Verdade Ou Desafio? - 9a Temporada escrita por Eica


Capítulo 1
Uma praga e um amor




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Rafael

Eu o confundi com uma garota e pelo visto ele não gostou nada nada disso. Mas o que eu podia fazer se aquele seu rostinho era mais delicado do que o da minha irmã? Mesmo depois de nosso primeiro encontro desastroso – já que eu o atropelei e lhe causei mais danos físicos do que um trator teria causado -, fiquei pensando nele sem parar. O carinha tinha rosto simpático, por isso pensei em fazer amizade com ele.

- É, vai ser divertido.

Numa quinta-feira, depois de voltar do colégio, peguei minha bicicleta e subi a rua. Na sorte, sabia onde o carinha morava, já que o vi entrando naquela casa com muitas plantas na garagem certa vez. Parei em frente do portão e gritei algumas vezes:

- Carinha! Carinha! Carinha!

Uma mulher apareceu na porta.

- Pois não?

- Oi. Queria falar com o carinha.

- Com o Lucas?

- Esse é o nome dele? Foi mal, - ri. – mas é que não sei o nome dele. Ele está?

- Já vou chamá-lo.

Esperei um pouquinho para então o carinha aparecer na garagem. Sua reação ao me ver não foi das melhores.

- Puta que pariu! Você de novo?

- Qualé. Você não me conhece ainda. Por que essa reação negativa?

- O que eu conheci já é o bastante.

- Só por que atropelei você? Foi sem querer.

Ele franziu os lábios.

- Que acha da gente andar de bicicleta? – disse, sem perder o ânimo. - Podemos andar até os trilhos do trem. Os trilhos passam aqui por perto, né?

Para a minha surpresa ele veio até o portão social sorrindo e disse:

- Não me dê uma oportunidade para te jogar em frente do trem. Seria fácil demais.

- Por que você não gosta de mim? Foi por que te confundi com uma garota?

- Eu não pareço uma garota. – disse, controlando-se.

- Nunca se viu no espelho? Você é igualzinho a uma garota.

- Não me enche.

Quando ele ia me dar as costas, me adiantei:

- Espera! Que acha de sermos amigos?

- Já tenho os meus amigos. Não preciso de um encosto. – falou, olhando-me com desprezo.

- Podemos ser amigos por uma semana. Se não gostar da minha camaradagem, é só me dispensar.

- Por que está fazendo isso?

- Isso o que?

- Por que me procurou?

- Ora, pra fazer amizade! Não conheço ninguém neste bairro.

- Há muitos carinhas que vivem por aqui. Acha um e faz amizade com ele. Por que tem que ser eu?

- Porque você parece ser gente boa.

Ele encarou o meu sorriso por um tempo. Insisti mais um pouco, dizendo que se ele não gostasse de mim, poderia me dispensar. Pois bem. Para a minha sorte, ele pegou a bike dele e pedalamos até a esquina.

- Você só anda de skate ou tem vezes que anda de bike também?

- Já não ando de bike há um tempão.

- Você se chama Lucas, né?

- É.

- Sou Rafael.

Ele me olhou como se isto não fosse importante. Mesmo assim não desanimei. Estava contentíssimo por ele ter resolvido andar comigo. Pegamos um caminho de descidas e subidas para em fim chegarmos a um grande terreno coberto por grama. Aí tivemos que descer das nossas bikes para poder caminhar até os trilhos do trem, que ficavam depois da descida íngreme do terreno.

- Esse bairro é legal. – comentei. – Muitos terrenos baldios por aí.

- Onde você morava não tinha terrenos baldios?

- Não. Vim de um bairro antigo. Só de casas velhas. A maioria não tinha garagem. O chão era de bloquetes. Um desafio para se andar de bike se houvesse um bloquete irregular.

Uma curta caminhada depois, alcançamos a beira da descida. Começamos a ladeá-la até chegarmos a um ponto baixo, onde poderíamos chegar aos trilhos. Nas ocasiões favoráveis, espiei o carinha bem discretamente. Nunca vi cabelo mais bem tratado na minha vida. Parecia cabelo de garota mesmo. Seus lábios tinham um contorno muito feminino e o nariz era bem pequeno. Tudo nele era delicado. Até sua forma de pôr as mechas de cabelo atrás da orelha era delicada.

No instante em que ele me viu o olhando, desviei o olhar e observei os trilhos. Chegamos nos trilhos e continuamos empurrando nossas bicicletas.

- Se continuarmos daqui e um trem aparecer, não teremos para onde fugir.

- É mesmo? – olhei-o.

A verdade parecia diverti-lo.

- Está vendo como o terreno levanta a partir daqui? O barranco está nos fechando dos dois lados. Não tem como subi-lo. É muito íngreme. Quer continuar em frente?

- Claro!

Um silêncio mais tarde, indaguei:

- E a sua perna?

- Está melhor.

- Puxa! Aquilo foi engraçado. – disse, rindo.

Ele olhou para mim por um tempo.

Michelangelo

Nunca pensei que entrando na faculdade eu teria tantas surpresas. Ultimamente tenho questionado minha sexualidade e tenho convivido bem com a possibilidade de ser bissexual. Até o momento não tive nenhum relacionamento sério apesar de estar à procura de alguém para iniciar meu primeiro envolvimento com o mesmo sexo. Na faculdade, porém, encontrei meu possível primeiro candidato a namorado. Vi-o pela primeira vez no refeitório do campus e sua imagem me tocou profundamente.

Jamais vi alguém tão bonito na minha vida. Na ocasião, seu longo cabelo loiro fora enrolado atrás das costas. A mão tocava levemente o queixo e os lindos olhos claros corriam sobre as páginas do livro sobre a mesa. Parecia muito concentrado na leitura. E o corpo! Que lindo corpo! Fiquei tão comovido com tal imagem que meu coração acelerou drasticamente.

Não o tirei da cabeça durante a minha primeira semana na faculdade e toda vez que ia ao curso, ansiava vê-lo. Nas poucas oportunidades em que pude apreciá-lo de longe, vi-o em companhia de um rapaz. Aborreci-me um pouco e ainda senti um tantinho de ciúme, já que aquele cara tinha amizade com o rapaz mais lindo do mundo e eu não.

Devaneios a parte, hoje acordei bem cedo como de costume. É claro. Meu curso começa logo pela manhã e é bem provável que o do rapaz lindo também comece. Iniciou-se a minha aula e eu não estava com muito saco para ela. Estava ansioso demais. Sei bem como é isto. Sei bem pelo que estou passando no momento. Acho que é amor platônico e amor platônico nos deixa bobocas deste jeito. Quando minha aula acabou, corri para o refeitório e achei o lindo sentado numa mesa. Sozinho. Comendo e lendo.

Fui pegar uma bebida e um lanche no balcão e com toda coragem e atrevimento conseguidos, me aproximei de sua mesa. Ele ergueu o rosto para mim e naquela hora pude comprovar o quanto era bonito.

- Posso me sentar aqui? Fica mais fácil usando a mesa.

- Claro.

Se ele soubesse o quanto fica bonito sorrindo...

Me sentei.

- Sua aula acabou agora a pouco?

- É. – respondi, feliz por ele ter puxado conversa. – Faço publicidade e propaganda.

- Legal.

- E você?

- Letras. Quero ser professor. Clichê isso, né? Mas é verdade.

- Não, não acho clichê. Ah, me chamo Michelangelo.

- Leonardo.

- Eu entrei aqui há poucos dias. Comecei há pouco tempo. E você?

- Ainda me falta mais um ano de estudo.

Súbito, um rapaz apareceu e para meu azar sentou conosco. Olhou-me com curiosidade. Aparentemente estranhou-me sentado ali. Leonardo me apresentou a ele. Este rapaz, que eu já vira andando com Leonardo, era Jean, seu amigo. Estudava ali também, óbvio. Durante nossa conversa no refeitório, pude notar que pareciam bons amigos. Irritante, claro. Para mim foi. Nós três, depois de comer, fomos ao ponto de ônibus. Um ônibus chegou quinze minutos depois e subimos nele. Tivemos que ficar de pé, já que não havia assentos disponíveis.

Gostei por Leonardo ter ficado bem pertinho de mim. Com a graça de Deus senti seu perfume extremamente masculino e sedutor e me derreti todo, caindo de amores por ele como um idiota.

Sedutor? Que palavra tola!

Mas era incrível o quanto ele me atraia. Seu sorriso era lindo, seu olhar, sua maneira de gesticular... Se eu tiver que me envolver com um cara, ele tem que ser o primeiro.

- Tem estudado muito? – indagou-me Jean.

- Um pouco até.

- Você não é muito novo para já estar na faculdade?

- É que terminei o colégio com dezessete e meus pais estão pagando o curso.

- Ah.

Senti-me como um “filhinho de papai” agora. Sério. Aparentemente Jean e Leonardo deram duro para estar na faculdade e eu, bem, só precisei do cartão de crédito do meu pai.

- Deve ser inteligente. – comentou Leonardo, olhando para mim com um sorriso.

Logo o mal estar passou e eu lhe sorri de volta.

- Meu primo tem um jogo novo. Quer dar um pulo lá na casa da minha tia? – disse Jean.

- Vamos sim. – respondeu Leonardo.

Mais tarde, chegamos ao terminal e Leonardo e Jean foram para um lado e eu fui para outro. Despedi-me feliz, afinal, Leonardo disse-me um “até amanhã” que me deixou com esperanças.

Rafael

Cheguei da escola com medo de anunciar para minha mãe, pela milionésima vez, que tomei advertência. Eu parecia colecionar advertências, e também suspensões. Ah, e também notas vermelhas. Era sorte minha que eu ainda não repetira nenhum ano. Acho que meu anjo da guarda – se é que o serviço dele é esse – tem trabalhado bem.

Larguei minha mochila no meu quarto, tomei banho e fui almoçar. Mais tarde saí com Fabinho pelo bairro. Nós dois montados em nossas bicicletas a desafiar a morte pelas ruas.

- Quando vai contar pra mãe?

- Ela não precisa saber. Acho que vou contar quando o ano acabar. – ri.

- Se você repetir, ela vai ter um treco.

- Eu não vou repetir porque Deus me ama. Oh, vamos lá pra cima. Quero ver se ele já está em casa.

- Quem?

- O carinha que eu atropelei.

- Ele mora pra lá?

- É.

Pedalamos com esforço subindo a rua. Fabinho não agüentou muito e desceu da bike. Chegamos em frente da casa do carinha.

- Acho que já deve estar em casa. Ele disse que estuda de manhã. Se bem que, do jeito que me odeia, deve ter mentido pra mim. Em todo caso... LUCAS!

Na segunda chamada ele apareceu.

- Vamos andar de bike?

- Estou almoçando.

- Depois que você almoçar, vai querer andar de bike?

- Tenho que estudar.

- Você está dando desculpa ou realmente tem que estudar?

- Tenho trabalho pra fazer que ainda não terminei.

- E amanhã? Vai ter tempo pra andar de bike?

- Com você? – disse, apontando-me o dedo.

- Qualé! Com quem mais seria? Aproveita que a sua hostilidade ainda não me repeliu.

- Por que acha que estou sendo hostil?

Fabinho riu.

Fingi irritabilidade e disse antes de me afastar:

- Um dia vai precisar de mim, e quando precisar vou virar as costas pra você e você vai ter que beijar minha bunda! Vamos, Fabinho!

Michelangelo

Iniciar minha amizade com Leonardo foi ótimo, o ruim é que Jean também ficava conosco no refeitório e isso estava atrasando demais os meus planos. Primeiro eu precisava descobrir se Leonardo era bi ou gay, depois precisava descobrir se estava solteiro. Depois se tinha interesse em alguém. E, se não tivesse, eu poderia pedir pra ficar com ele. Infelizmente, durante nossos papos depois da aula, só conversávamos sobre estudos, filmes, livros e outros assuntos que não nossa vida particular.

Um dia, porém, algo surpreendente aconteceu. Enquanto tomávamos refrigerantes sentados no chão do pátio, bem próximos do refeitório, dois rapazes apareceram. Um deles disse:

- Você é o Leonardo?

- Sou.

- Meu amigo quer saber se você não tem interesse em ficar com ele.

Dos rapazes, olhei de soslaio para Leonardo, totalmente boquiaberto. Ele, dando seu sorriso magnífico, acenou afirmativamente. Levantou-se do chão e disse:

- Qual o seu nome?

Aquele que queria ficar com ele, respondeu:

- Rodnei.

Leonardo olhou para mim e para Jean e disse que dali há pouco tempo voltaria e desapareceu junto com os rapazes. Fiquei totalmente confuso e surpreso pela facilidade com que as coisas aconteceram.

- Jean, o Leonardo é...

- É. – respondeu, sem demonstrar emoção. – É sempre assim. Sempre tem alguém que vem e pede pra ficar com ele. Ele é bonito e tem ótima personalidade. Por isso é tão procurado.

- Pra onde eles foram?

- Ao banheiro.

Eu quis perguntar o que aconteceria no banheiro, mas minha própria mente poluída respondeu por mim.

- Você não tem preconceito, tem?

- Que? Não, não tenho. Até porque eu... Bem, gosto de rapazes também.

- Sério? – exclamou.

- Mas ainda estou me descobrindo, sabe...

Ele soltou um riso e disse:

- Se você soubesse quantos caras se descobriram no banheiro com o Leonardo... Iria se surpreender.

Dois dias mais tarde, depois da minha aula, ao invés de procurar Leonardo no refeitório, fui para o banheiro. Vi-me descabelado, por isso tirei meu pente da mochila e me penteei. Depois joguei um pouco de água no rosto.

- Ah! Você está aí.

Levantei o rosto e olhei para o lado. Leonardo acabara de entrar.

- Achei que hoje não tivesse vindo. – disse ele, se aproximando.

Por que ele pensou isso? Deixa pra lá.

- Já está indo pro refeitório?

- Já.

Sequei meu rosto, recolhi minha mochila do chão, jogando-a sobre as costas, mas antes de sair do banheiro, voltei atrás.

- Aquele cara com quem você ficou no outro dia... Não está namorando ele, está?

Leonardo virou o rosto para mim.

- Não.

Meu estômago estava me dando nos nervos.

- Você ficou com ele só aquela vez?

- É.

Ele permaneceu parado em frente de mim, me observando, com as mãos nos bolsos do jeans e um sorriso nos lábios. Difícil de encará-lo. E, embora a situação me deixasse ao extremo do nervosismo, me arrisquei e disse:

- Você teria interesse em ficar comigo?

Leonardo demonstrou sua surpresa erguendo as sobrancelhas e entreabrindo os lábios.

- Você quer ficar comigo? – indagou.

- É... Se você quiser.

Como eu era branco, na certa meu rosto corado ficou bem visível naquele momento.

- Bem, não acha que nossa amizade pode mudar depois que ficarmos?

Senti duas felicidades: a primeira por ele já me considerá-lo seu amigo. E outra por ele não me ter dado o fora.

- Eu não sei, quero dizer, por mim podemos ficar e continuar nos falando numa boa. – respondi, ansioso.

Ele deu aquele seu sorriso bonito e respondeu que tudo bem.

- Então...

- Aqui podemos ser vistos. – murmurou, e me puxou para uma cabine.

Nos fechamos lá dentro. Encostei-me na parede, ansioso pelo que ele poderia fazer. Depois que ele trancou a porta da cabine, olhou-me e se aproximou.

- Jean me disse que você está na fase da descoberta. – sorriu ele.

- É, verdade. – (Jean dedo duro).

- Espero não estragar tudo.

Ele veio vindo e veio vindo até nossos lábios se encostarem. Desta proximidade, eu conseguia sentir seu perfume com mais intensidade, o que fez a situação ser ainda mais excitante e memorável. Ele beijava bem. Tinha uma presença incrível e precisei acompanhá-lo para não parecer um idiota inexperiente. Beijou-me com tanta paixão e força que até estremeci. Quando o beijo acabou, não olhei diretamente para ele. Recuperei minha respiração e tentei afastar a excitação que eu senti com aquele beijo tão intenso.

Quando finalmente o encarei, só pude sorrir.

- Você...

- Mais uma vez?

Puxei-o pela camiseta e o beijei. Desta vez participei mais da “ação”. Abracei-o pela cintura e ficamos colados por um bom tempo, só aos beijos.

Acho que a faculdade não será tão monótona, afinal!


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