Fate escrita por Dead Fate


Capítulo 1
Goodbye.


Notas iniciais do capítulo

Estava pensando sobre a vida e escrevi essa one-shot!!
Espero que gostem...



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Ela se vestiu: calça skinny branca, sneakers pretos, camiseta da mesma cor e um moletom forrado da cor da neve que caía lá fora. Era pouco para o frio que fazia, mas não teria que andar muito para chegar ao seu destino.

Na mochila surrada e coberta por broches de bandas de rock pesado, ela colocou tudo o que precisaria: uma máquina de escrever, folhas em branco, uma ampulheta, tesoura, uma garrafa de whisky, isqueiro, cigarros, foto, remédios.

Deu uma última tragada no cigarro que segurava e o apagou no cinzeiro ao seu lado. Fechou as janelas, saiu do quarto e desceu as escadas do duplex em que morava em direção à porta da frente. No caminho, pegou um molho de duas chaves que estavam sobre uma mesa e seu iPod. Deu uma boa olhada no lugar antes de sair. Não se importou em trancar a porta.

Foi para a garagem do condomínio e então, até o seu carro. Há alguns anos ele teria saído caro para ela, mas hoje não passava de mais uma realização, de mais uma prova de que ela estava pronta.

De dentro dele, tirou um lenço preto, que amarrou em volta da cabeça, na altura do nariz, fazendo-o cobrir parte de seu rosto e pescoço. Pegou também um par de óculos escuros, que vestiu, embora o sol passasse longe de New York naquela época do ano e, em especial, naquele dia.

Trancou a porta do Audi, mas porque ele mesmo o faria dali a dez minutos se fosse deixado aberto. Destacou sua chave da outra e a pôs sobre o pneu do carro. Vestiu seu capuz e saiu do edifício, pondo-se a andar, aparentemente, para lugar algum.



Mas vamos agora nos desviar dessa história e descobrir por que uma mulher jovem e bem-sucedida estava agindo de forma tão estranha naquela manhã e o que pretendia fazer. Em outras palavras: deixe-me te levar ao passado, para que possa entender o futuro, deixe-me te colocar a par de tudo.


...

Ela tinha apenas quinze anos quando entrou para a aula de teatro, não porque queria, mas por ter sido obrigada pelos pais, que a achavam muito tímida, isolada, antissocial. Além disso, temiam a influência que o tipo de música que ela passara a ouvir há um ano, rock, pudesse ter em sua vida, visto que havia mudado sua forma de se vestir e maquiar (não a de agir), mas pergunte se eles sabiam diferenciá-las. É claro que não. O que eles queriam mesmo era transformar sua filha “problemática” em uma adolescente “normal”, que pudessem exibir nas ruas e nos jantares finos com os amigos tão ricos quanto eles. Besteira, na opinião dela. E na minha também.

Ela tinha plena consciência de como os pais a viam e do que pretendiam com tudo aquilo, mas não ligava. Se fosse seu destino mudar, isso aconteceria de uma forma ou de outra, não importando se ela gostasse ou não. Mas ela não mudou.

E não acredite quando eu disser que ela se surpreendeu ao descobrir que gostava daquilo (embora odiasse aparecer), as palavras podem ser enganosas. A verdade é que ela se sentiu como se tudo o que conheceu até aquele instante fosse mínimo frente àquele universo de possibilidades. E durante o curto curso de dois anos, não foi uma ficha o que caiu pra ela, seria mais justo dizer que foi um arquivo inteiro.

Aos 17 anos ela se tornou uma adolescente propriamente dita. Não digo fisicamente, isso ela já era, mas mentalmente. Pois foi com essa idade que as confusões tomaram a sua cabeça.

Era hora de escolher uma carreira, e o que antes parecia certo agora era incerteza. Não sabia mais se queria mesmo ser atriz, como imaginava, mas sabia que queria trabalhar com cinema, fosse dirigindo, produzindo, ou atuando. Pelo menos ela tinha uma direção a seguir.

A questão da sexualidade estava também abalada. Sabia que gostava de garotos, mas achava que tinha interesse em garotas também. Isso porque à noite, quando estava sozinha em seu quarto, não eram apenas figuras masculinas que quando vinham à sua mente a deixavam excitada. Porém ela não tinha como comprovar a sua tese, era insegura demais para isso.

E isso nos leva à pior de todas as questões, àquela que aterroriza todas as garotas nessa idade: o amor. Em toda a sua vida tivera apenas um amigo, o melhor amigo. Agora, não sabia se estava ou não apaixonada por ele. Tinha medo. Medo de amá-lo e que isso pudesse estragar a sua amizade, medo de que ele a amasse e ela estivesse errada sobre os seus sentimentos, medo de que tudo acabasse graças a um sentimento tão estúpido e ordinário.

Mas o jeito como o seu corpo reagia ao vê-lo é algo que ela nunca iria esquecer: as palmas de suas mãos suavam, o coração aumentava a velocidade de sua batida, a garganta secava, o estômago embrulhava, a mente esvaziava. Lembrava-se também da sua imagem, uma foto antiga e corroída não permitiam que esquecesse. Ele era alto, magricela, tinha os cabelos pretos e bagunçados jogados sobre a testa e que cobria um de seus marcantes olhos azuis, tinha um piercing no canto direito de seu lábio inferior e outro no lado esquerdo de seu nariz, alargadores trespassavam suas orelhas, e ele estava sempre, sempre de preto, com camisetas de bandas de rock.

Mas o destino foi cruel. Ela tinha dezoito anos quando ele se matou. No dia anterior à sua morte, ele havia escrito uma carta endereçada a ela, na qual se desculpava pelo que havia feito e se declarava; uma carta que ela guardava embaixo de seu travesseiro e que a havia feito perceber que o amor que ele dizia sentir era recíproco.

Nas semanas que sucederam o pior dia de toda a sua vida, ela pensou em seguir o exemplo do amigo e em se juntar a ele na outra vida. Mas não era isso o que ele queria. Ele, antes de qualquer outra pessoa, era quem mais havia apoiado suas escolhas e insistido que ela continuasse fazendo o que gostava e fazia formidavelmente bem: atuando. Por isso, naquele momento, ela fez uma prospectiva de sua vida. Que se cumpriu até nos mínimos detalhes.

Ainda aos dezoito, entrou para a faculdade de cinema da Califórnia, podendo assim finalmente sair da casa dos seus pais (que como sempre reprovaram a sua escolha) em New York e se mudar para sob o calor de Los Angeles. Nunca mais falou com ninguém da sua família.

Com dezenove anos, pode tirar a dúvida que assombrava sua mente há dois anos e descobriu que era bissexual. Atuou em seu primeiro filme aos vinte e um, fazendo o papel de uma filha mimada, exatamente o seu oposto. Com o dinheiro que ganhou, pode libertar-se completamente dos pais. Alugou um apartamento pequeno na cidade e pagou o resto da faculdade com ele. 

Sua promissora carreira como atriz teve fim cedo, quando ela tinha apenas 28 anos e dirigiu seu primeiro filme. Ele tinha um estilo meio dark, lembrando em alguns aspectos os de Tim Burton, seu maior ídolo e influência. Depois disso, largou de vez a atuação e se tornou diretora.

É claro que, mesmo passado tantos anos, seu gosto musical e personalidade não haviam mudado em nada, o que quer dizer que em seu iPod o Rock e o Heavy Metal eram soberanos e em seus armário as roupas pretas e a maquiagem pesada.

Ainda aos vinte e oito, aproveitou o fato de que sua aparência já não mais importava, pois não trabalhava mais na frente das câmeras, e fez dois piercings nas laterais do lábio inferior e alargadores nos lóbulos das orelhas. Durante aquele ano e o seguinte, completou a mudança de visual cortando curto o seu cabelo, mas de uma forma que ela permanecia feminina, e fazendo três tatuagens: um par de asas de anjo abertas que partiam das suas costas e invadiam seus braços, uma chama azul na nuca e, no pulso de seu braço esquerdo, uma bala semelhante à que havia invadido o cérebro de seu amigo.

Desde os vinte e um, sua qualidade se vida havia melhorado. Com seu segundo trabalho, pode comprar uma casa grande, próxima do centro a cidade. Com o terceiro, um carro de preço médio. Agora, aos trinta e três anos, ela mantinha a casa em Los Angeles e comprara um apartamento duplo em New York, pois não gostava de calor, então preferia ficar lá sempre que não estivava trabalhando. Trocara seu carro por um outro um pouco mais caro e agora já tinha um Audi R8, que atendia a todas as suas necessidades quando seu corpo pedia por um pouco de adrenalina. Já havia viajado por todo o mundo, a trabalho ou não, e conhecia quase toda a Europa, América Latina, Oceania e parte da Ásia.

A única coisa que nunca, em toda a sua vida, teve foi um namorado. Por quê? Porque era a última coisa que ela queria. Tinha medo do amor, pavor de ser amada e, gostasse de admitir ou não, não conseguira esquecer seu melhor amigo. Além disso, seu maior foco sempre foi seu trabalho.

Para completar, seu último filme havia sido premiado com seis Oscars, um deles o de melhor direção. Estava cumprido. Ela estava satisfeita e já havia passado da hora de terminar. Seu anjo, estivesse onde estivesse, devia estar orgulhoso.

...

Pronto. Explicado tudo isso, acredito que você já tenha descoberto o que ela pretende. Se não, deixarei a história fluir, sem mais explicações (isso mesmo!) e permitirei que você entenda com o tempo...



Dez quarteirões a separavam do apartamento que havia comprado no nome de outra pessoa. Caminhou lentamente até lá, não tinha hora para chegar, não tinha pressa. Ouvia uma lista de músicas já conhecida, criada há tempos por ela e da qual nenhuma música havia saído, embora outras houvessem entrado conforme ela as conhecera. Todas tratavam de um tema em comum: morte.

A neve que caía há dias já estava na altura dos joelhos, os carros passavam apressados na rua ao seu lado. Pensava no empresário que marcara de encontrar no dia seguinte em sua casa. O imaginou tocando a campainha, entrando no apartamento destrancado e descobrindo que ela não estava lá, ligando para seu celular fora de área. Pensou nos noticiários anunciando seu sumiço, nas manchetes que usariam, com certeza maldosas, mas de forma mais sublime (ela não era figura muito querida pela mídia preconceituosa, que condenava seu estilo, embora tivesse uma fama surpreendente por seus trabalhos), e nas que usariam depois que fosse encontrada, desta vez a atacando, ao seu jeito de ser, afirmando que era um mal exemplo. Ela pensava em todas essas situações e ria. Quis poder assistir a todas elas.

Chegou. Encarou a câmera que a vigiava na entrada do prédio por detrás dos óculos, subiu até o sétimo andar e destrancou a porta, para trancá-la logo depois, por dentro do apartamento. Pôs seu iPod para tocar numa caixa de som que havia na sala, foi até a cama do apartamento e lá esvaziou sua mochila. Pegou a foto, a pôs à sua frente na cama e ficou encarando o garoto que estava nela, agarrado a uma menina baixa, morena, branquela e tão magra quanto ele, os dois sorriam para a câmera com uma alegria contagiante. Ela se lembrava daquele dia, o mais feliz em toda a sua vida. Uma lágrima escorreu por seu rosto, tocando os seus lábios. Ela sorria.

Uma mão segurou a sua. Ela olhou para o lado e viu o menino da foto sentado na cama, sorrindo para ela, que afastou a franja de seu rosto e encarou seus olhos azuis. Depois, colocou a máquina de escrever sobre suas pernas cruzadas, pegou uma folha de papel, a pôs na máquina, e escreveu:

Agora eu estou pronta

Para cumprir o meu destino.

Fiz tudo o que tinha que fazer,

Deixei meu anjo orgulhoso

E já posso me juntar a ele.

Aqui não me resta nada.

Não vou sentir saudades,

Tive quinze anos para me despedir.

E que não sintam minha falta

Não sentirei de vocês.

E não me venha dizer que não tenho coração

Pois disso eu sei,

Ele me foi tirado e levado há tempos.

Tive medo de ser amada

E não me arrependo disso.

Não me arrependo de nada.

Ela se levantou da cama, acendeu um cigarro, pegou a folha e a levou para uma mesa ao lado da porta de entrada. Colocou-a lá, junto dela, a foto e a ampulheta. Voltou ao quarto, mas dessa vez precisava da tesoura. Com ela, cortou todas as linhas de telefone que havia na casa. Depois, jogou seu celular na privada e deu a descarga. Com o isqueiro, queimou as folhas em branco que restaram. As cinzas, a máquina de escrever e a tesoura foram jogadas na lata de lixo, do lado de fora do apartamento e a chave, depois de cumprir sua função e trancá-la dentro do apartamento, da janela, caindo sobre a neve. Apagou seu cigarro e o jogou no lixo da cozinha, junto com o isqueiro.

Voltou para o quarto. Fechou a sua porta, jogou a mochila que estava sobre a cama no chão e se voltou para o garoto que a observava ainda sentado. O sorriso voltou à face dos dois. Um sorriso diferente do da foto, emocionado e feliz.

Ela não tinha medo da morte, estava acostumada a pensar nela como algo que se aproxima, de braços abertos, para livrá-la daquele mundo que ela desprezava. A única morte que um dia temera era a da única pessoa que ela amou em toda a sua vida, que tinha se matado 15 anos atrás, se tornado seu anjo protetor e fiel companheiro, que estava sentado ao seu lado na cama, segurando a sua mão, e para junto do qual ela iria agora.

Fez então o que lhe restava: pegou o Whisky e despejou num copo com gelo que havia pego na cozinha. Abriu as caixas de comprimido que trouxe e os tirou das cartelas. Tomou todos, usou a bebida, que descia queimando tudo o que tocava, para ajuda-la a engolir.

Deitou-se, ao seu lado, seu anjo a encarava. Ficaram se olhando, felizes, até os remédios e a bebida lhe tirarem a consciência e, logo depois, a vida.

E então, depois de 15 anos de espera, ela pode amar e se deixar ser amada.

JUNTOS.



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