A Grande Busca escrita por Rebeca Bembem


Capítulo 10
Transformamos minha casa em um lar civilizado.


Notas iniciais do capítulo

hey gente! Demorei, demorei, admito. Mas espero que vocês gostem desse ;)



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E como jovens adolescentes que foram forçados a amadurecer devido as circunstâncias, nós sete decidimos limpar a casa. Eu não queria muito limpar, mas a situação encharcada do andar de cima era tão deprimente que Raquel conseguiu me convencer de que uma faxina seria melhor pra todos. Eu estava cansadíssima, morta de cansaço, quase desmaiando de fome - de novo - mas mesmo assim fiz questão de ajudar. Nenhum aqui está em situação melhor que a sua, Alice, deixe de se fazer de coitadinha, eu pensava.

Hugo estava pálido desde que encontramos com Raquel e Pedro e não dissera palavra. Estava começando a pensar que algo realmente havia comido a língua dele. Pedro ainda estava meio baqueado depois de todo aquele sangue perdido. Vou dispensá-lo do serviço pesado, devia tê-lo mandado ir deitar a muito tempo, pensei enquanto descia as escadas tentando me lembrar onde Dona Angela guardava os materiais de limpeza. Sempre fora ela que fazia os serviços domésticos, e Tio César era o motorista. Onde estão eles agora? O que fizeram com vocês, amigos?

Não conseguia parar de pensar no bilhete e suas palavras entravam em mim como facas. Não saber o que fazer era pior do que saber e não ter a coragem. A tal Bianca era filha da mulher que tinha o bem mais precioso da minha vida: minha irmã. Como podia ignorar um encontro com ela? Ela dizia que sabia o que estava fazendo, que tinha uma resposta, um caminho mais curto. O que foi mesmo que ela havia mencionado? ‘Tem uma carta nova nesse jogo, e se seguir as jogadas deles vai acabar perdendo-a’. Era isso, uma carta nova. Mas o que significavam todos esses enigmas? Parecia que ela estava oferecendo um presente muito necessário, ao mesmo tempo em que segurava uma adaga com a outra mão, pronta para enfiá-la nas suas costas assim que você fosse embora.

Mas e se essa fosse a minha única chance de saber realmente que jogo eu estava jogando? E se ela realmente tivesse como saber se eu contasse pra alguém? Ela saberia onde minha irmã está de verdade, quando afirmava que meus amigos não sabiam o que estavam fazendo? Eu tinha medo de aceitar, tinha vergonha de enganar meus amigos, depois de tudo o que arriscaram pra manter todos seguros. Se faltar, perdeu a chance, ela dissera. Era isso que eu queria? Perder a chance? Não, nunca. E quando ela mencionara que meu amigo sabia onde esse tal Café Rio ficava? Ela queria dizer Hugo? Ou Pedro? Ela conhecia algum dos dois. E ao lembrar a reação atônita de Hugo quando lhe perguntei quem era Bianca eu decidi que sabia a resposta. Queria encontrar essa menina. Mas tinha que ir sozinha. E teria que ir escondida. ‘Se contar para alguém ou tentar alguma armadilha, acredite, eu saberei. ’, ela tinha prometido uma vingança caso eu tentasse alguma coisa, caso alguém soubesse. Essa garota me assustava sim, mas não mais do que o risco que Manoela poderia estar correndo nas mãos dessa gente.

Pensando em tudo e mais um pouco quase esbarrei nas garotas de armadura que estavam na minha sala de estar. Olhei pra elas e não pude evitar dar um sorrisinho de incredulidade. Lyanna, Nymeria e Katy haviam posto de lado suas armas e as partes de aço de suas roupas - que era apenas uma placa de peito - e estavam segurando, ao invés de instrumentos mortais, uma vassoura e um rodo com um pano cada uma. Katy segurava ainda um balde rosa, bem pequeno, da Barbie. Eu levava esse balde pra praia pra brincar com minha irmã, lembrei.

– Ele é tão fofo - disse ela com um tom de voz que faria qualquer um acreditar que ela estivesse falando com o cachorrinho mais meigo do mundo. - Eu nunca tive um baldinho desse. Lyanna, por que na Toca a gente não usa baldes bonitinhos assim, hein? Não aguento mais aqueles de madeira velha.

Não aguentei. Tive que sorrir. Era hilário que justamente a que parecia mais gostar de bater em alguém das três lobas se apaixonasse... por um balde da Barbie. Nymeria riu um pouco e Lyanna tentou segurar uma risada apertando os lábios, o que não funcionou muito, já que ela acabou fazendo um barulho muito estranho e teve que disfarçar com um 'ai ai'.

– Olha, vocês não precisam ajudar. São fortes e tudo o mais, mas são hóspedes, e sua viagem deve ter sido longa... - eu estava dizendo.

– E foi - sussurrou Katy, ainda segurando apertado seu balde da Barbie.

– Ah, não vem com essa não, Alice. Acho que o andar de cima deve estar precisando de uma limpezinha, não é? Deve estar inundado. Por Lá! Aposto que vocês não fecharam as janelas, ah o que seriam de você sem n... - ia dizendo Nymeria, dramaticamente, até que Lyanna deu-lhe uma cutucada no cotovelo e sussurrou, achando que eu não fosse ouvir: 'Não fale de Lá aqui, não agora'

? Que nome interessante para se dar à... um lugar? Mas antes que eu pudesse concluir o pensamento, Lyanna interviu com um olhar carinhoso que me encheu de calor.

– Não precisa tentar nos proteger de serviços domésticos, Alice, estamos acostumadas com treinamentos mais pesados - ela disse. - Somos guerreiras, e um pouco de limpeza não vai nos matar. E também, estamos aqui pra te ajudar, no que precisar. Vamos, pegue mais uns rodos e veja se acha mais uns panos e baldes, que esse a Katy confiscou.

Dei um sorrisinho e tentei passar por entre Lyanna e Nymeria para procurar o que precisávamos para secar tudo quando Lyanna e Katy avançaram para as escadas e Nymeria se deixou ficar. Com um cutucão de leve no braço ela me parou e sussurrou no meu ouvido:

– Limpo seu quarto com você. Acho que você precisa conversar - e com isso ela seguiu, seu andar gracioso fazendo o cabelo negro balançar. Ela tem um olho ótimo pra enxergar por dentro, pensei.

Fui até a lavanderia, peguei três rodos - se Raquel quisesse ajudar, não iria dispensá-la, mas Hugo ia trabalhar, ah isso ia - dois baldes e uns panos e segui para a sala. O barulho da tempestade lá fora era horrivelmente alto e estava começando a me assustar. Eu gostava de chuva, sempre achei o barulho reconfortante, mas essa tinha um quê de sombria. São tempos sombrios, o que esperava? Subi as escadas e encontrei com todos no meu quarto. Lyanna já estava distribuindo as tarefas.

– Nym e Hugo podem ajudar a secar o quarto da Alice, enquanto eu e Raquel secamos o de Manoela. Katy, você pode ficar com o banheiro? - Lyanna ia dizendo.

– Eu vou ajudar, não tira meu nome desse negócio aí, de jeito nenhum vocês vão ficar sozinhas nisso – eu disse, talvez baixo demais pra que Lyanna ouvisse, mas alto o suficiente pra que Raquel entendesse e desse um sorrisinho pra mim, do tipo de: ‘você não tem jeito mesmo.’

– Eu quero ajudar, não vou dar uma de coitado, eu estou bem, sério! - dizia Pedro, indignado.

– Amor, fica quieto, você quase morreu de tanto perder sangue, agora cala a boca – disse Raquel, agora para Pedro, com o mesmo tom que usaria com uma criança insistente.

– Eu fico com o banheiro, sem problemas – disse Katy, levando seu balde da Barbie, rodo e vassoura até o corredor. – Nossa! Isso aqui tá alagado! - ela gritou de lá. – Por Lá, por que não fecham as janelas dessa casa?

Lá de novo. Nota mental: adicionar esse nome às minhas muitas dúvidas não respondidas. Mas justamente quando pensava nisso, pude ver Lyanna revirar os olhos, com desaprovação, Raquel e Pedro darem um sorrisinho, Nymeria soltar um ‘ai ai’ mudo e Hugo olhar pra mim com cara de: ‘Preciso falar com você, agora!’. Mas ele podia esperar, afinal tínhamos trabalho pela frente.

Ninguém tinha conseguido convencer Pedro a abandonar o serviço, e como ele era teimoso demais pra parar de insistir que queria limpar alguma coisa – deve ser por isso que está chovendo tanto, Pedro quer limpar alguma coisa! – nós o demos o trabalho simples de fechar as janelas da casa e trancar as portas. Nymeria e eu ficamos com meu quarto, graças ao meu poder de persuasão de que queria ajudar e ao de Nymeria de que queria me ‘conhecer melhor’. Hugo e Lyanna ficaram com o quarto de Manoela e Raquel disse que arrumaria a cozinha sozinha sem problemas.

Logo o grupo de sete se separou pela casa e só restamos eu e Nymeria em meu quarto, passando panos no chão e torcendo no balde. A cada vez que passava o pano no chão encharcado e o torcia no balde minha curiosidade aumentava. O que será que Nymeria queria falar comigo? Será que ela sabia do bilhete? E sobre o bilhete, o que eu faria com a chance que tinha em mãos? Ficava com um nó na garganta só de pensar em mentir pra eles, aqueles que me ajudaram, me apoiaram. As garotas que vieram de tão longe pra me ajudar, meus dois amigos que vieram à minha casa assim que souberam que eu e minha irmã estávamos sumidas, e... O garoto confuso, difícil de entender e sem objetivo de vida aparente que me atropelara. Eu ainda tinha vergonha de mentir pra ele. Pra eles. Finalmente, para minha alegria e alívio, Nymeria quebrou o silêncio.

– O que aconteceu com você quando subiu pra cá, Alice? Você não voltou normal – ela largou seu pano no chão, sentou-se ao me lado e encostou-se à cama junto comigo, duas garotas nada normais assistindo uma tempestade nada normal rugir do lado de fora da sacada. – Não te conheço a muito tempo, e tudo bem, sei que deve haver milhões de motivos pra você estar assim, mas... Eu queria poder te ajudar. Tem algo a mais, eu sinto isso.

Uma pontada no meu peito me fez querer me encolher ali no chão molhado, envolta em minha vergonha, pra que nunca mais precisasse trair ninguém.

– Você... não pode... me ajudar – me perdoe por mentir, me perdoe por trair sua confiança, se eu sair por aquela porta amanhã, por favor me perdoe. – Sério, eu... estou bem.

– Eu sei que não está – e aquelas palavras me provaram que ela realmente se importava que ela realmente queria ajudar, e por um segundo, eu abri a boca pra contar tudo, desabafar, gritar, espernear, chorar, implorar por ajuda. Mas tudo que saiu foi um ‘por favor’, sussurrado do fundo da minha alma desamparada.

– Por favor – eu repeti.

– O que você precisa? Vamos, diga. Eu posso tentar te ajudar – e aquela voz suave de amiga me convenceu que não conseguiria sem alguém. Não conseguiria sozinha, nunca. Precisava de ajuda, e não tinha como Bianca saber de alguns sussurros abafados por uma chuva de barulho estrondoso... tinha?

E então eu contei. Tudo. Sobre o bilhete, sobre minhas dúvidas sobre o que fazer, sobre meu medo de trair a todos eles, sobre minha vontade de não deixar essa chance passar. Sobre meu medo de algo acontecer com Manoela. E no fundo, quando terminei, sabia que era melhor fazer de tudo para tentar encontra-la em vida, do que passar o resto da minha vida sem minha irmã de alma. Nymeria permaneceu quieta durante toda minha história. Eu me sentia uma garotinha assustada, e tinha vergonha disso, mas ela parecia achar todo aquele meu drama normal. Por fim, ela respondeu.

– Você está certa. Temos que fazer alguma coisa. Não posso ficar parada vendo sua família sendo despedaçada. E quer saber? Pode ser mesmo que a gente não saiba o que estamos fazendo. Ninguém nunca sabe direito o jogo que está jogando até que alguém dite as regras. Ela fez isso. Disse que estava tentando ajudar. Ela também disse que estava em desvantagem, não disse? – concordei com a cabeça, me encorajando. – Então isso pode significar que nem sua mãe sabe disso. Que seu plano de te ajudar também é perigoso pra ela. Pensou nisso?

Na verdade não.

– Não né? Pois então, se isso for mesmo uma armadilha, acho que posso lidar com essa garotinha. Sabe, nem todas elas sabem como lidar lobas gigantes ou guerreiras armadas não é? – e com um sorriso meu e um dela, combinamos nosso plano.

Como o encontro estava marcado para as duas da tarde, sairíamos depois do almoço – que ela disse que Lyanna ia fazer, já que segundo ela, a chefe do grupo fazia a melhor lasanha do mundo. Perguntei como sairíamos despercebidas, e ela pediu que deixasse essa parte com ela. Ótimo. Eu sentia um formigamento no corpo que poucas vezes já sentira. Era uma mistura de ansiedade por algo ao mesmo tempo esperado e temido que estava para acontecer. Era a sensação mais perfeitamente adequada a situação. Eu estava ansiosa, assustada e temendo o pior e esperando o melhor ao mesmo tempo. Mas uma das últimas frases do bilhete ainda me causava calafrios secretos: Se contar para alguém ou tentar alguma armadilha, acredite, eu saberei. Teria mesmo como Bianca saber do meu plano com Nymeria? E se ela soubesse, como reagiria? E Manoela? Chega. Estou fazendo isso por ela, e tem que dar certo. Essas dúvidas me torturam.

Estávamos terminando de acertar os detalhes aos sussurros quando Katy passou pelo quarto e perguntou se já havíamos terminado. Provavelmente não nos viu já que estávamos atrás da cama, do outro lado do quarto. Quando Nymeria respondeu que já estava no fim, Lyanna disse para descermos assim que possível para jantar. Fiquei meio intrigada sobre o que seria a janta em uma casa com sete adolescentes. Aposto que cada um aqui escolheria uma coisa mais preguiçosa que a outra. Ah seria ótimo se fizessem miojo. Enfim, acabamos de secar o quarto. Disse para Nymeria que queria trocar de roupa e colocar algo mais quente – e meu – e pra que fosse descendo antes de mim. Ela entendeu e saiu com um aceno de cabeça e um piscar de olhos. Obrigada, eu pensei.

Tomei um banho rápido e quente, coloquei uma calça jeans, um moleton e uma meia peludinha com uma pantufa – poxa, estou em casa. Então desci as escadas, imaginando o que teria pra janta, meu estômago roncando, ao mesmo tempo que analisava o quão estranho aquilo tudo era: que eu estivesse prestes a sair em uma excursão perigosa com uma loba guerreira no dia seguinte... e que em uma casa de adolescentes tivesse um cheiro maravilhoso de comida vindo da sala de jantar.

Quando cheguei até a sala não pude evitar sorrir. Uma enorme vasilha com pelo menos dez miojos prontos e com um cheiro muito bom estava no meio da mesa de oito lugares, arrumada para sete pessoas com os melhores pratos, copos e talheres da casa. Todos estavam em pé, atrás de suas nas laterais da mesa , conversando distraidamente. Que bom que ainda existe simplicidade no mundo, pensei.

– Nossa, que janta linda essa hein. Quem foi que teve a inspiração de fazer essa comida maravilhosa? – disse, com um sorriso no rosto, encarando o miojo com uma expressão faminta nos olhos.

– Eu sabia que era sua comida favorita. Você sempre amou isso aqui, não é? E tinha um monte no armário – Hugo havia falado, meio tímido e com um meio sorriso dirigido a mim. Eu não sabia o que responder. Aquilo tudo era... pra mim?

– Todos ajudaram a fazer. E conseguimos não brigar, veja só que vitória – Pedro disse olhando pra Hugo como quem diz: ‘trégua só por hoje’. E Hugo respondeu seu olhar com um igual e um aceno de cabeça.

– Isso é pra... mim? – o fato de eles terem feito minha comida favorita, e esperado de pé até que eu descesse era demais pra mim. Tentei não chorar de alegria, enquanto sorria e me dirigia a primeira cadeira da ponta da mesa.

– É – Lyanna respondeu com um brilho no olhar e um sorriso. – Sente-se e aproveite. Deve estar morrendo de fome.

– Obrigada – murmurei.

E por mais incrível que parecesse, por mais estranho ou incomum, eu já havia me apegado demais por aquelas três garotas que apareceram de repente na minha casa. Eu já era apegada demais à Raquel e Pedro antes mesmo de encontra-los hoje em minha casa e tinha visto os dois à duas semanas atrás, no último dia de aula, mas naquele momento, meu afeto cresceu ainda mais. Até mesmo por Hugo, meu amigo de infância que eu reencontrara naquele mesmo dia, depois de tantos anos e que tinha todas os motivos para me deixar cumprir minha missão sozinha na primeira oportunidade. Eu amo vocês. E tive toda a certeza de que esse pensamento era totalmente sincero.

Então sentei em minha cadeira e todos fizeram o mesmo. Enquanto todos se serviam eu reparei na cadeira à minha frente, na outra ponta da mesa. Estava vazia. Está faltando você, Manu, pensei.



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Notas finais do capítulo

REVIEWS???????????????



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