1978, Vila Estige:

   Vila Estige… Uma vila de beleza única derivado à sua natureza exótica. Situada numa ilha na zona sul do Oceano Atlântico, é a única localidade que é habitada. Toda a área à sua volta é composta por uma extensa selva onde existem vários tipos de plantas tropicais e animais extremamente raros. O clima por aqueles lados era bem quente e húmido, Estige parecia estar constantemente dentro de uma estufa.

   A zona habitável, a vila, tem igualmente uma beleza especial… Além de pequena, toda ela contém traços antigos. As poucas habitações são grandes, feitas de granito e já ali prevaleciam desde tempos remotos. As ruas são essencialmente pedras e terra batida e dão acesso a todas as casas dos 178 habitantes que a vila possuía. Por falta de população, Estige apenas tem um grande mercado, um posto médico e um pequeno departamento policial. É a vila ideal para quem procura uma vida calma e longe do mundo. Ali, todos os moradores conhecem-se uns aos outros e ajudam-se no que podem… São pessoas simples e honestas.

   A maior curiosidade encontrava-se num sítio… No enorme rio que atravessa o centro da vila. A sua beleza é fascinante, a água limpa e cristalina, cheia de vida… Alguns habitantes gostavam de juntar-se em noite de lua cheia, iam até à ponte que dava passagem para os dois lados da vila e contemplavam a água a brilhar debaixo do lindo luar. Era algo único e mágico… O rio brilhava sob tons de dourado e prateado, emitindo umas luzes pequenas cintilantes, nunca antes vistas.

   O Rio Estige, o qual dava nome à vila, era conhecido porque antigamente na mitologia grega, acreditava-se que servia de entrada para o outro mundo, aquele rio era a fronteira onde as almas dos mortos eram transportadas. Como em tantas outras vilas de nome importante e histórico, Estige também possuía estranhas ocorrências… Se bem que em menor escala. Para outros seres, a vila não tinha muito a oferecer. Preferiam outras com mais pessoas, onde a destruição fosse maior e mais significativa.

   Independentemente do número de problemas ser maior ou menor, Estige possuía um Night Watcher como todas a outras. Na verdade, não tinha apenas um, mas dois Night Watchers… Eram um casal e ambos viviam numa das maiores casas da vila. À volta desta, existia um grande jardim muito bem tratado e inúmeras vezes era possível avistar uma criança bastante feliz a brincar entre o relvado e os arbustos existentes naquele espaço. O casal Fernandes deixava a filha correr livremente e divertir-se à sua maneira… Não existiam escolas em Estige e toda a educação que a menina adquirira, tinha sido dada pelos pais.

   Um certo dia, enquanto a criança brincava pelo jardim, acharam que chegara a hora de tentar abordar a filha sobre outros assuntos… Apenas tinha 8 anos, mas deviam começar desde cedo a falar acerca de algumas responsabilidades. Não era fácil e aquele momento já tinha sido adiado várias vezes…

   Na altura exacta, decidiram que afinal iam apenas falar por alto, não havia necessidade para fazerem uma abordagem muito forte para primeira vez. Com calma, o pai aproximou-se dela enquanto estava entretida no chão, a brincar… Era um homem alto, de cabelo escuro, olhos castanhos e de feições simpáticas.

Bernardo - Posso brincar contigo?

Ao ouvir a voz do pai, a menina levantou a cabeça para o encarar com um sorriso muito alegre. Eram muito parecidos…

Érica - Podes pai! Senta-te!

Exclamou muito contente… A criança era Érica, a mulher que nos dias presentes mora em Cila e tornou-se numa Night Watcher, tal e qual como os seus pais tinham sido.

Bernardo - Ok, mas não posso brincar se não me disseres o que estás a fazer…

Respondeu Bernardo Fernandes enquanto sentava-se e fazia cocegas à filha e esta ria-se às gargalhadas.

Érica - Estava a mostrar as flores à Joana!

Disse a menina ao pai perto de um dos canteiros… Joana era a boneca de trapos que a acompanhava para todo o lado. Era o seu brinquedo favorito.

Bernardo - Então e a Joana gostou das flores? Parece que sim, ela está feliz!

Érica - Sim, ela acha que elas são lindas!

O pai sorriu-lhe e durante alguns segundos ficaram lado a lado em silêncio, enquanto Érica penteava os cabelos de Joana.

Bernardo - Érica, o pai tem uma pergunta a fazer-te… Acho que a Joana também ia gostar de saber a resposta!

A filha olhou para ele e esperou pela pergunta…

Bernardo - O que é que gostarias de ser quando fosses grande?

Érica riu-se e respondeu muito naturalmente…

Érica - Então pai, gostava de ser médica. Assim podia ajudar as pessoas!

Bernardo perdeu a vontade de avançar a conversa… A inocência de Érica estava a incapacitá-lo de desenvolver o assunto.

Bernardo - Há outros trabalhos em que também podes ajudar as pessoas… Sabias disso?

Érica - Quais pai?

Dizia a menina com um ar curioso.

Bernardo - Com o tempo vais perceber, ainda és muito nova…

Érica continuou a brincar com a Joana.

Bernardo - Um dia vais ser uma grande Night Watcher!

Tentou o pai… Sabia que assim ia atrair a atenção da filha.

Érica - O que é isso?

Bernardo pensou como haveria de explicar aquilo de maneira a que a jovem ganhasse interesse… Rapidamente achou uma solução que talvez fosse eficaz.

Bernardo - Uma Night Watcher? É como uma heroína… Ela luta contra os maus e salva as pessoas!

A criança sorriu e ficou muito atenta…

Érica - A sério? Como o Super-Homem?

Bernardo - Parecido!

Respondeu com ternura.

Érica - E também vou poder voar? Ou usar roupas especiais?

Bernardo riu-se face à ingenuidade de Érica, que era bem engraçada.

Bernardo - Não linda… Os Night Watchers parecem pessoas normais! Têm de esconder a sua identidade para os maus nunca saberem onde é que ele está!

Explicou o pai.

Érica - Pai, eu quero ver um…

Pediu Érica… Bernardo já contava com aquilo, a sua filha era muito curiosa.

Bernardo - Bem, tanto eu como a mãe somos Night Watchers!

Érica pôs-se de pé…

Érica - Tu e mãe salvam pessoas?

Perguntou bastante contente…

Bernardo - Salvamos pois!

Érica era muito inocente e pura… Ao ouvir a confirmação do pai, deu-lhe um grande abraço…

Bernardo - Um dia, quando for a tua vez, o pai mostrar-te-á como se faz!

Disse com compreensão… Érica apenas sorriu alargadamente.

Érica - Quero ser uma heroína!

Presente, Vila Cila:

   Érica Rodrigues acabara de ser atirada ao chão…

   Era noite e no local em questão, o parque natural de Cila, havia pouca iluminação. A Night Watcher tinha ido dar o seu passeio nocturno por aqueles lados pois na noite anterior, tinham sido relatados distúrbios na zona. Achou que era melhor dar uma vista de olhos e como de costume, pegou na sua mochila com algumas armas pessoais e dirigiu-se ao local.

   Ultimamente quase nunca fazia as suas rondas sozinha… E desta vez não tinha sido excepção. Rodrigo Rodrigues, o seu marido, e Melissa Monserrate, a jovem recém-chegada dotada de uma força e resistência únicas, tinham-na acompanhado. Enquanto deslocavam-se à conversa e um pouco distraídos, tinham sido atacados…

   Rapidamente, Érica levantou-se do chão. Rodrigo e Melissa correram na direcção da Night Watcher e colocara-se um de cada lado dela para encararem os adversários… Quatro lindas mulheres, com vestes brancas até aos pés, encontravam-se frente aos três amigos. Todas tinham cabelo loiro e eram bem altas e elegantes. À partida pareciam ser normais, humanas… Mas era apenas à primeira vista. Em vez de braços, possuíam duas longas serpentes a substituir.

Melissa - Érica, o que é que elas são?

Pergunta Melissa, um pouco agitada.

Érica - Pela ausência de braços diria que são Fúrias…

Melissa pareceu ficar na mesma…

Rodrigo - Ausência? Elas têm serpentes em vez de braços!

Exclamou Rodrigo assustado… Já estava mais que habituado àquele género de vida, mas mesmo assim nunca se sentira à vontade. O perigo era sempre inevitável.

Melissa - O que é que elas querem?

Uma das Fúrias deu um passo à frente e apontou uma das serpentes para Érica. Devia ser a líder, pois as outras ficaram na mesma posição e apenas riram…

Fúria - Prepara-te pra morrer Night Watcher! Abaddon assim o exige!

E domadas pela raiva, lançaram-se as quatro sob Érica e os dois companheiros.

As Fúrias existiam em grande quantidade em outro mundo… Uma das várias dimensões infernais que os demónios da ordem superior governavam. Simbolizavam vingança e gostavam de castigar os mortais. Já existiam há muito tempo e inicialmente foram criadas pra servirem os demónios e pra torturarem e castigarem as almas que eram enviadas até àqueles mundos. Era pavorosas e muito fortes… Não tinham poder nenhum em especial, à excepção do veneno poderosíssimo que as serpentes continham. Não era comum caminharem pela terra e se ali estavam, era porque tinham alguma tarefa a realizar… Neste caso, matar a Night Watcher.

Duas delas, sendo uma a líder, dirigiram-se a Érica. As outras duas tomaram direcções diferentes… Uma foi direito a Melissa e outra pôs-se no caminho de Rodrigo.

Érica - TENHAM CUIDADO COM OS BRAÇOS, SÃO VENENOSOS!

Avisou a Night Watcher, enquanto desviava-se de um pontapé.

Melissa conseguiu agarrar uma das serpentes pela cabeça e puxou-a ao girar sob si… A Fúria foi arrastada pelo chão cerca de três metros.

Érica acabava de diferir um murro forte na cara de uma das suas adversárias. Esta cambaleou e logo de seguida caiu derivado à rasteira que levou. Enquanto a líder aproximava-se aos gritos, Érica tirou uma faca da sua mochila…

Rodrigo tinha um pequeno machado na mão e recuava à medida que a Fúria avançava. Ao embater numa árvore, percebeu que não podia andar mais para trás. Num instante, já aquele assustador ser estava à sua frente e com uma agilidade tremenda, lançou o seu braço serpentino na direcção dele. Por um triz que não foi apanhado… No último segundo saltou para o lado e a serpente mordeu a árvore. A força da dentada tinha sido tão grande que ficara presa… Rodrigo aproveitou. Cheio de ansiedade, levantou-se, agarrou no seu machado e decapitou a Fúria. Ao ver que tinha vencido, sorriu… Era a primeira vez que matava um ser maligno com as próprias mãos.

Quando finalmente a Night Watcher sentiu que a líder já estava ao seu alcance, deu uma cambalhota no chão, desviando-se da mesma. A que tinha sido afastada por Melissa, como estava perto de Érica, tentou atacá-la pelas costas enquanto esta estava distraída…

Melissa - ÉRICA, ATRÁS DE TI!

Gritou a jovem…

Érica não estava a contar e deu graças por Melissa estar atenta. Numa incrível agilidade, a Night Watcher virou-se e atirou a faca, a qual girou com bastante rapidez e foi cravada no peito da Fúria, abatendo-a.

As restantes assistiram a tudo e tiveram noção que estavam a ser eliminadas com alguma facilidade… A líder olhou para a companheira e fez-lhe sinal, era altura de se retirarem. Rodrigo e Melissa voltaram a juntar-se a Érica e as suas adversárias aproveitaram pra fugir…

Melissa - Elas estão a fugir!

Rodrigo - Seguimos?

Perguntam apressadamente…

Érica - Não podemos deixá-las escapar! Fiquem por perto!

E seguem os três atrás das Fúrias. Se bem que por pouco tempo… Segundos depois de terem começado a perseguição, Érica embateu contra alguém e tanto ela como a outra pessoa foram atiradas ao chão. Melissa e Rodrigo pararam com o susto.

Rodrigo - Érica?

A Night Watcher já se estava a sentar quando Rodrigo e Melissa se aproximaram para a ajudar.

Érica - Quem é que veio contra mim?

Perguntou meio confusa… Alguns metros à sua frente estava outra mulher também a levantar-se. Melissa avistou-a…

Melissa - Está bem?

Dirigindo-se à mulher.

Isabella - Estou sim… Obrigado!

Respondeu bastante simpática. Isabella tinha estatura média e aparentava estar na casa dos trinta. Tanto o seu cabelo, como os seus olhos eram castanhos e à primeira vista, parecia ser muito educada.

Melissa olhou para trás, mas as Fúrias já haviam desaparecido…

Érica já se encontrava de pé e olhava para Isabella.

Érica - Peço imensa desculpa, está escuro e não a conseguir ver no caminho… Estávamos com pressa!

Desculpou-se a Night Watcher.

Isabella - Não faz mal… Ninguém se magoou. Estou aqui a acampar e parecia-me ter ouvido uns barulhos estranhos, então decidi vir ver! Deviam ser vocês a correr…

Melissa - Como a minha amiga disse… Estávamos com pressa…

Disse Melissa com um sorriso um pouco forçado, apenas para despachar aquela situação. Tinham de ir atrás das Fúrias…

Rodrigo - Não é por nada, mas já não vale a pena irmos tão rápido… Já vamos chegar atrasados de qualquer dos modos!

Rodrigo tinha razão… Já não as iam encontrar, tinham um avanço muito grande e podiam ter tomado qualquer direcção. Érica já tinha compreendido isso e Melissa apenas entendera agora… O Parque Natural no centro da vila, ainda era grande e aquela era a primeira vez que lá entrara.

Érica - De qualquer dos modos não devia andar aqui sozinha à noite… Ultimamente não é lá muito seguro!

Disse Érica a Isabella.

Isabella - Oh, não se preocupe… Já tinha ouvido falar de Cila e acho que sempre foi assim… Uma criminologia muito elevada!

Melissa riu-se com ironia…

Melissa - Lá nisso tem razão!

Érica - Se calhar é melhor irmos andando…

Érica achou que era melhor irem embora antes que a conversa esticasse…

Rodrigo - Sim, vamos!

Isabella - Desculpem! E foi um prazer!

Exclamou Isabella de um modo muito simpático. Érica ficou sensibilizada pela educação da mulher e achou-se no dever de, no mínimo, responder de igual forma.

Érica - Não tem que desculpar-se… Já agora, nem nos apresentámos! Chamo-me Érica Rodrigues. E eles são a Melissa e o Rodrigo!

Érica aproximou-se de Isabella e cumprimentou-a com um aperto de mão… Mas algo estava estranho… A mulher parecia ter ficado surpreendida.

Isabella - É você a Érica Rodrigues?

A Night Watcher percebeu que aquela mulher já a devia conhecer… O que era pouco provável, pois tinha a certeza que nunca a vira antes. Rapidamente largou a mão de Isabella e recuou…

Érica - Conhece-me? Quem é você?

Perguntou desconfiada… Melissa e Rodrigo estavam atentos, estes também não percebiam o que é que se passava.

Isabella - Tenho andado à sua procura!

Exclamou a mulher, com um grande sorriso.

Isabella - O meu nome é Isabella! E também sou uma Night Watcher!

Continuou, cheia de emoção.

Os três amigos apenas olharam uns para os outros, meio confusos, meio surpreendidos…

Melissa - Ah?