O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 11
Turnit: O Carreirista, o Fotógrafo, o Amigo.




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  Eu me levanto. Não preguei os olhos por nenhum momento à noite, mas não vou deixar Hanny me criticar por isso. Entro no chuveiro e tomo um banho frio, com o mesmo sabonete com o cheiro da praia.

  Com o cabelo seco e penteado, passo o mesmo batom da noite passada e volto para a cama. Consigo dormir por alguns minutos. Até que Hanny bate à minha porta.

  Toc, Toc... Toc. Toc, toc.

  É uma batida ritmada.

  Toc.

  Como uma balada, Techno.

  TOC.

   “Levante-se. Antes que arrombem a porta.” – Eu penso.

  Com muito esforço e relutância eu abro a porta.

  -Hoje vai ser um dia espetacularmente ótimo! – Ela diz, animada. Imagino se todas as acompanhantes são assim, ou se é apenas ela e seus problemas mentais. – Dormiu bem?

  Aquilo foi uma pergunta retórica, não? Eu tenho mesmo que responder?

  -O que você quer?

  -Está na hora, querida! Vamos tomar café. – Diz, com um tom de voz que não combina nem um pouco com sua expressão de desaprovação que nem mesmo sua maquiagem Capitalesca esconde. “Vistam-se. Quero sair logo daqui!”. Seu cabelo roxo estilo Black Power também não está ajudando.

  Percebo rápido que não quero ficar muito perto dessa mulher. Então vou ao banheiro, me olhar uma última vez no espelho. Nada de sair por aí com remela no olho. Ela me encara, de cima a baixo. Posso ver sua cabeça balançar negativamente ao ponto que repara em meu corpo... Meus braços meio magros, com alguns pequenos músculos desenvolvidos. Minhas pernas fortes. Minha pele bronzeada, muito longe do pálido tom de pele moda na Capital. Minha face carrancuda olhando para ela. Vejo seus olhos encarando meu tronco, como se tentassem definir o tamanho de meus seios.

  E eu a observo, fazendo o mesmo. Seus cabelos roxos são góticos, suas vestes combinam com eles, roxas e pretas. Seu vestido tem por volta de sete botões, desde a altura do umbigo até o colo, onde repousa um grande e ousado decote. Suas pernas são envolvidas por uma meia-calça, que não sei se são transparentes e exibem sua palidez, ou se são brancas mesmo. Suas unhas são extremamente compridas, pintadas de preto e roxo, preto e roxo, preto. Ela estampa um sorriso falso com seus dentes brancos e brilhantes. E seus seios são do tamanho de um melão premiado.

  Eu me dirijo até a sala do café da manhã, enquanto Hanny acorda Turnit. Sinto uma vontade repentina de chamá-lo pelo sobrenome. É um nome bonito, afinal... E depois da noite passada, quando me lembrei de meus pais, não me atrevo a chamá-lo de John; o mesmo nome de meu Pai.

  -Oi. – Eu digo. Até agora, só estamos eu e Troy sentados à mesa. Estranho.

  Ele murmura algo que entre um “oi” e um “me deixe em paz”. Fico imaginando a razão de ele ser tão fechado. Ele foi um carreirista afinal, e ganhou os Jogos. Ele deveria ser uma pessoa feliz, oras!

  -Bom dia! – Cantarola Hanny, entrando na sala.

  -Oi. – Eu digo.

  -E aí?! – Diz Turnit. Penso se esse cumprimento não foi intencionado a deixar Hanny brava em relação à nossos modos. Ela para de sorrir por um segundo e vejo que seu propósito foi alcançado. Mas como ela é obrigada por lei a sorrir a todo instante, ela o volta a fazer. Eu rio quando Turnit pisca para mim, com ar de sapeca. Hanny nos encara por um momento, curiosa.

  -Vocês dois já se conheciam? – Ela pergunta, enfim.

  -Não. – Eu respondo.

  -Sim. – Ele responde. Olho para ele. - O que?

  -De onde exatamente você me conhece?

  -O Centro de Treinamento pra Carreiristas. – Ele diz, simplesmente. Quando vê que eu não respondo ele esclarece. – Fica atrás do abrigo.

  -Você é um Tributo Carreirista? – Pergunta Troy.

  Turnit apenas dá de ombros, assentindo. Como se aquela fosse a coisa mais normal do mundo.

  -Você não age como um. – Troy continua, mas Turnit não responde.

  Vários minutos de um silêncio constrangedor se passam, e enfim Hanny parece se lembrar de que tem que ser desagradável.

  -Estão gostando? – Ela se refere à bebida que estamos tomando – Chamam isso de chá gelado. É feito de chá e gelo.

  Você jura?!  Eu tenho vontade de falar. Mas tudo o que sai de minha boca é:

  -Hm.

  Ela sorri. Aponta para o cereal que estou comendo.

  -Chamam isso de Cereal. É feito de grãos de cereal.

  Não respondo. Porque, se abrir a minha boca agora, não vou conseguir parar. E se não conseguir parar, Hanny vai ficar muito magoada. Eu não deveria me importar com isso, contando que ela fala conosco como se fôssemos animais, mas decido não criar tumulto hoje.

  -O que vocês comem no Distrito Quatro? – Ela pergunta. Eu permaneço calada, e acho que a colher que estou segurando pode se transformar em uma arma em segundos. Só basta ela afirmar que... – Não enjoa pescar todo dia, o dia inteiro?

  Zum!

 Minha colher passa zunindo logo acima da grande peruca roxa de Hanny e incrivelmente perfura a parede. Turnit parece surpreso, mas ele ri discretamente com a expressão amedrontada de nossa acompanhante. Até mesmo Troy esboça um sorriso. Quando eu percebo o que fiz, já é tarde demais.

  -Ora, sua peste! – Ela abandona o tom agudo que sempre usa e fala com uma voz quase normal. Levanta-se da cadeira, ultrajada.

  -Não é educado falar da vida das pessoas quando tudo o que se tem são informações errôneas. – Eu esbravejo. – Então não se meta na minha vida! Você não sabe de nada! Nada!

  Ela se cala enquanto eu ponho de lado minha tigela de cereal e bebo lentamente o chá gelado.

  -Vou treinar vocês separadamente. – Troy muda de assunto.

  Turnit, por incrível que pareça, começa a protestar, meu eu o corto.

  -Está ótimo.

  Ele hesita por um instante.

  -Certo. – Diz, enfim.

  Hanny é a primeira a sair da sala. Enquanto isso, o túnel está chegando ao fim, e pela primeira vez na vida eu vou ter a oportunidade de ver a grandiosidade de meu inimigo.

  O túnel acaba e uma sensação de cegueira repentina toma conta de nossos olhos enquanto nos grudamos à janela de trem. Luzes, várias luzes. E ainda é manhã. Turnit pega uma câmera fotográfica debaixo de sua cadeira e começa a tirar fotos, loucamente.

  Prédios altos se erguem no meio das ruas. Casas são pintadas com as cores da moda. Pessoas emperiquitadas e serelepes se congratulam por suas roupas novas e conversam sobre os tributos dessa mais nova edição dos Jogos Vorazes. Em quem cada um vai apostar?

  -Eles têm grandes bolsos. Os homens – Turnit comenta, ainda atrás da lente. Nesse momento eu olho para suas calças e ele tem razão. As criaturas que eu imagino serem os homens possuem bolsos gigantescos e gordos. – Acho que eles guardam dinheiro em um, maquiagem em outro.

  -Não duvidaria se o fizessem. – Eu murmuro.

  -E as mulheres sempre andam ao lado de um homem. – Ele continua. É verdade. Todas as criaturas que parecem ser mulheres andam ao lado de uma criatura que parece ser um homem. – Por isso não carregam bolsas.

  -Deve ser por isso que todas são tão desesperadas por um namorado. – Eu digo.

  -É por isso mesmo. – Ele responde.

  A multidão aponta e sorri, comenta, grita. Alguns tiveram o trabalho de decorar nossos nomes e os gritam. Por que eles me chamam? Por que apontam especialmente para mim?

   Ao longe vejo um grande prédio. Majestoso. Aquele é o Centro de Treinamento.

  Também vejo o Círculo onde as carruagens passeiam. E a casa do Presidente: Ela é grande, linda, e atrás se pode notar um grande jardim de rosas brancas. As rosas do presidente.

  Imagino por que alguém que mora numa casa como aquela viajaria até o Distrito Quatro para ver uma garota como eu.

  -As sombras escuras são para as solteiras. – Ele volta a falar. Observo as mulheres e percebo que, novamente, ele está certo. As mulheres de mãos dadas com algum homem estão usando sombras claras, já as juntas em um grupo de mulheres são as solteiras, usando sombras escuras.

  Penso em Hanny e suas sombras escuras. Ela é uma dessas solteiras da Capital. Apenas mais uma mulher solitária que pensa que não pode viver sem um homem. Será que ela esconde alguma coisa embaixo de seu sorriso constante? Provavelmente. Todos nós o fazemos.

  -E elas também usam bolsas. Pequenas ou grandes, de acordo com seu desespero. – Ele continua.

  Vejo uma mulher acariciando o peito de um homem de sombras escuras. Será que os homens também são desesperados para encontrar uma namorada? Acho que sim. Ela segura uma bolsa grande na outra mão. Então ela a solta e, literalmente, se pendura no homem, beijando-o selvagemente. Coitado. Mas ele parece gostar, porque a beija de volta com a mesma intensidade. Irgh.

  Vejo outra mulher olhando timidamente para um homem de sombras escuras também. Ele acena e ela ri. Ela segura uma bolsa pequena em sua mão. O que indica que ela está sim desesperada, mas não tanto quanto a mulher anterior.

  Por fim entramos em outro túnel, escondendo-nos de toda aquela atenção. Eu me afasto o máximo que posso da janela. Ele começa a examinar as fotos que tirou. Vou até seu lado e faço o mesmo. Todas são absolutamente perfeitas. Turnit capturou a aura de cada uma das criaturas maquiadas. Sua tristeza por estar solteiro, seu ciúme, sua paixão, sua admiração.

  -Você é muito bom nisso. – Eu afirmo.

  -Parece que eu sou. – Ele diz, ainda verificando as fotos, sem nem ao menos olhar para mim.

  -Achei que carreiristas não tirassem muitas fotos. – Eu comento sedenta por uma explicação.

  -E não tiramos. – Ele responde, levantando os olhos e olhando diretamente nos meus, coisa que me faz enrubescer. Seus olhos me parecem verdes agora, mesmo que no dia da colheita eles me parecessem azuis. – Mas minha mente é assim. Os acontecimentos ficam marcados em fotos para mim.

  Eu penso sobre o assunto enquanto ele faz uma pausa. Os acontecimentos para mim aparecem em pequenos vídeos, junto com a sensação que senti no momento. Como será para alguém, ver tudo o que acontece no mundo como fotos? Interessante, com certeza.

  -Mas eu nunca tinha tido nenhum câmera. – Ele volta a olhar para as fotos.

  -Quantas fotos você tirou?

  -Umas 100.

  Eu rio, e antes que perceba ele está tirando uma foto de mim. Coloco a mão na frente da tela.

  -Ei! Não! – Fecho a cara.

  -Eu vou me preparar pra sair. – Ele diz, quando a luz atinge a janela novamente. – Eu faria o mesmo se fosse você.

  Voltei correndo para o meu quarto, me olhei no espelho e peguei do armário uma camiseta de mangas até os cotovelos, branca com listras roxas estampadas como pele de tigre; um short preto e um par de botas de caçador Pretas. Escovei os dentes e passei o batom.

  No exato momento em que acabei de me trocar, Turnit bate à minha porta.

  -Não está tomando banho de novo, está?

  Eu abro a porta.

  -Cale a boca!

  E ponho-me a andar.

  Hanny está séria, nos esperando ao lado de Troy perto da porta de saída. Pude vê-la treinando sorrisos com Troy: Qual fica melhor? Mas sei que algo está errado.

  Ela abre a porta e quase fico cega devido a quantidade de Flashes tirados. Pisco algumas vezes, mas saio do trem com a expressão nula. Tento olhar para os outros tributos saindo do trem, mas parece que temos a maioria dos fotógrafos focados em nós.

  Mais estranho ainda.

  Chegando ao Centro de Treinamento, os Tributos do Distrito Um e Dois já estão posicionados em uma fila dupla para subir no elevador. Os tributos do Distrito Três chegam logo antes de nós.

  Não pude deixar de notar o quanto Turnit estava certo. O menino do distrito três parece ser o mais fraco de todos os tributos... Ele tem 12 anos, assim como eu. Sardas espalham-se por todo o seu rosto, e quase posso imaginar covinhas aparecendo quando ele sorri. Seu cabelo é enrolado e curto. Ele é ruivo. Ele é baixo, menor do que eu.

  Não me parece o tipo de pessoa que os outros gostariam de ver condenado à morte. Olho de relance para Turnit. Ele também não parece ser odiado pelas pessoas, a pesar de muitas vezes pedir para que eu o faça. Tento imaginar o que há com esse menino que fez com que as pessoas votassem nele. Será que ele tem apenas a cara de anjo? Não sei. Mas estou determinada a descobrir.

  Depois de o elevador subir e descer, subir e descer, levando os tributos dos distritos Um, Dois e Três, chega a nossa vez. Enquanto subimos até o Quarto andar (o nosso andar), imagino como os tributos do Distrito 12 deve estar se sentindo. Eu me sentia nervosa parada lá, tentando ao máximo não me concentrar nos fotógrafos e repórteres loucos a alguns metros de mim. Esperar parecia uma eternidade para mim. Para ele, não consigo imaginar.

  Aliás, por mais que esse ano tenha os melhores jogadores de cada distrito, o Distrito Doze não mudou muito. Pobre Distrito Doze. Será que algum ano eles vão ganhar, novamente?

  Lembro-me do ano retrasado, quando pela primeira vez nos Jogos um tributo do Doze ficou entre os Oito finalistas. Foi um tumulto total. Ainda mais, três dias depois, quando ele venceu! Todos ficaram surpresos, ainda mais quando o menino que julgavam faminto e pobre no começo matou nosso carreirista Farren.

  Mas é claro que a fome não lhes dá muitas chances contra os bem-alimentados, fortes, mal educados, agressivos, esperançosos, vingativos, sanguinários tributos deste ano.

  E a lista de tributos ficou:

  Aparentemente Fortes: Um, Dois, Menina do Três, Cinco, Seis, Sete, Menino do Oito, Nove, Menino do Onze.

  Aparentemente Fracos: Menino do Três, Quatro [Eu e Turnit!], Menina do Oito, Menina do Onze.

  Não diria que somos a maioria, se quer saber.

  Chegando ao nosso andar, vou rapidamente até meu quarto e me tranco lá. Eu não tenho chances. Eu vou perder. Eu vou morrer, e nunca mais vou ver Jason de novo, ou Rosemary, ou Beau. Vou acabar nas mãos de um dos tributos e ele vai me bater até eu morrer de hemorragia. Vão me chicotear, como fizeram com meus pais. Vão amarrar meu pé numa rocha e me jogar no lago.

  Argh! Quero correr para a praia. Mas não posso, porque aqui não tem praia!

  Numa saída desesperada, eu resolvo entrar debaixo do chuveiro e ficar sentada lá, com o barulho da água abafando minhas lágrimas. Eu grito o máximo que posso, mas não parece ser o suficiente. Roo as unhas. Ela estão quase acabadas, quando alguém bate à minha porta.

  Olho para o relógio. Já é noite! Quantos litros de água eu gastei?

  Levanto-me e tiro as roupas apressadamente. Jogo-as por cima do boxe e começo a lavar a cabeça, numa tentativa fracassada de fingir estar bem. Para minha sorte, a fumaça da água quente deixou uma camada branca no vidro, portanto é impossível ver meu rosto vermelho.

  Ouço a porta se abrir. Deve ser Hanny, me chamando para o jantar. Percebo que eu perdi o almoço com minha choradeira.

  Entro no aparelho que seca meu corpo e cabelos e me enrolo numa toalha.

  Mas quem está sentado na minha cama é Turnit.

  -Ah! – Eu grito.

  -Meu Deus, Anna! – Ele rapidamente fecha os olhos, corando até o couro cabeludo. Eu corro de volta para o banheiro.

  -O que você estava pensando? – Eu grito do banheiro.

  -Desculpa – ele gagueja. – Já estou saindo!

  Droga. Imagino se a minha imagem, só de toalha, não vai ficar marcada na mente de Turnit. Droga, droga, droga. O que ele estava fazendo aqui?!

  Camiseta de manga curta branca e calça jeans, também pego sapatilhas vermelhas e passo o batom. Só nesta noite me dou ao luxo de escolher um acessório simplório de cabelo (coisa difícil de achar no catálogo), e pego um laço vermelho, que uso para amarrar o cabelo num rabo de cavalo alto.

  Quando chego à sala de jantar, Turnit enrubesce e se cala. Sua comida lhe parece muito interessante agora. Eu também coro.

  -O almoço estava ótimo! – Diz Hanny – Por que você não veio?

  -Não estava com fome. – Eu respondi, simplesmente.

  -Hm, esta bem. Amanhã vai ser um dia espetacularmente ótimo! – Ela exclama. – Vamos para o Centro de Transformação dar um jeito em vocês.

  Dar um jeito. Ela quer me dar um jeito. Argh! Sinto vontade de ameaça-la de novo, mas posso passar a impressão de que estou descontrolada, e realmente não gosto disso. Então eu obrigo a mim mesma a ser simpática esta noite. Talvez Hanny não queria nos magoar, e esteja fazendo apensa comentários Capitalescos.

  -O que acha que vão nos fazer vestir? – Pergunta Turnit, na primeira vez que abre a boca durante o jantar.

  -Não sei... – Hanny viaja. – Mas seus estilistas são incríveis! Eles são novos no centro de treinamento, porque o público já estava cansado dos mesmos looks daqueles lá, todos os anos.

  -Eram mesmo parecidos. – Eu digo, lembrando-me dos mesmo vestidos e ternos com estilo de pescador, todos os anos.

  -É... Você deram sorte! – Ela diz alegre por termos uma conversa sobre um assunto do qual ela entende, e alegre por, até o momento, nenhum talher ter voado por sua cabeça.

  -Desculpe. – Eu digo meio de mau gosto. – Não... Não consegui me controlar. Hoje de manhã.

  -Está bem! – Ela disse sorridente. – Eu sou uma ótima acompanhante.

  Esperei por uma continuação, mas ela parou por ali. Então está bem.

  -Você é. – Murmura Turnit.

  Hanny termina de comer e se dirige à seu quarto para fazer o planejamento de todos os nossos compromissos nos dias que virão. Troy se levanta sem nenhuma fala e também vai embora. Ótimo. Sobramos eu e Turnit.

  Até mesmo os Avox foram para a cozinha.

  -Desculpa... – Ele começa. – Por aquilo.

  Decido que não vale a pena ficar bravo com ele, porque seria uma grande perda de tempo. Tenho que me concentrar nos Jogos a partir de agora.

  -Tudo bem, relaxa. – Eu digo, terminando minha refeição e me levantando. Estou chegando à porta quando ele volta a falar.

  -Foi mesmo sem querer. A porta do banheiro corta o som do chuveiro.

  -Eu disse que está tudo bem. – Eu me viro e, novamente, ele estava olhando para mim. Seus olhos me pedem perdão, e eu começo a acreditar que não foi nada de mais eu estava de toalha afinal, e não pelada. Sorrio e volto a andar.

  Subitamente, minha pele enrijece. Ele está tocando minha mão! Qual é o problema dele? Solte-a! Mas ele não o faz. Eu me obrigo a não olhar, não olhar.

  -Anna... Quer ver uma coisa bem legal?

  Não!

  -Está bem, mas rápido.

  -Certo! – Ele me puxa, sem soltar minha mão, até o elevador. E lá nós subimos até o décimo segundo andar.

  -Por que estamos aqui? – Eu cochicho. Ele ainda está segurando minha mão.

  -Quero te mostrar o telhado daqui! É in-

  Turnit tromba com a menina do distrito doze. Ela parece indignada no começo, mas ao olhar em seus olhos ela deixa o pensamento de lado.

  -Oi. – Ela diz meio tonta.

  -Hã... Oi. – Ele responde, olhando para o chão a procura de algo que ela possa ter deixado cair.

  Eu solto sua mão, certa de que ele não vai se importar. Mas logo que me afasto um pouco, ele a segura de volta, com mais força. A menina parece perceber, mas não liga.

  -Eu sou Shelly, e você?

  -John. John Turnit.

  -Nome bonito. – Ela afirma.

  Está tentando seduzi-lo! Luto contra o impulso de rir.

  -Arranjem um quarto, vocês três. – Grita o menino do Doze, mais atrás, na porta de seu quarto.

  A menina sorri desdenhosamente, enquanto Turnit parece assustado. Eu rio.

  -Quem é essa? – Ela pergunta, indicando a mim com a cabeça.

  -Anna. – Ele e eu dizemos juntos.

  -Hm... – Como se ela se interessasse. – Você é meio estranha, não é?

  -Hã? – Eu pergunto.

  -Sei lá... Você tem essa aura esquisita.

  -Ei! Não fale assim dela. – Turnit se mete. – Você nem a conhece, oras!

  Ela parece indignada e meu pergunto que tipo de estratégia essa menina bolou.

  -Está bem, conquistador. Fica com a merreca.

  Tenho que repetir mil vezes que não se pode atacar um tributo antes de começarem os Jogos. Ai dela, quando o gongo soar naquela arena. Ai dela!

  John recomeça a andar, e bate seu ombro no dela, desequilibrando-a. Posso ver um sorriso satisfeito se formando nele. Eu também estou sorrindo.

  Ele abre a porta e nós saímos para a brisa fria. Eu rio.

  -O que foi aquilo? – Eu pergunto.

  Ele dá de ombros. Finalmente solta a minha mão, para correr até o limite do prédio e se debruçar perigosamente. Eu permaneço longe da borda, no centro.

  O telhado é um terreno cinza escuro de concreto puro sem nenhum tipo de enfeite. Nada comparado aos andares majestosos abaixo dele.

  -Por que você me trouxe aqui? – Eu o chamo. – Não é nada bonito, Turnit!

  Ele se levanta e vem até mim, seus cabelos balançando com o vento. Minha franja golpeia drasticamente meus olhos, mas consigo controlá-la aos poucos.

  -Por que você me chama de Turnit?

  -Eu sei lá, oras. – Eu minto.

  -Não, tem alguma coisa.

  -Não tem não.

  -Tem sim. Mas está bem. Você não quer revelar seus segredos para o inimigo, certo?

  -Correto.

  Ele ri e se senta; as pernas esticadas para frente, as costas apoiadas pelos braços jogados para trás.

  -Qual é a cor dos seus olhos? – Eu pergunto, depois de me sentar ao seu lado e se passarem alguns segundos de silêncio, os dois olhando para as luzes embaixo de nós. Elas até que são bonitas.

  -Como assim?

  -No dia da Colheita eles me pareciam Azuis. Agora, parecem verdes.

  -Eles são verde-água. – Ele responde, sorrindo. – Às vezes são azuis, às vezes verdes.

  -Uau. – Eu rio. – Deve ser por isso que aquela menina ficou seduzida por você.

  Ele cora, abaixando levemente a cabeça.

  -Não ficou nada!

  -Ficou sim! Ficou!

  -Para de ser criança, Anna! – Ele grita.

  -Está bem. – Eu digo. – Mas ela ficou.

  -Argh!

  -Sinceramente. Por que estamos aqui? A) Você queria ver a menina do Doze; B) Você queria cuspir nas pessoas da Capital abaixo de nós; C) Outras.

  Ele ri.

  -C.

  -Qual outra?

  -Eu gosto de vento. Acho bonito.

  Minha boca se abre.

  -Vento? – Eu pergunto inconformada. – Você. Gosta. De Vento?

  -É eu gosto.

  -Tá bom, há quanto tempo você gosta da menina do Doze?

  -Anna!

  -Desculpa, mas você não precisa de mim pra sentir o vento. Quer saber? Eu vou descer. Bom vento!

  -Ainda não! A gente ainda não cuspiu!

  Eu me viro imediatamente, rindo.

  -Vamos lá!

  Obviamente nós não cuspimos, porque seria muito mal educado...

  Mentira, nós cuspimos sim. Cuspimos até desidratar e não sobrar saliva nenhuma. Cuspimos até vingar nossa presença nos Jogos.

  Minutos depois, estou exausta de tanto rir. Eu me deito para olhar as estrelas, abafadas pelo brilho das luzes embaixo de nós, mas ainda as mesmas estrelas que eu via da praia.

  -Você têm família, Turnit?

  -Eu moro com meus tios. – Ele reponde.

  -E seus pais?

  -Morreram num acidente em alto mar. – Ele diz, depois de longos segundos.

  -Sinto muito. – Eu digo.

  -Não sinta. – Ele suspira. – Pelo menos eles não foram torturados até a morte.

  Ele se refere aos meus pais.

  -Então você lembra...

  -É claro que lembro. É difícil esquecer. Você berrava muito, mulher.

  Eu esboço um sorriso, mas uma primeira lágrima cai em meu rosto. Eu a seco imediatamente. Não sou de chorar na frente de qualquer um.

  -Pode chorar. – Ele diz, olhando para mim profundamente. – Eu sou seu amigo.

  Amigo... Amigo... Amigo... Suas palavras retumbam em minha mente.

 Amigo! Oh não, oh não, oh não!

 Eu me levanto num pulo. Nada de amigos. Não posso fazer amigos.

  -O que foi? – Ele pergunta confuso. – O que eu falei?

  Sinto raiva de mim mesma, por confiar em mim mesma.

  -Nada. Nada, Turnit.

  Eu saio correndo e bato a porta quando deixo o telhado. Lágrimas brotam de meus olhos. Como fui idiota! Passei tanto tempo me preocupando com coisas fúteis que não reparei no que estava acontecendo!

  John Turnit não é meu amigo. Eu vou ter que matá-lo se quiser Jason, Rosemary e Beau de volta.

  E eu quero.


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