Reila escrita por Leh-chan


Capítulo 18
Aquele dia sem ele




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:: CAPÍTULO 18 – Aquele dia sem ele ::


           
Naquela noite, Ruki saiu de casa sem levar muitas coisas consigo: a roupa do corpo, carteira, cigarros, documentos, a carta que deveria entregar e o coração cheio de expectativas e desejos. Só se lembrou que pouquíssimos navios aportavam em Hokkaido essa época do ano quando abriu a porta e sentiu o forte vento contra si. Talvez arrumasse algum barco de carga para ir pelo Mar do Japão se pagasse alguma coisa para o deixarem ir num cantinho. Pelo menos assim não ia ter fãs malucas... Talvez um pouco de peixe morto ou couro mal-cheiroso recém retirado de algum pobre animal. O pensamento não o animou.

            Se conseguisse pegar algum barco no porto naquela noite, só chegaria na manhã seguinte. Se chegasse tão logo...

            Deixou um bilhete rabiscado em cima da mesa para que não ficassem preocupados e se foi, rumo ao metrô mais próximo. Era melhor não ficar pensando muito na viagem que seguiria, senão desistiria rapidamente.


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Na manhã seguinte, até o sol parecia brilhar menos. O silêncio pairava pela casa, só cortado pelo som mecânico da faca batendo contra a madeira enquanto Yutaka cortava alguns legumes para o almoço, que desta vez pretendia fazer bem cedo. E por qual motivo? Simplesmente porque estava entediado. Cozinhar o distraía.

            Kouyou estava do lado de fora da casa com roupas bem confortáveis. Ouvia música enquanto cortava a grama do quintal, vez ou outra fazendo algum tipo de dancinha e cantando de modo que qualquer esquilo que estivesse por perto fugisse imediatamente.

            Akira continuava no quarto. Preferia não sair muito de lá. E ninguém entrava muito, também, com exceção de Aoi. E até mesmo este evitava o cômodo. Ao ver que o moreno não iria mover um músculo, resolveu tirar o pó dos móveis, uma vez que sua rinite ameaçava atacar tamanha era a camada de pó que cobria tudo. Nem a faixa no nariz ajudava muito agora. Aproveitou para arrumar suas coisas novamente. Ainda iria demorar pra sair daquele quarto, era melhor ficar confortável. Shiroyama que se conformasse.

            Yuu não tinha muito que fazer. Há um tempo atrás, ficou observando Kai na cozinha, mas não se sentia confortável. Depois foi para a varanda fumar, mas seus olhos o traiam, e a cada instante, pegava-se fitando Takashima com aquela bermuda tão obscena cortando a grama que nem o nariz dele. Todos estavam fazendo algo, então resolveu fazer a boa ação de lavar o banheiro. Era a vez dele e o tempo não estava tão frio, era bom fazê-lo logo. 

            Assim a casa ia ganhando um aspecto mais limpo e apresentável, mas tudo estava triste. Ninguém ousava falar com ninguém por muito tempo. O elo que os unia já não estava mais lá.


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            Estava meio dolorido por causa da posição, o mar já o enjoando.

            Na noite passada, apenas dois barcos partiram para Hokkaido: um com peixe (como previra) e um com tecidos. Optou primeiramente pelo de tecidos, mas não foi aceito. No de peixe morto, porém, alguns dos tripulantes o reconheceram e deixaram entrar com prazer.

            Ao contrário do que pensava, não foi junto com a carga. Fora sim no mesmo compartimento que ela, mas ganhou um colchão fino e algumas cobertas. Os peixes o fitavam a dois metros de distância.

            À noite, convidaram-no para beber junto com os tripulantes. O capitão o cumprimentou, mas não se falaram por muito tempo. Takanori comeu alguma coisa, mas preferiu manter-se sóbrio, apesar da insistência dos marujos. Contou-lhes brevemente sobre o motivo de estar ali e voltou para seu “quarto”.

            Dormira pessimamente, mas não tinha do que reclamar. Às nove horas da manhã seguinte, acordara quebrado. Não dormiria mais nem um segundo se aquele balanço maldito não parasse. Se bem que ele mal devia ter dormido por alguns segundos, ou assim pensava.

            Levantou-se e encarou a pesca ao lado. Aquele cheiro não o incomodava mais, mas sabia que estava impregnado em sua alma. Precisava de um banho, e precisava logo.

            Ajeitou o cabelo com as mãos, desamassou as roupas como pôde e em minutos, um dos rapazes que o ajudara noite passada viera o avisar que já estavam chegando ao porto, só mais alguns minutos. Agradeceu internamente por tudo estar chegando ao fim.


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            Grama devidamente aparada, Kouyou parou para admirar seu trabalho. Não era exatamente nenhuma obra de arte, mas ia dar pro gasto.

            Entrou em casa rapidamente. Para um dia de inverno, estava relativamente calor. Uns quinze graus, talvez? Mas ainda assim não era um dia pra ficar zanzando por aí de bermudas. Anotou mentalmente que precisava lavar suas calças de moletom. Talvez o fizesse hoje: já que o clima estava mais quentinho, mexer com água seria menos ruim. Mas antes estava determinado a varrer o chão. Aquela casa parecia um pulgueiro.

            Avistou Yutaka assim que deu uns passos. O moreno lhe sorriu.

            – Hum... O que você tá cortando aí?

            – Hokusai¹...

            – Pra fazer o quê com eles? – Os olhinhos brilhavam. Uke estava inspirado pra cozinhar, isso era ótimo. O baterista cozinhava tão bem...

            – Motsunabe ou Kimuchinabe²... Ainda não decidi. Qual você prefere, Shima? – O loiro sorriu intensamente.

            – Kimuchinabe com certeza. – Já estava até opinando na cozinha? Kai não gostava muito quando interferiram no que ele fazia. Abraçou brevemente o mais baixo por trás, agarrando sua cintura e recostando a própria cabeça na do outro. – Tudo bem pra você?

            – Ótimo, ótimo. Eu também prefiro... Obrigado pela ajuda, Kou. – E sorriu, amável. Uruha ainda abandonou um sutil beijo em meio às madeixas negras antes de se encaminhar à lavanderia.


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            Estava agora dentro de um confortável táxi. O motorista alegara que conhecia o endereço que lhe fora dado, mas ainda demoraria a chegar.

             Matsumoto encolheu-se bem no banco de trás, vendo sua respiração de chocar contra o vidro e uma espessa fumaça tomar conta do mesmo, o embaçado. Aquela podia ser uma ilha muito fria no inverno. Não nevava, mas haviam muitas nuvens no céu. E tinha quase certeza de que a temperatura não poderia estar positiva. Nem mesmo as noites de agosto passavam dos quinze graus, as pessoas dali deveriam ser realmente muito habituadas ao frio. Como a maioria de todos os japoneses, e não só ao frio, mas ao (raro) calor, às tempestades, aos terremotos, maremotos... Tudo poderia se tornar inconstante naquele lugar.

            Devaneava hora sobre o clima, hora sobre comida, hora sobre o que deveriam fazer os outros em casa. Mas o foco principal de seu pensamento era Reila. Primeiramente, o coitado havia vindo de tão longe e nem ao menos sabia se a garota estava em casa. “Uma bela burrada”, pensou. Mas na pior das hipóteses, poderia procurar um hotel para ficar.

            Foram provavelmente as duas horas mais longas de sua vida. Quando finalmente chegou, pagou ao motorista e ainda deu algum dinheiro extra por conta do cheiro que o impregnava. Aquilo já estava o irritando.

            Na hora que caminhou até a porta, entretanto, ficou sem saber o que fazer. O que diria? “Oi, Reila. Eu estava passando por aqui e resolvi...”, este com certeza não. Ele estava por acaso “passando” em Hokkaido?

            Iria apertar o interfone do prédio quando uma senhora saiu. Aproveitou-se dessa brecha para entrar no mesmo, já evitaria o problema de se anunciar lá fora. Olhou o envelope que tinha em mãos para confirmar o número do apartamento. 504. Subiu por 5 andares e logo avistou a porta que procurava. Entretanto, novamente, o problema de “O que falar”.

            Estava ali pensando e de súbito a porta se abriu, revelando uma Reila inicialmene apressada. Carregava uma mochila aparentemente pesada e vestia roupas simples, em sua maioria de tons claros. Assim que viu o loiro ali, deixou o objeto em mãos cair.

            – T-Takanori?

            – Erm.... Oi. – Limitou-se a dizer isso enquanto sorria amarelo. Um sorriso logo se abriu nos lábios da garota, e ela o abraçou, o beijou na bochecha e ainda acrescentou, divertida:

            – Que cheiro de peixe é este? – Ambos foram embalados por um riso gostoso.

            – Ah, looonga história...

            – Gostaria de entrar pra me contar? Talvez tomar um banho antes disso, porque o Kuro vai querer te comer vivo...

            – Kuro...?

            – Ah, o gatinho da minha prima está passando uns dias aqui. – E sorriu.

            – Tá certo... Aceito o banho, obrigado. Posso ter companhia? – E sorriu malicioso antes de adentrar o modesto apartamento e tomar Yamaguro nos braços, beijando-a fervorosamente.


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As roupas haviam sido todas lavadas, pouco a pouco. O almoço suculento estava quase pronto, Kai apenas colocava a mesa. Os quartos estavam nos trinques. Nenhum móvel tinha um grão de poeira sequer. O banheiro havia sido impecavelmente lavado. A varanda cheirava a produto de limpeza. Tudo, e absolutamente tudo estava mais limpo do que jamais esteve desde que se mudaram. Até mesmo o quarto de Takanori eles limparam, mas todos separadamente, cada um na sua função, só trocando palavras necessárias. Coisas como “Pode me dar aquele pano?”, “Pegue o frasco pra mim, não alcanço...” e “Obrigado” sussurrado ao fim. Nenhum outro contato.

            Kouyou estava pensando em ir limpar os instrumentos e imaginando como os pratos da bateria de Yutaka ficariam brilhantes quando o mesmo começou a chamar todos para o almoço.

            Com lentidão, se aproximaram. Nenhum deles queria ficar se encarando por tanto tempo, entretanto, Uke empenhara-se tanto na tarefa de servir tudo da maneira “correta” que doía ignorar.

            Havia um pote com arroz na margem inferior esquerda de cada bandeja, enfeitado por algumas folhas que nenhum deles foi capaz de reconhecer, mas que cheiravam bem. Ao lado, na ponta direita, o Kimuchinabe ao qual tanto se dedicara tinha uma aparência ótima. Atrás destas, havia três pratos planos que continham os três acompanhamentos: um prato fermentado à extrema esquerda, ao lado deste, no centro, um com vegetais cozidos, e na ponta direita, um prato com assados. Copos com chá verde estavam dispostos próximos às bandejas, assim como hashis logo à frente, com suas pontas apontadas para a esquerda e apoiadas num suporte. Isso formava um perfeito conjunto de um tradicional ichiju-sansai³. Todos eles, desde que saíram das casas dos respectivos pais, faziam algum macarrão instantâneo e comiam num pote qualquer com hashis descartáveis pra ter menos trabalho com a louça depois. Isso era realmente um colírio para os olhos, e Uke cuidara para que tudo fosse perfeito.

            Todos se sentaram em silêncio, o baterista não conseguiu conter o sorriso que tomou seus lábios em expectativa. Um coro simultâneo de “Itadakimasu” foi ouvido antes do titilar dos hashis contra a superfície.


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Novamente estavam deitados na cama, desprovidos de roupas.

            Takanori parecia dormir profundamente, pois nem ouviu o barulho insistente da campainha. Deveria ter tido uma noite horrível, pensava Reila. E não era pra menos, dormir no meio de peixe... Demoraram pra conseguir tirar dele aquele cheiro. Kuro tivera que ser trancado na cozinha, pois avançara ferozmente contra o loiro assim que ele entrou.

            Pesarosamente, a morena deixou o calor dos braços de Ruki para vestir-se com um confortável roupão. Saiu lentamente do quarto e fechou a porta, indo diretamente para a entrada do apartamento cuidar daquele barulho infernal.

            Neste meio tempo, Matsumoto mexeu-se desconfortavelmente. Estava caindo de sono, mas o barulho simplesmente o acordara e não parecia que deixaria de mantê-lo acordado por quanto tempo conseguisse. Logo, entretanto, cessou. Mas deu lugar a uma voz alta, que ele não fazia questão de ouvir, mas era simplesmente impossível.

            – Onee-chan! Você me deixou preocupada, sabia? Podia ter avisado que iria sair... Besta!

            – Ah, não é isso, Megumi... É que foi em cima da hora...

            – E nem pra levar o celular... Hmph...

            – Mas você mesma disse que ele não está pegando, oras...

            – Mas aí da a impressão de que você foi sequestrada, sei lá! E ainda vai pra casa do louco do Takashima... Vocês não deveriam mais se ver, se esse era seu plano.

            – Ele é um bom amigo meu.

            – É, sei... Mas sabe, Rei... A gente anda preocupado. Por que você não vai viver comigo, se não quer viver com nossos tios? Minha casa é espaçosa e você...

            – Eu não vou. Gosto daqui.

            – Mas aqui é tão longe de... Tudo! Assim a gente morre de preocupações, chibi...

            – Nem vem com essa história de novo, eu estou ótima.
– O tom de voz da morena parecia muito alterado. Aparentemente, não era a primeira vez que tinham esse tipo de discussão. E não era mesmo.

            – Você não pode continuar a viver aqui sozinha! E se...

            – E se nada, Megumi. Eu estou ótima, absolutamente ótima. É melhor até ficar aqui sozinha, assim não atrapalho ninguém. E eu tenho levado meus estudos muito a sério, não vou parar agora que...

            – Nossa, tão à sério que está em casa quando deveria estar em aula, não?

            – Hoje foi... Uma exceção.

            – Deveria considerar arrumar alguém pra viver com você.

            – Deveria considerar cuidar da sua vida.

            – Eu não vou embora daqui sozinha hoje, Reila.

            – Então pode levar o Kuro com você, esse gato já está me dando nos nervos. E saia da minha casa.

            – Eu não...

            – Eu estou
pedindo para você sair. Por favor. – Um momento de profundo silêncio. Agora o vocalista se prendia a todas as palavras, a conversa o interessara. Será que tinha algum motivo específico por trás de tudo isso? 

            De repente, o barulho de um miado forte e a batida da porta. Megumi havia ido embora.

            A cautela com que Yamaguro saiu do quarto não foi repetida no processo de entrada, parecia irritada. Ruki a fitava, sentado na cama. Ela pareceu se constranger por um instante.

            – Desculpa, te acordamos?

            – Só um pouquinho. – Sorriu. – Mas não importa... O que aconteceu?

            – Não foi nada. – O loiro ficou bravo com esta afirmação. Gostaria que ela lhe contasse tudo, mas não poderia exigir nada. Deixou para lá, mas muito desconfortável com isso. – Mas... Eu realmente deveria me dedicar mais à faculdade... – Falou mais para si do que para o outro.

            – Estou te atrapalhando né?

            – Não exatamente... É que eu não tenho tanto tempo durante o dia. – Pareceu ponderar por uns minutos, perdida na própria mente.

            – Eu... Eu vou embora agora, também. Não quero te atrapalhar e a viagem de volta é longa. – Planejava ficar lá por muito mais tempo, mas ante aquilo, seria incapaz.

            – Taka... Você... Gostaria de morar aqui comigo? Quer dizer, eu preciso estudar, e a gente mora tão longe que é inviável ficarmos indo ao encontro um do outro sempre, e eu não posso sair daqui. – A garota ainda estava nervosa com o que a irmã dissera, não sabia se a proposta era sincera ou simplesmente para fazer com que todos se calassem.

            – Não pode? Por quê?

            – É... São só uns probleminhas. Nada demais. – Novamente se esquivando. – Por favor... Pense nisso. – E entregou-lhe as roupas que foram jogadas por todo canto da casa, saindo do quarto para dar-lhe privacidade.


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¹ Um tipo de couve chinesa.

² Motsunabe é feito de vísceras de vaca, hakusai e vários vegetais são cozidos numa base leve de sopa. Kimuchinabe é similar ao motsunabe, tirando as vísceras e usando carne de porco finamente fatiada no lugar. É um prato tradicional coreano, mas também se tornou muito popular no Japão.

³ Refeição comum no Japão. Composta por uma sopa e três acompanhamentos, ou ainda arroz, sopa e mais três acompanhamentos. Respectivamente um prato fermentado, vegetais cozidos e um assado, nesta ordem da esquerda para a direita. Ainda sobre a disposição dos elementos na mesa: os hashis são colocados da forma como no texto eu descrevi e, quando fazem essa refeição “completa”, geralmente bebem chá verde.


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Notas finais do capítulo

N/A: Boa madrugada, moçada bonita do meu Brasil-sil-sil-sil... -q

Tentem me matar se quiserem. Mas como previ esse ataque terrorista, resolvi me prevenir e contratei duas guarda-costas de primeira para... Vocês sabem... Guardarem as minhas costas.

Aliás, quem viu o novo PV de Versailles, Serenade? Muito triste e mórbido... Faltou o Mine lá. Quase shoro i.i~

Aliás², álbuns novos de Gurugämesh e Mantenrou Opera divinos. Eu amei Murder Scope.

E feliz natal, feliz ano novo, feliz hanuka, chinguilinguiling-guiling-guiling para vocês.