Acordei sentindo muito frio, abri os olhos e levantei-me. Ainda era madrugada, eu não dormira muito, afinal.

Andei até uma poltrona perto da cama e vi um moletom e meias – minhas meias listradas e coloridas. Tirei a roupa que eu usava, joguei-a na poltrona e vesti as calças do moletom. Eu não estava com pique para tirar o sutiã por debaixo do moletom, então os tirei e vesti o moletom, ainda sonolenta. 

Achei meus óculos no criado-mudo ao lado da cama e os coloquei; fiz um coque alto e malfeito com a minha liguinha de cabelos da sorte, coloquei as meias e fui até a varanda, observar a vista.

O vento era forte e frio, mas assim mesmo que é bom. Uma pessoa uma vez me disse que o frio é como um sentimento, só sentimos se quisermos, ou alguma coisa do tipo. É como se você pudesse controlar o frio.

Mas, como sou uma pessoa de argumentos, e um tanto quanto grosseira, a mandei ir de tanguinha para o Polo Norte, ver se o frio era psicológico. Sou a pessoa mais meiga da face da terra, podem dizer.

Acordei de meus devaneios e voltei para o quarto, me deparando com Niall na cama, somente de boxers, apoiado nos cotovelos e me observando sonolento. Seu cabelo estava tão bagunçado que parecia que um furacão havia passado somente em sua cabeça. Eu sei, é muito exagero, mas... Sei lá, né. Eu sou Alice Holdings, eu sou exagerada!

- O que você tá fazendo, Allie? – perguntou-me com a voz rouca, pelo sono provavelmente.

- Nada demais, apreciando a vista, somente isso. – respondi andando até ele. Sentei-me na cama e o fitei por alguns instantes, antes de abaixar o olhar.

- Allie...

- Oi.

- Posso fazer uma coisa? - perguntou-me levantando meu rosto até que nossos olhos se encontrassem.

- Pode... – senti seus lábios tocando os meus antes mesmo de eu terminar a frase, que nem lembro direito qual era agora, depois de estar sendo beijada de tal jeito.

Niall deitou-me na cama e colocou um braço de cada lado da minha cabeça; meus dedos encontraram sua nuca e começaram a brincar com seus cabelos. Logo depois partimos o beijo, o que me fez olhá-lo nos olhos.

- Bobão.

- Chata.

- Gordo.

- Enjoada.

- Irlandês.

- Isso é um insulto? – perguntou-me.

- Bem... Não. A não ser que o entenda como um! – eu disse sorrindo. Niall soltou uma risada anasalada.

- Ok então, brasileira! – ele disse. – E isso é um elogio.

- Nossa, obrigada então! – eu disse rindo. – Posso fazer uma coisa?

- Pode.

- Mas, se eu te machucar, a culpa não é minha! – eu disse o avisando.

- Ok, agora eu fiquei com medo... – ele disse ficando sério. – Mas pode fazer sim. – continuou falando, sorrindo dessa vez.

Desci minhas mãos até a base de sua coluna, encravei minhas unhas de leve em sua pele e subi até seu pescoço. Niall arrepiou-se e estremeceu com o que eu fizera. Eu sempre quis arranhar as costas de um garoto, mas nunca pude... Não tive a chance.

- E aí? – perguntei.

- “E aí” o quê? – ele perguntou.

- Te machuquei?

- Não. Na verdade, eu amei isso. – ele disse dando-me um selinho. – É bom!

- Ah Nialler, seu palhaço...

Depois do que eu disse, coloquei as mãos em seu peito e o empurrei com toda a minha força. Niall foi para trás, e então eu levantei da cama e o encarei, cruzando os braços, com um largo sorriso.

Niall me fitou por um segundo antes de me dar um sorriso largo, mas com significados... Ele levantou-se e eu saí correndo pelo quarto, rindo, desviando de seus braços e pulando pela cama. Eu havia cansado de correr, e então senti seus braços em volta da minha cintura, me tirando do chão e me fazendo rir mais ainda.

Ele jogou-me na cama, ficando por cima de mim, prendendo meus pulsos com as mãos e olhando fundo em meus olhos. Nós dois ainda ríamos muito, mas então fomos calmamente voltando ao normal e voltando a respirar direito.

Niall afrouxou as mãos que seguravam meus pulsos e passou os dedos pelos meus braços, e então parou, bruscamente.  

- O que é isso, Allie? – ele perguntou com a expressão extremamente tensa enquanto segurava meu pulso.

- I-isso o quê, Niall? – perguntei temendo que talvez ele tivesse percebido.

- Isso! – ele disse agora alto, puxando a manga do moletom. – Isso aqui, Allie... Por que fez isso? – continuou com a voz agora como um sussurro.

- Eu... Eu tenho meus motivos, Niall. – eu disse virando o rosto para o lado. – Nós temos que falar disso agora?

- Sim, nós temos... – ele disse sentando-se na beira da cama e passando as mãos nos cabelos. – Alice, por que você se cortou, afinal?

- Niall... É só que... – comecei falando hesitante. – Eu perdi muita gente. E tantas coisas aconteceram ao mesmo tempo...

- Qual foi a última vez? – perguntou-me engolindo em seco e virando o olhar para mim. Vi lágrimas em seus olhos e meu coração parou por alguns segundos.

- No Natal, antes de vocês chegarem... – eu disse olhando para baixo. Uma lágrima involuntária escorreu de meus olhos.

- Eu... – Niall começou, mas logo parou. – Eu não entendo o porquê, Allie...

- Não é uma boa hora pra entender nada, Niall. – eu disse tocando seu rosto. – De verdade, ainda quer falar sobre isso?

- Não, eu não quero... – ele disse, olhando-me nos olhos. – Eu posso ver?

- Pra quê?

- Pra quê sim, Allie. – ele disse me fitando. Eu vi a dor em seus olhos.

- Tudo bem...

Niall puxou meu braço esquerdo e levantou a manga até meu cotovelo. Depois de alguns dias sem nem lembrar que elas existiam, olhei para as minhas cicatrizes. Sim, eram realmente muitas. Muitas mesmo.

Não eram fundas o suficiente para cortar uma veia, mas fundas o suficiente para deixar marcas demoradas a sarar.

Niall tocou a última cicatriz, a mais recente, e passou os dedos sobre ela. Não era a última, nem a única. Depois de passar um tempo passando os dedos ali, senti os mesmo deslizando sobre meu braço, tocando todas as cicatrizes.

Senti os lábios de Niall beijando todos os lugares onde haviam as cicatrizes, e senti uma lágrima... Uma lágrima.

Levantei seu rosto e olhei em seus olhos. Além daquela lágrima solitária que caíra em meu braço haviam outras rolando pelo seu rosto. Era um choro silencioso, sem soluços nem nada do tipo, só um choro de dor, que eu já sentira, e muito.

- Niall... – eu disse tocando sua bochecha e enxugando algumas lágrimas. – Não chora.

- É impossível, Allie. É impossível. – sua voz se transformou em sussurro, mas então, após uma longa pausa, Niall continuou. – Eu... Allie, não dá. Eu não consigo ver a pessoa que... Que eu mais amo na minha vida assim! Eu não posso, Allie. Eu não posso. Não faz mais isso, por mim.

- Eu... – comecei a alar gaguejando. – Ok, eu não faço mais.

- Promete pra mim, por favor.

- Eu prometo.

- De verdade? – ele disse pegando meu rosto nas mão e me dando um selinho.

- Sim, de verdade.

Niall deitou sua cabeça em minhas pernas e me fitou, ficou ali, só olhando para mim. Como de costume, fiquei mexendo em seus cabelos até que o sono bateu novamente.

- Você quer dormir, Allie?

- Quero sim...

- Vamos dormir então.

Ele levantou-se de minhas pernas e engatinhou até um lado da cama, deitando lá. Deitei-me ao seu lado com o rosto virado para ele. Tirei os óculos e coloquei no criado-mudo ao meu lado.

- Boa noite, Niall.

- Boa noite, minha pequena.

Toquei sua bochecha e logo depois fechei os olhos. Dormi instantaneamente, mas ouvi um sussurro de Niall, só não sei se ouvi direito...

- Eu te amo, Alice Holdings.