Céu escrita por Liminne


Capítulo 8
Capítulo 8 – Nada mais que a verdade [1]




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Estava levantando da cama, no horário certo para que pudesse preparar o café-da-manhã e se arrumar para a faculdade. A janela estava fechada, mas podia sentir que a manhã estava um tanto fria. Olhou para a cama ao lado, Momo franzia o cenho, parecia estar lentamente despertando, esticando um pouco as pernas, abraçada dessa vez além do coelhinho de óculos, com um ursinho segurando flores de pêssego.
E de repente, antes que pudesse olhar para a outra cama, percebeu um aroma se alastrando por todo o apartamento. Era um aroma bem doce com um fundinho de queimado. Fungou e franziu as sobrancelhas enquanto os pés tocavam o chão frio. Olhou para o lado. A cama estava milagrosamente arrumada.
Foi andando então devagar, desconfiada, contendo um bocejo pelo corredor minúsculo que levava do quarto até a cozinha. Espichou o pescoço primeiro para espiar com cuidado o que poderia estar acontecendo ali. Já não tinha tido surpresas o suficiente ao longo da semana passada?
- Booom diaaaa ~! – cantarolou a loira correndo de imediato para a direção do corredor com um sorriso gigante assim que ouviu passos. O avental quadriculado azul e branco tinha ganhado mais algumas cores e texturas meladas. Havia manchas de farinha nos cantos das suas bochechas e no topo de seu nariz. Os cabelos loiros desciam ainda molhados por debaixo do lenço que tinha amarrado na cabeça. E nas mãos reluzia o mais importante, sua maior vitória: panquecas encharcadas de cobertura com, era possível notar, os fundos escuros tostados. – Quem quer panquecas?
Rukia não conseguiu captar de imediato todo aquele feito. Não sabia se não tinha despertado ainda totalmente ou se de fato, era demais para que acreditasse. Ficou alguns segundos olhando para a peituda sorridente ostentando aquele prato bem debaixo do seu nariz até acordar. E então abriu o primeiro sorriso do dia.
- Bom dia. – disse enfim. – Eu quero, parecem ótimas!

- Maravilha! – Rangiku colocou finalmente o prato em cima da mesa. – Pode se servir, Rukia-chan! Vou chamar a Momo!
- Não precisa, já estou aqui. – a garotinha apareceu esfregando os olhos.
- Oh, que beleza! – Rangiku exclamou toda feliz. – Então sente-se, venha comer! Fui euzinha que fiz!
- Humm... – a garotinha fez sentando-se diante do prato com uma expressão implacável. – Vamos ver se isso dá pra comer.
O sorriso da loira murchou imediatamente. Olhou ressentida para Rukia que rapidamente olhou de volta murmurando quase sem som para que tivesse paciência.
Viram quando a garota cortou um pedaço e o levou à boca. Mastigou normalmente nos primeiros dois segundos, mas logo em seguida começou uma série de caretas.
- Isso está com gosto de queimado! – decretou enfim quando conseguiu engolir.
- Q-queimado? – Rangiku virou seu pedaço no prato e constatou que, de fato, havia passado um pouco do ponto. – Ah... É mesmo... Eu só...
- Tá horrível. – Momo empurrou o prato. – Não vou comer isso!
A loira franziu as sobrancelhas e abriu a boca indignada. Mas antes que pudesse proferir qualquer palavra, Rukia interveio.
- Certo,certo. Eu vou fazer outra coisa para você comer então. – e levantou-se lançando diretamente a peituda um olhar mudo cheio de palavras. Palavras que a fizeram calar.

****

Chegou à sala de aula cedo como sempre. Sentou-se no canto. Procurou com os olhos e lá estava ela. Sentada mais para frente, com seu caderno aberto, a mão direita mexendo num ritmo frenético. Lembrou-se de que sempre ficava imaginando que aquela garota devia ter um motor implantado na mão. Como escrevia rápido!
Ela parou. Segurou firme a caneta distanciando-a do papel. Mexeu a cabeça e os cabelos loiros balançaram graciosamente. Tirou uma mecha do rosto e ficou analisando-a, como se pudesse conseguir a inspiração que lhe faltava a partir daqueles fios.
Desviou os olhos. Não devia mais continuar chegando cedo... Aquilo só o fazia lembrar-se de toda aquela estupidez... E formar um embrulho incômodo no estômago.

Apoiou o queixo na mão e tocou o bracelete com a outra. Lembrou-se subitamente do rosto de Rukia... Nunca na sua vida tinha visto olhos tão grandes e tão azuis quanto os dela... Quando dançaram havia tido a oportunidade de olhá-la bem de perto... E, estranhamente, não conseguia esquecer nenhum detalhe daquele rosto. A pele tão branca e pura que parecia ter sido cuidadosamente desenhada, moldada, pintada... As pequenas e finas sobrancelhas pretas combinando com a mecha de cabelo que lhe caía pelo meio da face... Era um imenso contraste. A boca era minúscula, assim como o nariz. Mas era tão estranho... Parecia estar permanentemente imóvel. Tão séria. Raramente se curvava. Sabia que não podia cobrar nada de ninguém, era tão raro que sorrisse. Mas ela... Só de olhar de perto aquele rosto podia sentir uma camada de gelo, de frieza... Talvez fosse o excesso de confiança, de força, de ceticismo... Ou quem sabe, alguma tristeza oculta? Se ela sorrisse... Esse ar tão pessimista mudaria? Esse gelo derreteria? E no que estava pensando afinal!?
Balançou a cabeça tentando se livrar daqueles devaneios idiotas. Por que é que só conseguia pensar no que não o levaria a lugar algum?
Abriu então um livro e começou a ler. Como ela mesma disse, os dois iam trabalhar juntos, iam honrar o destino pelo motivo pelo qual os colocou juntos.
Mas e se ela sorrisse...? Por um simples momento...?

****

Esperava impacientemente a menina sair do banho. Sentada junto à mesa da cozinha, tamborilava os dedos no móvel no ritmo de uma música conhecida. Até que ela apareceu, cabelos molhados e blusa listrada de mangas compridas. Enrugou as sobrancelhas ao ver a prima ali.
- Pensei que ia para a faculdade... – comentou baixinho já quase dando meia volta em direção ao quarto novamente.
- Não! – exclamou com a voz aguda demais. Achou até que Momo percebeu a ponta de desespero que emitiu, pois esta parou em seu caminho. – Sabe Momo... Eu separei umas revistas pra gente fazer uns testes...

Tem um tempão que não fazemos isso juntas, não é mesmo? – assentiu para a pilha ao seu lado com um sorrisinho nervoso.
- É mesmo... – disse com os olhos vagos, parecendo pensativa. – Tanto tempo que acho que não gosto mais... Acho que vou ficar lendo lá no quarto. – tentou escapar novamente.
O coração da loira apertou. Estava sendo mais difícil do que pensou ganhar o perdão de sua priminha que costumava ser facilmente persuadida... Talvez porque ela tivesse experimentado o que era ser cuidada de verdade e agora soubesse que podia reivindicar seus direitos. Ou talvez tivesse passado realmente dos limites a ponto de formar um rancor naquele coraçãozinho de apenas doze anos.
Viu que ela já havia sumido pelo corredor. Mas não queria desistir.
Ela estava certa. Merecia mais do que ela havia lhe dado. Talvez por ter sido tão egoísta a todo o tempo estivesse sofrendo tanto naquele momento... Queria consertar. Queria merecer... Queria de verdade vê-la sorrir.
- Oh, mas que matéria interessante! – falou bem alto, naquele seu tom cantarolante, para que a garota pudesse ouvir de onde estivesse. – “Como conquistar um cara mais velho”... Muuito interessante...
A garotinha então parou onde estava e foi voltando rapidamente para a cozinha. Quando deu por si, já estava sentada na cadeira à frente da prima, se inclinando sobre a mesa.
- Deixa eu ver essa matéria, prima! – pediu já com os olhos brilhantes.
E a peituda sorriu. Ainda tinha a vantagem de conhecer bem aquela pecinha.

*****


O tempo passou rápido, já era a hora do intervalo. A mesa da baixinha de cabelos pretos estava toda atulhada de livros e cadernos. Tanto a mesa quanto seu colo, aliás. Lia um texto aqui, copiava um tópico ali... Se quisesse realmente alcançar seu objetivo não podia deixar passar nenhum diazinho sequer de matérias perdidas.
- Desculpe Rukia... – Mai foi dizendo, de pé de frente para a carteira da pequena, do alto de seus saltos, torcendo os lábios desculposamente. – Eu queria poder ter feito tudo pra você...

Mas sabe como fica complicado, não é?
- Ah, não! Absolutamente! – Rukia sacudiu levemente a cabeça sem encará-la, absorta no que havia entre a caneta, que mexia o mais rápido que podia, e a folha do caderno. – Você fez mais que o bastante, eu nem tenho como agradecer!
- Que é isso! Sabe que se precisar estaremos aí. – sorriu mesmo sem que notasse. – Espero que termine isso rápido. Nós vamos almoçar. - fez um pequeno sinal com a cabeça para Fuu e as duas saíram estalando os saltos para fora da sala.
- Obrigada. – disse ainda antes que fossem de vez.
Ficou um bom tempo ali naquela solidão e silêncio profundos, concentrada no que lia e escrevia no que fazia. Mas por algum momento, sua mente parou um pouquinho e perguntou-a por que não tinha ido falar nem um oi para sua suposta alma gêmea. Tratou de responder-lhe que ele também não tinha lhe dirigido a palavra. Tentou não pensar naquele momento em que seus olhos se cruzaram e, por um ou dois minutos pareciam num impasse, num quase feito, até que tivessem suas atenções desviadas para um idiota qualquer que derrubou alguma coisa no chão provocando um barulho estrondoso.
Bateu com a ponta da caneta na testa. Não tinha que ficar pensando nessas coisas num momento como aqueles. Era por isso que estava tão atrasada!
Mas de repente, uma força bem maior que seus pensamentos evasivos resolveu se fazer presente e tirar de vez sua concentração. E também o silêncio do ambiente: seu estômago.
- Er... Acho que não dá pra continuar estudando com fome... – e, contrariada, levantou-se, pegou alguns livros e cadernos e foi andando em direção ao corredor.

****


Tinham acabado de comer uma pizza. Não tinha jeito, os dotes culinários de Rangiku continuavam... Ausentes.
Agora estavam conversando sobre celebridades quando o celular da loira começou a tocar.
- Alô! – imediatamente colou o aparelho no ouvido, sem mesmo verificar o número que chamava e saiu de perto de Momo. A garotinha até se assustou.

- Um mês... – a voz do outro lado da linha disse. – Mais ou menos um mês...
O coração sacudiu dentro do peito. O ar de repente pareceu escasso. Os olhos cresciam vertiginosamente e teve que se segurar no que estivesse mais próximo para que não fosse traída pelos joelhos e caísse no chão.
- Deus! – ofegou sentindo cócegas nos cílios inferiores por causa das lágrimas que começavam a brotar. – Um mês!
Ouviu a respiração dele. Tranqüila, como se estivesse apenas passando um trote, como se realmente não se importasse. Como se de repente fosse irromper numa voz alegre e dizer “brincadeirinha” e depois começar a rir deixando-a louca. Mas o silêncio continuou. E a voz alegre não apareceu.
- Gin... Por favor, Gin! Diz que tem algum jeito! – suplicou com a voz trêmula.
Ele suspirou. Quase podia ver o seu sorriso dali mesmo.
- Eu sinto muito...
- Gin! Gin! – apertou com força o celular junto ao ouvido, quase gritando. – Por favor, Gin! Você precisa dar um jeito! Gin, eu...
Ouviu o clique do outro lado e o barulhinho irritante de quando uma ligação é encerrada.
- O que houve prima? – Momo apareceu atrás da loira com os olhos grandes de preocupação.
- Não... Não houve nada... – passou a mão no rosto ainda de costas para ela a fim de secar as lágrimas. Em seguida virou-se com um sorriso forçado. – Era só um ficante chato...
- Ah... – a menina abriu a boca fazendo cara de credulidade. Mas na verdade, imaginava do que se tratava. – Bem... Nesse caso... Vamos voltar pra sala e jogar as caixas de pizza fora antes que a Rukia-chan volte e perceba!
- É. – puxou mais o sorriso. – Vamos fazer isso. – e foi seguindo a prima, convencendo-se mentalmente de que um mês era o suficiente para darem um jeito em tudo.

****


Na metade de seu almoço, ainda estava tentando conciliar comer com escrever. Mas percebeu que o que mais a afetava era o barulho. Tanta gente falando, rindo, andando, correndo, esbarrando em sua mesa ou lhe perguntando algo a todo o tempo a estava deixando louca.

Resolveu voltar então para a sala e tentar continuar lá. Pelo menos haveria silêncio.
Nas escadas, tentava subir com seus livros, cadernos e almoço, tudo na bandeja que já se desequilibrava para um lado. Seus braços finos e frágeis já doíam e estava percebendo que os joelhos não iam agüentar mais. Um livro escorregou para o chão.
- Droga! – praguejou entre dentes pensando em como faria para pegar o dito cujo no chão.
- Oops, parece que tem alguém com problemas aqui... – ouviu a voz por trás de si e percebeu a mão pegando o livro. Subiu e estendeu-lhe o objeto. – Oi de novo.
Olhou no seu rosto. Aquele ar sério, porém terno. Ficou aliviada e agradecida novamente... Parecia que ele sempre aparecia para salvá-la de suas confusões cotidianas.
- Oi. – disse quase num sorrisinho, agora abaixando os olhos para o livro na mão dele. – Obrigada de novo... Pode colocá-lo...
Antes que pudesse terminar o pedido, porém, o homem de cabelos castanhos avermelhados tomou de seus braços a bandeja pesada que segurava.
- Você carrega o livro. Deixa o resto comigo.
A pequena apenas segurou o livro surpresa. Sentia-se tão mais leve agora sem aquele peso...
- Você é muito gentil, Ashido. – foi dizendo enquanto iam subindo as escadas. – E parece que sempre aparece na hora certa... Isso me assusta!
- Pois não deveria. – dirigiu o canto dos olhos para ela com um sorrisinho minúsculo. - É apenas a sua sorte.
- Você deve achar que sou uma tonta! Primeiro perdida, agora toda desastrada... – meneou a cabeça embaraçada.
- Você não me parece nem um pouco perdida nem desastrada. – andavam agora pelo corredor, já próximos à sala. - Pelo contrário. Mas acho que todos nós temos nossos momentos, não é?
Sorriu pequena e confortavelmente.
- Chegamos. – abriu a porta da sala vazia. – Ufa! Agora posso estudar em paz. – colocou o livro na carteira e esperou que Ashido esvaziasse as mãos também. – Muito obrigada por tudo. Tudo mesmo. – dessa vez olhava diretamente para ele.

Ele não disse nada. Apenas sorriu daquele seu jeito quase imperceptível, mas que tornava seus olhos azuis frios tão mais doces...
- Uau! – desviou os olhos para a mesa-caos. – Eu preciso ajeitar isso antes de recomeçar. – suspirou.
Começou então a arrumação. O caderno de Mai com as anotações de um lado e o seu em branco do outro; as canetas em cima da folha em branco e o almoço que precisava de uma mesa extra. Contou com a ajuda de Ashido para pegar uma mesa do lado emprestada.
- Você sumiu! Não te vi a semana passada inteira! Aconteceu alguma coisa? – ele ia perguntando enquanto arrastava a mesa para perto da dela.
- Ah, pois é... Uma colega da república estava doente e eu fiquei cuidando dela... Não deu pra deixar passar... Por isso estou toda enrolada copiando as matérias atrasadas! – levantou as sobrancelhas num ar explicativo enquanto arrumava os livros que não ia usar embaixo da mesa.
- Você é uma pessoa boa... E esforçada. A maioria nem ia se preocupar com a colega doente e muito menos com a matéria atrasada... Bem, isso porque a maioria não leva muito a sério, não é?
- Exato! E isso me deixa indignada! – transferia agora a bandeja do almoço da cadeira para a outra mesa. Devia ser uma tarefa simples, mas por causa do peso e de uma breve falta de jeito, ao erguê-la, acabou balançando-a o suficiente para fazer o copo de suco tombar para frente e se derramar todo vermelho sobre as páginas impecavelmente copiadas do caderno de Mai.
- Ai meu Deus! – gritou desesperada levantando o copo tombado, mas já era tarde de mais. Pousou finalmente a bandeja na mesa ao lado e sacudiu as mãos que também haviam se molhado. – Meu Deus, o que faço agora!? – olhou em pânico para Ashido que parecia estar prendendo o riso. – Ei! – ralhou de sobrancelhas franzidas. – Qual é a graça?
- “Mas acho que todos nós temos nossos momentos”... – ele repetiu a frase que dissera anteriormente com a voz tremulando por estar se contendo. – Por que todos os seus momentos têm que ser na minha frente?

Sentiu-se corar. Mas não sabia se era mais de vergonha ou de desespero.
- Droga, não é hora para isso! – pegou o caderno agitando-o no ar para que o suco escorresse. – A Mai vai me matar!
- Calma! Isso vai secar. – tirou o caderno das mãos dela e livrou-se de todo o líquido. Colocou-o sobre a mesa da frente e começou a abaná-lo para que secasse mais rapidamente.
De repente ouviram passos estalados pelo corredor. Entreolharam-se arregalados. As únicas pessoas que faziam aquele barulho todo com os sapatos eram...
- Rukia, querida, terminou com meu caderno eu vou preci... – não deu outra. Era ela ali, deixando uma frase não terminada no ar, flagrando-os e imediatamente fechando a cara. – Ashido... – dirigiu os olhos para ele como se não tivesse começado uma pergunta a outra pessoa. – O que está fazendo aqui?
- Eu estou no meu intervalo... – respondeu meio sem ação por estar ali, de frente para o caderno todo manchado dela. Sem perceber que seria a última coisa na qual ela repararia.
Ficou encarando-o sentida. Esperava que ele captasse a pergunta que fazia através dos olhos escuros e opacos. Mas antes que ele pudesse interpretar a mensagem, Rukia interrompeu com a pior frase que poderia ter pensado em dizer:
- Vocês se conhecem?
Congelou. Estremeceu. Respirou fundo e se conteve. Como aquela insignificantezinha podia a estar fazendo sentir uma intrusa diante de seu próprio namorado?
Ashido percebeu. Ela sabia se expressar bem e ele a conhecia. Podia perceber que o sangue naquelas veias estavam fervendo só de perceber o quanto fazia esforço para manter o queixo o mais erguido possível.
- Nós... Nós somos namorados. – ele disse enfim. – Há quase um ano.
- Ooh! – Rukia estava genuinamente surpresa. – Nossa quem diria! Vocês formam mesmo um belo casal. – sorriu alheia ao que se passou no sangue escorpiano daquela loira.
Mas agora estava se sentindo mais confiante e confortável.

Afinal ele entendeu o recado e ainda fez questão de transformar os sete meses que estavam juntos em “quase um ano”. Abrandou o olhar e o coração voltou ao ritmo normal.
- Obrigada. – sorriu para Rukia. – Amor, por que não foi almoçar comigo? – fez beicinho e uma vozinha melosa.
- Me desculpe... Eu vi que a Rukia estava meio enrolada com o almoço e os livros aí resolvi dar uma mãozinha...
- Esse é o Ashido! – soltou um risinho conspiratório para Rukia. – Protetor dos fracos e oprimidos. Nunca vi uma pessoa ter tanto prazer em ajudar os outros, por menor que seja a ajuda!
Rukia sorriu de volta. Tinha percebido isso.
- Então já que eu sou tão bonzinho com as pessoas como diz, você promete que vai ser boazinha comigo se eu te disser uma coisa? – perguntou meio hesitante.
E os olhos de Rukia voltaram-se para ele arregalados.
- Hmm... – espremeu os olhos desconfiada. - Eu não sou muito do tipo boazinha, mas... Hoje estou de bom humor, diga! – cruzou os braços e ficou esperando que ele dissesse, com um sorrisinho esboçado e uma curiosidade latejante.
- É que... Quando eu estava trazendo o almoço da Rukia eu... – pegou o caderno e estendeu-o para ela. – Eu acabei derrubando suco... – fez uma careta de medo. – Mas não se preocupe, eu vou copiar tudo de novo pra você.
- Ah meu Deus! – ela espantou-se. – Não acredito que foi tão desastrado! – pegou o caderno e percebeu que aquela mancha realmente ficaria horrível e permanente. – Mas já que vai tirar um tempo de sua agenda super ocupada pra copiar pra mim, eu te perdôo. – fez biquinho fingindo uma ponta de ressentimento.
- Eu sabia. – ele sorriu e deu-lhe um selinho rápido. – Você sabe ser muito boazinha quando quer. – consultou o relógio. – Desculpem meninas, mas está na minha hora... Estou indo. A gente se vê... – e acenou para as duas, saindo da sala.
- Até logo, amor! – Mai acenou de volta, toda açucarada.
E Rukia meneava a cabeça de um lado para o outro, com um risinho preso, incrédula.

- Ele é um amor não é, Rukia? – perguntou a loirinha toda orgulhosa.
- É sim. – Rukia assentiu. – Tanto que, tenho que te contar um segredo: na verdade não foi ele que derramou o suco no seu caderno. Fui eu. Desculpe-me. Eu vou copiar pra você. E você tem razão... Ele gosta mesmo de ajudar, não é? Foi muito legal mesmo da parte dele fazer isso... Mas você sabe, não é justo ele levar a culpa pela minha idiotice.
Mai só ficou ouvindo as palavras de Rukia paralisada. Levara um golpe sangrento no orgulho. Tivera o coração bombardeado de ciúmes. O sangue corria rápido, intenso e quente dentro de si. Queria acabar com ele, acabar com ela, irromper em lágrimas de raiva e de frustração, tudo ao mesmo tempo. Então ele a estava protegendo assim, sem mais nem menos? Então ele ia tirar um tempo da sua agenda lotada que, não incluía um tempo para a própria namorada, apenas para copiar a matéria que ela estragou?
Mas limitou-se a segurar a máscara fria diante do rosto e sorrir.
- Eu... Eu já imaginava...

****

Era uma quarta-feira, um fim de tarde. Em pouco tempo o sol ia se pôr. As aulas naquele dia tinham terminado mais cedo.
Estava sozinha
em casa. Momo tinha ido à casa de uma colega pegar a matéria atrasada e Rangiku ainda estava estudando. Finalmente tudo parecia ter voltado aos eixos.
A loira peituda estava fazendo um visível esforço para parecer bem. Não haviam mais tocado no assunto que a deixava tão mal desde aquele dia. Rukia não sabia se ficava aliviada ou preocupada... Mas só de saber que ela havia voltado para a faculdade e agora estava bem com Momo, já era ótimo, não era?
Tentava não pensar demais naquele assunto, principalmente antes de dormir... Tinha muito medo do que podia acontecer quando o tal do criminoso fosse solto...
Estava agora sentada na mesa da cozinha, relendo a aula do dia, tranqüila com sua matéria toda
em ordem. Usava uma camiseta marrom estampada com um coelhinho e sua saia mais velha, uma preta e simples, bem levinha.

Os cabelos, não habitual, estavam presos com um pauzinho, uma mecha de cabelo caindo de cada lado do rosto.
Sublinhava uma frase importante no caderno quando ouviu batidas na porta. Franziu o cenho. Pousou a caneta na mesa e levantou-se suspirosa. Devia ser Momo ou Rangiku... Eram tão distraídas, apostava que tinham esquecido as chaves.
Foi até a porta e abriu-a.
- Só não esquece a cabeça... Porque... – parou bruscamente a frase. - O que você está fazendo aqui!? – qual não foi seu espanto ao ver aquele ruivo de cabelos espetados bem diante de seus olhos arregalados?
- Vamos! – agarrou sem cerimônias o braço dela. – Estamos atrasados.
- Ei, ei! – já sendo arrastada porta afora, sacudiu o braço para livrar-se da mão dele. – O que pensa que está fazendo? Pra onde está me levando, seu louco!?
- Eu sou louco? – parou e encarou-a incrédulo. – Na carta tava escrito para eu vir te buscar, não tive escolhas! – emburrou fazendo um daqueles seus bicos engraçados.
Mas a jovem de olhos azuis não teve tempo de reparar nesse detalhe. Sua mente girava em torno de outro fato: que carta era aquela de que ele estava falando?
- Vamos, vamos! – agarrou de novo o braço dela voltando a puxá-la pelo corredor.
- Ei, pára com isso! – estava furiosa fazendo corpo duro para dificultar o trabalho do canceriano. – Que carta é essa que está falando?
- Você não sabe? – ele parou de novo. – A carta do Celeste-sama, ué! Nosso segundo encontro!
- Ah meu Deus! – cobriu a boca aberta com uma das mãos. – Eu me esqueci de olhar as cartas!
- Aff! – bufou cruzando os braços na frente da camisa cinzenta com alguma frase em inglês estampada em azul. – Melhor ficar mais atenta! Eu saí do trabalho mais cedo por causa dessa porcaria de encontro. – sua cara era tão infeliz quanto a dela. Talvez até mais. Mas ele parecia ter uma habilidade insuperável de fazer aquela cara de rabugento... Era quase impossível ver aquele rosto com outra expressão! A não ser quando... Naquele dia quando...

- Tá bom, ta bom. – deu-se por vencida. – Me desculpe certo? Agora espere que eu vou trocar de roupa... – deu meia volta para entrar novamente no apartamento.
- Ah não! Nem pensar! – agarrou de novo o braço dela apertando-o entre os dedos. – Já disse que estamos atrasados!
- Ei! – resmungou de volta. – Não pode deixar de ser grosseiro em nenhum dia? – virou o rosto para a porta de novo, tentando escapar da mão dele. – Eu não posso ir assim, tenho que me arrumar!
- Ahh, que frescura! Se arrumar pra quê? Vai ficar feia de qualquer jeito mesmo! – não soltava a baixinha de jeito nenhum.
Ela girou o rosto para ele com um olhar apertado e fulminante.
- Então você quer dizer que eu sou feia de qualquer jeito, é isso? – perguntou entre dentes.
- É, é isso. – retrucou naquele seu tom ranzinza. - O Celeste-sama foi bem cruel comigo.
- Ah! – abriu a boca revoltada. – Se ele foi cruel com você, meu querido, ele foi um Infernal-sama comigo! Onde já se viu andar com um ouriço agarrado na cabeça o tempo todo?
- Como é? – agora foi a vez dele de ficar com raiva. – E o que você acha que eu sinto andando com uma... Uma mulher que usa roupa de coelhinhos? – apontou o dedo para o peito dela.
- O que você tem contra os coelhinhos, hein? – seu rosto já estava corando. - Será que é porque eles podem confundir sua cabeça com um monte de cenoura picada!?
- Ei, ei, ei, que bagunça é essa no corredor? – de repente, uma figura de cabelos escuros presos, andar imponente e mãos elevando-se à altura dos óculos para ajeitá-los os interrompeu. – Se querem brigar, melhor brigarem lá fora. E se não obedecerem eu mesma os coloco lá na calçada!
O jeito que ela falava parecia bem sincero e assustador.
- Ahn... Desculpe Nanao-san... – Rukia fez uma pequena reverência desculposa quando os dedos de Ichigo foram se afrouxando em seu braço. – Não iremos mais causar transtornos.

- Ótimo. – empinou o queixo e examinou mais uma vez os dois. – Essa república precisa urgentemente de regras... – ainda puderam ouvi-la murmurar para si mesma abanando quase imperceptivelmente a cabeça.
Foram se dirigindo então até o elevador, mudos, um emburrado com o outro. Ainda brigaram com os olhos e os ombros na hora de tentar adentrá-lo. No fim, os dois acabaram se espremendo e entrando ao mesmo tempo.
Permaneceram calados enquanto atravessavam o hall do prédio. Deram de cara com um carro prateado, bem simples, parado à porta. O ruivo remexeu no bolso das calças jeans e encontrou um pequeno chaveiro. Escolheu a chave certa e foi se aproximando do veículo.
- Você vai dirigir? – ela finalmente abriu a boca.
- Vou. Por que? – sem encará-la, girou a chave fazendo um barulhinho agradável que indicava que o carro estava destrancado. Abriu a porta cheio de dignidade, mas ela permaneceu ali parada, olhando. – Ei! – já estava dentro do carro, afundando no banco preto quando percebeu que ela ainda estava ali parada. – Entra logo nessa joça!
- Você não está querendo me matar não, né? – encarou-o com os olhos diminuídos e ar de desconfiada.
Ele revirou os olhos.
- Se você não entrar logo eu vou te fazer entrar. – disse baixinho, mas de modo efetivamente enfadado e inteiramente ameaçador.
- Argh! – ela revirou os olhos também se encaminhando para o outro lado do automóvel. – O que uma boa quantia de dinheiro não faz com as pessoas? – jogou-se no banco do carro ao lado do dele e puxou o cinto de segurança. Soltava o ar com força.
- Ótimo. – murmurou finalmente ligando o carro.
Ficaram mais um tempo em silêncio enquanto Ichigo manobrava e colocava-se na direção certa para onde quer que estivessem indo.
A baixinha abriu o vidro da janela e sentiu o vento brincar com as mechas de seus cabelos soltos e acariciar-lhe as bochechas. Virou a cabeça para dentro do veículo outra vez, olhou para Ichigo. Parecia bem concentrado na direção e não estava acelerando. Era um bom sinal.

Percebeu que o carro estava completamente limpo, sem nenhum vestígio de objetos pessoais ou poluentes. Mas não era novo, percebeu pelo cheiro. Não que fosse ruim, muito pelo contrário. Já tinha o cheiro dele, percebeu.
- Ei... – resolveu falar, a pequena. – Para onde exatamente estamos indo hoje?
Sem virar o rosto para ela, ele respondeu:
- Para o cafofo do Infernal-sama... Vamos brincar de verdade ou desafio... – disse a última frase emitindo uma pequena dúvida, um estranhamento.
- Oh, verdade ou desafio... – repetiu com um sorrisinho irônico, os olhos escapando novamente para a janela. – Mal posso esperar...
Ainda fitou-a por alguns segundos antes de suspirar e continuar olhando
em frente. Aquele doce que sabia que morava no fundo dos olhos dela, realmente existia por baixo de toda aquela casca amarga, ou era só uma ilusão cruel?
- Rukia... – resolveu arriscar um assunto. Mas ainda hesitou antes de falar algo. Ela ficou esperando-o com os cabelos voando sobre o rosto. De repente, lembrou-se de algo que já queria ter perguntado há algum tempo. – Rukia, você gosta da Mai?
- Hum? – ela arqueou uma sobrancelha estranhando a pergunta. – Bem... Gosto. Ela é bem gentil comigo e a gente conversou um bocado ontem e hoje... Mas por que está me perguntando isso assim de repente? – encostou-se no banco e ficou olhando para ele.
- Hm... Por nada não... – falou baixinho. – É só que... Tome cuidado com ela. Ela não é o que parece ser... Ela não é tão legal e gentil quando se faz parecer.
- Nossa... – surpreendeu-se. – Ichigo... O que ela fez pra você? – estava curiosíssima.
Ele não respondeu. Ficou mudo como se não tivesse aberto a boca e aquele aviso fosse apenas uma ilusão sua.
Depois de dois minutos desistiu de uma resposta dele. Concentrou a visão na estrada e surpreendeu-se por ter esquecido que o estava vigiando dirigir!

****

Passaram o resto do trajeto discutindo sobre o modo como Ichigo dirigia. Rukia o repreendera umas cinco vezes pelo caminho, por coisas bobas ou que ele já soubesse.

O que o deixou extremamente irritado. Acabou perguntando se ela sabia dirigir e ela disse que não. Aí sim começaram uma discussão feia e o ruivo esquentado quase atropelou um animal logo antes de estacionar na loja de Celeste-sama. O que rendeu argumentos à certinha de baixa estatura. E o que Ichigo fez questão de dizer que era culpa dela e que ele dirigia melhor sem pessoas o chateando.
Saíram do carro emburrados do jeito que entraram e foram andando lado a lado até a menininha que sempre estava varrendo na frente da loja.
Ela os recepcionou até Celeste-sama, que apareceu dentro da loja, com cara de sono.
- Ohh, que bom ver vocês! – ele sorriu ao ver a dupla. – Estão quase uma hora atrasados... Tanto que eu acabei... – abriu a boca num bocejo. – Acabei cochilando... – abriu seu costumeiro leque e começou a balançá-lo na frente do rosto.
- Cara, você não acha que a gente tenha mais o que fazer não? – Ichigo perguntou com a cara amarrada.
- Que é isso, meu jovem? É claro que sei de suas vidas ocupadíssimas! Por isso vocês têm o livre arbítrio para fazer o que quiserem, na hora que quiserem. Portanto, vocês sabem... Não os obriguei a vir aqui, não é mesmo?
- Celeste-dono, está tudo pronto. – de repente, um homem forte, muito musculoso e assustadoramente alto apareceu por trás do loiro de chapéu. Usava tranças nos cabelos pretos, um bigode espesso e encurvado, barba e óculos bem quadrados e pequenos. Vestia um avental azul escuro com a palavra “Céu” estampada.
- Certo. – assentiu para o parrudo e voltou-se para o casal. – Então vamos lá, crianças. Preparamos uma salinha exclusivamente para a brincadeira de vocês. Espero que gostem. – e foi andando notavelmente alegre para além daquela mesa que era até onde tinham visto daquela loja.
Foram seguindo-o e de repente o guru começou a descer escadas. Então a loja tinha um subterrâneo?
Após descerem um lance de mais ou menos trinta degraus, chegaram ao destino. Uma sala ampla, amarelada, decorada com pinturas de planetas e constelações nas paredes.

O chão coberto de almofadas azuis escuras cintilantes. Nos cantos da parede, caixas personalizadas da mesma cor das almofadas, aparentemente esperando para serem abertas.
- A brincadeira é bem simples. – foi dizendo enquanto os dois ficavam olhando ao redor. – Irão sentar um de frente para o outro e fazer perguntas. Perguntas essas que deverão responder com a verdade, nada mais que a verdade. Caso ocorra uma violação nessa única regra, a sinceridade, o mentiroso será submetido a um desafio... Proposto pelo parceiro ou sorteado na nossa caixa de desafios. A escolha é de vocês. – apontou para uma caixinha menor que pousava sobre as caixas grandes encostadas à parede.
- Mas Celeste-sama... – Rukia interveio. – Como vamos saber se o nosso parceiro está dizendo de fato a verdade?
Um sorrisinho cresceu nos lábios finos do homem vestido de verde. Parecia estar aguardando pela pergunta e agora extremamente satisfeito.
- Muito simples. – fez uma pausa de efeito e elevou um pouco o rosto, os olhos brilhando sob a sombra do chapéu. - Nessa sala todos os seus sentimentos estarão à mostra. Não há como escapar.
- C-como assim!? – Ichigo arregalou os olhos castanhos, quase apavorado.
- Bom joguinho para vocês! ~ - ao invés de responder, cantarolou girando os calcanhares. – Os deixarei bem livres, então... Aproveitem o tempo. – e subiu cantarolando escadas acima, deixando a dupla entreolhando-se horrorizada.

Continua...


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