Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 5
Capítulo 5




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                No outro dia Sorena teve a surpresa de ter uma cestinha de alimentos depositada ao seu lado. Uma flor lilás enfeitava a alça da cestinha, pão tostado, queijo de cheiro fedorento, carne defumada e cogumelos de chapéus largos estavam ali dentro. Um odre comum continha vinho forte, foi o que ela constatou ao cheirar o bocal e experimentar uma gota despejada na mão. "Que bom!" pensou Sorena ao se fartar da comida sem pensar em nada para isso. "Não gostaria de uma dieta com ratos e vegetais estranhos encontrados a esmo!", ela sorriu, encontrando estranho conforto ao misturar água de uma poça formada pela água da chuva com o vinho. Terminou de comer e descansou o corpo novamente no chão. Fitou a florzinha lilás, tão frágil em sua constituição. Não tinha cheiro nenhum, sequer tinha sementes visíveis, Sorena pensou em algo para aquela florzinha.

                Era um presente de boas-vindas de Imladris? Ela havia sido tão generosa e tranquila durante o tempo em que passaram juntas que Sorena resolveu pensar que era seu presente de aniversário, já que não sabia mais em que dia estavam. Não tinah coragem para descer lá embaixo novamente, mas gostaria de retribuir o presente. Da terra úmida perto de fonte de água desativada, Sorena cavou um pouco com um ossinho de pássaro que encontrara dentro do manto de seu mestre, fez um sulco não muito raso e plantou a florzinha. Com cuidado, jogou um pouco de água em cima do exemplar lilás e esperou algo acontecer. Nunca plantara uma flor na vida. Esperou e esperou. Nada aconteceu. Um ruído estranho vindo do mesmo lugar em que saíra do subterrâneo a alertou, escondeu-se atrás das escadarias e aprontou algum feitiço rápido de proteção.

 - Perdi alguma coisa...? – perguntou o mestre recém-chegado. Cheirava a mofo. – Oh, o Sol. Faz tempo que não o vejo.

 - Será que pode me deixar em paz?

 - Os daqui não se importam com sua paz e serenidade... – ele disse espreguiçando e estalando vários ossos.

 - Eu me importo! Acho que só me trouxe aqui para me enlouquecer!!

 - A clériga Imladris não parece ter enlouquecido depois de viver todos esses anos aqui...

 - Ela pensa que está morta!!

 - Mas está...

 - Não, não está!! O coração dela bate!!

 - Posso fazer o meu bater também...

 - E-ela respira e tem todo aquele ruído que todo corpo vivo faz!!

 - Oh, finalmente a minha aprendiz está aprendendo as sutilezas da vida e da morte... Fale-me mais de suas impressões anatômicas...?

 - Vai se danar!! Você mudou de assunto novamente!!

 - Que delicada! O que fez aí? Plantou uma florzinha? – zombando do trabalho da aprendiz, indo até ela.

 - Fique longe! Esse seu bafo de morto pode matá-la! – disse ela protegendo a florzinha da sombra de Derris.

 - Como você é implicante! Mal acordei e já devo...

 - Vá embora! Não quero mais ver você!

 - Como se pudesse livrar de mim... Sou seu professor, menina tola! Sem a minha presença você não teria durado nem 2 horas fora da sua fazendinha caipira em Goldshire! E plantar florzinhas? Faça-me o favor! Você andou passeando por aí não? – a jovem não respondeu a nenhuma das perguntas. – Myrtae Windrunner, me responda!! – ele vociferou, sua voz ecoou nas ruínas, mas a garota continuou impassível. Parecia que seu coração fora atingido por uma flecha congelada. Seu olhar se deteve ao chão poeirento. Já ouvira aquele nome em algum lugar...

 - Por que me chama com esse nome? E por que estás enterrado na tumba de outra pessoa?! – questionou ela com raiva da presença do mestre. Queria ficar com coisas vivas agora, como aquela florzinha ali do seu lado.

 - Mas que besteira é essa? Eu disse para não sair enquanto eu dormia!!

 - Eu estava com fome, precisava comer! E foi o senhor mesmo que me aconselhou a sair e comprar linha para...

 - Vamos parar com esta barulheira infernal aí? – reclamou um dos mortos alojados em uma sepultura oculta do lado de fora ali perto. Ficaram em silêncio por algum momento, Derris puxou a menina pelo braço, mas Sorena se desvencilhou.

 - Continuamos esta conversa depois, menininha implicante! – ele voltou para a porta em que havia saído anteriormente.

 - Vá se danar... – ela praguejou para as costas dele, acolhendo a florzinha. Deitou-se no chão e ficou com a cara na terra úmida, queria sentir a florzinha. Queria ser a terra que alimentava e sustentava a florzinha. Durante a noite chorou tanto que mal percebeu que seu coração estava afogado de tantas saudades de casa. – Pelo menos em Goldshire havia vida... – ela sussurrou para a sua companheira lilás. – Havia pessoas nas ruas e gente de toda parte... Não esse lugar estranho e vazio... – e se levantando rapidamente, questionou-se. – Mas quem é Sylvos Windrunner, afinal?! Maldito Derris que nunca me diz nada! – após circular a terra em volta da florzinha, pegou algumas pedrinhas de poder dentro de sua bolsa de viagem e enterrou-as dentro da trincheira minúscula. Imbuiu cada uma com um poder diferente para proteger a florzinha frágil de qualquer intrometido. – Quem ousar pisar em você terá uma bela surpresa, Serenath... – disse ela bem baixinho apenas para a planta escutar. – Eu já volto... - e correu para o complexo de túneis dali.


Dustwallow Marsh – Kalimdor.

                Hrodi acordara de um sonho ruim. O shaman orc que o curara das feridas da batalha no Covil de Onyxia (Ou perto dali) estava silencioso como sempre. Outro companheiro seu de expedição estava ao seu lado, coberto por ataduras grossas em todo rosto e braços. Ele agonizava baixinho e às vezes balbuciava coisas desconexas. Tentou levantar-se do leito improvisado na tenda medicinal no centro do Vilarejo de Brackenwall.

 - Fique quieto, humano. Feridas abrem com seu esforço. - disse o shaman terminando de amassar frutos em um pote de madeira escura.

 - O-onde eu estou...? – perguntou Hrodi sentindo a cabeça girar.

 - Vilarejo de Brackenwall. Está bem perto de onde se feriu em batalha. – e sussurrando algo para a pequena fogueira que aquecia a tenda, ele fez o pote escuro ser enfeitiçado com a pasta viscosa. – Covil de dragões não deve ser visitado assim. Não sabe o quanto Aquela-que-voava-livremente tramava dentro das cavernas de Dragonmurk... – indo para o companheiro delirante. Quando o shaman tirou as ataduras, Hrodi reconheceu o grito de agonia, era Ulman Alastor, o melhor escudeiro de Stormwind reduzido a carne queimada.

 - Pela Luz!! Alastor!! – exclamou Hrodi protegendo o nariz para não sentir o mau cheiro. – Coloque as ataduras, ele irá morrer!! – o shaman orc nem se importou com os gritos e cobriu o rosto de Ulman com a pasta do pote em grossas camadas. Os gritos acalmaram, Hrodi se espantou com a quantidade de poder que vinha do orc. – Mas que diabos você é?

 - Diabo, eu não sou. Krog é meu nome. Cuidar dos feridos é minha vida. Não importa se é humano, inimigo do nosso mundo, servidor do Inimigo de Todos.

 - Você está falando de nosso Valoroso Rei Varian...?

 - Valoroso Rei deixou este humano e você para trás depois de saírem no Covil Daquela-que-voava-livremente. – Hrodi balançou a cabeça e se sentou ereto no chão, colocando as mãos na cabeça, percebeu que suas mãos estavam enfaixadas. Fora deixado para trás. A última coisa que lembrava era de seu escudo tão poderoso em suas mãos virar uma placa leitosa de aço derretido e de empurrar a tão notória Jaina Proudmoore para longe do bafo flamejante de uma cria de Onyxia. – Feiticeira humana disse para cuidarmos de vocês dois. Nós prometemos que iríamos cuidar, ela prometeu mandar provisões. Ela prometeu e cumpriu. – indicando o lado de fora da tenda. Caixas de utensílios e provisões estavam empilhadas do lado de fora das tendas. Ogres de duas cabeças circulavam pelo vilarejo, recolhendo as coisas de dentro das caixas e levavam para lugares separados.

 - Trocaram provisões por nós dois...? – Hrodi mal podia acreditar no que via e no que sua mente imaginava.

 - Caminho para casa dos humanos é longe. Fiquem e se recuperem. Krog irá ajudá-los a se levantar. – o punho de Hrodi se cerrou em atitude de protesto. Ao sair da tenda esbarrou com um esguio habitante do vilarejo. Um homem com cerca de 30 anos e cabelos muito avermelhados. Hrodi iria xingar, mas as palavras não saíram, os olhos do homem eram esverdeados, tão luminosos quanto o de sua filha desaparecida, Sorena.

 - Calminha aí carinha-de-Storm... – Hrodi recuperou a fala e soltou:

 - Onde está o líder de vocês? – o elfo riu alto.

 - Líder? O meu está em Silvermoon, obrigado por perguntar... Mas se quer saber qual é o chefe desse vilarejo, eu não me arriscaria a perguntar aos ogres.

 - Por que não?

 - Porque vocês de Stormwind são um bando de cabecinhas cheio de titica de Hawkstrider... Você acha realmente que sobrevivemos obedecendo cegamente aos “líderes” e “reis” e “princesas”? Por favor... – se afastando rapidamente, mas Hrodi o segurou pelo braço.

 - O que quer dizer com isso?! – o elfo se soltou e bufou impaciente.

 - Por isso vocês são deixados para trás, escutou? Quando um Rei seus perde a batalha, ele deixa os soldados imprestáveis para os abutres. Foi isso que aquele maldito matador de elfos faz o tempo todo. Já quando é um de nossos líderes, os soldados feridos são os primeiros a entrarem em nossas cidades com toda honra e glória.

 - Estás ofendendo a Majestade de Varian Wrynn? Como ousa...?

 - Esse é o problema de vocês! – apontando para o rosto de Hrodi. – Vocês vivem para as guerras infinitas, nós vivemos pelo nosso povo, nossa Horda. Não me interesso se são orcs esverdeados, ou ogres de duas cabeças. Todos somos a Horda e você, humano, não aceitaria isso nunca. – Hrodi avançou contra o elfo, mas logo foi repreendido por suas costas doloridas. O elfo riu mais alto e alguns ogres vigiavam a briga. – Isso é patético. Você não duraria um dia nas fileiras de combate, velhote...

 - Vou te mostrar quem é velhote aqui seu...!! – quando Hrodi avançou novamente, o elfo se esquivou graciosamente e atingiu um golpe abaixo de seu ombro, fazendo o Paladino cair de joelhos no chão de tanta dor que sentiu.

 - Você não é nada aqui, velhote... Acostume-se com a idéia... – e sussurrando bem perto do ouvido de Hrodi. – Seu rei pode ter matado Onyxia e suas crias, mas isso só serviu de pretexto para despertar a ira de Asaletal... – e se afastando dele, o elfo seguiu para uma outra tenda. Hrodi ainda de joelhos, encarava o chão cheio de dor e amargura. Fora deixado para trás em um momento crucial em sua cidade. Deixado no meio de selvagens da Horda. Selvagens que curavam os feridos. Selvagens que tinham o mesmo belo rosto de sua filha tão adorada.


                Uma garotinha comia uma maçã ali por perto, coçava a orelha pontuda com vagarosidade e fazia uma carinha de apreciação pelo gesto. A boca cheia de papa de maçã e os pés descalços na lama de Dustwallow Marsh observava a comitiva de Stormwind voltar vitoriosa. A cabeça de Onyxia espetada em uma estaca enorme e bem presa a um carrinho puxado por paladinos maiores que um armário. Magos se enfileiravam ao canto, curando os feridos e planejando teleportes. O mais alto de todos era o Rei de Stormwind segurando seu filho ferido em batalha, uma das pernas quebradas e olhos marejados pela dor. Ele dizia palavras confortadoras para o garotinho em seu colo e marchava em direção ao Norte.

                Quando a garotinha deu um passo na frente do líder Varian Wrynn, os paladinos restantes puxaram todas suas armas e escudos, prontos para outra batalha.

 - Quem é você? O que quer?! – vociferou um dos paladinos na frente. A menininha o olhou de cima abaixo e apontou a maçã para o garotinho machucado no colo do Rei Varian. O menino Anduinn pegou a fruta e abocanhou automaticamente, mastigando com vontade. Seu pai quis griar ordens para aniquilar aquela garotinah vinda do nada, mas assim que seu filho desceu de seu colo e colocou os pés ao chão para andar novamente, ele precisou piscar diversas vezes para acreditar. Todos os ferimentos do seu filho haviam sido curados.

 - És um anjo enviado pelos Deuses, menina...? – perguntou Variann ajoelhando-se perante ela e pegando Anduinn para si.

 - Você matou a minha prima problemática. Meio que gostei disso... – disse a garotinha que tinha os cabelos em cor de cobre e olhos tão acinzentados que mal dava para separar o branco dos olhos com a íris clara.

 - Onyxia, você quer dizer...? – a garota concordou pegando a maçã da mão de Anduinn. – Você é... É uma das crias de Asaletal?

 - Não, mas vim de longe pra te pedir uma coisa muito importante...

 - E o que seria? – a garotinha desapareceu do campo de visão de Variann e reapareceu atrás de uma arqueira particularmente estafada pela batalha anterior. Ela estava deitada em uma maca improvisada e tinha a cabeça enfaixada no lado esquerdo. Seu rosto marcado por unhadas profundas e uma coruja branca pousada em seu ombro.

 - Eu preciso do arco que derruba dragões...

 - Criança... – murmurou a arqueira ofegantemente. – Vai me tirar meu único e último orgulho? – a menininha dobrou os joelhos e se transformou em uma jovem adulta com as mesmas feições que a garotinha tinha. Muitos pararam de caminhar e apontaram armas ou conjuraram feitiços protetores.

 - Acho que a senhora já deixou seu orgulho ir pras cucuias, sabe? Mas tipo, eu preciso meeeeesmo desse arco...

 - Identifique-se criatura da Revoada... – ordenou Variann com a mão na espada, Anduinn tocou a mão do pai e o olhou seriamente.

 - Eu vi o futuro, papai. – o Rei encarou o filho recuperado – E seria bom devolver o arco para quem é o verdadeiro dono...

 - Esse arco é de minha família... – murmurou a arqueira na maca, tossindo um pouco de sangue. – Ele fica onde eu quiser... – a mocinha de cabelos acobreados fez uma careta nada amigável, mas debochada.

 - Então quem vai pagar por isso é a sua família... – levantando a cabeça e se espreguiçando. – É... Eles já se ferraram. Bem feito, quem mandou? Eu avisei...



Nos túneis de Undercity.

                Um puxão em seu braço a fez atacar instintivamente o agressor desconhecido. Era uma banshee translúcida na parede de um túnel que tentou descer para achar seu mestre.

 - Desculpe se a assustei, Sorena... – disse ela com voz espectral.

 - N-não foi nada... – e depois recobrando o autocontrole. – C-como sabe meu nome?

 - A Dama Sombria quer vê-la agora mesmo... – indo em direção de Sorena e pegando seu braço com força. A jovem se soltou da mão poderosa da banshee. – Não quer ir, minha criança?

 - Não sou criança... – resmungou ela para a banshee confusa. – Aponte-me o caminho e eu irei te seguir...

 - Sim. – respondeu ela secamente e seguiram por um caminho alternativo nos túneis. Desceram algumas escadas e o ar ficava cada vez mais abafado e escasso. Após atravessarem um corredor estreito e cheio de teias de aranha, Sorena teve um acesso de tosse. A banshee não parou, apenas a olhou entediada. – Vamos, criança do Sangue... Ande logo antes que perca o ar dos pulmões. – Sorena apressou os passos e cada passo era como estar lutando pela sua vida inteira. O cansaço atingiu suas pernas, pesadas que mal conseguiam levantar os pés, logo a falta de oxigenação atingiu seu cérebro e ela foi desmaiando devagar, em uma tonteira vertiginosa que a empurrava mais e mais para o final do corredor. Seus olhos já estavam cerrados quando chegou a uma galeria fluvial bem arejada e úmida. A banshee desapareceu logo em seguida.

                Sua cabeça bateu no chão aconchegada pelo seu braço. O queixo doía pela queda, mas se sentia imensamente feliz por poder respirar novamente. As águas da galeria jorravam rapidamente entre canos, depressões, fossos e pequenas quedas na pedra. O lugar todo parecia ter sido construído por engenheiros cuidadosos com a água. Cada canto alojava uma rede intricada de canos e pequenas cascatas de água límpida. Um dos fossos ao seu lado transbordava sedimentos vindos da água, pedras, areia e objetos incomuns. Levantou-se aturdida e percebeu-se nesse lugar.

                O medo veio em seu coração ao pensar que estivesse perdida, que não acompanhara a banshee devidamente e que ficaria ali pela eternidade. Um roçar de tecido veio em sua saia longa, virou-se velozmente e preparou um feitiço, era um pequeno réptil. Estava morto, pelo que aparentava, mas se contorcia nervosamente no chão, garras arranhando o chão de pedra e bico revelando uma língua viscosa e doentia. Fora tragado pelos dutos e estava tão encharcado que mal sabia se eram gorgolejos de dor ou de afogamento.

 - Mas o que...? – ela disse se aproximando da espécie dracônica com escamas muito brilhantes. O bicho se contorceu mais ainda e deu seu último suspiro. Sorena se lançou para cima dele, como se não conseguisse conter o impulso. – Não, não! Agüente firme, mocinho!! V-vou te curar, eu consigo! Agüente mais um pouco!! – ela pediu enfiando as mãos no manto de seu mestre e encontrando as mesmas bugigangas de sempre. Concentrou-se na memória, deveria lembrar-se daquele dia em que o mestre revivera aquele corpo para lutar com eles contra os mortos-vivos do vale Alterac. Não, não! Isso seria horrível! Transformar aquele animal tão majestoso ali a sua frente em um morto-vivo?! – A-alguém me ajuda!! – gritou ela para a galeria vazia, a água respondeu do mesmo jeito. Sorena pegou o animal cuidadosamente em seu manto, o aqueceu como pode e o arrastou até um lugar iluminado com uma tocha. - Lembrar das lições, lembrar das lições! Vai Sorena! Você consegue!

                O ferimento do animal era letal, atingira em seu coração, logo abaixo da garganta. Uma flecha robusta talvez. O corpo dele ainda estava quente. Estancou o ferimento com as mãos e pensou no poder vindo daquela luva de escamas de dragão. Pensou nas palavras antigas possíveis para poder trazer alguém à vida, não havia nenhuma! O corpo do animal ficava cada vez frio, a morte se alojava dentro dele, Sorena sentia isso. Desde que era pequena sentia como a morte entrava na vida das pessoas e dos animais.

E o sentimento era repugnante e surpreendentemente irresistível de não se perceber.

Começou a chorar pela angústia de perder alguém que mal conhecera. Será que choraria também caso perdesse sua florzinha? Afastou o pensamento, não queria pensar em perder a sua florzinha, perder sua Serenath, uma lembrança de sua mãe que nunca conhecera, mas que aquele lugar morto havia trazido com tanta força. E por todos os deuses! Quem era Sylvos Windrunner?!

                Assustou-se ao ver que a tocha atrás de si se movimentara de lugar, estava agora na mão de um vulto coberto por um capuz. A possível pessoa verificava o Dragon Hawk com interesse. Sorena se alertou.

 - Saia de perto dele! Não deixarei você almoça-lo! – ela bradou os punhos fechados em direção ao vulto. Os olhos pálidos da Rainha Sylvanas encontraram os seus.

 - Não precisa gritar. Estou te ouvindo muito bem. – respondeu ela brevemente. E com um carinho na carcaça do Dragon Hawk, trouxe-o de volta dos mortos, mas não como vida. Sorena se afastou enojada, lágrimas ainda caindo de seus olhos. – Não deveria ficar com tanto medo. É uma feiticeira não? Necromantes fazem coisas piores com os mortos...

 - Mas o que você fez com ele?!

 - Ele morreu, precisava fazer alguma coisa. Não posso deixar que o corpo dele contamine os dutos. – a cabeça de Sorena voltou a funcionar furiosamente. A banshee nos corredores, a cestinha de comida, a florzinha lilás, a reação de seu mestre.

 - Por que me chamou aqui?

 - Eu a chamei? – devolveu Sylvanas acariciando o bico quebrado do Dragon Hawk, ele agradeceu com um ruído vindo da garganta empalada.

 - Uma de suas aias... banshees... – estranhou Sorena olhando ao redor. Sylvanas mirava o animal morto-vivo com um interesse mínimo.

 - Oh sim... Lembrei-me agora.

 - Então...?

 - Mas este Dragon Hawk morreu e eu o revivi para seguir os meus propósitos... Por que fiz isso?

 - E eu lá vou saber?! – resmungou Sorena respirando devagar, queria voltar a respirar normalmente. A Rainha dos Abandonados seguiu para dentro de um túnel, sempre segurando a tocha com firmeza, Sorena saiu atrás dela, seguida pelo animal morto-vivo roçando seu bico quebrado em suas pernas. – Eu quase morri lá atrás no corredor! Não havia ar suficiente! – exclamou ela ao ver a Rainha se afastando demais. – Eu vim porque a sua aia pediu, hey! Está me escutando?

 - Quem é Sylvos Windrunner...? – respondeu a Rainha olhando para trás. Sorena percebeu-se em outro salão ricamente mobiliado, teto muito alto e com lustres cheios de velas vermelhas e amarelas, armaduras e peças de vestuário estavam presos à parede oposta, algumas estantes ficavam no meio do salão, como divisórias, uma tumba se salientava da pedra de uma parede ao fundo, com um caixão finamente trabalhado em madeira branca e polida.

 - Quem é ele? – perguntou Sorena vislumbrada com o aposento. O Dragon Hawk gemeu alguma coisa e bicou seu dedo mindinho, o sangue que brotou do ferimento não-intencional chamou atenção da Rainha. O animal morto-vivo lambeu avidamente o sangue que escorreu para o chão.

 - Diga-me primeiro sobre sua flor... Serenath é o nome dela? – Sorena concordou amedrontada, como ela sabia?

 - Alguém deixou uma flor em uma cesta de pão... Tratei de cuidar bem dela... Plantei perto da fonte. – e com sua audácia renovada, completou. – Para que viva além desta morte que vejo em todos os cantos deste lugar imundo.

 - Lugar imundo... – repetiu Sylvanas com desgosto. – Esse lugar imundo te aloja do perigo.

 - Mas devora a minha vida! Pensa que eu não sei? Acho que vocês querem isso de mim, me deixar definhar aqui até eu... eu... – e perdeu a fala quando viu uma placa mortuária perto do caixão. Estava escrito em uma língua desconhecida, mas familiar para Sorena, e ao lado da mensagem sepulcral, havia um nome: "Sylvanas Windrunner.". – Você é Sylvanas Windrunner??? – apontando para a Rainha.

 - Conhece meu nome...?

 - Você causou a Queda de Quel'Thalas!! – exclamou Sorena com uma raiva crescente vindo em seu sangue. Seus olhos transpareceram o ódio. – Você deixou que eles entrassem!! E não fez nada!! – a Rainha apontou para o filhote de Dragon Hawk bicando a mão de Sorena novamente, a jovem bateu de leve no bico quebrado para fazê-lo parar.

 - Vês este ser aí aos seus pés? Era eu aos pés do Inimigo. Bicando seus dedos para ter comida, ter vida. O mesmo que tirou minha vida e me trouxe de volta a esta existência monstruosa... Vês como ele é insistente? Ele está com fome, você dará ele de comer? Ou o deixará perecer novamente? – Sorena engoliu o orgulho e a raiva. – Olhe só para você... Ainda tem algo de humano nesse seu coração... – Sorena achou que aquilo fora uma ofensa, mas pensou outra vez. Havia ainda um pouco de humano em seu coração. Havia ainda Hrodi e Oxkhar e Goldshire em seu coração.

 - Isso parece ser um problema?

 - É, quando é minha sobrinha que aparece aqui em meu reino... – o baque da palavra "sobrinha" fez o estômago de Sorena se contrair violentamente. O pequeno Hawk bicou novamente a saia dela, Sorena o olhou com repreensão.

 - Pare de me morder! – pediu ela e apontou para o corredor. – Cace um rato para você, têm muitos por aí! – Sylvanas riu misteriosamente, chamando atenção de Sorena para voltar ao assunto.

 - Sylvos era meu irmão... O sangue nos conta tudo e eu não duvido do meu. Você é uma Windrunner. Tem até o jeito de andar de minha irmã mais velha Alleria...

 - Me chamou aqui para contar a história da família? – desdenhou Sorena tentando não entrar em pânico. Com tanto elfo espalhado por Lordaeron, por que justamente ela deveria ser a sobrinha de Sylvanas Windrunner?! Conhecia o nome pelos livros da Ordem que seu irmão Oxkhar trazia para casa depois das missões e também daquela plaquinha abaixo da estátua de uma bela elfa arqueira na entrada de Stormwind.

 - Chamei-a para fazer um convite. Se é que tenho autoridade o suficiente para convidá-la a qualquer coisa... – aquela provocação fez Sorena lembrar sua condição naquela cidade morta. A mulher a sua frente era Rainha daquele lugar e pelo que conhecia das lendas, a Dama Sombria era impiedosa com seus inimigos. – Quero-a perto de mim... Soube que seu treinamento com Derris está indo bem, mas há muito que quer aprender com os nossos habitantes. – Sorena concordou timidamente. – E que o ódio que fulgura em teu coração é a curiosidade pelo poder dos antigos. – Sorena foi obrigada a concordar novamente. – A curiosidade mata, sabia?

 - Já me avisaram isso...

 - Pelas leis de Undercity, você não poderá sair daqui até que eu dê o comando. E como não quero ser persuasiva ao ponto de te obrigar a ficar, espero que acolha o meu convite de bom grado.

 - Ou...?

 - Ou não conto aonde sua florzinha foi enterrada... 



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Notas finais do capítulo

Quem estiver acompanhando, me desculpe, mas fiz um update longo na história, incluindo algumas coisas que não haviam na versão anterior!Nyaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!



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