Eu ainda podia ouvir a melodia agitada da música que tocava dentro do salão, que agora estava longe demais de mim. Eu ainda podia sentir a multidão dançando, ávida por um único momento de insanidade, no escuro.

Porém, agora tudo o que eu sentia eram as mãos dela percorrendo as minhas costas e puxando o meu cabelo sem nenhuma delicadeza. O seu perfume doce estava mesclado com o ar puro do jardim. Uma combinação um tanto quanto estranha, mas que eu apreciava.

Sim, estávamos lá, sozinhos na noite, como nossos lábios se tocando com tanta avidez que mal pude acreditar. Sorri enquanto desfazia o seu coque mal feito com seus cabelos, outrora tão espessos e indomáveis, caindo perfeitamente no seu rosto.

As mãos delas desataram a minha gravata, jogando-a no chão. Ela beijava o meu pescoço enquanto eu erguia a sua coxa direita e a segurava contra o meu próprio corpo. Eu não me importava comi nada naquele momento, a não ser que eu, ela, nós, estávamos colocando algo em prática que no dia seguinte deveria ser esquecido e enterrado. Algo que nunca deveria ter acontecido.

Mas a questão é que estava acontecendo. Nenhum de nós em nosso estado normal teria a insanidade de fazer o que estávamos fazendo agora, principalmente com uma pessoa que até então achávamos que odiávamos. Sim, eu a odiava e ela me odiava. Ela estava se comportando como uma típica bêbada contente, me seduzindo com o brilho dos seus olhos e os seus mais misteriosos encantos.

Até eu não estava sóbrio naquela ocasião. Na verdade, eu não estava sóbrio havia muitos dias. Porém, naquela noite nós dois havíamos bebido várias garrafas de whisky de fogo, servidas sem nenhuma ficaslização, na tentativa frustrada de afogar nossas mágoas de relacionamentos fracassados.

Mas agora já tínhamos descoberto uma maneira melhor, muito melhor, de se fazer isso.

Com apenas algumas palavras, nos convencemos que o melhor era sair daquela festa escura e barulhenta. Ninguém nos viu passar pelo portão, enquanto íamos para os jardins.

Comum movimento rápido das minhas mãos eu abri o zíper do seu elegante vestido preto e o deslizei pelo seu corpo, deixando aos pés dela. Ela, por sua vez, desabotoava os botões da minha camisa e passando os seus dedos pelo meu abdome, provocando em mim arrepios inevitáveis.

Imagens rápidas vieram a minha mente: todas as brigas, todos os olhares, todas as vontades perfeitamente escondidas com um ódio mútuo. Um ódio que agora que poderia ser qualquer coisa, menos aversão.

Seus olhos estavam fechados e a sua fisionomia era de contentamento. Ela sussurrava “Ron” nos meus ouvidos, mas eu não me importei. Primeiro porque eu estava bêbado e segundo porque eu estava sussurrando o nome de Astória nos ouvidos dela. Éramos dois grandes fracassados no amor. Ela abriu os olhos lentamente, interrompendo as carícias por um momento.

“Você não é o Ron” disse confusa. Sua voz estava pastosa, como a minha provavelmente também estava.

Eu apenas parei de beijá-la e segurei o seu queixo, forçando-a olhar para mim.

"Você não é Astória."                                                                               

Ela deu de ombros, indiferente. Quem era Astória mesmo? Será que era aquela menina do quinto ano? Ou seria aquela do segundo? Eu podia sentir que ela estava pensando nisso. Não que eu realmente me importasse. Apenas a olhei novamente nos olhos e fiquei surpreso quando vi uma pontada de desaprovação.

“Apenas feche os olhos” Eu disse, já os fechando.

Ela sorriu e concordou. “Fechar os olhos” disse, também os fechando e rindo, como se fosse uma brincadeira muito divertida.

De certa forma, era mesmo.