Ao acordar na manhã seguinte, parecia ter tido um sonho estranho. Lembrei de cada detalhe, olhei para o lado na esperança de encontrá-lo, mas e encontrei a cama vazia. Reprimi o aperto no peito e as lágrimas de chegarem aos meus olhos, respirei fundo e levantei, preparando-me para mais um dia, tentando ignorar aquelas lembranças que só me feriam mais.

Fora só um sonho... Um desejo profundo... Ele jamais voltaria...

Foi pensando assim que preparei-me e saí pela estrada sob a ainda fina camada de neve, por entre o bosque silencioso, sendo atormentada por aquelas cenas sem nexo. Uma história louca sobre transformações... Um herdeiro, uma cura... Beijos... Perdões...

Eram cenas fortes demais para apenas sonhos, mesmo que sonhos estranhos, mas tudo do que eu lembrava era confuso, nada fazia a dúvida me deixar. Era inevitável, mas, ao mesmo tempo, inútil tentar entender aquilo ou definir conclusivamente se mesmo só um sonho. Minha mente insistia nisso, mas era inevitável o questionamento, talvez eu ainda tivesse um pouco de esperança, apesar de tudo.

Cheguei cedo a casa de Lilliandil, as garotas me esperavam para o café da manhã com a mesa posta. Ficamos em uma sala enorme acompanhadas de uma mesa farta, uma lareira acesa e sentadas ao lado de uma parede inteiramente de vidro, nos dando luminosidade natural e uma bonita visão para o enorme jardim e gramados sob a neve que cobriam toda a enorme propriedade com alguns pinheiros ao longe.

-Corin escolheu Pedro para ser seu padrinho também – contou Lúcia, animada. - Então Lilliandil me mandou um convite de última hora e eu vim assim que pude.

Sorri suavemente.

-Tudo bem, Su? - perguntou Jill, vendo-me distraída.

-Está tudo bem, Jill. - sorri, tomando um gole de chá.

-Hm! - Gael pousou sua xícara no pires. - Olhe quem vem ali. - ela sorriu docemente em direção a parede de vidro, mais exatamente para o lado de fora, assim como as outras.

Olhei também e vi Dash caminhando lá fora ao lado de Pedro e Eustáquio, os três conversavam tranquilamente enquanto andavam devagar. Permaneci observando Dash sem me dar conta da presença e do olhar das outras. Eu me sentia mal. Sentia que havia o traído; sentia-me suja, como se tivesse magoado o único que realmente cuidou do meu coração como ele devia ser cuidado. Quando me perguntei como o havia magoado, em minha mente veio a imagem desconexa e sem sentido daquele sonho estranho; um beijo.

Meus olhos permaneceram em Dash, mas sem vê-lo. Aquele sonho ainda me incomodava. Só fugi de meus devaneios quando Dash pousou os olhos em mim, sorriu levemente e acenou. Dei um suave e gentil aceno de volta, sorrindo timidamente e voltando a olhar para minha xícara, tomando outro gole. Senti outros olhares sobre mim, olhei para frente, por trás da xícara, e vi as garotas encarando-me com um meio sorriso.

-O que foi? - perguntei distraída.

-Você e Dash estão muito próximos, não é? - insinuou Gael, servindo-se novamente.

-Somos bons amigos. - disse eu.

-Era a mesma coisa com Cas... - prendi a respiração e ela se interrompeu.

-Dash é maravilhoso... - falei ignorando o que ela iria dizer.

-Ontem ele a levou até sua casa, pode nos contar tudo! - disse Jill.

-Nós fomos em silêncio pela estrada, na carruagem, até chegarmos em casa e... - corei, lembrando do momento.

-E?! - cobrou Lúcia, um pouco assustada.

-Nos beijamos... - sussurrei e o queixo das três caíram.

-Beijaram?! - admirou-se Jill.

-Sim...

-Então você corresponde aos sentimentos dele! - explodiu. - Ah, Su, vocês formam um casal tão lindo! Corin contou a mim e à Lilliandil que Dash ama muito você e agora você o corresponde! Vocês vão ser muito felizes juntos... O que foi? - ela parou, vendo minha expressão desanimadora encarando minha xícara. - Você gosta dele... Não gosta?

Demorei alguns segundos para responder, brincando com uma colher. Dei um leve sorriso.

-Dash é bem diferente do que eu imaginava. Tão divertido, ele me faz rir, me faz sentir... Curada, de certa forma, ele consegue fazer com que eu veja um pouco de sol nos meus dias nublados... Mas... - meu sorriso se desfez.

-Você ainda ama Caspian. - concluiu Lúcia. Suspirei.

-Por que, mesmo ele tendo me feito sofrer tanto, eu não consigo esquecê-lo... - confessei, sentindo-me uma criminosa.

Elas ficaram em silêncio por alguns segundos, trocando um rápido olhar.

-Você não consegue esquecer o que está longe, mas também não consegue ficar longe do que está perto. - observou Gael.

-Eu estou perdida, não é?

Elas assentiram e nós rimos. Seguiram-se alguns segundos de silêncio enquanto nós observávamos os do lado de fora, agora eles estavam parados, conversando, de costas para nós, apontando para algum ponto distante da propriedade e meus olhos focaram-se na figura notável e atraente de Dash.

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[…]

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Ao fim de mais aquele dia, eu estava despedindo-me delas e dos rapazes em frente a casa quando Dash se ofereceu novamente para me acompanhar até minha casa. Desvencilhei-me usando a desculpa de que ainda estava claro. Fui sozinha da casa de Lilliandil, passando pela vila, onde parei na confeitaria, não resistindo àqueles doces, porém perdi muito tempo escolhendo-os. Já estava escurecendo então apertei o passo pela estrada deserta. Começou a nevar suavemente e estava cada vez mais frio, com uma mão eu segurei os pacotes e com a outra, ergui levemente a saia do vestido para passar com mais facilidade pela suave e comprida ladeira que marcava o final da estrada.

Então eu saí do bosque, adentrando o gramado de minha propriedade. Dei alguns passos olhando para o chão batendo a neve do vestido, mas quando ergui o olhar em direção a casa, vi que havia alguém parado ao lado do lampião.