Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada escrita por Eica


Capítulo 3
Um início fácil e outro nem tanto




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Lucas

Ele estava me perseguindo havia um mês. Eu chegava do colégio e tinha que ouvi-lo esgoelar em frente de casa. Eu sempre o via com um sorriso no rosto. “Vamos andar por aí?”, dizia ele. Nunca ninguém pegou tanto no meu pé como esse Rafael está fazendo. Parece que toda vez que saio de casa ele está por perto, me espreitando, esperando o momento certo para aparecer de repente. E na maioria das vezes isso acontece.

Hoje, sábado, me tranquei no meu quarto e fiquei jogando vídeo game, quando minha mãe apareceu dizendo que estavam me chamando no portão.

- Diga que não estou. – falei, sem tirar os olhos da TV.

- Não dá mais. Eu disse que viria te chamar.

- QUE? MÃE!

- Desculpe, Lucas, mas eu não sabia que era para te manter escondido. Ande, vá até lá. O rapaz está esperando.

- Como ele é? Não é loiro, é?

- É.

Soltei uma exclamação de agonia.

- Que foi? Não gosta dele?

- Não. – disse, me levantando do chão. – Ele é chato. Muito chato.

Saí do quarto, atravessei a casa e cheguei à garagem. Rafael estava em frente de casa. No momento, olhava para a rua.

- Que foi? – falei, grosseiramente.

Ele virou o rosto para mim e sorriu:

- Vamos dar uma volta?

- Não estou a fim.

- A galera toda vai.

- Que galera?

De repente todos os meus amigos da rua apareceram em frente do portão e se uniram a Rafael.

- Vamos, Lucas? – indagou Alessandro.

- Vocês vão todos sair? – indaguei, pasmo.

- Vamos.

Eles conhecem o Rafael??

Esta foi minha grande primeira surpresa. E não a última. Nas semanas seguintes, percebi que Rafael começou a andar com mais freqüência com meus amigos e eu nem soube como isto começou. Algumas vezes cheguei a andar com eles e observei o comportamento de Rafael. Meu ódio por ele aumentou quando percebi que estava se dando bem com todos os meus colegas. Embora ele tivesse boas piadas para contar, recusava-me a rir e a demonstrar qualquer empatia por ele.

Um dia fomos – todos os meus amigos e eu – ao trilho do trem. Rafael foi junto. Fomos a pé mesmo e caminhamos ao lado dos trilhos.

- Vamos chamar as meninas depois. – disse Junior.

Luís riu e disse:

- A Carolina está a fim do Luuucas.

Olhei-o surpreso:

- Mesmo?

- É.

- Não tinha notado.

- Fica com ela. Ela é bonita.

- Você já ficou com a irmã dela, né? – indagou Luís a Alessandro.

Não prestei muita atenção à conversa do pessoal. Eu caminhava calmamente olhando para o chão. A terra estava seca. Muito seca. Fazia calor hoje. De repente, alguém chegou atrás de mim.

- O que é preciso fazer pra você olhar pra mim?

Olhei para trás. Era Rafael.

- O que?

- Você não gosta de mim, né? Por quê?

Meus amigos ouviram sua pergunta e olharam para nós. Não encarei nenhum deles e também não respondi. Rafael passou por mim e disse antes de se afastar:

- Não sabe que isso me dói?

Não acreditei em suas palavras. Ele não parecia tão chateado com a minha antipatia. Continuamos andando até um de nós ouvir o som do trem chegando.

- Ele está longe. – disse o outro.

- É, mas pode chegar depressa. Vamos sumir daqui. – disse João.

- Puta que pariu!

- CORRE CAMBADA!

Corremos. E corremos na direção do trem, porque o único modo de sair dos trilhos era voltando para trás e subindo o barranco. Quando nos aproximávamos da subida do barranco, vimos o trem chegando. Por sorte ainda tivemos alguns minutos antes do trem passar.

- Que sorte, não? – comentou João, ofegante.

Choveu na semana seguinte. Quando cheguei em casa, depois da escola, estava todo molhado. Almocei e depois fui para a rua, onde tomei chuva com meus amigos. Entramos numa construção e fuçamos por lá. Depois nos sentamos na calçada quando a chuva passou. Dava para ouvir os trovões ao longe, sentir o cheiro de terra molhada e ver o arco-íris no horizonte.

Um dia meus amigos e eu andamos de patins pela rua. Rafael infelizmente se uniu a nós. Neste dia as garotas também estavam na rua e nos observaram andar, sempre acenando e dando risinhos. No sábado, teve festa na casa da Natália. Era seu aniversário. Ela e suas colegas começaram a dançar “É o tchan” no quintal, onde foram colocadas as mesas para os convidados. Eu e os garotos só as observamos rebolar, hehe. A festinha começou no final da tarde e se estendeu até as dez horas da noite. Quando já havíamos cantado “parabéns”, me despedi da galera e fui subindo a rua até minha casa. De repente, Rafael correu até mim e me alcançou antes que eu chegasse à esquina.

- Eu te acompanho.

Querendo ou não, ele andou comigo. Não havia como chutá-lo para longe então subimos a rua. A noite estava bastante escura. As luzes dos postes iluminavam nosso caminho. Era uma subidinha chata até a minha casa.

- Gostou do bolo? Eu gostei. – disse ele.

- Estava gostoso.

- O pessoal é divertido, não? Lembra minha família de alguma forma. Sabe, algum dia eu vou compreender.

- O que?

- Por que você não gosta de mim.

- Não se aborreça. – falei, olhando para ele. – Não é nada pessoal.

- Nossa! E eu achando que era só brincadeira sua! Então você não gosta de mim mesmo?

A cara que ele fez me fez sentir mal. Ele parou de andar e ameaçou dar-se para trás. Parei-o.

- Foi mal. – pedi.

E Rafael, com aquele mesmo olhar desapontado, disse:

- Quando eu começar a te tratar do modo como você me trata, não vai gostar.

- Já pedi desculpa.

- Tudo bem, cara. Se não quer andar comigo, não vou andar com você. E pode apostar que vai sentir minha falta quando eu virar as costas pra você.

Ele virou-se para mim e desceu a rua sem olhar pra minha cara.

Michelangelo

Encontrei-me com Leonardo no refeitório. Eu estava louco para vê-lo já que havíamos ficado no outro dia. Infelizmente Leonardo estava acompanhado de Jean e com Jean por perto eu não poderia falar-lhe algumas coisas que queria. Sentei-me com eles à mesa.

- Não está com fome? – indagou Jean.

- Não. Hoje não. – respondi.

Ambos bebiam suco e com certeza já haviam terminado de comer. Eu, ao contrário, não peguei nada no balcão do refeitório. Estava ansioso demais para comer.

- Já terminou o seu trabalho? – indagou Jean.

- Não, mas falta pouco. Estou cheio de coisas pra fazer. Em especial lá em casa. – disse Leonardo.

Olhei de um para outro. Queria perguntar a Leonardo se ele havia gostado de ficar comigo e se pretendia “algo mais”, mas eu jamais conseguiria perguntar isto na frente do Jean, por isto mesmo pensei rápido.

- Vou ao banheiro. – falei.

Antes de me levantar da mesa, passei um pedaçinho de papel para Leonardo por debaixo da mesa. Ele recebeu o papel sem dizer nada. Saí do refeitório e cheguei ao banheiro. Olhei-me no espelho. Suspirei de nervosismo e encostei-me a parede, ao lado de uma pia. Aguardei. Felizmente Leonardo apareceu um tempo depois.

- Queria falar comigo? – indagou ele, sorrindo.

- É, queria falar e perto do Jean não dava.

- E o que é?

- Bem, queria falar sobre o que rolou entre a gente.

- Ah. – exclamou, se aproximando. – Eu gostei do que rolou.

- Sério? Eu também gostei. – disfarcei um pouco a empolgação. Não queria parecer um felizão idiota. - E queria perguntar pra você se...

Só continuei a falar depois que o rapaz que entrou no banheiro, saiu:

-... Você não tem vontade de ficar comigo de novo.

Ele deu aquele seu sorriso charmoso e respondeu:

- É, seria legal.

Leonardo olhou para os lados e me puxou para uma cabine. Nos fechamos lá como da primeira vez e desta vez não o esperei aproximar-se de mim. Eu me aproximei dele e nos beijamos na boca. Era incrível como ele conseguia mexer comigo. Ter seu corpo por perto, sentir suas mãos me tocando, sua língua enrolando na minha... Era gostoso demais. Não nos agarramos feito dois desesperados. Toquei-lhe com carinho e ele também. Gostei quando ele me encurralou contra a porta. Puxei-lhe para junto de mim e continuamos a nos beijar.

Não sei quantos minutos depois, saímos da cabine quando não havia ninguém no banheiro.

- O que lhe impediu de pedir pra ficar comigo perto do Jean?

- Não sei... Fiquei com vergonha. Sei lá.

Fomos até a porta.

- Não precisa ter vergonha. O Jean é um cara legal.

- É, eu sei.

Atravessamos a porta e caminhamos pelo pátio rumo ao refeitório.

- Você tem compromisso neste final de semana?

- Não. – respondeu, virando o rosto para mim.

- Que acha da gente sair? Pra ir a um bar ou boate... Sei lá... Só pra curtir... Você e eu.

Novamente sua resposta veio acompanhada do seu sorriso charmoso:

- Tudo bem. A gente marca de sair... No sábado?

- É, pode ser.

Chegamos à mesa onde Jean estava sentado. Ele olhou para nós dois. Com certeza ele sabia o que havia rolado no banheiro, já que demoramos um tantinho para retornar. Enfim, pegamos nossas mochilas e saímos do campus. Já na calçada da avenida, ouvimos uma buzina e um cara sobre uma moto se aproximou de nós.

- Aaaah, apareceu. – comentou Leonardo.

O tal desconhecido parou a moto perto de nós. Examinei-o bem. Usava coturno, jeans com rasgos na área dos joelhos, uma camiseta do Iron Maiden, uma jaqueta de couro preta e óculos de sol. Nos dedos também havia vários anéis pratas diferentes. Seus cabelos eram muito longos e negros, as unhas estavam pintadas de preto e seu nariz era bem longo e pontudo. Seus braços estavam apoiados ao guidão. Tinha um sorriso nos lábios.

- E aê? – disse ele.

- Beleza?

Leonardo e o motoqueiro se cumprimentaram com um gesto de mão. Jean também o cumprimentou.

- Donatelo, esse é meu amigo Michelangelo. Estuda na faculdade também. Óbvio.

- Oi. – disse, olhando para o sujeito.

- Fala.

Parecia bastante alto. Tinha pernas longas.

- Você precisa arranjar um carro pra nos dar carona, sabia? – disse Leonardo.

- Verdade. – riu Jean.

- Por que fica passeando por aqui?

- Por causa das garotas. – disse Donatelo, dando um sorriso malandro. – Estão indo pra casa ou vão passar em algum lugar antes?

- Eu estou indo pra casa. – disse Jean.

- É, eu também. – disse Leonardo.

Senti-me um tanto deslocado no momento em que os três começaram a conversar e só mais tarde descobri que o tal Donatelo havia estudado na faculdade com os rapazes e que, de vez em quando, passava por lá para puxar papo e paquerar as garotas.

- Ele tem um sotaque engraçado. – comentei, dentro do ônibus junto com Leonardo e Jean.

- É italiano. – respondeu Leonardo. – Veio da Itália com sete anos, me parece. Foi batizado como Donato, maaas carinhosamente o chamamos de Donatelo.

Jean soltou um risinho.

- Oh. Donato? Ele não tem cara de Donato. – comentei, com o pensamento lá longe.

Leonardo tinha amigos muito diversificados... Falou-me um pouco sobre eles quando nos encontramos num bar gay no sábado. O tal bar chamava-se “Freedom” e, segundo Leonardo, só homens gays podiam entrar. Eu sinceramente nunca vi tanto homem gay num único lugar na minha vida. Fiquei impressionado. Enfim, Leonardo e eu nos sentamos numa mesinha para beber nossas cervejas e continuamos conversando.

- Então, eu me perguntava se era, mas ainda não tinha me “envolvido” com nenhum cara.

- Agora você tem certeza de ser bi?

- Tenho.

 Rimos.

- Você sai bastante? – indaguei, depois de um tempo.

- Bem que queria, mas com a faculdade... Procuro estudar bastante agora pra poder me divertir depois quando as responsabilidades acabarem.

- Entendo... Fala inglês fluente?

- Acredito que sim. – riu. – Olha a modéstia.

Sorri e descansei o queixo na mão. Admirei-o. Ele estava lindo com aquela camiseta um pouco agarrada e com os cabelos soltos. Lindo.

- Espero que não tenha me entendido mal depois que eu pedi pra ficar com você. Quero dizer, eu gostei de você. – disse, tentando entrar num assunto perigoso.

- Eu também gostei de você.

Nos encaramos por alguns segundos, depois, já imaginando o que fosse acontecer, aproximamos nossos rostos e nos beijamos. De início foi apenas um toque de lábios, depois a coisa ficou mais intensa. Tivemos que sentar um do lado do outro para aproveitarmos melhor os beijos. Com esta aproximação, Leonardo beijou minha orelha e depois meu pescoço, fazendo-me estremecer. Depois disso, nos beijamos nos lábios outra vez.

Ele parecia gostar e eu também. Nossa! Eu também estava gostando. Gostando muito.

O encontro foi maravilhoso! Praticamente não falamos muito depois que começamos a nos beijar. Mal dei atenção ao ambiente em que estávamos e aos rapazes ao nosso redor. Só um rapaz me interessava no momento.

Nos despedimos no terminal apenas com um aceno de mãos já que havia muita gente por perto e não dava para arriscar um beijo na boca.

- Nos vemos semana que vem. Até.

- Até. – respondi.

Demos as costas um para o outro e seguimos por caminhos diferentes. Por dentro eu estava transbordando em alegria. Só pude sorrir, pois eu não podia pular como um louco por aí.

Lucas

Segunda-feira. Merda. Fui para a escola. Na hora do intervalo, fui para o refeitório com Reinaldo e Felipe para ver o que estavam dando de comida hoje. Era pão com salsicha. Encontrei o meu colega da sexta série, Duda, na fila para pegar o pão. Cumprimentei-o ao chegar perto dele.

- Aê, deixa eu furar a fila? – murmurei.

Ele riu e me deu um espaçinho na frente dele.

- Não vai dar lugar pra gente também, Duda? – reclamaram Felipe e Reinaldo quase ao mesmo tempo.

- Não, vocês vão pro final da fila. Vão lá, cambada. – falei, abanando as mãos.

- Então pega pão pra gente, Lucas.

- Tá, eu pego.

- Vamos esperar por lá. – disse Felipe, indicando uma extremidade do enorme pátio.

- Beleza. – falei.

Ambos se afastaram.

- E aê, Du, tudo belezinha?

- Sim.

- Gostei do boné. – disse, olhando para o seu boné preto.

- Ah, não sei por quanto tempo vou poder usar. – disse, tirando o boné da cabeça e depois o colocando de volta. - Parece que vão proibir o uso de bonés na escola.

- Verdade? – falei, sinceramente surpreso. – Coisa da bruxa da diretora.

Ele riu.

A fila para o pão ultrapassava a área coberta do refeitório e não estava andando tão depressa quanto gostaríamos.

- Levei negativo por ter me esquecido que hoje era pra trazer o livro de ciências. – disse ele, não parecendo muito preocupado. – Minha professora parece uma bruxa! Sorte sua que não tem aula com a megera.

Ri. Ele prosseguiu:

- Ela entra na classe e fica aquele silêncio de morte. Não podemos mover um músculo que ela já lança aquele olhar dos infernos pra gente. Parece que está nos queimando vivos. Ela é a tiazinha do capeta. Só pode.

- Você tem uma professora chata e eu tenho um vizinho chato.

- Que vizinho?

- Ah!

Acabei falando sobre o Rafael. Disse o quanto eu não o suportava. Depois mudei de assunto e sugeri que a gente jogasse vídeo game em casa. Ele aceitou, animado:

- Tenho jogo novo. Na saída você me passa o seu endereço.

- Beleza.


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