Contra Todas As Probabilidades escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 17
Separados




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- Mônica, por que está trancada no seu quarto? Achei que fosse estudar com a Magali.

- Ela não pode, tem outro compromisso.

- Ah, sei. E não tem treino hoje?

- Não, hoje não. A Luísa e o Felipe foram gravar um comercial.

- Sério? Que charme! Quando vão passar na televisão?

- Não sei... amanhã eu pergunto para eles.

Ela percebeu que sua filha não parecia muito bem. Mônica estava meio pálida e com olheiras. Sua pele estava opaca, sem brilho e com o aspecto cansado. Até antes do primeiro dia de aula, tudo parecia perfeitamente bem. Ela estava alegre, sempre sorrindo e muito empolgada com o concurso de patinação. Depois do primeiro dia de aula, sua filha pareceu ter murchado como uma flor sem água.

- Filha, por acaso não tem alguma coisa que você queira me contar?

- É...

- Deixa eu adivinhar, é o Cebola, não é? Parece que ele não está aceitando muito bem você namorar com outro rapaz. 

- Não. Ele não aceitou de jeito nenhum e quando fui falar com ele... ah, não mãe! Eu não quero conversar sobre isso!

Relembrar aquele dia era doloroso demais e a última coisa que ela queria era se desmanchar em lágrimas na frente da sua mãe.

- Foi tão ruim assim? Que coisa! Bom, se você mudar de idéia... é só falar.

- Tá bom, mãe.

Luíza saiu do quarto, deixando-a sozinha com seus pensamentos e lamentações. Aquele tinha sido nada mais, nada menos, que o pior dia da sua vida. Era difícil lembrar a forma como todos a trataram durante o restante das aulas. Olhares hostis, bilhetinhos cheios de insultos e ameaças, bolas de papel molhadas em cuspe...

Foi difícil até conseguir um lugar para sentar. Ninguém a queria por perto e só lhe deram uma trégua quando o professor chegou na sala e com isso ninguém pode lhe impedir de escolher uma carteira. E era um lugar meio ruim, no canto e na frente. Ali era meio isolado. As suas amigas foram se sentar no outro lado da sala, junto com Cebola.

Na hora do intervalo, ela ainda tentou se sentar com eles e por pouco não foi atacada. Sua sorte foi Felipe tê-la convidado para se sentar com ele e sua irmã. E desde então, ninguém lhe dirigia uma única palavra, não respondia seus cumprimentos e o clima de hostilidade continuava tão intenso como no primeiro dia, apesar de já ser vinte de fevereiro. Aquilo estava durando quase um mês inteiro e ela não tinha visto nenhuma mudança! Nem mesmo Magali voltou a conversar com ela. Se acontecia de as duas se encontrarem na rua, Magali virava o rosto para o outro lado e seguia seu caminho rapidamente.

Sua garganta se apertou de forma dolorosa e ela sentiu novamente vontade de chorar. Daquela vez, ela colocou o rosto contra o travesseiro e deixou as lágrimas caírem livremente. Ela nunca tinha se sentido tão sozinha em toda sua vida.

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Uma colherada, duas, três... ela colocava cada porção na boca, mastigava mecanicamente e engolia, mal sentindo o gosto. O bolo era excelente, pão-de-ló umedecido e recheado com mousse de chocolate e chantilly com morangos, coberto com marshmallow e decorado com chocolate e morangos. Fazia muito sucesso na padaria do seu Quinzão. Ela apenas não estava com estado de espírito para apreciar a iguaria. Só lhe interessava colocar as porções na boca, mastigar e engolir.

- Hã... Magali? Eu acho que você deveria pegar leve, senão pode ficar com dor de barriga!

- Eu vou ficar bem, fofucho... vou ficar bem.

Quim olhou para a namorada e viu que ela não ia ficar bem. Quando ela chegou à padaria e escolheu um bolo, ele não tinha dado importância e só viu que o assunto era grave quando Magali pediu uma colher, sentou-se a uma mesa e começou a comer ali mesmo da bandeja, sem sequer usar um prato. Há anos ele não a via comer daquele jeito e ficou com raiva ao se lembrar de que aquilo era culpa da Mônica. Além de machucar o Cebola, ela tinha que machucar sua namorada também?

Desde o primeiro dia de aula, Magali andava triste, chorosa e sua compulsão por comida tinha voltado com força total. Se pudesse, ele bem que gostaria de colocar uma dose cavalar de laxante nos biscoitos e bolinhos que Mônica comprava de vez em quando. Ele só não fazia porque existia o risco dos pais dela comerem e passar mal, o que poderia ser péssimo para a padaria.

- Quim... você acha que vai demorar muito?

- Magali?

- Até quando essa briga vai durar? Eu achei que a Mônica fosse procurar a gente no dia seguinte e não procurou... agora ela só quer saber do Felipe!

- Humpt! Isso mostra que ela não era amiga de ninguém. Liga não, você lembra do que aconteceu quando ela namorou com o Cebola.

- Lembro sim, ela deixou os amigos de lado. Só não foi tão ruim porque ela estava com o Cebola, só que agora ela está com o Felipe... o que eu vou fazer agora?

Ele não havia entendido muito bem a pergunta e não respondeu nada, deixando-a com seus pensamentos. Agora ela estava sozinha, sem sua melhor amiga para lhe incentivar diante dos desafios, para ajudar nos estudos, assistir filmes de comédia e dar risadas junto com ela... Magali sentia falta das noites em que ela ia dormir na casa da Mônica (ou a Mônica na sua) e elas ficavam até tarde fofocando, comendo guloseimas, vendo comédias românticas e cuidando da beleza enquanto conversavam sobre seus sonhos, sentimentos e se aconselhavam mutuamente. Ela não conseguia fazer isso com nenhuma das outras amigas.

De vez em quando as duas se encontravam e Magali virava o rosto porque tinha medo de encarar a amiga. Várias vezes ela pensou em procurar a Mônica para fazer as pazes, porém a lembrança de que ela tinha trocado sua turma pelo Felipe lhe feria como espinhos venenosos e no fim ela acabava não fazendo nada.

Seu único consolo era o bolo parcialmente comido à sua frente, que estava pela metade. Magali continuou a comer enquanto algumas lágrimas começavam a sair dos seus olhos, deixando as porções com um leve gosto salgado.

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Denise estava mais quieta do que de costume. Era por estar triste ou por falta de boas fofocas? Ela não sabia dizer. Cascuda também tomava seu suco em silêncio e aparentemente alheia a tudo. Marina voltou a olhar para o papel a sua mesa, onde ela tinha começado um desenho. Era um desenho do rosto da Mônica, embora o objetivo inicial fosse desenhar um lago no meio de uma paisagem bonita.

Seu suco estava sobre a mesa e ainda nem tinha sido tocado. Todo o gelo tinha derretido e misturado ao liquido, deixando seu gosto mais ralo. O dia estava quente, sem nenhum vento ou brisa e o ar totalmente parado. Era como se elas estivessem em uma outra realidade, onde tudo estava fora de lugar.

Elas bem que tentaram dar uma volta pelo bairro, mas acabaram andando em círculos e parando ali naquela lanchonete. Era difícil saber o que fazer sem a Mônica por perto. 

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Titi e Aninha tinham acabado de assistir um filme, mas ninguém prestou atenção. Não havia clima para mais nada, nem mesmo para namorar. Ele sequer sentiu vontade de olhar para as outras moças bonitas que passaram perto do casal. E mesmo que tivesse olhado, Aninha estava desanimada demais para ter qualquer ataque de ciúme.

Ela havia marcado uma festa do pijama em sua casa e todas as amigas foram convidadas, exceto a Mônica. Alguma coisa lhe dizia que essa festa não ia ter a menor graça. E como poderia ter alguma graça se a Mônica não ia comparecer? Ela se lembrou, com saudade, da ultima vez que tinha terminado com o Titi depois de uma briga muito feia. A Mônica tinha lhe dado apoio, junto com as outras meninas. Ela tinha se importado em ajudá-la, fazendo-a sair de casa para passear um pouco. E quanto Titi teve um ataque de ciúmes por causa da sua roupa, a Mônica colocou-se à sua frente para defendê-la de qualquer investida do rapaz, apesar de saber que Titi não era do tipo que batia em mulheres. Mas, se tivesse tentado, a Mônica teria lhe defendido com certeza.

Foi com a ajuda dela que Aninha tornou-se mais independente e passou a não aceitar mais o controle excessivo do namorado. Sem a Mônica, ela sentia que não tinha mais com quem contar.

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- Você não vai comer mais nada?

- Não, Maria. Perdi a fome.

Isa deixou de lado o pacote de biscoitos que estava comendo. Era como se seu estomago estivesse totalmente empaturrado apesar de ela só ter comido uns três biscoitos. As duas também estavam deprimidas. Apesar de não serem amigas de infância da Mônica, elas sentiam, como o restante da turma, um grande vazio desde o dia daquela briga horrorosa.

- Isa, será que é certo o pessoal brigar com a Mônica por causa disso? Ah, sei lá! E daí que ela quer ficar com o Felipe? Se quer saber, ele é bem mais bonito e charmoso do que o Cebola!

- E não fica de enrolação também. Só que eles parecem não entender isso, sei lá. Acho que é porque os dois se conhecem desde pequenos e todo mundo esperava que fossem ficar juntos. Também não tô entendendo nada!

- Nem eu, que coisa chata! Agora eu nem posso mais chegar perto da Mônica!

Elas não tomaram parte da briga da turma contra Mônica no primeiro dia de aula, mas por receio de perderem as amizades, Isa e Maria preferiram manter distancia dela, pelo menos por algum tempo. De repente, foi como se uma nuvem escura tivesse se formado sobre o bairro e ninguém tinha animo para mais nada. Nem elas, nem ninguém.

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Pela décima vez, o jogo deu game-over. Ele mal conseguia passar da segunda fase. Cascão olhava para o monitor com o olhar perdido, pensando no que tinha acontecido naquele dia. Estava difícil guardar aquilo e não poder contar para ninguém. Ele não parava de pensar na Mônica e em como ela tinha sido isolada da turma de maneira tão injusta e cruel. Tudo por causa das maluquices do Cebola, que acabou até lhe ameaçando!

Cebola vivia andando para cima e para baixo com aquele ar de vítima, coisa que ele não era de jeito nenhum. Conforme ele havia falado, todos estavam comendo na sua mão, fazendo de tudo para agradá-lo e acatando o que ele falava. Era por causa dele que ninguém queria falar com a Mônica.

Aquilo não era certo e ele sabia muito bem disso, mas o medo do Cebola o impedia de falar a verdade. Seu amigo não era mais o mesmo, muitas vezes parecia ser outra pessoa totalmente diferente. Na frente da turma, ele assumia o ar de coitado, com aqueles olhos de filhote de cachorro que derretia o coração das meninas. Quando os dois estavam a sós, sua fisionomia endurecia e seu olhar se tornava frio e cruel. Ninguém, além dele, via aquilo.

Ele desistiu do vídeo-game e foi olhar seus vídeos, encontrando aquele de Parkour que a Mônica tinha gravado. O vídeo tinha ficado excelente. Claro, só mesmo uma pessoa como a Mônica seria capaz de acompanhá-lo, imitando todas as suas manobras com apenas uma mão, enquanto a outra segurava a câmera. Ninguém além dela conseguia fazer vídeos tão bons das suas performances.

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Ele bem que tentou, mas não conseguiu fingir nenhuma alegria. Droga! Aquilo o tornava igual a todos, depressivo e melancólico. Seu irmão estava tão deprimido que nem conseguia fazer truques de mágica e ficar dentro de casa tinha se tornado tedioso demais para ele. DC caminhava pela rua cabisbaixo, com as mãos no bolso e olhando mais para o chão do que para a frente. Se ele soubesse que tudo aquilo ia acontecer, não teria enviado aquelas fotos para o Cebola.

Aquele espetáculo que ele deu na frente da turma, fazendo mil declarações de amor para a Mônica e a pedindo em namoro pode ter convencido a todo mundo, exceto ele. Aquilo foi tudo fingimento, um plano para forçar a Mônica a tomar uma decisão. Era uma armadilha. Qualquer que fosse a resposta da Mônica, sim ou não, ela teria caído nessa armadilha de qualquer jeito. Não havia como escapar.

O que mais deixava ele irritado era saber que Cebola só pode armar aquele plano porque foi avisado com antecedência. Claro, era tudo culpa sua! Se ele tivesse ficado calado, nada daquilo teria acontecido, ou pelo menos não mesma proporção. Talvez tivesse sido melhor ficar de boca fechada. DC pensou que estava usando o Cebola e no fim descobriu que foi usado por ele.

E agora a Mônica estava exilada da turma, isolada de todos e ninguém falava com ela. Apesar do seu hábito de contrariar, ele acabou aderindo ao movimento anti-Mônica por imposição do seu irmão e também porque tinha vergonha de encará-la. No dia anterior, ele tinha visto Toni e Tikara cabisbaixos e deprimidos. Eles também estavam tristes pela perda da Mônica. Todos estavam. A turma não era mais a mesma. A sala de aula deles tinha se tornado uma das mais silenciosas do colégio. Ninguém falava nada, todos ficavam melancólicos e cabisbaixos. Ainda assim, ninguém tinha coragem de se aproximar da Mônica e fazer as pazes com ela.

Ela ainda continuava na sala deles, mas sempre ficava isolada e não falava com ninguém. E ninguém falava com ela. Na hora do recreio, ela ficava com Felipe, sua irmã e seus amigos, deixando todos da turma com ciúme. Ele também ardia de ciúme ao ver os dois juntos, trocando sorrisos e olhares apaixonados. Aquilo era pior do que a época em que Cebola e Mônica namoravam.

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“Que saco... eles não param com esse mimimi! Que bando de bebês chorões!” Cebola pensou ao ler alguns e-mails onde todos falavam das saudades que sentiam da Mônica. Porcaria! De que adiantava ser o novo dono da rua se todos estavam deprimidos?

- Cebola, a mamãe falou pra você parar de ficar jogando no computador!

- Falou nada, baixinha! Ela nem está em casa!

- Falou sim, ela sempre fala!

- Bah, vai pentear suas bonecas e me deixa quieto!

A menina mostrou meio palmo de língua para o irmão.

- Blé! Seu bobão! Foi bem feito a Mônica arrumar outro namorado! Você é chato demais!

Ele teve que respirar fundo e contar até dez para não acabar jogando alguma coisa naquela pirralha irritante. Maria Cebolinha saiu batendo a porta, deixando-o sozinho novamente e assim ele pode se acalmar.

Sua família já estava sabendo do novo namorado da Mônica, para sua irritação.

- Pois é filho. Você demorou demais, deixou a moça sozinha e agora ela arrumou outro. – seu pai repetia toda hora no seu ouvido. – quem não cuida, perde.

- Que pena... ela era uma moça tão boa! – sua mãe também suspirava – por que você foi deixar alguém como ela escapar, heim? Você com essas suas complicações, agora ficou sozinho!

O pior era que ele não podia responder seus pais e só lhe restava ouvir tudo calado. Droga, por que diabos a Mônica foi estragar tudo se enrabichando com o Felipe? Por que ela não o esperou? Claro, ela era impaciente demais, mandona demais. Queria tudo sempre do seu jeito e não aceitava uma negativa. Era bem provável que ela estivesse namorando o Felipe só de pirraça!

“Parece que tudo tem que ser sempre do jeito dela, né? Como eu não aceitei, ela me deixou de lado pra ficar com aquele maloqueiro! Quem ela pensa que eu sou?” sua raiva foi aumentando mais ainda e sua vontade de tê-la de volta também. Como era possível ter tanta raiva de uma pessoa e ao mesmo tempo querer estar com ela?

Ele queria que tudo voltasse a ser como era antes, com ela o esperando como sempre fizera. Um dia, ele ia derrotá-la. Aquela situação não ia durar a vida inteira, então por que ela não o esperou? “Como sempre, ela não confiou em mim, não acreditou que eu fosse capaz e acabou se jogando pra outro! Ah, mas ela vai ver só uma coisa! Eu vou acabar com ela, derrotá-la de vez! Aí eu quero ver ela falar que eu não sou capaz!”

Uma idéia surgiu em sua cabeça. A turma estava deprimida e Cebola sabia que eles fariam qualquer coisa para ter a Mônica de volta, inclusive obedecer as suas ordens.

Seu plano era para trazê-la de volta sim, mas não por cima, nem pensar! Senão ele ia acabar da mesma forma de costume: o careca troca-letras que sempre apanhava no final. Ela ia voltar, só que por baixo, totalmente derrotada e humilhada. E para ser recebida de volta na turma, ela teria que aceitar todas as condições dele. Mônica era a figura central daquela turma. Dominando-a, ele dominaria todo o resto. Era a idéia perfeita, o pai de todos os planos!

Aquela idéia lhe pareceu tão boa que ele lamentou por não ter pensado naquilo antes! Teria lhe poupado de muitos socos, cascudos, tabefes, safanões e coelhadas.

“Muito bem, hora de bolar alguns planos. Mãos a obra!”


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