todo apaixonado.

Hoje o dia dela estaria dedicado apenas á mim.

Senti alguém puxando meu cobertor com força e minha pele descoberta conflitou a neve. Eu gritei quando meu calor se esvaiu em um instante e virei para encarar Katniss rindo com o cobertor nas mãos, arrastando no gelo.

- Que isso?

- Você estava tão compenetrado que eu achei que seria engraçado tirar o cobertor assim. Tá com frio?

Fechei a cara pra ela antes de pegar o cobertor de volta e rir. Ela estava mesmo corada por causa do frio, e passei o cobertor entre nós doispara aquecê-la.

- A minha parte tá molhada, troca comigo?

Foi a minha vez de dar risada.

- Doce vingança.

O dia passou tão rápido, e as nuvens brancas contrastavam com o nada. O céu era nublado e a neve cobria minhas botas, marcando meus passos. Eu e corríamos para espantar o frio antes de aceitar que era inútil caçar com aquele frio. Eu colhi algum as ervas, mas não pudemos fazer mais chá - não havia lenha seca em lugar nenhum. Eu e ela ficamos parados, olhando a floresta. Não deixei de notar que ela não soltou o arco em momento nenhum. Segurei sua mão e massageei até que ela soltasse o arco, e suavizasse os nós de seus dedos, que estavam brancos e frios.

- Sua mão tá gelada.

- Eu to com frio, porque meu amigo me ama tanto que me deixou ficar na parte molhada do cobertor. Que babaca que ele é. Tomara que eu pegue uma pneumonia e ele fique com muito peso na consciência.

- Ele é muito babaca, eu também tenho uma amiga assim. Ela faz um drama todo por nada e depois bota a culpa no primeiro que aparece, mas isso não funciona mais comigo.

Ela parou por um instante antes de responder.

- Droga. - Eu a puxei para um abraço novamente. O cobertor já estava completamente encharcado e o chá estava no fim. Recolhemos a caça que deu pra conseguir e eu a ajudei a se levantar. Estranhamente, a sua mão fria era melhor sensação que já tive. fomos caminhando longamente por todo o percurso quando ela teve uma ideia brilhante. Abaixou e pegou um punhado de neve. Todos já podem deduzir o que aconteceu pedois. O frio estava chicoteando meu rosto a cada vez que ela acertava uma bola de neve em mim, e vice-versa. Nós estávamos com gelo dos pés a cabeça e completamente arfantes quando ela levantou as mãos pela última vez, pedindo clemência. Talvez porque eu enchi minha mochila com neve e joguei tudo em cima dela.

- A gente fez um barulhão. - Disse ela, ainda limpando o excesso de lama e gelo da roupa e dos cabelos. - Mas isso foi legal.

- É. Quando eu tiver meus filhos, vou pegar eles no inverno e trazer pra cá. Ai eu, você e as crianças vamos gastar o dia todo brincando na neve. E então nós vamos para a casa da vovó Hazelle e ela vai fazer sopa.

- Eu vou ser a babá dos seus filhos?

- Não, sua lerda. Você vai ser a tia solteirona e carente. - A careta que ela fez foi hilária. Hilária o bastante para que eu voltasse a rir.

- Se eu fosse a tia deles... Você casaria com a Prim. Me diz que a Prim não é a sua nova vítima, Gale! - Disse ela, com falsa surpresa. - Eu sabia que não devia deixar você sozinho com ela. Minha mãe já sabe? - Nessa hora estávamos gargalhando. - Eu perdi muita coisa enquanto eu... - Sua voz morreu, mas nós sabiamos no que ela pensava. Nos Jogos Vorazes. De repente, cada ruído parecia uma interrupção desrespeitosa. Eu mudei de assunto na hora.

- Sabia que o Rory anda muito atencioso com a sua irmã? - Ela levantou os olhos e sorriu antes de responder:

- Então eu não vou ser a tia solteirona, VOCÊ vai ser o tio solteiro e sem-graça. - Ela imitou uma voz grossa. - E os namoradinhos, meu amor? Seu pai não fica com ciúmes?  Olha que eu conto pra ele que você namora, hein.

- E você? - Imitei uma voz feminina mal-feita enquanto falava. - Deixa ela namorar, deixa ela antes que o tempo passe e ela fique sozinha e sem ninguém, lamentando não ter encontrado ninguém para construir uma família, e blá-blá-blá. Depois disso você iria chorar escondido porque é besta e preferiu não casar nem ter filhos.

- Você que é besta.

- Você que é besta.

- Você que é.

- Não, é você porque você sabe que é isso mesmo que vai acontecer e você ainda prefere não ter filhos.

- Eu vou ter os filhos da Prim.

- E eu vou ter os filhos do Rory. Que vão ser os filhos da Prim. Então nós teremos os mesmos filhos.

- De qualquer forma, eu vou conversar com ele sobre isso, enquanto ensino ele a caçar.

- Eu já to até imaginando você, com o arco apontado na direção dele. Não mexe com a minha irmã, seu projeto de conquistador - Falei com a voz propositalmente fina. - Ela vai ser que nem eu, pura pelo resto da vida. Seu imoral aproveitador de crianças! 

Naquele instante, eu e ela ríamos sem controle, e eu parei para olhá-la. Sorri levemente antes que ela abrisse os olhos e desviei a atenção para outra coisa. Estávamos os dois em pé, caminhando silenciosamente. A cerca já se aproximava e o silêncio só martelava ainda mais a ideia na minha cabeça.

Beije-a, Gale.

Beije-a.*

O silêncio era cada vez mais desconfortável, e eu já me mexia inquieto. Meio sem jeito, quando chegamos até a cerca eu a chamei em um sussurro.

- Katniss,

Eu a prendi antes de beijá-la. Foi um beijo de tirar o fôlego, daqueles que fazem as pessoas pararem para olhar. Tão de repente. Eu precisava respirar mas eu não queria me soltar dela, era como tentar voltar para terra firme depois de pular de um abismo. Ela estava correspondendo. Como eu amei aquele beijo.

Quando eu a soltei, ela me encarou com incredulidade. Não pensei mais nada antes de sorrir e dizer:

- Eu não poderia deixar de fazer isso.

* No livro A menina que roubava livros, tem uma parte em que a consciência dela fica: Beije-o, Liesel, beije-o. Mas ela não obedece. Eu prefiro imaginar que ela fez igual o Gale e o beijou, mas que isso não apareceu no livro. Sou fã de finais felizes.


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Notas finais do capítulo

Oláá! O que acharam do primeiro beijo dos dois? Deixem comentários :33