Olhos De Sangue escrita por Monique Góes


Capítulo 24
Capítulo 23 - Lúcio e Sophia


Notas iniciais do capítulo

Eu não aguentei a esperar postar este capítulo. Ele é um dos mais longos que já, mas também é um dos meus preferidos. Eu adoraria ter posto mais detalhes nele, mas é impossível, pois a extensão tanto dele quanto de Olhos de Sangue seria imensa.
Bom, um dos meus personagens mais amados está aqui, e uma poderosa história se esconde por trás disto tudo. O que vocês acham que são?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/204272/chapter/24

          Naquele dia, eu estava, como sempre, na área de alojamento de aprendizes, juntamente com Hideo e Denis. Eu tinha onze anos naquela época, e no alojamento não se tinham professores ou treinadores qualificados, então os aprendizes que estavam ali há mais tempo e já tinham mais experiência ensinavam os mais novos. Poderia se dizer que nós três tínhamos sorte, pois quem nos ensinava era Lúcio. Ele era conhecido como um dos melhores ali, se não, naquele dia o melhor, mas não se estressava ou nos tratava como estorvos, como muitos ali faziam com os mais novos. Ele nos tratava bem, apesar de o seu modo de ensino fosse meio... Árduo.

          Lúcio era alto e esguio, e assim como todos, usava as roupas negras de treino. Era um macacão sem mangas negro com uma camisa de mangas compridas por cima, com botas feitas de ferro e luvas sem dedo, também de ferro. Seu cabelo todo era cortado até um pouco abaixo da altura dos olhos, sendo sua nuca era visível pelo corte, separado ao meio, mas sempre tinham alguns fios caindo sobre seus olhos, não importasse o quanto ele os afastasse. 

          Estávamos numa parte mais vazia do alojamento, que era simplesmente algumas grandes salas sem nada, apenas as paredes e depois os corredores dos quartos. Naquele dia, para meu azar, ele arranjara em “lutar” comigo, enquanto deixara Hideo e Denis fazendo algumas coisas para praticarem um com o outro. Era difícil lutar com Lúcio, mesmo que ele estivesse pegando leve. Ele era forte, mas nunca chamava a atenção.

          - Vamos, mais rápido! – exclamou, tentando fazer com que eu lutasse mais rápido, mas era difícil. Sem falar que a força que ele depositava em cada um dos golpes chegava a ser um pesadelo, embora eu soubesse que, tecnicamente, ele estava pegando leve.

          Hideo gritou ao meu lado por algum motivo, mas não dava para ver o que era, pois só o fato de ter que desviar dos golpes de Lúcio era o bastante para ter toda minha atenção, mas ele olhou para o lado e continuou a golpear com uma destreza assustadora.

          - Ei, Denis. – repreendeu. – O que diabos você está fazendo com o Hideo?

          - Ele abriu as minhas pernas e me jogou no chão. – Hideo choramingou e escutei o riso reprimido de Denis, o que fez Lúcio bufar.

          Lúcio se distraiu e acabou desregulando sua força, e se eu não tivesse soltado minha espada, não duvidava nada que ele tivesse arrancado minhas mãos, mesmo que não estivesse mirando nelas. Ele a arremessou a espada com aquele golpe apenas e ela foi fincada até o cabo na parede do outro lado do recinto. As aprendizas que quase foram acertadas nos encararam assustadas, ou melhor, encararam Lúcio assustadas. Como todos ali, aliás.

          - Sinto muito! – Lúcio gritou no momento em que tocava o sinal para que descansássemos um pouco.

         Hideo levantou-se com dificuldade e xingou Denis, que riu para demonstrar que não se importava nenhum pouco com a dor que Hideo provavelmente estava sentindo. Lúcio foi até minha espada que fora cravada na parede e transformou-a no colar novamente, então me entregou. Como eu era um aprendiz, o meu símbolo era um simples traço vertical preso ao colar de elástico negro.

         - Desculpa. – disse. – Eu regulei mal minha força.

         - Sabe... Eu percebi. – murmurei, e ele pareceu ficar sem graça.

         Denis correu por um corredor, não sabia para onde ele ia, então fiquei ainda parado durante algum tempo. Hideo saiu, disse que ia ao banheiro, então fiquei sozinho. Andei então pelo alojamento, evitando os outros aprendizes que deveriam ser entendidos com Altri e seus capangas. Eu e Hideo éramos os únicos gêmeos ali, e chamávamos um pouco de atenção daquele grupo. Diziam que iriam tomar medidas para nos tornarmos reconhecíveis. Somente de imaginar os métodos que eles provavelmente tentariam tomar me faziam tremer.

         Perambulei pelos corredores e desci dois andares, e quando vi, cheguei num que estava praticamente vazio, se não fosse Lúcio sentado na janela, as pernas penduradas do lado de fora.

         - Ah! Oi Yudai. – disse e reparei que ele tinha um pote cilíndrico de uma cor indistinta ao seu lado.

         - Oi Lúcio. – falei. – O que é isso?

         Ele sorriu.

         - É um pote de flowergar. Peguei na cozinha.

         - Mas nós não podemos sair daqui antes do horário das refeições.

         Seu sorriso tornou-se maior enquanto ele pegava uma e colocava na boca.

         - Claro que não. Eu roubei de lá. – falou com um tom falsamente inocente.

         Ele jogou-me uma das pequenas esferas de açúcar. Eu peguei-a e pus na boca, enquanto ela se dissolvia, então me aproximei da janela e disse:

         - Não sabia que você fazia isso. – comentei.

         - Ora, não sou nenhum santo. – respondeu enquanto comia. – Mas estarei ferrado se souberem.

         - Ah, com certeza. – concordei e peguei mais uma. 

         Ele ficou quieto durante um bom, somente comendo. Seu olhar estava vazio, estava claramente longe dali, em outro momento. A sua Aura de sândalo foi diminuindo cada vez mais e então, para minha surpresa, desapareceu como se jamais houvesse existido.

         - Lúcio...? – chamei, estranhando aquela mudança repentina.

         - Ahn? – piscou. – Ah, foi mal, estava me lembrando de uma coisa...

         - O quê? – perguntei curioso, mas ele apenas pousou a mão em minha cabeça e empurrou minha testa para trás. Apenas por curiosidade, a única coisa que mantive desde a infância a franja, pois meu cabelo era bastante curto naquela época.

         - Nada não. – Lúcio dissimulou. – Você não ia gostar de saber.

         Pisquei, então ele saiu da janela, indo para as escadas, deixando-me sozinho ali, com o pote de flowergar. Achei estranho, eu não tinha uma leitura de Aura tão boa quanto a tenho atualmente, mas eu já possuía anormal, e Lúcio suprimira sua Aura completamente. Eu peguei um flowergar e comi-o, quando vi, senti algo...

         Uma Aura com cheiro de alecrim.

         Eu nunca sentira uma Aura de uma distância tão longa, estava fora da Ordem, e eu não poderia sair da Ordem por ser um aprendiz, mas queria muito ver o que era, quem era. Hideo chegou, e me chamou, mas sequer lhes dei atenção, apenas subi na janela e saltei para fora do prédio, pousando com um suavemente na grama. Hideo gritou atrás de mim, mas corri até o imenso muro da Ordem e o escalei. Senti a Aura de Hideo me seguindo, e rastreei a Aura pela floresta, me aproximando cada vez mais da Aura que sentira. Ela era fraca, mas conseguia localizá-la, e cheguei na clareira com lago que pegara água antes de achar Raquel.

         Era uma mulher, um pouco baixa, porém bem mais alta que eu e Hideo naquela época. Sua pele era branca, suas feições e seu corpo lembravam o de uma boneca, ela era delicada e bonita. Seu cabelo era extremamente longo, passava levemente de seus quadris, em ondulações perfeitas, em alguns pontos chegava a se tornar cacheado, ela passava uma mecha por sua testa, cobrindo-a, prendendo-a claramente atrás da orelha. Ela usava um vestido azul até os joelhos, um tanto reto, lembrava um vestido que usavam na década de 20 na Terra e botinas. Ao seu lado estava uma sacola de pano azul, onde ela claramente carregava suas coisas.

         Ela enrijeceu e se virou para nós. Passava um ar de... Superioridade, não como Raban demonstrara na floresta, mas era como se ela fosse simplesmente... Muito melhor do que nós.                                

         - Quem está aí? – perguntou e pareceu cheirar levemente o ar. – Eu sinto duas Auras pequenas aí, onde estão?

         Pisquei. Estávamos bem em sua frente, como ela não conseguia nos ver? Olhei-a com atenção e vi que seus olhos eram um tanto vazios, e olhavam em nossa direção, mas não olhava diretamente para nós.

         Só então realizei que ela era cega.

         - Hã, nós. – Hideo disse.

         - Quem são vocês?                                  

         - Somos... Dois aprendizes. – falei. – Eh, eu senti sua Aura, e então vim para cá, e ele me seguiu...

         Ela piscou, e então sorriu.

         - Vocês não podem sair do prédio de treino... – falou. – Se saíram assim, é porque não gostam de lá, não é mesmo?

         Eu e Hideo nos entreolhamos, era exatamente isso, não gostávamos nem um pouco da Ordem pois por causa dela, nós havíamos sido tirados de nossa família. E aquele prédio era insuportável, tínhamos que ficar presos lá o dia todo.

         Era realmente insuportável. – Hideo comentou em minha mente.

         - O que aconteceria se a Ordem encontrasse vocês aqui? – perguntou.

         Estaríamos ferrados, isso com certeza. Seríamos punidos, e nem gostaria de pensar o que fariam conosco, e somente então se passou por minha cabeça que sair da Ordem sem pensar antes fora burrice, e Lúcio deveria estar procurando por nós. 

         - Não se preocupem, não irei delatá-los a Ordem. – tranquilizou. – Quais são seus nomes?

         - Eu sou Yudai. – falei.

         - Meu nome é Hideo.

         - Vocês possuem a mesma voz. – disse e se aproximou, tocou então em nossas cabeças e baixou as mãos para nossos rostos. – Oh... São gêmeos...

         - Hã, é. – Hideo disse incerto.

         Ela sorriu e perguntou:

         - Vocês gostariam de voltar para a Ordem?

         - Não! – acabamos proferindo a resposta em uníssono.

         Depois de termos dito isso, ela sorrira, e então dissera que poderíamos acompanhá-la. Demoramos a entender, mas então “aceitamos a proposta”, e então disse que seu nome era Sophia. Nós, durante um bom tempo, a acompanhamos. Meses a fio, de dia andávamos para as suas missões e de noite ela nos treinava de maneira ao mesmo tempo, mais leve e mais pesada que Lúcio, pela primeira vez, eu sentia que estava tendo um avanço real em lutas de espada. Aos poucos fomos descobrindo um pouco mais de Sophia, ela andava o dia todo rapidamente, pois não gostava de ficar parada, além de que era a número 1 da Ordem e que ela simplesmente não parava quieta em canto algum, somente quando dormia. Alguns caras da Ordem foram atrás de nós, mas Sophia somente lhes dissera que iria tomar responsabilidade sobre nós.

         O que realmente importa, durante todo esse tempo em que passamos com ela, foi quando chegamos próximos a Crimstor, segundo Sophia anunciara, uma das últimas cidades antes do norte gelado. Chegamos até uma clareira aos pés de uma montanha à beira de um riacho. Estava entardecendo, quando Sophia dissera que não iria treinar conosco aquela noite, que precisava “ver” algo, então entrou na floresta, em direção à cidade.

         - O que será que a Sophia foi fazer? – Hideo perguntou, andando a esmo a beira do riacho.

         - Não sei, mas é coisa dela. – falei e reparei que Hideo andava numa parte um tanto mole do riacho, e logo vi que iria ceder. – Ei Hideo, sai daí antes que...

         Ele caiu no riacho antes que eu terminasse, e para mim, foi engraçado... Ver Hideo cair e se encharcar completamente na água que chegava à altura de seu peito quando estava sentado. Comecei a rir, até Hideo jogar água em mim. Cuspi a água enquanto ele se levantava.

         - Não vá rir de... – começou, mas joguei água nele antes que terminasse. – Ah, é assim?! – falou irritado, e me jogou mais água, e eu acabei caindo dentro do riacho.    

         O que aconteceu a seguir foi extremamente infantil, mas nos divertimos quase como quando éramos humanos, e dessa vez, não tinha a limitação de minha saúde. Quando já estávamos molhados até os ossos, então ouvi uma movimentação estranha na floresta, já estava escuro. Eu e Hideo nos entreolhamos e fomos atrás de lenha para fazermos uma fogueira, mas catar os galhos era uma coisa, outra era acender, estando molhados e já no escuro, sem nada. Tirei as luvas de ferro, mas não ajudou em nada.

         - Como vamos acender uma fogueira assim?! – Hideo exclamou.

         - Sei lá. – respondi. – Mas vamos ter que acendê-la.

         - Yudai e Hideo? – Lúcio chamou da floresta.

         Hã? O que Lúcio estava fazendo ali? Tentei olhar, mas estava escuro e eu ainda não sabia como ativar minha visão noturna, então vi olhos vermelhos brilharem na escuridão da floresta. Não sentia novamente sua Aura, mas a voz era dele, então vieram passos e os olhos vieram se aproximando ainda mais. Então os olhos se apagaram e só vi o clarão quando a fogueira se acendeu.

         Meus olhos arderam diante a claridade e vi que fora Lúcio que o acendera. Esfreguei os olhos e vi que ele não usava mais as roupas de aprendiz, e sim roupas normais. Calça jeans, tênis e uma camisa preta. Olhei para seu cordão e vi que o que antes era um único traço vertical agora era um círculo com coisas dispostas em cada um de seus lados para parecerem chifres.

         - Lúcio, você tem um número agora?! – Hideo exclamou.

         - Hã? – ele olhou para o cordão. – Ah, é... Eu... Consegui-o recentemente, faz menos de dois meses...

         - E qual é o seu número? – Perguntei, e ele pareceu ficar um tanto... Sem jeito.

         - É um bom número. – disse após certo tempo.

         - Ah, qual é, diz qual é! – Hideo exclamou. – Conta aí.

         Ele sorriu.

         - Não, não vou. - tanto eu quanto Hideo bufamos, fazendo-o rir. – Eu vejo vocês pela primeira vez em meses depois que fugiram... O que aconteceu com vocês durante esse meio tempo?                                       

         - Ah... Não contaram nada para vocês?

         - Não. – falou. – Não disseram nada.  

         - Bom... Quando fugimos, foi por que o Yudai sentiu uma Aura fora da Ordem, não me pergunta como. – Hideo bufou. – Aí nós encontramos Sophia, a número 1, e estamos com ela desde então.

         Ele nos encarou, ainda com a mochila em suas costas.

         - E ela nos treina todas as noites, tirando essa noite. – continuei. – Hoje ela disse que precisava ver uma coisa e nos deixou aqui.

         - Ah... – disse e baixou o olhar. – Vocês me deram um susto quando o sinal tocou naquele dia e não os encontrei em lugar nenhum. Quando disseram que vocês tinham fugido, cheguei a ficar com medo do que poderiam fazer com vocês.

         - Ei Lúcio, você está agindo quase como se fosse nosso pai. – Hideo comentou.

         - Pois é, vocês me deixaram tão preocupado que o meu cabelo até ficou branco.

         Eu e Hideo ficamos parados por um segundo, já que precisamos primeiramente lembrar de nossas características e então começamos a rir da piada, e ele nos acompanhou. Lúcio ficou ali, conversando sobre bobagens conosco durante um bom tempo, como quando Altri tentara desafiá-lo um dia e acabou levando uma surra ou Denis o assustando demonstrando que tinha uma mira assustadoramente boa, até que acabei encostando a cabeça no ombro de Hideo e dormi.               

         Quando acordei, já era de dia e Lúcio não estava em local nenhum, mas ao contrário, Sophia estava a nossa frente, e lavava suas mãos no riacho, já trocara suas roupas. Hideo ainda dormia e ergui a cabeça de seu ombro.

          - Sophia...? – chamei sonolento e ela “olhou” por cima do ombro, então deu um sorriso um tanto maternal.

          - Bom dia. – cumprimentou e se levantou, secando as mãos nas laterais da calça. Eu nunca a vira usar calça, até estranhei. Esfreguei os olhos e ela se aproximou.

          Levantei e bati levemente em Hideo para acordá-lo. Ele gemeu, ainda com sono, mas se levantou. Vi que havia algo estranho em Sophia, era um cheiro estranho. Cheiro de humanos, mas era muito forte, quase como se houvesse caído sobre ela e... Tinha uma mancha de sangue na manga de seu vestido?

          - Vamos. – disse. – Temos que ir.

          Normalmente ela não tinha tanta pressa para ir embora, também estranhei isso, assim como Hideo, mas não falamos nada, apenas lavamos uma fruta e a comemos como café da manhã, então saímos com ela. Andamos por quatro dias, o que achei estranho, ela andava quase como se estivesse escapando de algo, ou adiando algo. Quando perguntávamos, ela somente sorria e não dizia nada.

          Depois de quatro dias, paramos num campo meio aberto, ele tinha grandes rochas enviadas na grama, e muito a frente, uma floresta, e eu conseguia escutar o som de uma queda d’água. Ela colocou a sacola atrás de uma rocha. Eu não sabia onde estávamos, mas havíamos nos afastado de Crimstor em direção ao sul, por causa do sol que fazia ali.

          - Eu vou deixar a minha sacola aqui. – disse enquanto pegava sua garrafa de água em sua sacola e um elástico de cabelo, prendendo-o em um rabo de cavalo. – Vou lá na floresta, para qualquer caso, esperem aqui.   

          - Tudo bem. – respondi.

          Ela assentiu e foi para a floresta. Passamos um tempo ali, sentados no chão, incrivelmente sem nenhum assunto para quebrar o silêncio, quando senti seis Auras. A Aura de sândalo de Lúcio, uma Aura de maçã, uma Aura limão, extremamente azeda, além de outras três de laranja, pão e manga, respectivamente.

          - Hideo, tem gente vindo. – avisei. – O Lúcio está com eles.

          Ele assentiu e quando vi, apareceram os seis. Lúcio estava atrás de todos, com a cabeça abaixada e era claramente o mais novo de lá. Havia um homem de cabelo bem curto, que hoje eu sabia ser Rusé, outro de cabeça raspada, tendo somente o cabelo ralo, alto e musculoso, uma garota de cabelo cortado em camadas, baixinha e outra de cabelo curto e encaracolado, e era bastante alta.    

          Lúcio ergueu o olhar quando nos viu, parecia querer se enterrar e vi morder seu lábio inferior. O de cabelo raspado reduziu o passo e bateu no ombro de Lúcio e o rodeou com o braço, fazendo-o se assustar.

          - Você conhece esses dois moleques, Lúcio?! – riu de forma audível, e o de cabelo curto o olhou, repreendendo-o. – Qual é Rusé, é a verdade!

          Ele revirou os olhos e se aproximou de nós.

          - Com licença, vocês sabem dizer onde Sophia está? – perguntou.

          - Hã? Sim. – Hideo disse. – Ela está lá na floresta, ela foi buscar água. 

          - Ora, ao menos esses moleques sabem de alguma coisa. – o grandalhão bufou.

          - Ora Phil, se for falar, ao menos não fale na cara da pessoa. – A garota de cabelo curto repreendeu. Lúcio desviou o olhar.

          - Fica quieta Esperanza. – bufou.

          - Se você mandasse em mim, eu ficava. – rebateu.

          - Phil e Esperanza, sem brigas agora. – Rusé repreendeu. – Bom obrigado pela informação. – disse para nós. – Blair, vá na frente.

          A de cabelo liso assentiu e saiu correndo a uma velocidade impressionante, e os outros a acompanharam, deixando apenas Lúcio para trás. Pela primeira vez, eu vi hesitação em Lúcio, e então comecei a me perguntar se Hideo havia feito a coisa certa quando dissera onde Sophia estava, e vi que ele também se perguntava a mesma coisa.

          - Lúcio, por que vocês vieram atrás de Sophia? – perguntei.

          Ele apenas desviou o olhar, então escutei. Som de espadas dentro da floresta, as seis Auras ali em luta. Sophia estava recuando para cá, sendo atacada pelos cinco, mas ela conseguia lutar com todos ao mesmo tempo, não sentia a Aura de nenhum deles conseguindo se aproximar dela. Ela saltou da floresta e pousou vários metros atrás. Lúcio pegou sua espada e sacou-a, mas não atacou Sophia. Eu e Hideo – apesar de não podermos fazer nada. – nos levantamos num salto.

          - Tem alguém aqui que nunca senti a Aura antes. – Sophia anunciou. – Quem é você?

          - Meu nome é Lúcio.

          Ela se levantou, ficando de frente para ele. Sua espada não era como as comuns, o punho era dourado e decorado de maneira... Delicada, conseguia ver flores se precipitando por ele. No centro de sua espada, seu símbolo estava marcado, como os dos outros. O seu símbolo eram quadrados dispostos a parecerem uma rosa.

          - Qual seu número? – perguntou de forma direta, e Rusé se adiantou.

          - Ele veio conosco para eliminá-la por ter matado trinta humanos em Crimstor. – anunciou.

          Fiquei atônito com aquilo. Aquela mancha de sangue... Sophia havia matado humanos?! Mas a Ordem era clara, quem matava humanos, iria morrer depois, então por que ela fizera aquilo?

          - Eram ladrões e estavam destruindo a cidade. – Sophia respondeu. – Não farão falta a ninguém. Mas você não respondeu minha pergunta.

          - A Ordem não deu número para ele ainda. – Phil disse, saindo da floresta, claramente insatisfeito. – Só o chamaram de “candidato a número 1”.         

          Hã? Aquilo me deixou confuso. Como não poderiam dar um número a ele? E ele recebera seu símbolo recentemente, como assim ele era “candidato a número 1”?

          - Ora... Queriam já tomar meu número? – Sophia disse. – Mostre o que é capaz, Lúcio.

          Lúcio apenas assentiu e quando vi, ele se lançou contra Sophia, numa investida de frente, ela bloqueou, mas vi em sua expressão que havia algo errado, ela foi inclusive foi um pouco lançada para trás. Ela então se livrou da espada de Lúcio e lhe atacou, fazendo um movimento semi circular com seu braço, mas Lúcio saltou por cima do ataque, pousando atrás dela, atacando-a novamente com velocidade.

          Sophia passou a mão por trás da cabeça para bloquear o ataque, girou e então tentou espetá-lo com a espada, mas ele desviou por poucos centímetros e voltou a atacá-la, tendo o ataque bloqueado novamente, mas ele não se abalou. Deu três ataques extremamente rápidos em que Sophia desviou-se, mas quando ela recuperava-se dos ataques, ele a atacou de frente novamente. Ela cerrou os dentes diante a força depositada.

          - Como... Como Lúcio consegue ser tão forte? – Hideo perguntou ao meu lado, claramente impressionado.

          Realmente, era impressionante, ele conseguia lutar claramente de igual para igual com Sophia, que apesar de sua cegueira, lutava rastreando a Aura de Lúcio, e mesmo se ele a suprimisse, eu aprendera que ela tinha os sentidos ainda mais aguçados que de um híbrido comum.

          Lúcio saltou e a atacou com força por cima, obrigando Sophia a praticamente se ajoelhar quando aparou o ataque. Ela então atacou as pernas de Lúcio, que saltou na hora e usou a espada de Sophia como apoio, empurrando-se para frente, e tentou acertar sua cabeça com a espada, mas ela desviou o ataque jogando-o para o lado e ambos começaram a lutar rapidamente.

          - Oh, minha nossa. – aquela mulher de cabelo cacheado, Esperanza, falou. – Ele consegue fazer frente contra Sophia.

          Sophia bloqueou a espada de Lúcio novamente e ambos começaram uma série de movimentos tão rápidos que seus braços e espadas eram apenas um borrão indistinto. O som das espadas se batendo na velocidade em que estavam era tão agudos que tapei os ouvidos, o sim reverberando em minha mente a ponto que eu sentisse uma enxaqueca que fez meus olhos doerem, e eu não fui o único. Escutei vagamente a de cabelo liso, Blair, comentar que ambos eram monstros e que o som de suas espadas se batendo poderia quebrar vidro.             

          Lúcio quebrou aquele duelo agudo e lançou um ataque em direção ao ombro de Sophia, que se desviou, recebendo somente um arranhão superficial no rosto, e então atacou Lúcio novamente e começaram novamente movimentos rápidos, mas não ao nível de antes e pensei ter visto um pouco de sangue começar a escorrer lentamente no ombro de Lúcio, que não demonstrou se importar com o ferimento.

          Quando vi, Esperanza apareceu de cabeça para baixo por trás de Sophia, claramente após um salto. Ela girou e Sophia bloqueou-a em pleno ar, então o grandalhão, Phil, deu um belo escorão em Lúcio, jogando-o para o lado e atacou as pernas de Sophia. Ela se livrou de Esperanza com um chute e fez um corte no abdômen de Phil. 

          Quando vimos, todos os cinco haviam rodeado Sophia, tirando Lúcio, e todos aumentaram suas Auras, elevando-as em dez por cento. Era tanta energia junta que até um forte vento começou a vir dos cinco. Lúcio piscou ainda do chão, enquanto Blair moveu-se em uma velocidade impressionante e atacou Sophia por trás. Ela bloqueou Blair, mas no exato momento, os outros a atacaram. Ela saltou e Esperanza usou as costas de Rusé como apoio e saltou, atacando Sophia por cima novamente. Ela bloqueou e quando estava prestes a pousar no chão, Phil a atacou, então Sophia saltou por cima dele e atacou suas costas, abrindo um grande talho, e depois baixou o ataque para suas pernas, fazendo-o cair ao chão.

          Rusé atacou-a e ela bloqueou a espada, mas senti sua Aura ir em direção ao chão e abriu grandes fendas ao redor de Sophia e no mesmo momento Blair atacou. Sophia saltou e com alguns giros pousou em pé atrás de ambos.

          Havia sangue manchando a espada dela, e no mesmo momento Rusé caiu, com tantos cortes em seu peito que eu me perguntei o quão rápida Sophia pudera ser.

          Lúcio se levantou, enquanto as duas garotas atacaram Sophia e ela conseguia lutar com as duas ao mesmo tempo, sem problemas, bloqueava todos os ataques como se fossem nada e rapidamente, impossibilitou ambas com cortes em suas pernas e braços, e quando caíram ao chão, numa velocidade em que não consegui acompanhar, ela atacou Lúcio antes que ele pudesse se defender. Ele caiu vários metros atrás, com tanto sangue que me perguntei como Sophia conseguira cortá-lo tão rapidamente, com mais sangue até do que Rusé.

           Mas apesar de ele estar tentando matá-la, eu ainda o via como meu amigo.

          - Lúcio! – acabei gritando e Hideo também, ele estava claramente com ferimentos mortais, era horrível. Ele ofegava, sequer pudera lutar essa vez e vi suas pálpebras baixando, e sua Aura sumiu completamente.

          - Você... O matou? – Rusé perguntou fracamente na poça de sangue onde estava. 

          Quase como em resposta, a Aura de Lúcio retornou com tanta força que comecei a tremer. Seus olhos ficaram negros e as tatuagens vermelhas misturadas ao sangue começaram a aparecer, mas o que me deu medo foi quando as vi descendo pelo seu corpo, aparecendo em seus braços e a pele começou a descascar para se transformar. Sophia não o matara.

          Mas o ferira a ponto de começar a causar o Despertar.

          Vi que Hideo estava no mesmo estado ao meu lado diante a plenitude da Aura de Lúcio, não somente nós dois, mas todos os outros. A poeira começou a surgir ao redor Lúcio e subiu, sua Aura estava completamente descontrolada, era monstruosa. Infringia medo a quem a sentia, era aterrorizante, grande, maleável, não aparentava ter fim. A poeira subiu a ponto de esconder completamente tudo o que estava a nossa frente, e escutei a voz de Lúcio gritar algo que não fez sentido algum para mim.

          - Quando eu tinha dez anos, um monstro atacou minha família, disfarçado como meu pai! Ele matou todos e quando ele estava devorando a minha mãe, peguei sua picareta e acertei em sua cabeça. – berrou. – Eu não posso... Eu não vou perdoar isso!

          Fechei meus olhos para escondê-los da poeira, e depois disso, tudo o que senti foi a Aura de Sophia desaparecendo, e a de Lúcio aumentando cada vez mais, e então vi. Ele estava sem controle nenhum, apenas aumentava, mais e mais, senti cada ponto em que ela se concentrava se alongava. Eu e Hideo nos escondemos atrás da rocha para nos protegermos de uma chuva de pedras, terra e poeira, quando senti sua Aura parar de aumentar, ao mesmo tempo em que as Auras de Phil, Esperanza e Blair desapareciam, sendo acompanhadas por o som molhado e nauseante de algo sendo atravessado. Eles foram atravessados por pontos minúsculos da Aura de Lúcio, que eu vi que eram seus dedos, mas ao mesmo tempo eram longos demais para que fossem normais.           

          A poeira foi baixando e tanto eu quanto Hideo saímos de trás da rocha, e a primeira coisa que vi foi... O corpo de Sophia.

          Ela estava caída ao chão, de costas para nós. Seus cabelos castanhos aloirados se espalhavam pelo chão, a outra foi um enorme vulto negro em meio à poeira. Era duas vezes maior que um homem normal e pude ver seis enormes asas saindo de suas costas. Não...

          Lúcio Despertara.

          Quando a poeira desceu completamente, vi Lúcio claramente. Era enorme, deveria ter a uns três metros de altura, todo o seu corpo era revestido por uma couraça negra tão brilhante que chegava a emitir reflexos, como um espelho. Seus olhos de Despertado eram negros e a íris felina era branca, o seu rosto parecia ter sido esculpido em metal negro. De suas costas saíam três pares de grandes asas, os dedos de suas mãos eram afiados como garras, chegavam a brilhar a luz do sol. Eles se retraíam, demonstrando terem elasticidade. Era um monstro humanoide, e sua Aura de sândalo era tão forte que cheguei a ficar enjoado, mas o medo era maior. Ela era tão enormemente, grande, profunda e maleável que só senti-la superficialmente era sinônimo de terror, era a primeira vez que eu via algo assim.

          O medo que eu sentia me impedia de me mover não, tremia pateticamente com os olhos arregalados e boquiaberto. Estava tão assustado que eu poderia até mesmo chorar de medo, e eu de certa forma, teria razão. Nenhum medo se compararia ao que eu sentia naquele momento, as lágrimas estavam acumuladas em meus olhos, prontas para escorrerem. Hideo ao meu lado estava no mesmo estado e eu conseguia ver Rusé tremendo à minha frente.

          Envolta de Lúcio, estavam os corpos de Blair, que possuía cabelos negros, Esperanza, ruiva, e Phil, também de cabelo negro. Havia poças de sangue sob cada um, ou melhor dizendo, sob as cabeças de cada um.

          Meus olhos estavam tão arregalados que sequer consegui piscar, e Rusé saltou em direção a Lúcio com um grito. Raiva ou medo, eu não sabia, mas logo foi arremessado para trás, e vi seu braço esquerdo preso na boca de Lúcio. Ele o pegou e começou a comê-lo diante de nós como se fosse um petisco, e então cuspiu um pedaço de pano.

          - Que fome... – disse numa voz enrouquecida. – Mas eu não sabia... Que poderia ser tão bom... E o seu gosto é bom, Rusé.

          Lúcio deu alguns passos largos e lentos, então ele atacou Rusé de maneira tão violenta que fechei os olhos, mas o sangue respingou até mesmo em mim, que estava afastado. Quando tive coragem de abri-los novamente, só vi Rusé caído ao chão e Lúcio vindo em nossa direção.

         Foi aí que senti medo de verdade, tanto pavor que as lágrimas começaram a escorrer em meu rosto. Pela primeira vez na minha vida, apesar do meu longo histórico de doenças, eu pensei que iria morrer. Eu tentava dizer algo, nem mesmo eu sabia o que era, mas ficava engasgado em minha garganta, fazendo-me soltar sons incoerentes. Eu tremia muito e minha visão estava embaçada pelas lágrimas.

           Se nem mesmo Sophia pudera contra o Desperto Lúcio, nem nenhum dos outros ali, como eu e Hideo iríamos sobreviver? Éramos aprendizes há menos de um ano e apesar do treino de Sophia, não poderíamos ir de frente contra um Despertado. Continuava a tremer pateticamente e Hideo não diferente de mim. Naquele momento éramos presas tão fáceis que fariam qualquer um rir – isto é, se essa pessoa não estivesse tremendo de medo também de Lúcio, o que eu não achava muito difícil.

           Mas para minha surpresa, Lúcio passou calmamente por nós, exalando tanta Aura que parecia escapar-lhe pelos poros. Seus passos faziam sons metálicos contra o chão, as asas retesadas em suas costas e parecia-me que ele sorria, mas não estava em condições o suficiente para verificar.

           - Bom... Adeus então. – disse.

           E alçou voo, sua Aura rumando em direção ao norte.

           Nunca consegui pensar em alguma explicação para Lúcio ter deixado a mim e a Hideo vivos, mas talvez, até nossos treze anos, éramos muito pequenos para nossa idade, aos onze sequer chegávamos ao um metro e cinquenta de altura, também éramos muito magros. Talvez ele tenha pensado que não seríamos o suficiente para acabar com sua fome, ou talvez fossemos tão insignificantes que sequer fizemos reflexo em seus olhos. Só sei que, do Despertar de Lúcio, somente eu e Hideo saímos ilesos, e, até pouco tempo atrás, acreditava que fôramos os únicos sobreviventes.

           O efeito do medo fora traiçoeiro, pois não conseguimos nos mexer até que um veículo da Ordem aparecer e os curadores ficaram com tanto medo quanto nós ao ver os resultados. Disseram que talvez eu e Hideo estivéssemos em estado de choque, só nos colocaram no veículo e voltaram para a Ordem.

           Não conseguimos falar nada durante dias, nem mesmo responder diante a provocações dos outros aprendizes, mas conseguimos perceber duas coisas: O treino de Sophia havia melhorado tanto a mim e a Hideo que quase imediatamente após voltarmos, mandaram-nos para o teste para nos tornarmos guerreiros, e passamos. A outra foi que toda e qualquer informação sobre o Despertar de Lúcio e ao fato de que a Caçada de Sophia fora, ao mesmo tempo, um fracasso pelo Despertar de Lúcio, mas um sucesso por sua morte, fora encoberta. Para aqueles que o conheceram, ele morrera logo após derrotar Sophia, que para se defender, havia matado Rusé, Phil, Esperanza e Blair. Tinham a espada que ele abandonara para usarem como prova, não levantou suspeita alguma.

            Denis perguntara para nós se fora verdade, mas nunca respondi e Hideo também nunca o fez, foi algo que mantivemos guardados, enterrados. Quatro anos podem parecer nada, mas para mim, fora tempo demais, tentava não pensar nesse assunto. Mesmo o medo que sentira diante de Futoji não era páreo para o medo que sentira de Lúcio.                 

            Durante o ano em que conheci Lúcio, vi que era uma ótima pessoa, ele agia como se eu e Hideo fossemos seus irmãos mais novos, mas ele se tornara a pior coisa que eu já vi até hoje.

            Nada que eu vira conseguira ainda conseguira ultrapassar Lúcio.                         


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom... Aqui está. Dois grandes mistérios da fic estão aqui. O de quererem eliminar os gêmeos por saberem demais.
~Curiosidades 4: Lúcio ~
Bom, ele é um poderoso antagonista. Vilão em potencial, mas... Será que ele realmente é? Sua criação foi algo que simplesmente me veio para tapar um grande buraco que antes existia, e hoje para mim ele é um personagem indispensável. Ele pode ser considerado mestre dos gêmeos, que foram os únicos a serem treinados por um guerreiro já qualificado.
~Curiosidades 5: Denis ~
O irmão mais velho desnaturado da Nina. Sério, apesar de ser criação minha, a postura desse personagem quanto sua irmã mais nova me dá raiva XD
Bom, mas também não é um personagem que veio para nada. Colega de treinamento e um dos melhores amigos dos gêmeos, o que vocês esperam dele?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olhos De Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.