Clube Do Imaginário escrita por ShoutOut


Capítulo 15
15 – O vinho. Os demônios.




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15 – O vinho. Os demônios. E os machucados de uma alma.

3ª relato de Hansel Dedrick

            Você deve está pensando que a nossa vida tinha virado um verdadeiro mar de rosas depois do nascimento do clube não é? Tipo, vida sem problemas, só se meter em encrenca e tudo mais, como bons exemplos de adolescentes problemáticos.

            Na verdade não, acho que de uma certa forma, a redoma toda do irreal tinha nos prendido de uma maneira muito forte que nos tinha feito guardar tudo dentro de nós, numa espécie de caixa.

            Tudo, os problemas que nos consumiam e lá vai mais coisas, tinha virado um peso. Um peso que tínhamos nos acostumado a carregar.

            Bem, as coisas mudam de uma hora para outra.

            Três meses e meio de clube e todos só pensavam nas férias que estavam chegando. Para mim não fazia a mínima diferença de um jeito ou de outro, o clube continuaria existindo nas férias, só que sem a obrigação de vir a escola todos os dias e ainda tinha o fato que provavelmente Miranda no daria algum trabalho extra para as férias.

            - Ainda bem! – gritava Harley toda vez que o assunto era férias. – Preciso dormir um pouco.

            - Você vai ter o estadual bem no meio das férias. –ela parecia ter esquecido que não teria sossego nas férias.

            - Eu disse dormir não curtir. – ela cruzou os braços com um olhar neutro.

            Está vendo?

            Sabe aquele momento que você está tão desesperado, mas tão desesperado, que parece que seu cérebro desliga seus sentimentos lhe tornando algo parecido com uma criança assistindo um desenho da Disney, aceitando que tudo vale, e você nem percebe?

            Nós estávamos assim, toda a parada do irreal era nosso desenho da Disney, e ainda não tínhamos percebido.

            [E sim, Max, eu estou sóbrio pra burro, então a coisa vai ficar séria agora]

            Bem, eu acho que por opção meu cérebro fez o favor de retirar alguns detalhes de todos aqueles momentos.

            Lembro de me sentar perto de umas as arvores que tinha na minha escola com a minha gaita nos lábios, não lembro se pensei em algo, provavelmente toquei algo.

            Odeio o silêncio de um jeito bem estranho.

            - Oi. –eis que surgiu a garota dos óculos estranhamente legais.

            - Napolitano. –falei em resposta.

            Ela me olhou com uma sobrancelha erguida com “O que?” estampado na sua cara, isso me fez sorrir.

            - Sim, o que você quer? –não gosto muito de enrolação.

            Ela esticou as pernas e pegou um cigarro que estava preso na orelha.

            - Tava afim de fazer uma coisa, mas preciso de ajuda.

            - Pede ao Rudy. – ela vivia colada ao Rudy, Ramone me falou uma vez que ela era como irmã mais nova dele, então... Não falei nada mais que o obvio.

            Essa parte eu lembro bem. Ela abraçou os joelhos, acendeu o cigarro e ficou encarando o chão por alguns segundos com o cigarro entre os lábios.

            - Ele não concorda. – ela quase sussurrou. – Vai ser uma consequência.

            - Quer desobedecer o psicopata? Conte comigo. – Adoro desobedecer e ajudar a desobedecer, ou seja, sou uma ótima influência.

            - Invadir a sala dos professores? – lindo.

            - Você é doida.

            - Novidade.  – ela era sarcástica, que belezura.

            - Só nós dois? Isso que eu chamo de encontro estranho. – eu também tinha a carteirinha do clube do sarcasmo.

            - Precisamos do Teddy, o avô dele era chaveiro, ele sabe abrir qualquer tranca, e do Baco, ele tem uma habilidade maluca de copiar a letra de qualquer pessoa.  

            - Onde eu entro na história?                        

            - Preciso de alguém que seja bom com as mãos. – sim, ela era louquinha de pedra.

            - Não sei não...

             O sinal que dizia “De volta ao inferno pirralhos” tocou.

            - Conversamos depois da aula. – ela começou a sorrir que nem uma psicopata. Deu para ver com detalhes porque Ramone dizia que ela era a “irmã” mais nova do Rudy.

            - Você é doida. – Ela parecia ter alguma droga de maluquice suicida e psicopata correndo nas veias.

            - Quem não é?

             E o placar estava de 0X1000 para Luna “Napolitano” Bizet senhoras e senhores.

            Pulando partes, o final da aula chegou como um segundo a mais numa contagem regressiva para todo mundo, para mim significou andar mais devagar.

            - Vai ficar na escola? – perguntou Harley que ultimamente só sentava perto de mim.

            Não posso culpá-la, sei que sou irresistível. [Sem assassinatos nos vídeos lembra?]

            - Acho que sim, sem saco de ir para casa. –foi exatamente a primeira coisa que me veio a cabeça.

            - Acho que consigo entender. – ela falou segurando no meu ombro.

            Vamos dizer que eu a Harley tínhamos entrado numa espécie de relação “Sou o pai que você deveria ter tido e você tem que dar curso a minha futura filha como ela deve agir”. Era divertido.

            Encontrei Luna dando uma mordida no braço do Teddy com Baco rindo do lado.

            - Sem exemplos de canibalismo para os mais novos ok? – era até bom ser o “senpai” na área.

            Para os desinformados, no Japão, na escola principalmente pelo o que eu saiba, os mais novos chamam os mais velhos de nome-senpai em forma de respeito, ou só senpai, e eu era o segundo mais velho da detenção e o mais velhos do clube.

            [Sim Rudy, sou uma enciclopédia de coisas assim e para mim elas não são inúteis, então me deixa.]

            - Olá Porco. – Teddy como sempre uma doçura de criança.

            - HANSSIEE!

            Meu cérebro me perguntou: “Qual é o problema dessa garota?” E eu só fiquei calado com a maior cara de “Que merda” do século.

            - Não me chama de Hansie. –falei sério. – Então, história de invadir a sala dos professores...

            - Não é invadir. –ela corrigiu. – Tem uma coisa lá que eu sempre quis pegar, a Miranda seria pega bem debaixo do nariz dela.

            - Tipo o que? –Teddy perguntou.

            - Se pegaram a gente pegando coisas da Miranda, não me surpreendo se mandarem a gente direto pro Afeganistão. – Baco falou comendo uvas que eu nem tinha notado que ele estava carregando.

Ela sorriu abertamente, era como se falasse “Sim, é a sala dos professores, sim, e daí?”

- É uma garrafa de vinho. – Baco, que estava relutante antes, tinha acabado de topar. – Mesa da janela, lado esquerdo, terceira gaveta. Se toparem, o vinho é nosso.

- Você sabe ser bem convincente quando quer Lua. – Teddy suspirou pesadamente, mexendo no piercing da sua boca com os dentes. – É bom que seja vinho tinto e de boa safra, e bem caro também. Vai ser a primeira vez que bebo isso, tem que ser um dos bons.

Joguei a razão do alto de um prédio de mil andares e mandei-a dar uma volta com o “foda-se”.

- Só que tudo será na mais perfeita classe, está bem?Em respeito ao vinho.

Você ai, leve isso para o contrário. Levou? Agora entendeu o que eu quis dizer. Pensou mesmo que eu iria dar uma de membro da máfia italiana? Eu tenho cara de homem que usa terno?

- Sabia que você ia topar. – Luna mordeu o lábio do lado esquerdo e eu nem sei porque prestei atenção nisso. – Eu já estava pensando nisso também, aproveitar a oportunidade, começar a merda e terminá-la, sacomené?

- Um trote, um roubo, e uma garrafa de vinho tudo num dia só e num canto só. Gostei. – Baco sorriu mostrando as cozinhas do rosto rechonchudo. Teddy mostrou o polegar para ele rindo abertamente, como se dissesse “Falou tudo, pirralho!”

- É isso ai Baco. – Luna bagunçou o cabelo dele e eles começaram a andar e eu os segui de maluco que eu era.

Era ela confusão, era um fato. E, para a minha surpresa, era exatamente o meu tipo de confusão.

            Ficamos um tempo sem fazer nada, parecia que Luna tinha que dar o veredito para que pudéssemos fazer alguma coisa. Max apareceu nesse meio tempo com Valentina do seu lado.

            Harley nos disse que eles estavam numa espécie de relacionamento maluco, era uma coisa meio que amizade colorida para os outros, mas sozinhos... Era algo parecido com filmes. Isso era tenso.

            - Teddy ainda tem aquelas bombinhas no seu armário? –Luna estava pensativo, hora de agir.

            - Obvio. – ele realmente era maluco.

            - Você vai abrir a sala dos professores e depois distrair os funcionários, certo?

            Ele concordou.

            - Baco, você fica com as canetas permanentes, anote coisas com uma letra segura, faça bigodes em fotos, tudo, é por sua conta.

            - Espera. – minha cabeça estava fazendo contas a todo vapor. – Vamos ter uns dez minutos para tudo isso. – Todos olharam para mim. – Nossa escola não é gigante o suficiente para as bombinhas nos darem uma boa vantagem, mesmo que tenham um bom tempo de diferença entre uma e outra, acho que isso nos dá uns três, quatro minutos de vantagem até que se toquem que é uma distração, e mais alguns se correrem para nos achar, acho que isso dá uns oito, dez minutos de vantagem. – Eles continuaram confusos. – Sou bom em matemática.

            Teddy mexeu no cabelo e disse:

            - Tenho três bombinhas.

            Comecei a pensar de novo, contas e contas na minha cabeça.

            - Vá para o outro extremo da escola e depois fuja para a casa do Otto, Luna te liga quando for seguro, coloque a última bomba o mais distante o possível do portão, acho que um intervalo de uns dois minutos entre cada bomba ajuda. E não vamos inventar muito na sala dos professores, quanto menos barulho fizermos melhor; e só entramos depois de um minuto que a bombinha estourar.

            Todos pareceram concordar com o meu plano.

            - Então senhores, prontos? – Luna sorriu para nós.

            Saímos andando normalmente, eu nem sabia o que iria fazer, mas que fosse.

            - Surpreendente. – Luna sussurrou quando passou por mim.

            - É melhor não me subestimar garota. – falei rindo das minhas próprias palavras.

            - O mesmo vale para você.

            Bem, lá vamos nós descrever a sala dos Satãs, quer dizer, dos professores. Era um lugar bem iluminado com um mural que tinha feito pelas crianças mais novas, ou com a pele delas, eu não sei, que tinha algumas fotos deles, algumas estantes e duas mesas. Uma era da Miranda, exclusiva, e a outra era para as reuniões.

            Teddy e Baco pegaram o material para a acabarmos com tudo aquilo. Tivermos sorte de Teddy ser bem rápido, ou seja, a bagunça começou logo.

            Luna pegou logo a garrafa e escondeu contra o corpo. Baco começou pelo mural e depois foi para as mesas, era impressionante como ele escrevia rápido.

            Resolvi ser feliz jogando algo parecido com futebol americano com os arquivos dos alunos, das aulas e adjacências.

            Saímos logo, mas o lugar tinha virado uma verdadeira zona, para a nossa felicidade.

            - Coloquei os óculos do John Lennon nas fotos do Otto. – Baco falou escondendo as canetas nos seus bolsos e nos meus também. – Ele vai gostar disso. E claro Detenção em vários lugares.

            - Eu já sei do que eu vou gostar. – Luna tirou a garrafa. – Disso aqui.

            - VINHO! –Eu e Baco gritamos rindo.

            Corremos para de trás do ginásio, onde aquela hora não tinha ninguém e era um ótimo lugar para esconder a garrafa e só tivemos que esperar alguns minutos para que Teddy chegasse ofegante.

            - E ai, como ficou?

            - Temos o vinho e a sala tá uma bagunça graças ao Hansel. – Baco falou rindo. – O que te deu para jogar os arquivos pro alto?

            - Estava entediado, você e Luna estavam se divertindo, deu vontade. – eu estava sorrindo que nem um idiota.

            - Da próxima, um de vocês vai com as bombinhas, não eu. – Teddy falou pulando em cima de entulho.

            - A nós cavaleiros. – Luna abriu a garrafa.

            Foi engraçado ver a cara de vômito que Teddy e Baco fizeram experimentando a bebida, mas Baco acabou gostando. Ele tinha algo com uvas, e não era só por causa do nome, era algo que vinha da alma, não tinha outra explicação.

            Bem, nem sempre tudo é flores não é? Quando saímos do nosso esconderijo para observar o que nossa “travessura” tinha provocado com álcool em nosso sangue e muitas balas na barriga, só precisamos chegar perto da secretária.

            - Filho? – eu conhecia aquela voz, por mais ódio que tivesse dela. – Hansel!

            Olhei para o lado querendo que o álcool realmente tivesse acabado de vez com o meu cérebro de vez, que as balas e o álcool tivessem me endoidado.

            Não, não era.

            - Conrado. – eu não queria acreditar no que via.

            Toda a raiva guardada por sete anos estava nos meus punhos, não tinha nem o que se pensar, mas eu não podia, meu corpo não conseguia se mover.

            - Hansel, meu filho, como você cresceu. – aquelas falas estavam me dando novo. – Olha só, tá um homem formado.

            - Hans. – Luna me chamou baixinho. – Ele é...

            - Sim Luna. – Olhei dentro dos olhos que eu tinha herdado querendo que ele entendesse que era melhor não mexer comigo só com o olhar. – Ele é o meu pai.

            Sim, Conrado Dedrick, o cara que eu queria que tivesse morrido a anos atrás estava bem ali, na minha frente sentado ao lado da Miranda.

            Era a conferência do inferno.

            Sabe aquela sensação de que você já devia saber que algo iria acontecer mais cedo ou mais tarde?

            Miranda deu uma de social e carinhosa, dizendo eu precisava de um tempo com o meu pai e disse até que eu não precisava ir para o clube.

            Tudo que eu mais queria naquela hora era ter a desculpa do clube nas mãos.

            Então lá veio Conrado com aquela cara de sincero e carinhoso que usava com a minha mãe. Quando todos saíram e só ficou a secretária da escola que já fazia parte da decoração do local tive vontade de começar a briga, mas tinha que me controlar, eu sabia.

            - Hansel. – Harley me chamou aparecendo com um chocolate nas mãos. – Mas que...

            - Espera, Harley Rue é sua amiga? –lindo, agora ele daria uma de pai divertido, eu queria vomitar.

            - Hans. – Harley parecia meio branca de surpresa. – É o seu pai?

            - Infelizmente. – sussurrei para mim mesmo. – Miranda me livrou do clube por hoje, depois a gente se fala.

            - Tá. – ela veio até mim com os braços estendidos.

            Foi um braço meio demorado, ela colocou a mão de leve na minha cabeça.

            - Me tira daqui. – sussurrei meio trêmulo.

            - Você consegue grandão. – ela tentou me confortar,mas pela voz dava para ver que não estava nem um pouco segura do que estava dizendo. – Você não é ele, lembre disso, você não é ele.

            Então ela saiu olhando para trás, ainda com cara de surpresa, mas na mistura vinha preocupação.

            - Olha só, esse é o meu garoto! – Conrado parecia feliz. – Senti o clima entre vocês dois, e logo a Harley Rue! Ela não é lá muito bonita, mas tem um corpo que...

            - Não fale dela como se falasse da coelhinha de julho. – falei ainda em pé. – Ela é só uma amiga.

            - Então a garota da vez é aquela grandona que chegou com você? – ele fez cara de pensativo. – Ela usa roupas de garoto né?

            - Para, ok? Para de tentar virar meu pai agora. – falei cerrando os punhos, a raiva estava subindo a cabeça, eu via tudo numa tonalidade avermelhada.

            - Mas eu sou seu pai Hansel, nada muda isso, eu só... Achei que seria mais feliz com a Sheila, ela pediu um tempo, não sabia que me tomaria tanto tempo. – desculpa esfarrapada.

            - Não. –me virei devagar, controlando cada impulso que tinha no meu corpo. – Você é uma maldição, seu filho morreu quando você cruzou aquela porta para ir morar com aquela vadia.

            - Cuidado como fala comigo garoto.

            - Porque eu teria? – sarcasmo salva vidas, saibam disso. – Passei sete anos deixado de lado tendo que aguentar boa maioria dos namorados a minha mãe me tratando como lixo e ela sem fazer nada por que eu, infelizmente, sou sua cópia fisicamente.

            - Eu não sei o que falar. – ele coçou os cabelos. – Foi complicado para mim nesse meio tempo.

            - Eu tenho uma saída para você. – ele me olhou meio esperançoso. – Se mata.

            Então, sai correndo para o mais longe daquela escola.

            Estava louco para correr, correr e correr sem parar. Meus olhos doíam, eu estava louco para socar alguma coisa, gritar...

            Quem diria que um demônio do passado faria tudo aquilo comigo?

            Consegui me sentar num acostamento isolado e acendi um baseado, minha visão estava embaçada, eu não conseguia ver o céu direito, tudo parecia doer.

            Eu ficava repetindo para mim mesmo que era só um demônio que logo sumiria, como todos os outros que já tinham aparecido na minha vida, mas não evitava tudo que eu sentia. O Hansel Dedrick de dez-onze anos parecia estar dominando meu corpo de novo.

            E o silêncio doía, até demais, e eu sabia que eu pegasse a gaita no meu bolso não sairia nada. Cada momento ali, só eu, a estrada e algumas arvores sem sinal de seres humanos doía, pra caramba.

            Meu celular tocou.

            - Onde você tá? – Era a Ramone, provavelmente Harley tinha dito tudo para todos do clube.

            - Na rua morte, esquina com a rua do inferno. – minha voz estava embargada, eu tremia. – E eu pensando que era forte.

            - Você tá chorando? – tinham posto no viva-voz.

            - Me diz foguinho, quando sua alma é machucada, a única coisa que uma pessoa pode fazer é chorar.

            Eles ficaram em silêncio por alguns segundos e eu desliguei.

            Desliguei-me de tudo e de todos, joguei o celular no chão, dei o grito mais alto que achava que conseguia dar e fugi para o único canto que eu me sentia seguro.

Últimas palavras deste relato:

            Minha vida inteira estive cercados de pessoas.

            Pessoas presas dentro de si próprias, loucas para gritar, para bater, para correr, para viver.

            E tudo que elas queriam, não eram coisas matérias como um bom videogame, ou instrumento, ou emprego, ou transar, o que elas queriam era fugir.


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