Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 38
Capítulo 37 - Somente o Silêncio


Notas iniciais do capítulo

Olá, eu gostaria de agradecer o fato de vocês terem me acompanhado desde o começo.
Além deste capítulo, só falta mais um e o epílogo. Ambos tentarei postar ainda hoje e o prólogo de Meia Alma. Não tenho ainda uma capa, mas aceito caso alguém ofereça.
Espero que gostem.



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          Que sensação era essa?

          Quebrado.

          Partido. 

          Despedaçado.

          Algo faltava. 

          O que estava acontecendo comigo?

          Algo extremamente precioso fora levado para longe de mim, algo extremamente importante. Arrancado de mim, levado para longe, estava fora de meu alcance. Não conseguia agarrar isso, obtê-lo para manter-me inteiro. Doía, mas não era uma dor física. A essência de meu ser gritava e exigia a devolução do que fora levado, mas por mais que eu procurasse, não conseguia encontrá-la.

          Parte de mim fora destruída.

          Não conseguia me mover, não conseguia levantar e procurar. Meu corpo doía. O que acontecera comigo? Minhas pálpebras não se abriam, estavam geladas. Haviam congelado? Meu peito doía de modo estranho, havia algo muito errado.

          Yudai, você está aí? – perguntei. – Você está bem?

          Não houve resposta.

          Um golpe foi atingido em meu ser. Voltei a perguntar, mas nada. Era como se ele não estivesse ali, como se houvesse deixado de existir, como se jamais houvesse existido em minha mente.

          Procurei por sua presença. Mesmo que inconsciente, eu sempre pudera senti-lo. Ele tinha de estar em algum lugar, tinha! Procurei a distância em que ele normalmente ficava, mas... Não. Fui além, fui muito além, rodeei minha mente. Mas nada. Nenhuma resposta.

          Passei a procurar em cada mísero canto, centímetro, comprimento de minha mente, mas nada, nada, nada. Não havia nada ali. Como não?! Yudai estava vivo, não estava?! Ele tinha de estar! Por favor, ele tinha, tinha que estar vivo. Comecei a correr lá dentro, atrás dele, procurando se ele não estava escondido em algum lugar.

          Yudai! – Gritei novamente, mas nenhuma resposta. Somente minha voz ecoando contra as paredes de minha mente.

          Somente o silêncio.

          Yu?! Yudai?!

          Somente o silêncio.

          Não.

          Não!

          Não, não, não, não! Deuses, por favor, alguém, alguém diga, diga que não é verdade, não, por favor, não!

         Voltei a vasculhar cada mísero canto de minha mente, atrás de uma barreira, algum sinal, alguma coisa! Eu pedia que fosse talvez apenas uma brincadeira de mal gosto dele, que ele somente estivesse me bloqueando para que eu me desesperasse um pouco. Por favor, seja uma brincadeira, apenas uma brincadeira. Por favor, apenas uma brincadeira de mal gosto, algo que nos faça rir depois, por favor!

        Esteja aí, esteja!   

        Yudai! – berrei mais uma vez.

        Minha voz reverberou em minha mente, mas não houve nada. Nenhuma resposta, nenhum sentimento, nenhuma sensação, nada.

        Somente o silêncio.

        Não.

        Eu não conseguia aceitar, não, ele não, ele não podia...

        Ele não podia estar morto.

        Continuei gritando, continuei procurando, parecia um louco à procura dele. Sim, eu estava praticamente enlouquecido a procura de Yudai em algum lugar de minha mente. Eu não queria acreditar naquilo. Eu não queria acreditar que Yudai havia morrido, que eu havia feito aquilo... Não, ele não poderia morrer por minha causa, simplesmente não! Continuei procurando incansavelmente, porém, a última constatação se fez diante mim.    

        Mas eu estava só.

        SÓ.

        Todo o peso caiu sobre mim, e praticamente caí de joelhos, sozinho nas profundezas de minha mente, aquela solidão me sufocando. Eu não podia me mover, me sentia destroçado, havia uma ferida sangrenta, um buraco em meu interior, eu havia sido destroçado como vidro, e não haviam cacos para que eu pudesse repô-los, todos haviam se tornado pó, haviam desaparecido, destruídos até não sobrar o menor dos pedaços. A maior das dores estava formada dentro de mim, meu ser estava destruído, consumindo-se por dentro. Fora rompido por dentro. E aquela dor não era certa. A dor de perder um parente próximo jamais fora tão enorme quanto a dor que eu sentia, então...

        A ferida aberta latejava. Não era física, pois meu corpo estava intacto.

        Ela existia por dentro.

        Não tinha cura, não fecharia.

        Tudo, tudo...

        Ele estava morto.

        Por minha causa.

        A culpa me assolava. Fora culpa minha. Se eu não... Se eu não tivesse lutado daquele modo contra Adamantia, se eu não tivesse perdido a cabeça...! Por quê?! Por que eu usara minha Aura de maneira tão impensada?! Se eu não tivesse feito aquilo, ele... Ele ainda estaria aqui, não estaria? Apenas inconsciente ao meu lado, talvez, mas estaria aqui, vivo...

        O que foi eu fiz?!  

        Sentia algo gelado sob mim. A neve. Tão fria que parecia perfeita para aquele momento. Parecia que tudo morria dentro de mim. Era... Nunca pensei que era assim. Nunca me pensei como dependente de Yudai, mas... No fundo eu era? Por que eu me sentia assim? Por que eu me despedaçava? Meu peito destroçado, tudo doía. As garras negras da culpa cutucavam o ferimento, açoitavam-me, gritavam comigo. Passavam fogo na borda dos ferimentos, jogavam ácido sobre, entoavam como um cântico religioso, uma ladainha. Foi culpa minha. Tudo foi culpa minha.

        Gritos. Auras. Espadas.

        O que estava acontecendo? Os Despertados retornaram?

        Sequer me levantar para ajudá-los eu conseguia. Por que estava vivo, se era para me tornar inútil?

        Se eu me tornei inútil, por que ainda estou aqui?

        Não conseguia sequer abrir os olhos para ver o que estava acontecendo, parecia que eu havia sido congelado, apesar de não sentir frio. Meu corpo não se movia, mesmo que o forçasse com todas as minhas forças. Por quê? Por que eu estava assim? Essa era a pergunta que resumia toda minha situação. 

        Por quê?    

        Cheiros. De onde vinham tantos? Um mar de aromas me rodeava, apesar de que até pouco tempo não os sentia. O que estava acontecendo comigo?! Os cheiros eram... Quentes, e movimentavam-se, e então, vários desapareceram, alguns caíram, com seus aromas desaparecendo, o calor diminuindo ligeiramente. Haviam ainda pontos ferventes, que depois algum tempo rondando a cidade, foram em direção ao sul. Então, constatei algo...

        Após uma grande luta, havíamos perdido a Guerra do Norte.

        Não consegui me mover, não consegui ajudar. O que eu estava fazendo ali?! Deitado no chão, sem mover um único músculo? Ao contrário de meu corpo, minhas pálpebras estavam realmente congeladas. Droga, não...

        Respirar doía, a dor em meu peito gritava toda vez em que me forçava a respirar, mesmo que fosse insuficiente para meus pulmões. Doía tanto... Se eu parasse de respirar, significaria que a dor acabaria.

        E eu provavelmente morreria sufocado. 

        Tentei mover meus dedos, mas eles não me respondiam, mal podia senti-los. O vento soprava em direção ao sul, frio, gelado e tenebroso, como as sensações que me dominavam. O medo de ficar sozinho, a culpa pela morte de Yudai. A dor por sua morte. Por que doía tanto...? Mesmo a dor da perda de parentes não se comparava a aquela dor.

        O tempo se arrastava lentamente, talvez somente para zombar de minha cara, rindo de meu sofrimento. Os segundos pareciam minutos, os minutos pareciam horas, as horas provavelmente pareciam dias. Não sei quanto tempo fiquei ali, deitado, sem conseguir me mover, martirizando-me pela morte de meu irmão gêmeo. Pareceu-me uma eternidade, como se eu tivesse passado anos ali, até que o primeiro calor se moveu. 

        E mais outro, outro, outro...

        No fim, nove ergueram-se, lentamente. Com certeza, feridos e abatidos por tudo o que ocorrera. Havia mais um, que estava ainda jogado ao chão, e eu conseguia sentir seu cheiro de sangue muito mais forte do que os outros.    

        Vozes. Minha mente não conseguia assimilar o que eles diziam. A dor aos poucos se esvaía, as bordas do buraco aberto em meu ser sendo demarcada pela dor, que aos poucos virava um latejar tão frio que queimava, reverberando e queimando minha coluna com aquele intenso frio. O buraco não se fechava, não amenizava, nada parecia ser capaz aquela sensação. A dor, lentamente, se esvaía, mas vindo com ela, a sensação...

        Vazio.

        Eu estava vazio.

        Era... Aquele buraco, aberto em meu peito. Ele retirara tudo o que eu era... Era... Tão... Estranho, e ao mesmo tempo, extremamente perturbador. Eu estava oco. Nada mais do que uma concha, o que havia em seu interior havia sido arrancado, porém, eu havia de me contentar com os restos. O que sobrara de mim mesmo. Chegava a ser patético.

        Por que eu não fora junto?

        - O que acha que devemos fazer? – uma voz que eu conhecia perguntou, próximo a mim.

        - Minha região é por aqui, e várias vezes passei noites numa caverna realmente grande, cheia de galerias. – uma voz que eu desconhecia disse. – Acho que... Bom, não tem nenhuma casa de pé, então dá para ficarmos por lá.

        - Tá, mas e depois?

        - Poderíamos recolher os corpos para enterrá-los... – disse outra voz conhecida.

        - Mas... Argh... Alguns estão bem despedaçados... – Outra pessoa disse, com sua voz entrecortada, como se estivesse tentando se segurar para não chorar.

        - Alma, você consegue regenerar corpos?

        - Consigo sim, mas acho que eu posso apenas... Deixá-los mais carregáveis e só nessa caverna regenerá-los completamente.

       - Por quê?

       - Porque estou com um frio dos infernos e não consigo controlar muito bem a temperatura do meu corpo agora?

       Mesmo no estado em que eu estava, pareceu-me um bom argumento.

       Eu queria levantar. Eu queria ver o que estava ao meu redor. Eu queria me curar. Mas não conseguia. Tudo o que conseguia era simplesmente respirar com esforço desumano, que ainda fazia com que meu peito doesse de maneira insuportável. Não conseguiam escutar minha respiração ou meu coração batendo? Mas no fundo eu sabia... Ninguém poderia me ajudar.

       Com um esforço inumano, entreabri os olhos, vendo, a minha frente, a cabeça de Yudai. Sua pele extremamente pálida, os lábios e pálpebras levemente arroxeados. O cabelo vermelho num contraste desagradável com a sua palidez e os olhos azuis claros abertos, encarando o vazio, a chama da vida que eu sempre vira tendo desaparecido completamente. Seu sangue ainda em seu queixo.

        Era algo que eu jamais imaginara que iria ver.

        Era algo que eu jamais quisera ver.

        Meus olhos queimaram pelas lágrimas. Morto. Ele estava realmente morto, e fora por culpa minha... Ele quisera me salvar, me poupar de virar um monstro. Mas isso custara sua vida, e era um preço alto demais. Ele não merecia morrer, não agora! Ele havia encontrado Raquel finalmente, e mesmo que não admitisse para si mesmo, ele a amava. Ele não deveria morrer!

        Talvez, se ele tivesse saído de perto de mim naquele momento e – mesmo que com ajuda – se curado, agora ele estaria vivo. Mas não, o cansaço que trazer alguém de volta proporcionava era gigantesco, e aliado com seus ferimentos, era mortal... Ele sabia disso, mas mesmo assim.

        Yudai pretendia morrer?  Eu não queria aquilo, eu não queria ter que carregar a vida dele nos ombros, não queria!

        Ou, corrigindo, carregar a culpa por sua morte em meus ombros.

        Até o fato do ataque de Adamantia fora por minha culpa. Se, por aquele único momento, ele não tivesse olhado para mim... Ele conseguia fazer uma carnificina de Despertados, então conseguiria matá-la com certeza. Mas eu fizera a besteira de desviar sua atenção, a besteira de ultrapassar demais meus limites. E tudo acabara assim... Com aquele resultado, que para mim, era um dos maiores castigos que eu poderia receber, senão o maior.

        A morte dele.

        Um soluço escapou de minha garganta, e senti algo se descontrolar dentro de mim. Era minha Aura, mas de um modo diferente. Ela fluiu e rodeou o local.

        Com um solavanco, consegui me sentar, meus membros repentinamente respondendo-me, mas então, pareceu-me que minha Aura era uma arma, e quando vi, a neve foi erguida em meu redor e uma dor tenaz atingiu minha nuca. Fiquei tonto e vi cabelos vermelhos se misturando ao sangue que escorria. Conseguia ver minha franja. Meu cabelo estava vermelho, mas por que eu estava vivo? Por que eu simplesmente não morrera?! Não era essa a cor do Supressor que eu ingerira, então por que estava assim?!

        Os soluços escapavam de minha garganta e eu sequer tentava esconder minhas lágrimas. Por que não fora eu que morrera? Por que eu não fora junto, por que eu tivera de agir daquele modo, por que tinha de viver à custa da vida de outra pessoa? O buraco em meu peito doeu de maneira avassaladora, quebrando-se em mais pedaços, suas bordas se corroendo.

        Chorar é sinal de fraqueza. Por algum motivo, eu sempre pensara isso, mas agora aqui estava eu, chorando sem nem ao menos tentar esconder minhas lágrimas. Não conseguia me conter, simplesmente continuavam caindo.

         Uma mão gelada tocou minha nuca, e ela doeu insuportavelmente, somente então percebi que havia um corte nela.

         - C-como ele está vivo?!               

         Também era algo que eu gostaria de saber.

         Alguém gemeu dolorido próximo a mim, a pessoa que ainda estava ao chão. Mas não me virei para ver quem era, apenas continuei olhando fixamente para o chão, para o sangue, para os cabelos vermelhos.

         Para o corpo do meu irmão gêmeo, a quem eu acabara causando a morte.

         Ninguém falava nada.

         Talvez isso deixasse as coisas ainda piores.

         O vento assobiava, e eu ainda conseguia escutar vagamente o crepitar do fogo, as respirações dos outros que haviam sobrevivido. Era apenas isso que eu escutava, mas aquele silêncio gritava comigo, açoitando minhas costas. O frio fazia com que minhas lágrimas congelassem em meu rosto.

         Alguém limpou a garganta antes de falar.

         -... Hideo? – Uma voz, a de Alec, chamou.

         Não respondi ao seu chamado. Apenas ergui minha mão, subindo-a por meu corpo, esfregando com força, até apertar meu peito com força. Aquela dor me sufocava, a culpa me assombrava, as lágrimas ainda caindo por meu rosto. O que eu deveria fazer? O que eu poderia fazer?

         Estava exasperado. O que eu deveria fazer?!                                 


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo, capítulo final!!
Brincadeira, tem o epílogo =)
Mais uma vez, agradeço aqueles que postam reviews na fic, a acompanhando desde o início... Gostaria também de que os chamados leitores fantasmas comentassem ao menos esses três últimos capítulos, que mais tarde estarei postando.
Críticas? Dúvidas? Elogios? Por favor, tudo nos reviews.