Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan
A cadeirinha colocada em sua frente era modesta, o biombo de madeira fina e coberta com pano parcialmente remendado com linho e outros panos mais grosso nas beiradas dava um aspecto humilde a capela improvisada ali na tenda dos Argent Crusaders. A clériga que cuidava da capela e das confissões e atribulações dos combatentes, Paletress, atendia mais outra pessoa atrás do biombo.
- Eu bati em um pingüim antes de vir aqui... – a cara da clériga foi de espanto e asco. O interlocutor era um Abandonado com um corte de cabelo exagerado como se houvesse levado um choque elétrico, assim mantendo as mechas oleosas e opacas para cima em um moicano irregular.
- Oh céus! Você pelo menos se sentiu com remorso...?
- Nhé, eu só falei isso pra ver essa sua cara de espantada... – a clériga deu a volta no biombo e saiu do espaço massageando a cabeça.
- Esses mortos-vivos...
- Abandonados. – corrigiu alguém, ela olhou para a elfa com a voz embargada por chorar muito antes de entrar na tenda.
- Ahn... venha... – a encaminhando para atrás do biombo e a sentando na cadeirinha e tomando seu lugar em sua própria cadeirinha. As duas cruzaram as mãos, Paletress em um gesto mais apaziguador, a elfa com as mãos torcendo os dedos e arranhando uma das mãos severamente machucada. – Em que posso ajudar...? Algum problema com cabelos ficando no formato de seu elmo...?
- Eu traí minha família... – confessou a elfa com um suspiro cansado.
- Oh... traição... bem... – a clériga tentou formular um discurso animador, mas a elfa continuou.
- Se eu não fizesse isso, pessoas iriam morrer, pessoas que eu amo muito... E eu não quero mais gente morta me incomodando... Não quero ter que levar esse peso pro resto da minha vida, não quero enlouquecer tentando consertar as coisas novamente e muito menos quero magoar ninguém com isso tudo e...
- Calma... Respire um pouco... Me diga o que aconteceu? Você disse traição?
- Eu falsifiquei as assinaturas de minhas tias... – engolindo em seco. – Uma para autorizar uma ordem expressa aqui dentro... – a clériga arregalou os olhos. – Oh não! Era só a barraquinha dos goblins ali perto do Silver Covenant... – a clériga respirou aliviada.
- E o que mais?
- A outra foi para mandar uma carta pro meu primo... Como se fosse minha tia Alleria... E-ele tem esse problema de achar que ela o abandonou e que o odeia, mas não é assim! Ela teve os motivos dela e ele não entende...
- Espere aí... Tia Alleria...? Você é uma Windrunner...? – Sorena Atwood olhou para os lados desconfiada.
- Sou...
- Eu sou fã de sua tia... – a clériga confessou encantada. Sorena se espantou. – Oh, continue...?
- Bem... ahn... e a última eu sei que vai dar problemas... – e bufando para o chão e mexendo nos cabelos avermelhados nervosamente. – Eu usei o brasão do anel da minha outra tia pra... pra começar investigações em nome dos Abandonados...
- Investigações...?
- É... sobre o... Eu posso mesmo falar essas coisas pra você? Porque se alguém descobrir o que eu fiz, provavelmente vão cair em cima de você também... – a clériga respirou fundo e pegou a mão machucada de Sorena.
- Pode confiar em mim, menina elfa... O que foi dito aqui não sairá daqui...
- Eu sei que não deveria ter feito isso, mas... mas... É como eu disse!! Pessoas vão morrer tentando chegar a algum lugar em comum e eu não quero... eu não quero... Eu já ferrei demais com a minha amizade com a Immie e ela vai desaprovar tudo isso, vai dizer que sou burra e egoísta e vai gritar comigo e provavelmente me esganar e me ressuscitar e me estrangular novamente...
- Você é feiticeira? Pratica magias de 3º círculo em possessão?
- Não...? – Sorena admitiu, a clériga levantou a mão tatuada de Sorena e viu os símbolos feitos na pele do braço.
- Quem fez isso em você?
- Eu mesma... – confessou a mais nova, a clériga prendeu a respiração.
- Por que você tem uma Marca da Infinita Possessão em seu corpo?
- Eu tinha medo de... possessões...
- Isso faz um estrago com criaturas incorpóreas... A marca é chamariz pra criaturas do tipo, mas maléficas se entrarem em contato...
- E eu não sei?
- Então por quê...?
- Se eu te disser que desde os 15 anos de idade eu não faço a mínima idéia de como consegui tantas tatuagens, você acredita? – Paletress alisou uma marca conhecida pelos clérigos da Mão Prateada, era o símbolo de Proteção de Lady Aviana, a mensageira de Elune que os elfos da noite tanto cultuavam.
- O seu braço daria uma bela história documentada... – sorriu a clériga aplicando curas menores, mas nenhuma funcionava. – Sobre a traição... Eu te aconselho a falar com aqueles que se sentirão mais traídos... Converse com suas tias... eu acho... – um pouco confusa com tudo. Paletress estava tentando lembrar qual era a árvore genealógica dos Windrunner para poder encaixar essa menina elfa nas lendas da arqueira mais audaciosa da Aliança nos tempos de Glória de Stormwind. – E converse com a sua amiga... Immie? – Sorena concordou. – Se a amizade de vocês duas é forte, ela entenderá os seus esforços...
- Ainda acho que ela vai me matar e me ressuscitar e matar de novo...
- Ela é paladina?
- Clériga. – Paletress concordou surpresa.
- Ela é a Embaixadora de Undercity...? A cidade dos mortos-viv...
- Abandonados. Sim, ela é. – a mão de Paletress apertou um pouco a de Sorena. Um sorriso gentil veio da sacerdote.
- Eu não entendi boa parte de sua confissão, me desculpe...
- Tudo bem... Eu só precisava...
- Desabafar um pouco... – completou a clériga. Sorena concordou. – E confessa para uma completa desconhecida... É questionável o seu comportamento inseguro, mas louvável o seu esforço de colocar tudo pra fora... – a elfa cutucou a orelha esquerda com vigor. – Eu aconselho que você pare um pouco por um minuto. Pense bem em suas ações e aja conforme sua consciência aprovar... Mas lembre-se que cada coisa tem sua própria lig...
- Ligação com o mundo... Não prejudique o que você valorizaria se fosse seu, o mundo é grande demais para ser refeito em um só dia, a perseverança cria a força...?
- Você realiza mais coisas iluminand...
- Iluminando a vida dos outros do que a sua e fornecer ajuda livremente é sempre valido, mas não humilhe aquele que a recebe... – a clériga riu sonoramente. – Meu pai era da Mão Prateada... Meu irmão também...
- Então acho que não devo dar mais conselho algum a você... – sorriu a clériga. – Você já sabe o que seguir, só precisa dar o primeiro passo. – levantando da cadeirinha e apertando bem a mão tatuada da menina. – Passe aqui mais tarde, sim? Eu vou tentar dar um jeito nessa marca aí...
- Já tentei de tudo, mas venho sim...
- Você poderia trazer sua amiga clériga também? Gostaria muito de conversar algo com ela... – o cenho de Sorena ficou franzido. – Oh não! Nada do que falamos aqui! Eu só precisava saber qual arvore arcana ela segue... Estou tendo problemas com alguns... ahn... como se diz?
- Feitiços...?
- Oh não! Nós não usamos feitiços, mas é algo parecido... – a clériga deu a volta no biombo e esperou Sorena sair. Deu-lhe um abraço breve e esperou a elfa sair da tenda com passos arrastados.
- Aonde estava?
- Tenda Argent Crusaders...
- Aprontando o quê?
- Só ouvindo os sermões da Clériga Paletress... – dando de ombros. Imladris a olhou bem.
- Sermões...? Desde quando você gosta de sermões...?
- Às vezes é bom ouvir coisas assim...
- Sorena...
- Eu?
- Se tiver qualquer coisa que eu possa fazer... E-eu tou aqui tá? – a mais nova franziu a testa e piscou várias vezes confusa.
- E eu lá não iria pedir ajuda pra você quando estiver em apuros?! Até parece que não me conhece Immie... – a mais velha a encarou bem, mas os olhos de Sorena estavam em outro lugar. – E o uniforme dela é parecido com a da Sally... – comentou da boca para fora e foi com passos arrastados para sua carroça de invenções.
- Vamos fracotinho!!
- Continue falando e vai acabar perdendo o fôlego, sua antinha comilona... – provocou o Campeão de Orgrimmar segurando os ombros de Lady Annie em uma luta improvisada. A garota sequer chegava perto dele por ser pequena perto do ex-paladino.
- Eu vou cortar a sua língua fora...
- E vai comer? – Annie o olhou com nojo.
- Não sou canibal, obrigada! – os dois voltaram a lutar, a garota mais nova usava mais as pernas que os punhos, mas mesmo assim Oxkhar ganhava com vantagem por seu tamanho e força.
- Vamos frangote... Não acertou um golpe sequer!
- E-eu vou te acertar, você vai ver!
- Eu não quero ver... – Imladris separou os dois só com o olhar atravessado. Oxkhar ficou parado, coçando a nuca constrangido, Annie bufava cansada pelo esforço. – Posso saber por que brigavam?
- Treinamento... – explicou Annie entre uma arfada e outra.
- Essa menina nem sabe dar um soco direito... Tem que se defender sozinha e tudo mais...
- Pra isso temos escola de magia arcana para trabalharmos? E livros e tomos para pesquisa...
- Nhaaaa magia é pra elfos mariquinhas! – resmungou a menina sentando no chão gelado e respirando fundo.
- Eba, sou uma maricas! – disse Sorena da carroça, um vapor amarelado saía de lá e logo um mini-construto cambaleante desceu as escadinhas e sujou o chão com neve de óleo e fuligem. Atrás do corpo metalizado havia um mini caldeirão fumegante que expelia fumaça colorida e de cheiro agradável. – Dêem boas vindas ao O’neal-E... – o robozinho trocou as pernas e quase caiu de face no chão, mas um mecanismo abriu em seu abdômen que o fez ergue-se e andar novamente. – Ele anda por bastante tempo, aquece o ambiente, espalha perfuminho bom e serve bebida quente. – o construto amostrou sua mandíbula retrátil com lugar para depositar uma xícara média ali.
- Ele não luta nem nada? – perguntou Lady Annie cutucando o robô no cocuruto. – Faz pirueta? Toca musiquinha? Interfere em outros aparelhos construtos em um raio de 2 km?
- Ahn... não... Mas gostei dessa de atrapalhar sinal dos outros... – Sorena anotou em um caderninho e jogou de volta na carroça. – Mas o importante é que ele resolveu meu problema com frio...
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