A Cura Do Meu Coração escrita por Rafa SF


Capítulo 18
Capitulo 18




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/176820/chapter/18

—-/-/Sesshoumaru/-/-

.

O youkai com vestes escuras recolheu a toalha na testa da mulher, a torceu na água fria, dobrando-a cuidadosamente e repousando-a no mesmo lugar. Seus âmbares, ora estavam cobertos pela franja clara, ora aparentavam estar sem foco, tamanha a sua introversão. O quarto em que se encontravam era os aposentos anteriores da sacerdotisa, chamado de Shinsei, que, apesar do nome indicar sagrado, no momento, era tomado pela morbidez. 

Era uma noite sem luar, ele constatou sem, entretanto, incomodar-se com a pouca luminosidade no local. Também fez questão de apagar as velas do quarto sagrado, não precisava de luz para saber do cenário diante de si, os detalhes estavam gravados em sua mente. Havia decorado, mesmo após poucas horas, o percurso de cada arranhão em sua pele, os ferimentos maculando a palidez dela com tons arroxeados traziam-lhe um gosto amargo à boca. Lhe irritava ver as manchas surgirem, elas zombavam deste ao agir como prova da própria incompetência, contudo, seu orgulho não bastava para abandonar aquele ser. 

Kagome suava, a febre era constante, apesar de melhor do que mais cedo, quando chegamos ao Oeste. Fora uma decisão correta trazê-la para cá, já que os médicos fizeram seu trabalho com eficiência e, se tratando de um ser humano, eles supriram qualquer expectativa lógica para o caso e a mantiveram viva. Mais do que eu mesmo fui capaz. E a impotência lhe irritava. Este Lorde compreende o esforço de seus subordinados em suprir sua demanda, porém lhe perturba que suas tentativas foram insuficientes para tirar a expressão de sofrimento de seu delicado rosto. 

Seus traços finos não refletiam a personalidade forte de sua dona. Este não era estúpido e tinha conhecimento dos desejos da mulher em ser mais ativa no combate, ela era poderosa e fazia questão de demonstrar isso para mim, num apelo inconsciente de aprovação, talvez. Trazê-la para a linha de frente foi uma aposta arriscada, eu sempre soube e, suas habilidades permitiram várias vitórias, num espaço de tempo bem menor do que o comum. Por muito tempo, colhi os frutos de uma estratégia arriscada, mas se eu ao menos soubesse… jamais a teria incentivado a lutar.  Não, ela teve o azar de sua inimiga ser a própria General do exército, a 2° Filha do Senhor do Norte a qual esteve, pela primeira e última vez, presencialmente na linha de frente. Mesmo assim, havia uma ponta de orgulho em-  

Não, não há orgulho algum em vê-la nesse estado. Deveria ter impedido, poderia ter enviado Ryou para si ou qualquer outro, somente não deveria tê-la deixado só.

A voz de meu pai, Inu No Taisho, inundou minha mente e pude reviver nosso último encontro. Lembro de pensar na tolice que faria. Eu era jovem e tudo o que pensava era em obter poder o suficiente para dominar tudo, incapaz de compreender os desejos ditos pelo mais velho na noite em a qual se sacrificou para salvar a humana que tomou para si e seu filho bastado. Eu fui a seu encontro e exigi sua herança mais poderosa, Sounga e Tessaiga. 

Ele havia lhe perguntado se haveria alguém que iria proteger e na época, não pôde estar mais ofendido pelo questionamento. Este Sesshoumaru não desperdiçaria seus esforços com algo tão inútil, lembro de pensar ao vê-lo tomar sua verdadeira forma, disposto a arriscar sua vida por essa vontade mundana. Proteger. Aquele seria o fim do DaiYoukai mais poderoso de nosso clã, Lorde de todo o Oeste.  Por muito tempo, não fui capaz de lamentar sua morte, indigna, ao meu ver, e para o eu daquela época, soou como uma ofensa presenciar a verdadeira forma de seu pai. 

Hoje o entendo.

Eu sempre achara ser possível conquistar tudo com a força, se meus inimigos me temessem, jamais ousariam ir contra minha vontades. Por centenas de anos, acreditei que jamais haveria vontades além de meu alcance, eu tomaria a tudo ao seguir o caminho da dominação e enterraria todos os quais ousassem interferir.

Isso até sua redenção começar.

Seus anos de companhia da criança humana, serviram para mudar muitos de seus dogmas. Rin lhe mostrara, desde cedo, que não deveria permanecer sozinho, que havia mais, havia satisfação em agradar alguém querido e felicidade ao compartilhar os momentos consigo. A corajosa criança, mostrou a ele, sentimentos os quais jamais cogitaria em permitir-se e ensinou a si, como aproveitar a companhia a qual ela mesma se arriscou em lhe proporcionar. Tão jovem, a criança, agora quase uma mulher, assumiu um lugar importante para si, sua afilhada lhe mostrou as faces do mundo que se recusou a ver, mesmo com quase um milênio de existência. Ensinado por uma criança. Dentre tantos ensinamentos, lhe ensinou a importância das promessas feitas. E desde então, este Sesshoumaru não falhou em manter todas as que fez, para outros e para si mesmo. Até agora. 

Eu prometi lhe proteger, Kagome. 

Internamente lamentava, perante o corpo inerte deitado entre os lençóis. A pele pálida de aspecto doentio estava longe de ser uma visão agradável, no entanto, eu estava ali, guardando seu descanso, incapaz de perder qualquer sinal de sua volta. Não poderia deixar de pensar na imagem sorridente daquela humana intrometida, era um trejeito seu o de sorrir com facilidade, aprendi, tal como pude descobrir várias facetas suas. Era confuso pensar nas inúmeras vezes que tentei me afastar. Eu havia decidido manter-me firme e conter os desejos de minha fera até sua partida de minhas terras. E outra vez fui incapaz de manter minha palavra, gerando propositalmente outras oportunidades para manter sua presença. 

Dia após dia, me vi criando desculpas para estar em sua companhia. Criando e desfazendo hábitos seus, sem que jamais tomasse conta disso, a forma como passou a tomar suas refeições em companhia ou ter pausas secretas em seu trabalho só para servir de ouvinte às suas tagarelices foram algumas das mudanças que ela causou.  

 Perdi a noção de quando exatamente eu passei a considerá-la como parte de minha rotina. Meus dias só completando-se caso houvesse sua presença ali, para me importunar. Quando não a via, buscava ouvir seus passos, acompanhar suas risadas fáceis durante a fogueira ou até mesmo ouvir suas maldições para minha pessoa nos dias que passava um pouco do ponto ao beber com os soldados. Era vergonhoso, e portanto, evitava me revelar nas vezes que a observava, incapaz de conter aquela curiosidade corrosiva e inquieta em mim, mas admitia ser divertido ver suas constantes expressões.

Ela nunca percebeu seu próprio hábito de pensar alto. 

E foi assim, além de qualquer esforço, que a sacerdotisa se aproximou de mim sem que eu me desse conta, conquistando tudo sem precisar ao menos lutar por seu espaço. Apesar de também nunca ter dito algo ou reclamado sobre o assunto. Eu jamais me atreveria a invadir sua privacidade, constantemente relembrando de que seus pensamentos já eram possuídos por outro. A partir de então, decidi simplesmente esperar a sua partida, limitando nossos encontros ao necessário, pelo menos de minha parte. Entretanto, qual não foi a surpresa ao vê-la surgir constantemente? Tomando para si qualquer espaço como se fosse seu e novamente, me vi inquieto perante si. Não ousando impedir seus atos. Eram essas e outras atitudes as quais enfraqueciam a minha determinação em me manter afastado. Por fim, me vi ansioso por ela, fingi continuar a ler relatórios até tarde e contava os minutos até ouvir seus passos delicados se aproximarem. 

Havia feito uma promessa antes de trazê-la para o campo de batalha, lhe disse: não a tocaria novamente. E este Sesshoumaru conseguiu, por um longo período, manter suas intenções firmes, até ter a ideia de desafiar a competitiva mulher.  

Então, minha atitude revelou tudo. 

Foi ali, após vê-la belamente ofegante por mim, que pude entender o que negar seria tolice, eu esperava por si e qualquer atitude que permitisse meu contato. A desejava intensamente, finalmente alinhado com os anseios de minha fera e jamais me segurei como fiz naquele momento.. Me aproximei tomando-lhe qualquer espaço para além daquela árvore, impedindo-lhe a fuga com meu próprio corpo, tão perto dela eu pude tragar sua essência como nunca imaginei fazer realmente. 

O seu cheiro, tão convenientemente convidativo, servia para nublar os pensamentos por inúmeras vezes enquanto acompanhava o olhar avaliador o qual ela me direcionava. Os olhos da miko serviam como sinais, atraindo-me como a lua em meio a escuridão da noite, tão expressivos, eram capazes de mobilizar até o mais insensível dos seres. 

Permiti que ela me visse no seu tempo, achando graça do rubor que lhe tomou quando subiu seus olhos para meu rosto. Novamente, ela não sabia o que demonstrava em sua própria face rosada, os olhos estavam obscurecidos pelo deleite e acompanhavam um rubor no nariz quase da mesma cor dos lábios úmidos e avermelhados, o verdadeiro significado da perdição. E era nela, que este Sesshoumaru estava preso, e não faria questão de liberdade. 

Eu reparava em cada gesto seu, atento a notar a forma como ela reage a este. Seu peito movia veloz, indicando a respiração alterada, tal qual uma presa no caminho do abate, seus batimentos ritmicamente acelerados soavam como música aos meus ouvidos e dominava outros de meus sentidos. Seus sinais eram convincentes. Aproximei-me lentamente, aproveitando para inspirar mais o cheiro feminino que ela exalava, o desejo oculto no aroma me permitiu, mais uma vez, ser egoísta ao roçar meus lábios em seu ouvido. Roubando-lhe o contato. Um breve e convidativo suspiro foi solto pela menor, entretanto, tal permissão implícita era insuficiente para me fazer sair da autotortura que me impus até aquele momento. Eu precisava de sua permissão. Um pedido seu. 

Apesar de ter prometido, não podia deixar de pensar na cláusula implícita de nosso contrato prévio. Eu não a tocaria, ela, no entanto, estava livre para agir. Eu lhe dera todos os motivos para tal. Somente necessitava de algo mais concreto do que sinais fisiológicos, ela precisa pedir por este Sesshoumaru. Uma única vez seria o suficiente. Pensei aflito, desistindo de qualquer orgulho para lhe suplicar: 

—Kagome_ falei com milhares de dizeres naquela única palavra, seu nome saiu rouco, denotando o quanto me controlava naquele momento. E não era o único.

A Miko estava ofegante e a vi fechar os olhos, como se para apreciar meu gesto. Assombrosamente linda. Não pude deixar de notar. Tudo em si era belo ao meu ver, até a nova visão de seus olhos obscurecidos não fugia desse conceito. Ela mordeu os lábios, atraindo minha visão para a carne rubra e tive de perfurar as garras em minha própria mão para conter a vontade de reivindicá-los. Minha besta estranhamente silenciosa, como se para zombar ainda mais de que eu era o único motivo desse controlado descontrole. 

E então esperei, aflito, por segundos ou minutos, não tive certeza. Procurava em seus olhos qualquer sinal de uma atitude sua, só para acabar frustrado. Novamente, recuei e desisti, no fundo eu sabia não ser o motivo de seus sonhos conturbados, haveriam outras razões mais plausíveis para seu olhar entregue. Sim, provavelmente eu estava vendo somente o que gostaria, distorcendo os fatos ao meu redor. Resignado, decidi por me afastar o quanto puder, negando meus atos vergonhosos, abandonando-a naquele pátio.

Deveria ser ciente de seu equívoco. 

Nunca fora feitio seu permitir algum viés selecionar suas atitudes, nem simplesmente poderia continuar interpretando erroneamente as ações da humana. Por algum motivo, foi naquela mesma noite que tratou de lembrar as conversas as quais teve com Kagome antes de chegarem ao Oeste. Tal como comparou todos os encontros que teve no passado com o grupo de seu meio-irmão. Por bastante tempo, os considerou um casal, devido à proximidade entre ambos, além de não ser surpresa a afeição do hanyou por humanas, mikos, em especial. E nesse momento, sentiu um gosto amargo lhe subir, convenientemente, ele evitava lembrar desses detalhes. Seja das vezes que a viu chamar pelo nome do seu meio-irmão enquanto dormia ou das que chorou ao pensar no hanyou, ela nunca deixou de demonstrar o quanto lhe alterava a menção do mesmo. O sentimento de raiva, somado à possessividade e resignação foram seus companheiros àquela noite, percebendo que, pela primeira vez, teve ciúmes. 

De certo, ele deveria lembrar que ela não era sua, nem um objeto o qual pudesse adquirir, entretanto, no seu íntimo, admitiu ter dificuldades em não desejar que o fosse. Naquela noite sentiu ciúmes e havia sido consumido por ele. Por isso, na manhã seguinte, tratou de esconder em si aquela parte suja, a noite em questão somente servindo-lhe de aviso para retornar ao seu próprio controle. 

A observava outra vez. Ela carregava um brilho puro, capaz de iluminar a todos e, repetidamente, fui incapaz de manter distância por tanto tempo, honestamente, eu nem quis e kagome nunca perdeu sua posição. Ela trazia paz e aconchego para minha alma sofrida, eu sabia, apesar de me surpreender o quanto quando permiti que a mesma presenciasse meu dilema. A mostrei um lado o qual sempre escondi, tal como o Lorde que era, aprendi a ser perfeito e principalmente, parecer inabalável. Foram centenas de anos para adquirir tal hábito, somente para ser quebrado pela mulher. Foi naquela a primeira noite que exigi seu toque. Eu permiti seu contato e, de forma egoísta, me afundei em seu aconchego. Vi naquele pequeno ser, um equilíbrio para mim mesmo e a tomei, num gesto egocêntrico e cansado. Estava exausto de negar o sentimento que me corroía e fora egoísta por exigir sua atenção, mesmo com o conhecimento de não ser seu escolhido. 

E vê-la aqui, em tal condição, com a tez esquálida tão contrária a bela visão de outrora, doía. Uma dor que não tinha local definido, só existe em si. Lhe era doloroso relembrar dos momentos que desfrutou ao seu lado, pois cada um deles eram somados ao seu pesar. Pois, foram os resultados de meus atos que a trouxeram aqui. 

Este Sesshoumaru falhou. Disse-lhe em pensamentos. 

Apesar de não haver ouvintes para caso eu tornasse em bom tom, eu não me achava digno de pedir qualquer coisa à humana, nem mesmo para a sua inconsciência. Estava ali, ajoelhado ao seu lado, zelando por si em silêncio. Perdido em seus pensamentos. Seu corpo pequeno estava coberto para não revelar o ferimento tão profundo de seu abdômen e a carne corroída tinha um cheiro podre que não combinava consigo. Este Sesshoumaru não podia deixar de imaginar seu sofrimento. 

Por sua culpa, ela suportava tamanha dor, inconscientemente tentando manter-se viva, sua teimosia reinando sob qualquer lei natural. Se eu soubesse que hoje pela manhã teria sido a última vez que lhe vi sorrir, eu teria a parado, a esconderia, lhe sequestraria se fosse necessário e a trancaria nas masmorras do castelo, o mais longe possível de qualquer perigo, mesmo se tais ações despertassem sua fúria. Ao invés disso, eu não a impedi e  permiti que ela se afastasse demais, pensando que era somente mais uma de suas caminhadas. Ela vivia inquieta por ali, eu sabia, todos estavam esperando por um ataque a qualquer momento, outro motivo para não ter tirado meus olhos da Miko.

Se estivesse lá…  Este Sesshoumaru escolheu não ir, escolheu seguir seus deveres.  Se ao menos houvesse sido mais rápido… Eu lhe prometi proteção. Novamente eu quebrei minha palavra, parece que faço isso repetidamente contigo, Kagome. Lamento.

Meus pensamentos foram interrompidos quando a voz gentil de minha protegida invadiu o cômodo silencioso. Somente ela se atreveria a entrar no local diante de minha presença. Devo tê-la assustado quando surgi no castelo ensanguentado e com Kagome nos braços, e mesmo assim, ela não perdeu tempo com questionamentos, minha criança tomou controle da situação e chamou os médicos, tal como eu próprio faria. Também teve a consideração de selecionar somente aqueles que poderiam cuidar da sacerdotisa dentro do quarto Shinsei e partiu para assumir outros afazeres, logo mais um pergaminho selado por Ryou estava em suas mãos. A criança agiu como uma verdadeira Líder enquanto eu próprio me encontrava perdido. 

—Senhor Sesshoumaru, eu trouxe seu desjejum. Por favor, coma._ Seu pedido me fez perceber o passar do tempo. Foi ontem que trouxera Kagome, ela sobreviveu essa noite.

—...

—Kah-chan odiaria lhe ver assim. Ela sempre adorou o café da manhã do castelo, imagino o que diria se lhe visse recusando uma refeição tão boa. _ Meu silêncio lhe incomodou, eu soube, e por isso peguei os hashis e pus me a comer diante sua vigilância. 

Ela estava perfeitamente arrumada num bonito quimono cor de pêssego bem trabalhado, como todos os que lhe dera, entretanto, ele podia ver o inchaço ao redor dos seus olhos, maculando a imagem feliz de outrora. Eu a magoei também. Constatei. O silêncio permaneceu mesmo após terminar o prato. Rin estava ao meu lado, rezando, imagino, a única coisa que poderia fazer diante da inabilidade dos médicos do castelo. Quando terminou, levantou-se e recolheu a bandeja que trouxe em silêncio, incapaz de conter a si mesma. A observei, minha criança se retirou com o choro contido.

Se eu pudesse ao menos fazer a dor diminuir. Pensei, incerto de para quem eu suplicava. 

.

Desde que Kagome foi ferida, este Sesshoumaru perdeu qualquer senso de prioridade, pois ela lhe tomava todo o foco. Era nela que pensava quando saia do seu quarto, e para ela que retornava ao sair do escritório, o tempo tornou-se um conceito líquido diante de si e suas noites ocupadas pelo constante lamento. Nem mesmo o trabalho e responsabilidades de ser o Senhor do Oeste, que em outrora eram tão queridos, me apetecia mais. Vi-me perdido em pensamentos novamente.

—Sesshoumaru, o que significa Tsuki para o clã Inu?_ Perguntou-me a Miko, em mais um ataque de curiosidade, o que notei ser uma característica constante sua. Ela estava deitada no sofá reservado para si, lendo mais um dos livros que ele trouxera na bagagem. Não chegou a ver o título, mas imaginou ser “O Príncipio do Luar”.

Eram nesses momentos, o qual o tédio a fazia quebrar o silêncio daquela cabana, que me permitia descansar do trabalho a fazer. Ela poderia não saber, mas eu apreciava esses momentos consigo, gostava de ouvir suas suposições, me encantando com seu olhar do mundo. Agora, enquanto lhe explicava a origem de minha família, ela estava atenta a cada palavra minha. Secretamente lhe admirei a expressão concentrada que me lançava. Os olhos azuis brincando com o reflexo do fogo.

Tão linda e proibida a si.  

—Isso explica muito sobre a crença dos soldados! Ah, que sono, vou me recolher agora, Arigatou pela explicação._ Indicou assim que terminei. 

Dando fim a nosso breve contato.

Haviam momentos os quais eu questionava a existência divina, esse, no entanto, era um que eu desejava com todas as forças que houvesse um Deus o qual pudesse apoiar minhas esperanças,. Em meus 900 longos anos, fui capaz de vivenciar a formação de diversas crenças, desacreditando de sua maioria, mas também reconhecendo a veracidade de muitas outras. Tsuki, a Deusa da Lua, era louvada pelo Clã Inu, milênios antes de mim, entretanto, diante dos fatos, fui incapaz de crer em sua potestade.

Se houvesse justiça divina, se existissem deuses. Se assim o fosse, eles não puniriam um ser tão repleto de luz como Kagome e sim a mim, o culpado por levá-la ao campo de batalha, culpado pelo seu atual estado e o culpado pela morte de muitos antes de si.  

Em sua insanidade, pediu secretamente para Tsuki lhe transferir o sofrimento da Miko ou então que findasse sua dor da Miko de forma rápida, sob a esperança de revivê-la como compensação. E, instantaneamente, se arrependeu do que pensou, com medo de não estar por perto para cumprir com seu papel. 

Se os deuses estivessem me punindo. Se talvez esse fosse o castigo, não poderia crer que escolheram a inocente Miko para servir de mártir, estando eu mesmo disposto a servir para seus propósitos.

.

.

.

O grito fino ecoou pelo castelo e, logo em seguida, eu já não estava mais no escritório e sim, diante da agitada humana, indeciso se me aproximava ou permitia o fluxo dos outros naquele cômodo. Os médicos a conteram quando convulsionou.

— O que houve?_ Exigi, sem ter qualquer resposta concreta, os médicos falavam entre si enquanto agiam, mas sem, de fato, responder o que acontecia com ela. Tive de reunir toda minha paciência para esperar que fizessem seu trabalho, atento para notar o sinal de qualquer comissário do outro mundo. Eu via seu sangue manchar as ataduras recém trocadas sob seu abdômen e tive de me conter para não fazer nada, eu não poderia piorar ainda mais a sua situação. Observava o fluxo dos médicos indo e vindo e não notei estar perfurando minha carne, até sentir o toque de Rin, retirando-me do local. 

Ela me trouxe ao corredor. Somente uma parede de distância da Miko, mas longe o suficiente para diminuir a agitação em meu ser. Era torturante acompanhar a cor sumir de si, estava tão pálida e ver os médicos rasgarem as costuras que fizeram nela para realizar algum meio de cura. Eu não sabia, mas estava grato por não presenciar tal cena. Pude, então, me concentrar na pequena garota, ela tremia enquanto apertava os lábios, seus olhos fundos demonstrando toda a tristeza e preocupação em si. Me incomodava vê-la assim.

—Rin, venha._ Chamei, e como forma de consolo mútuo, a alojei em meus braços. E ficamos ambos em silêncio, no aguardo de qualquer sinal da mulher enferma. 

Horas mais tarde, um médico veio ao nosso encontro, sua expressão denota que não estava ali para trazer boas notícias. Volto a atenção para a garota adormecida serenamente em meus braços após chorar por bastante tempo, reflito se deveria acordá-la para ouvir, negando. Lhe daria algum descanso.

— Espere_ Ordenei ao médico e me retirei do local. Retornando rapidamente após ter acomodado Rim em seu futon.  

— Diga._ Falei um tanto ansioso, o que menos precisava naquele momento, eram de meias verdades. O neko youkai respirou fundo antes de começar, o senhor de idade era o “líder” da equipe, pelo o que pude perceber.

— Meu Lorde, esse servo vai relatar a situação. Gostaria de dizer que toda a equipe trabalhou incessantemente pela paciente, mas todos possuem um limite natural, imploro por sua compreensão.

—Seja direto.

— O caso da senhorita é grave. Constatamos que veneno se espalhou a um ponto crítico, além de nossas capacidades. Tivemos que retirar o pus acumulado de alguns lugares, para ajudar na cicatrização e conseguimos conter o sangramento, no entanto ela está fraca demais, creio que não devemos criar expectativ- 

—Basta!_ me controlei para não cortar-lhe a garganta, passando por si para impedir eu mesmo. E invadi o quarto, assustando alguns servos que limpavam o local. Eles já tiveram tempo de retirar os lençóis manchados.

— Saiam todos, já fizeram o suficiente.— dispensei em ira e fui prontamente acatado. Restando somente nós dois ali.  

Me nego a aceitar essa falha. Kagome iria sobreviver, eu iria garantir isso.

.

Como fora tolo ao pensar que ela estava em condições de aguentar o compartilhamento. O ritual foi feito naquele mesmo dia, eu estava ansioso para livrar-lhe de sua situação e talvez não tenha considerado todas as possibilidades. Até pensei ter tido sucesso ao ver a pele de seu abdômen fechar-se, devolvendo-lhe a esperança pelo aspecto liso de sua pele, porém, o grito que se sucedeu, indicou-me haver algo errado. Muito errado.

Kagome berrava em dor, ainda desacordada e nada pude fazer a não ser, tentar conter o meu próprio youki, agora dentro de si, guiando minha energia para curar. O sangue escorria por minhas mãos, minhas garras servindo de contenção para conter minha fúria, porém, dessa vez eu mesmo era o alvo desse sentimento. E fiquei ao seu lado, testemunhando o resultado da atrocidade que fizera, os gritos servindo como lâminas em si, rasgando seu ser em angústia. Diferentemente de quando o fiz pela primeira vez, dessa vez eu me importava com sua dor e teimava em secar cada lágrima que ela derramava, amaldiçoando-me incansavelmente e torcendo para que fosse rápido. Mantive-me ao seu lado, incessantemente agindo, eu mesmo, para controlar minha energia em si, guiando-a para seu bem.

Sobreviva, Kagome._ Lhe pedi, tal qual na primeira vez, repetidamente exigindo mais da Miko do que tinha direito.

Não permiti que qualquer um entrasse no cômodo, nem mesmo Rin, na esperança de que ela seria forte o suficiente para lidar com o ritual, ela já o fizera antes sozinha e conseguiria de novo. Ele acreditava nela, mesmo que tenha levado mais de um dia no processo até finalmente se acalmar, a cor retornando ao seu corpo. Ela adormecia serenamente, sem sinais de quaisquer sofrimento de outrora e mesmo estando cansado, não pude abandoná-la, receoso de pausar o processo atual e recuperar seu sofrimento. 

Mantive-me guiando a energia em si naquela noite.

.

Meu escritório se tornara o refúgio após uma noite impiedosamente longa e um local de tormento, enquanto aguardo o fim de mais um dia, para que possa voltar a invadir seus aposentos e retomar esse ciclo. 

Eu me recuso. Nem mesmo um batimento seria perdido por si, um segundo, qualquer que fosse, era mais do que o preço que estava disposto a pagar. Mesmo se ela nunca o perdoasse, ele aceitaria qualquer coisa em troca de poder tê-la novamente, não necessariamente consigo, mas aqui, bem, do outro lado do cômodo ou em qualquer lugar, mas ainda inteira diante de si. 

Há muitas coisas pelas quais eu deveria lhe pedir perdão, mas a coragem me falta de dizê-las. Eu não era capaz de exigir algo. Se algum dia a sua dor se tornar ao menos suportável, com algum ato meu, por favor, me ordene e seguirei sem exitar. Pedi em pensamentos, olhando para a fonte de meu pesar. Meu mokomoko envolvendo-a para prover alguma ajuda em conter meu youki em si enquanto eu mesmo não o fazia. 

Estava se tornando um hábito quebrar sua palavra, mesmo quando dita para si mesmo. Outra vez, quebrara a própria decisão de manter-se longe, como punição por ter lhe causado ainda mais dor, porém, nem mesmo um dia foi o tempo o qual manteve a decisão. Denotando sua fraqueza, em prol de sanar seu anseio pela presença da Miko. 

Este Sesshoumaru era um ser egoísta, essa nunca fora uma verdade oculta de minha personalidade. Se hoje o sou um pouco menos, é graças à criança que se escondia atrás da porta, esperando para confirmar se eu seguiria ou não o seu conselho. Ela não ousava entrar no cômodo e aguardava minha resposta. Seu pedido de trazer a sacerdotisa idosa da Vila de Inuyasha fora proposto com argumentos bem fundamentados pela menor e, após refletir a situação da humana, tornei-me a acatar mais uma vez o desejo de minha afilhada. 

Se o youki não ajudaria por ser uma energia maligna, então o contrário seria verdadeiro. Essa era a minha esperança.

.

Eu podia ouvir seu frágil coração bater, todas as vezes eu implorava por poder escutar novamente tal som, e de novo, e de novo. Era noite, e mais uma vez, acompanhava os movimentos ritmados de seu tórax. A respiração lenta, curta, lutando para conseguir continuar com o próximo ciclo, era a minha única companhia.  Quantas vezes não desejara mudar o passado? Perdeu as contas das súplicas lançadas ao luar, tudo para que lhe poupasse de tal situação. Até o sol nascer e obrigar-me a sair e lidar com as consequências de minhas atitudes. 

Mais dias se passaram, mais do que eu gostaria de contar e então, parei de considerá-los. Os números não serviram somente como representação abstrata do intangível tempo, como também indicavam um exponenciador para a sua culpa. Após uma semana, eu comecei a perder a fé que depositei nas duas sacerdotisas, no final da 3° semana, eu já não aguentava estar em sua companhia sem desejar destroçar as duas humanas por ousar me dar expectativa, aguardando que elas saíssem de perto de Kagome, para me aproximar novamente. Culpando-as secretamente por nutrir qualquer esperança. 

Se eu estava presente nas discussões calorosas, era somente de corpo, importando-me cada vez menos com o andar das decisões, eles eram os comandantes desse exército por um motivo e era irritante ter de opinar a cada mísera decisão tomada por eles. Outra vez, me vi distraído na imagem da Miko desacordada como se vivesse numa tortura, perfeitamente arquitetada para mim. Em contrapartida às suas memórias, seu corpo não continha nem 1 milésimo de todo o brilho de outrora. 

Em todas as noites desejava que essa fantasia se realizasse. Vê-la abrir os olhos como se esse período não tivesse sido mais do que outro cochilo seu, e Kagome logo voltaria seus anis profundos para mim e sorriria ao soltar alguma piada sobre eu ser um bom guarda ao estar esperando por ela. Dessa vez eu não sentiria a irritação de ser comparado a um animal, eu serviria de bom grado como alvo para diminuir seu tédio.

— Keh, vocês estão esquecendo o que nos trouxe a essa Guerra!_ A voz estridente interrompeu o rumo de meus pensamentos. Era meu meio-irmão se pronunciando enquanto me encarava. E novamente, Ryou pigarreia quebrando o silêncio que se formou, enquanto aguardavam a minha atenção, percebo ter tornado claro o quão distraído estava naquele momento e indiquei uma pausa para a reunião, os vendo se retirar indignados. 

Hoje não é um bom dia, e não me importava em fazer o ser para eles. Lady Satori-hime retirou toda a paciência que me restava, e prezava, encarecidamente, que ninguém mais o fizesse. No fundo, como Lorde, eu sabia que não poderia permanecer assim, eu não poderia continuar dependendo das reproduções que Ryou me dava sobre os diálogos, para indicar minhas soluções. Haviam responsabilidades sob meu título e pessoas ao meu comando dependiam de mim para agir.

Você está patético, Taisho._ A voz de Ryou interrompeu meus pensamentos. Ele guardou a porta, se certificando que não seríamos interrompidos.

Ousado um General dizer isso._ Critiquei, somente para vê-lo suspirar resignado.

Sabe que eu estou falando como um amigo, e não como um General. 

Não preciso que o diga, Ryou.

—Eu vejo. Todos estão ansiosos e nosso tempo se encurta a cada dia. Você precisa tomar uma decisão ou então acordaremos com o exército inimigo nos portões!

—...

Ouvi meu mais antigo companheiro tecer sermões para mim, e, ciente de merecer cada uma das maldições cultivadas dentre as frases, o acompanhei em silêncio. Havia uma Guerra a ser vencida, um embate o qual interferia em inúmeras vidas sob esse território. Nesse momento,  e dessa vez, eu não teria a ajuda de Kagome para isso. Minha mente ferveu diante das possibilidades que me restavam. 

O motivo dessa Guerra, o hanyou disse. 

O cerne dessa guerra era uma exigência comum entre os líderes do clã, assim como de toda a raça, seus próprios pais eram o perfeito exemplo da importância de garantir uma prole poderosa. Ele mesmo estava ali para provar. Só era ofensivo ser cotado como reprodutor para outros, ainda mais com sua hahaue apoiando a ideia. 

Por muito tempo, pensava ter tido a redenção necessária para seus anos de fúria após a morte de seu pai. Posteriormente, errou com Rin, permitindo a sua morte e tratou de lutar no submundo pelo seu retorno, mas fora insuficiente para aplacar sua culpa. Depois disso, passava tempo demais tentando suprir suas falhas doando seus esforços para compensar sua afilhada, mesmo sem ela pedir nada disso. Agora, diante do arrependimento que corria seu ser, não conseguia pensar em nenhuma forma de recompensar a Miko por sua falha. Percebeu estar fadado a viver sob constante redenção, condenado a errar com os seus. Sabia ser infantil querer voltar atrás com seus atos e desculpar-se sempre, por isso, suas atitudes deveriam servir como lembrança constante das sequelas de seus atos. Foram muitos os erros que cometera desde que decidiu seguir seus sentimentos, uma após a outra, as consequências se acumularam à medida em que passou a ouvir o seu íntimo. 

Esperava que com sua decisão, ela pudesse ver positivamente a sua atitude. Ao acabar com a guerra, poderia lhe garantir a segurança que a Miko precisava para viver uma vida tranquila, se algum dia acordasse para tal.  Afastei qualquer arrependimento que poderia ocorrer e tomei minha decisão.

Ryou continuava discursando sobre responsabilidades, certo de ser ouvido, quando eu lhe interrompi:

Eu concordo.

…rincipalmente depois de- O que? 

Vamos decidir um tratado. Eu não continuarei com essa Guerra, e não permitirei que invadam minhas terras. Envie um mensageiro e ofereça a cabeça da 2° Filha como indício de minha boa intenção. 

.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Creio já ter repetido demais a minha dificuldade em trazer esse lado do Sesshoumaru, li e reli diversas vezes o capítulo até estar satisfeita e postar. Decidi trazer um pouco da versão dele sobre os acontecimentos da guerra e afins...
Sei que é de comum a interpretação que Sesshoumaru é extremamente contido nas suas demonstrações e tals, logo, espero não fugir do personagem com esse capítulo. Para mim, a mente é um local que ele (e qualquer um de nós), é permitido ter todos os tipos de pensamentos, emoções e até atitudes imaginárias. Enfim, essa parte da história é delicada e tenho receio de adiantar qualquer coisa sem desenvolvê-la antes. Muitas coisas estão para acontecer, e talvez a versão de outros personagens se torne comum, até porque a nossa principal personagem está desacordada, mas não durará por muito tempo. Talvez 1 ou 2 capítulos. Obrigado a todos! Encontro vocês na próxima! Bjs Bjs Bye



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Cura Do Meu Coração" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.