Passageira escrita por Ayelee


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal, a quanto tempo! Bem, aqui está mais um capítulo da fic. Fiquei feliz com os reviews. Espero que gostem!



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Na garagem Sam, Irene e Beni aguardavam ansiosamente pelo piloto. Irene queria ver se ele estava bem. Sam estava preocupado com o carro. Beni preocupou-se com os dois.

“O que aconteceu, garoto?” Sam perguntou curioso.

“Nada.”

“Ainda bem que não quebrou a droga do tambor novamente.” Sam continuou tagarelando, deixando o piloto ainda mais irritado.

“Não aconteceu nada. O carro está inteiro.”

Dirigiu-se até o banheiro, jogou água no rosto e no pescoço enquanto Irene e Beni o observavam; mudos, com os olhos arregalados.

“Sr. Camaro, você está bem?” Adiantou-se Beni, parando diante do piloto inclinando a cabeça para trás, até sua visão alcançar os olhos do piloto.

“Beni...” Irene tentou intervir.

“Fiquei preocupado com você. Aquela volta foi a mais incrível que já vi! Quando você passou em frente a nós e fez ‘vrrrruuummm’, foi o máximo, minha mãe ficou morrendo de medo....”

“BENI!” Irene sibilou mais alto, chamando atenção do filho. Encarou o piloto sem graça. Ele a observava, com uma expressão de contentamento. Sentiu um calor subir por seu rosto.

“O que vocês acham de darmos uma volta no Camaro?” O piloto sugeriu, agora mais relaxado. Estava procurando uma desculpa para permanecer mais tempo perto da garota.

O interior do carro não tinha muito conforto, quase tudo é removido de dentro do veículo para que ele se torne mais leve na pista, restando somente a gaiola de segurança do motorista, e um emaranhado de cabos e peças de ferro no piso do carro.

Rapidamente improvisou dois assentos com almofadas sujas de graxa que ficavam sobre as cadeiras velhas da oficina. Cobriu uma delas com seu casaco de escorpião e colocou no lugar do banco do passageiro para Irene sentar.

“Desculpa, não tem nenhum conforto.”

“Tudo bem”

“E eu? Onde fico?” Questionou Beni, ansioso.

“Bem, você vai ter que ficar no colo da sua mãe, amigão. Que tal?”

“Então eu vou ser seu co-piloto?”

“Isso mesmo.” O piloto respondeu, dando uma piscadela para Irene.

“Vou precisar que vocês segurem nesta barra aqui no painel, para não serem jogados para trás quando o carro entrar em movimento. Não vou correr, mas mesmo assim a inércia vai jogá-los para trás”

Irene posicionou-se em seu banco improvisado, desconfortável por estar de vestido e não poder cruzar as pernas adequadamente. Pelo menos estava com o filho no colo.

O carro entrou em movimento lentamente em direção à pista. Irene sentiu a inércia a jogando para trás, exatamente como o piloto havia descrito. Segurou firme na barra do painel e, mesmo sem poder apreciar a vista totalmente, pois sua cabeça mal passava da altura da janela, sentiu uma excitação quase infantil.

Não tirava os olhos do piloto. Observá-lo era melhor do que qualquer paisagem que passasse nas janelas.

De vez em quando o piloto tirava os olhos da pista e a observava também. Encaravam-se com um olhar cheio de significado e tudo o que podiam fazer era esperar que o outro compreendesse.

Quem assistisse a cena de fora perceberia claramente. Mas a única pessoa presente era Beni. O garoto estava entretido demais para prestar atenção no que se passava ali.

Por mais racionais que fossem seus pensamentos, Irene só queria desfrutar do que sentia naquele momento. Sentia paz e sentia-se protegida como há muito tempo não o fazia. Mesmo dentro daquele carro de corrida. Mesmo ao lado daquele homem que ela mal conhecia, sentia-se confiante e feliz.

Fechou os olhos por alguns segundos e simplesmente deixou aquela sensação inundar seus pensamentos e seu coração.

Parecia estar sonhando. O carro foi diminuindo a velocidade aos poucos até parar. Irene ainda estava de olhos fechados, com um sorriso no rosto. Acordando de seu doce devaneio, deparou-se com os olhos azuis do piloto a encarando novamente, com um sorriso aberto na boca, como ela jamais havia visto.

Despediram-se de Sam e seguiram para casa. Já passava das três da tarde, ninguém se lembrou de almoçar. Ninguém apareceu para avisar que o tempo de reserva da pista já havia sido ultrapassado. Agora estavam os três famintos e cansados.

No hall do quarto andar, o piloto os conduziu até a porta de seu apartamento, carregando Beni adormecido no colo. Irene agradeceu.

“Foi incrível.”

“Fico feliz que tenha gostado.”

“Não imaginava que fosse me divertir tanto. Obrigada.” Sorriu inocentemente.

Um dia inteiro juntos. Parecia não ter sido o suficiente para Irene. Só de pensar em ter de separar-se dele lhe fazia murchar, como uma flor sem rega. Como se houvesse um grande vazio, um vazio que a ausência do marido nunca havia causado. Ela e Beni se viravam muito bem sozinhos.

Desde que havia conhecido o piloto aquela sensação de auto-suficiência desaparecera. Pensou rápido em uma desculpa para convidá-lo para entrar.

“Você deve estar faminto.”

“É, acho que sim.”

“Posso preparar algo rápido. Beni ficaria feliz em passar mais um tempo com você.”

“Acho que sim. Obrigado.”

O piloto deitou o garoto no sofá, cobrindo-o com seu casaco de escorpião. Sentou-se na mesinha diante da cozinha e observou em silêncio enquanto Irene preparava a refeição.

Anoitece, o piloto despede-se, agradece pelo jantar e vai para casa.

Durante a semana, naturalmente criou-se um padrão tão conveniente quanto agradável para ambos, piloto e Irene e também para o pequeno Beni.

O piloto aparecia na cafeteria por volta das cinco da tarde, comia suas panquecas com chocolate quente enquanto esperava Irene terminar seu turno e lhe oferecia carona para casa.

Jeanette, que a alguns dias observava secretamente a amizade que sua amiga estava desenvolvendo com o rapaz misterioso, um dia não conseguiu conter a curiosidade e comentou.

“Sabe, vocês formariam um belo casal.” Estudou a expressão de Irene. Sabia que ela se esforçava muito para esconder os sentimentos. Tanto que às vezes escondia até de si própria, a ponto de negar o que estava óbvio e estampado em seu rosto.

“Não vem com essa, Jean.”

“Irene, qual o seu problema? Você é jovem, tem o direito de recomeçar sua vida.”

“Você sabe muito bem que não posso.”

“Esqueceu que você fugiu do seu marido?” Jeanette falou, enfatizando a palavra “marido”.

“Não. Mas ainda estou ligada a ele de alguma maneira. Não estou livre.”

Jeanette deu de ombros.

“Esse cara é um tremendo gato. Se ele me olhasse da forma que olha para você, estaríamos no banco traseiro do carro dele neste exato momento, fazendo você-sabe-o-quê.”

Será que estava mesmo se enganando? Irene se perguntava. Não, estava apenas pensando em Beni, em sua família. Sabia do que o marido era capaz. Sabia que, mesmo estando detrás das grades, Diego tinha seus meios de vigiá-la, apesar de ela ter mudado de cidade.

Vivia com a constante sensação de estar sendo perseguida. Não queria arriscar a própria vida. Beni precisava da mãe. Faria tudo possível para criá-lo em um ambiente saudável. Se para isso fosse necessário sacrificar sua vida amorosa, que assim fosse. Não queria envolver o piloto em seus problemas. Ele é um cara legal, está sendo um bom amigo para ela e para o filho.

Sentiu uma ponta de ciúmes quando a amiga se referiu ao piloto de forma tão descarada. Ele realmente era um cara bonito e interessante. Limitou-se a responder “Eu sei” e voltou ao trabalho.

Desde que o piloto passou a frequentar assiduamente a cafeteria todas as noites ao final do dia, Sr. Goldman mudou completamente o modo como tratava Irene. Ela percebera isso. Não lhe admirava nada o velho só demonstrar respeito com ela diante de uma presença masculina. Agora ele sabia que havia alguém com quem lidar caso a tratasse com a grosseria usual.

Ao fim do dia, buscavam Beni na escola e retornavam os três juntos para casa. O piloto sempre ficava cerca de uma hora no apartamento de Irene, às vezes brincando com Beni, às vezes ‘conversando’ silenciosamente com Irene através de olhares. Poucas palavras eram ditas.

Tudo era automaticamente compreendido, apenas pelas sutis mudanças de expressão em seus rostos. Um sorriso torto, um piscar de olhos, um olhar sugestivo ou um sorriso forçado. Essa comunicação velada selou uma relação de confiança entre ele e Irene, a qual ultrapassava a capacidade de compreensão dos outros. Era como se vivessem sob um código secreto.

Não falavam muito sobre si, não havia cobrança, não havia acusações. Apenas uma troca de sentimentos, admiração mútua e um extremo respeito pelos limites do outro. Não pediam ou ofereciam nada que não fossem capazes de dar.

Uma noite, enquanto o piloto o ajudava com a lição de casa, Beni confessou orgulhoso “Sr. Camaro, sabia que todos os meus amigos da escola estão com inveja de mim?” Sorriu em contentamento.

O piloto sorriu para o garoto, que o fitava atentamente. “Ah é? E por quê? Por que você tem a mãe mais bonita da escola?”

Irene estava sentada no sofá consertando o botão de uma das camisas de Beni enquanto fingia assistir TV. Na verdade os observava silenciosamente, ouvindo toda a conversa entre o filho e aquele homem, que não era mais um estranho para ela. Sorriu discretamente, sem tirar os olhos da televisão. O piloto percebeu.

“Também. Minha mãe sempre foi a mais bonita de todas.”

“Concordo com você.” Piscou para o garoto.

“Mas agora estão morrendo de inveja por que eu andei no Camaro preto mais irado de todos!”

Irene não poderia estar mais satisfeita. Ver o filho feliz era o que mais importava. A felicidade dele era a sua própria.

O garoto via o piloto como um modelo a ser seguido. Queria ser piloto quando crescesse. Sabia tudo sobre carros e sempre insistia para que o piloto lhe ensinasse mais sobre mecânica e tudo relacionado ao mundo automobilístico. Procurava não falar bobagem, para não causar má impressão.

Irene encarava a relação entre o filho e o vizinho com grande simpatia. A presença masculina constante em sua casa passava a sensação de segurança que nenhuma de suas amigas jamais poderia oferecer. Admirava e lhe agradava imensamente o modo afetuoso e atencioso com que o piloto lidava com o menino.

Ele não parecia se incomodar com as milhões de perguntas e a impertinência típicas de criança. Pelo contrário, sentia prazer em ficar imerso naquele mundo infantil.

Ao piloto, encantava-lhe a esperteza de Beni. Percebia que ele sentia falta alguém para fazer brincadeiras e falar assuntos de meninos. Queria ser essa figura paterna que o garoto tanto desejava. Queria poder lhe ensinar tudo o que aprendera com seu pai e com Sam.

O contato com aquela pequena família lhe proporcionava mais contentamento do que jamais poderia sonhar. Trouxe à tona sentimentos esquecidos. O apego a Irene e Beni lhe mostraram o quanto ele próprio era carente de laços, de um ambiente familiar onde pudesse simplesmente desfrutar do convívio de pessoas inofensivas, amorosas, onde não precisasse se defender do mundo.

Fazia de tudo para agradar o menino, pois sabia que assim faria a mãe feliz também.

Irene o acompanhou até a porta. Despediram-se trocando um longo e penetrante olhar. Ela suspirou e disse “Beni o idolatra. Ele quer ser como você.” Sorriu afetuosamente, fitando seus olhos azuis.

Ele sussurrou com sua voz aveludada “Você já disse para ele que não sou nenhum herói?”

“E o que você é então?” Irene questionou.

“Apenas o cara que mora ao lado.” Sorriu.

“Ei, a corrida será no domingo. Gostaria muito que você e Beni fossem. Estarão livres?”

“Acho que sim.”

“Ok.”

O piloto afastou-se lentamente, de costas, sem tirar os olhos de Irene, até encostar um dos calcanhares na porta de seu apartamento, abri-la e desaparecer na penumbra.

–--

O autódromo estava irreconhecível, com tantas pessoas, carros, stands de exposição e aparelhos de som gigantescos. Parecia uma exibição de carros exóticos, cada modelo mais esquisito que o outro.

Irene notara que cerca de oitenta por cento do público era masculino, salvo por algumas modelos com pouquíssima roupa, que ficavam nos stands de exibição de equipamentos automobilísticos, para captar a atenção do público, claro. Outras mulheres acompanhavam seus esposos ou namorados, algumas delas com filhos também.

Havia um terceiro grupo, aquelas aparentemente solteiras, super produzidas que não faziam a menor questão de esconder qual era seu objetivo naquele reduto de homens, muitos deles bonitos e endinheirados. Um verdadeiro paraíso de testosterona.

Beni estava em completo estado de graça diante das versões em tamanho real de seus carrinhos favoritos.

Era quase impossível conversar. O som dos paredões de alto-falantes e o ronco ensurdecedor dos motores potentes invadia os ouvidos sem pedir licença e sem dar trégua.

O piloto conduziu Irene e Beni para os camarotes de seu box, onde Sam e a equipe de mecânicos o aguardavam. Diferentemente do domingo anterior, Sam não dera muita atenção à presença de Irene e do filho no local. Apenas lhes cumprimentou com um breve sorriso e voltou a dirigir-se ao piloto, visivelmente ansioso.

“Escuta, garoto,” puxou-o para o canto. Estava tenso e suando. Baixou o tom de voz e prosseguiu, “Neil esteve aqui esta manhã e...”

Enquanto Sam falava, o piloto observava por cima de seu ombro, ao fundo, um Mustang azul todo adesivado com patrocínios e o nome de Neil estampado no capô.

“Sam, que porra é essa? Por que o Camaro está coberto?”

“Era isso que eu estava tentando explicar... Neil trouxe...”

“O que esse Mustang todo enfeitado está fazendo aqui na garagem?”

“Você sabe, todos os carros que correm têm patrocínios. Neil queria um pouco de publicidade. É bom para os negócios. O carro é de primeira, filho. Nós o testamos aqui mesmo.”

O piloto cerrou o punho fazendo o couro de sua luva marrom estalar.

“Isso só pode ser sacanagem. Trabalhamos semanas construindo a porra do motor do Camaro para nada? Como vou correr em um carro que nem testei?”

“Você consegue, garoto.”

“Eu sei!” gritou exasperado. E baixando a voz imediatamente, continuou, “Esse Neil está armando para cima de mim. Eu posso sentir.”

“Claro que não. Ele seria um idiota se fizesse isso. Você é a galinha dos ovos de ouro dele.”

Aproximou-se de Sam e sussurrou em seu ouvido, os olhos fixos no Mustang azul. “Seja lá o que esse desgraçado está aprontando, eu estarei pronto. Fique esperto, entendeu?” Sam acenou positivamente.

O piloto deu um tapinha em seu ombro e subiu as escadas até o camarote.

Encontrou Irene e Beni conversando animadamente, tomando refrigerante e apontando para os carros que se exibiam na pista. Parou por alguns minutos observando-os de longe enquanto o sangue esfriava. Sua mandíbula ainda estava travada do esforço que fez para conter a raiva. Precisava recuperar sua habitual expressão serena, relaxar os músculos do rosto.

“Está tudo bem por aqui?” Aproximou-se, recostando o corpo no parapeito, de frente para a dupla. Seus lábios sorriam, mas seus olhos não.

Irene tirou os protetores auriculares rapidamente e respondeu, “Tudo tranquilo,” retribuindo o sorriso, porém com uma ponta de curiosidade no olhar. Percebera a tensão no piloto, mas preferiu não importuná-lo com perguntas.

Ela estava especialmente linda e relaxada naquele dia. Parecia que tinha se arrumado para uma ocasião especial. O piloto gostava de pensar que era por sua causa.

“Por que você não está lá embaixo com os outros pilotos?” Perguntou Beni. “Estava me preparando. Já vou descer.”

O Mustang não era nada mal, tinha tanta potência quanto o Camaro para levar o piloto até o pódio, até por que sua vitória era quase um fato consumado. Ele simplesmente possuía um talento inexplicável dominando aquelas máquinas. De fato, sua relação com os automóveis não passava disso. Dominação. O carro tinha a potência, ele possuía a habilidade para conduzi-lo. Era uma combinação imbatível.

Irene estava à vontade com o filho na cabine, era um espaço pequeno, porém privado, separado dos demais camarotes por muretas que permitiam ver as pessoas ao lado e ouvir suas conversas caso falassem um pouco mais alto. Lá de cima podiam ver os carros perfilados em posição de largada, o Mustang ao lado de um Ford GT branco, seu maior rival na primeira fila.

“Olha mamãe, o Sr. Camaro lá embaixo! Mas aquele não é o Camaro, é um Mustang. Tanto faz, ele vai ganhar mesmo assim por que ele é o melhor!” Irene admirava o pequeno com orgulho de mãe estampado em seu sorriso. “Sim, ele é o melhor.”

Irene sentiu um perfume amadeirado, seco, invadindo o ambiente indicando a presença de alguém em sua cabine, mas antes de virar-se para checar quem era, uma figura em um paletó cafona cinza posicionou-se ao seu lado, fitando silenciosamente os carros no grid de largada. Era um homem grisalho, devia ter seus cinquenta e tantos anos, apesar de tentar parecer jovial. Ele sorriu por trás dos óculos escuros e comentou distraidamente “O rapaz realmente é um fenômeno.”

Irene e o filho observaram curiosos aquele homem simpático que aparecera do nada e tinha um ar de importância em sua postura.

“Desculpe, estou tagarelando aqui, nem me apresentei.” O homem estendeu a mão para Irene, “Neil Morris. Sou o patrocinador. Esse garoto tem muito futuro. Por sorte, caiu nas mãos certas. Vou transformá-lo em uma celebridade!”

Neil era uma figura desagradável, vulgar e intimidante, porém sabia ser carismático quando lhe convinha.

A moça sorriu polidamente, não queria causar má impressão com o chefe do piloto, especialmente depois de tudo que ele tem feito por ela e por Beni. Relaxou e apertou a mão do homem e apresentou-se. “Irene Vega. É um prazer.”

“E este campeão, como se chama?” Questionou bagunçando o cabelo de Beni, que tirou os olhos da pista somente para fitar aquele estranho que tentava bancar o amigo, como se o conhecesse a vida inteira.

“Este é o Benicio. Filho cumprimente o moço.”

“Oi”

“Olá Benicio, vejo que você gosta muito de carros. Se quiser, posso levar você para dar uma olhada nas máquinas que temos lá embaixo.”

“Obrigado. O Sr. Camaro já me mostrou. Eu até dei uma volta no Camaro preto! É uma pena que ele não vai correr com ele hoje. É o carro mais fera de todos.” Beni tagarelou, finalmente se interessando pela conversa.

“Ah, o ‘Sr. Camaro’? Que bom saber que estão sendo bem tratados no meu camarote. Fiquem à vontade. Os amigos do ‘Sr. Camaro’ são meus amigos também.” Sorriu apertando novamente a mão de Irene e retirou-se.

A corrida acaba e o piloto retorna para seu box, seguido por uma dúzia de mecânicos, entusiastas e alguns repórteres do gênero. Ao avistá-lo lá de cima, do camarote onde encontravam-se, Irene e Benicio desceram as escadas excitados para cumprimentar o vencedor. Estavam orgulhosos do amigo. Além de Sam, que o conhecia a anos, eram as únicas pessoas que podiam considerar-se ‘próximas’ dele.

No térreo, Irene mal conseguiu avistar o piloto, que estava cercado por dezenas de pessoas, todas falando ao mesmo tempo, tentando tocá-lo, tirar foto com ele, entrevistá-lo.

“Mamãe, olha só, o Sr. Camaro agora é famoso!” Beni exclamou apontando para o repórter que o entrevistava naquele momento.

Olhando por cima de todas aquelas pessoas, o piloto acenou para eles com um sorriso orgulhoso, sentindo-se, pela primeira vez, genuinamente satisfeito por sua vitória. Como se dessa vez o esforço tivesse um verdadeiro propósito. Impressionar Beni e mostrar para Irene o quanto é bom no que faz valia a pena. Sentiu prazer em seu ofício como a muito tempo não sentia.

Irene acenou de volta. Mãe e filho esperavam pacientemente enquanto o alvoroço diminuía e a multidão dispersava. Quando o piloto aproximou-se, ela estava tão contente que não conseguiu se conter, segurou seu rosto com as duas mãos e beijou-lhe a face. O gesto inesperado deixou o rapaz completamente sem reação.

Nunca passou por sua cabeça que a garota, tão reservada e tímida fosse capaz de tamanha demonstração de afeto e intimidade publicamente. Ela o surpreendia a cada dia com suas atitudes silenciosas, mas carregadas de significado. Esse sem dúvida era um dos dias mais felizes de sua vida.

Ele sorriu para Irene, mas sua expressão logo ficou grave quando levantou o olhar. Irene não precisou virar-se para saber quem se aproximava por trás. Ela ouvira a voz de Neil e sentira sua mão pesada repousando sobre seu ombro.

“Ah, aí está meu garoto! Parabéns, você foi impecável como sempre.”

O piloto permaneceu em silêncio encarando-o, mantendo-se quieto para que Irene não percebesse nenhum clima de animosidade entre eles.

“Sua garota e meu amiguinho aqui devem estar orgulhosos de você.”

“Sim,” Beni exclamou animado, sentindo-se importante por participar de uma conversa de adultos. “Eu sabia que ele venceria!”

O piloto afagou a cabeça do menino, olhou de relance para Irene e virou-se para Neil. “Obrigado.”

“Eu disse que transformaria você em um astro. Aí está! Ainda vamos ganhar muitos prêmios juntos.”

O rapaz acenou com a cabeça e, com a voz contida falou por entre os dentes, “Neil, preciso falar com você.” E virando-se para Irene, “Vocês podem nos dar licença um minuto?”

“Claro.”

Neil pôs a mão no ombro do piloto e os dois afastaram-se em silêncio.

“É rapaz, acho que podemos faturar muito com essa parceria. Estou empolgado.”

“Corta essa, Neil.” Interrompeu, encostando-se na lateral do Mustang. “Com esse prêmio de hoje você já lucrou o suficiente para saldar minha dívida.”

“Mas o que é isso? O que deu em você, garoto? Outros pilotos morreriam para receber uma proposta como essa.”

“Hoje é o dia de sorte deles, então.”

“Sabe o que acontece? Os tempos mudam, a sua dívida amigo...” pigarreou e continuou em tom solene, “a sua dívida sofreu uma pequena correção. As negociações aqui são fora do registro. Nós ditamos nossas próprias regras. Você já deveria saber disso.”

“Eu sei. Mas trabalhei para você durante anos. Cada centavo que ganhei nesse tempo passou para suas mãos. Não lhe devo mais nada. Não me procure mais.”

Ergueu-se, dando a conversa por encerrada. Deu as costas para Neil, mas antes que ele se afastasse, o mafioso fez um último comentário que lhe lançou uma onda fria através da coluna.

“Sabe, eu adorei sua garota e o pequeno Beni. Adoraria levá-los para passear qualquer dia desses.”

O piloto entendeu o que Neil quis dizer. Seu corpo petrificou dos pés à cabeça ao ouvir os nomes das duas únicas pessoas que importavam para ele naquela ameaça velada. Precisou de muito autocontrole para impedir que quebrasse a mandíbula do desgraçado ali mesmo, na frente das pessoas que ainda estavam circulando pelo local, da mídia, de Irene e do menino.

“Neil, você não vai querer se meter com eles.”

O velho deu de ombros, com as mãos erguidas no ar. “Você não me deu outra opção. Eu gosto de você rapaz, mas você consegue ser muito cabeça dura às vezes.”

“Dane-se. Esse é um assunto entre mim e você. Deixe os dois fora disso.”

“Às vezes precisamos fazer algumas escolhas duras na vida, filho. É assim que as coisas são. Você está avisado. Quando mudar de ideia, sabe onde me encontrar.”

Agora foi a vez de o mafioso dar as costas e sair.

“Que grandesíssimo filho da puta.” Pensou. “Como vou me livrar desse desgraçado? Quando ele vai largar do meu pé? Talvez se eu perder uma perna em um acidente e não puder mais dirigir...” hesitou, “Não. Mas que tipo de ideia absurda! Preciso tirar Irene e Benicio daqui.”

Irene e o menino esperavam por ele sentados nas escadas, brincando com os carrinhos em miniatura de Beni. O piloto observou-os à distância e doeu-lhe pensar em ter que afastar-se deles. Eles faziam parte de sua vida agora. Mas sabia que era a coisa certa a fazer. Neil não desistiria, e ele preferia morrer a deixar que algo de mal acontecesse aos dois.


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Notas finais do capítulo

É, o negócio está esquentando. Vamos ver como o piloto vai lidar com essa saia justa.
Deixem suas opiniões, e, por favor, ajudem a divulgar a fic. *-*
Beijos, até a próxima!



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