Candor Lunar - Livro 1 escrita por Denise Kellner, AngusMarcos


Capítulo 9
Capítulo 9 – Uma Vida Inacabada


Notas iniciais do capítulo

Bora ler?



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Eu nunca deixo de estranhar a família de Carlisle e, por muitas vezes, me peguei imaginando como era sua vida antes de Esme ou seus “filhos”, eu sei que ele viveu uma época com aqueles três tarados italianos, mas, ainda assim, me pergunto o que o levou a transformar pessoas moribundas em vampiros. Imagino que Carlisle fosse imensamente solitário perdido em seus pensamentos até resolver salvar pessoas e dar-lhes uma segunda chance com a vida eterna... não deve ser uma decisão fácil de se tomar e, por mais bizarro que pareça, acho que Carlisle conseguiu transformar seu sonho em realidade constituindo uma família tão grande, feliz e estranha.

O clã dos Cullen possui seus membros especiais como Edward, Bella, Alice, Jasper e Nessie, mas eu admito que o dom especial mais impressionante é o de Carlisle: a humanidade. É difícil definir Carlisle e Esme para quem é de fora, aparentemente parecem dois jovens com seus 27 ou 29 anos de idade e recém-casados; Esme possui uma beleza recatada e maternal como se ela tivesse nascido exatamente para ser mãe e Carlisle possui uma tranqüilidade absurda estampada na cara... é impossível tirar ele do sério eu acho; eles emanam uma aura de bondade, sensibilidade e carinho e são o centro da família Cullen.

Os dois estão sentados ao lado de Kaori olhando-a ternamente e curiosos com a sua história, eu me sentia tranqüilo e descansado e desconfiei que talvez Jasper estivesse acalmando a todos com seu dom; Alice e Bella estavam sentadas no outro sofá, Alice com um braço em volta de Bells e o outro mexendo distraidamente em seu cabelo curto e bagunçado. Emett tinha um sorriso estranho no rosto e Rosalie olhava para Kaori com profundo interesse. Edward estava parado atrás do piano.

Nessie não falou mais comigo.

- Então, Kaori – começou Carlisle suavemente – O que trás você a Forks?

- Eu não vim aqui propositadamente. Apenas segui correndo e acabei chegando até o território de Jacob.

- A Reserva La Push não é de Jacob, ele apenas mora nela. – Disse Nessie de súbito.

- Sim, me desculpe, eu não quis dizer isso.

- Mas você viaja sozinha? - perguntou Esme.

- Viajo. Já havia visto grupos de vampiros, dois ou três no máximo, mas nunca uma família tão grande quanto à de vocês e, principalmente, fixadas com uma residência.

- Somos incomuns mesmo – sorriu Carlisle para ela – Mas não precisa ficar com vergonha, Kaori, você pode nos contar o que aconteceu com você, talvez possamos ajudá-la.

- Eu não sei ao certo o que aconteceu, num momento eu viajava pelos arredores de Seattle e no outro estava sendo caçada por dois vampiros estranhos.

- Caçada? - perguntou Jasper interessado.

- Sim. Algo muito estranho, eu jamais tive problemas antes, pois sempre evitei outros vampiros, desta vez só não fui morta porque ao atravessar a fronteira da Reserva eles deixaram de me perseguir, por algum motivo eles não entraram aqui.

- Claro que não – ribombou Emett do canto da sala – Há quarenta lobos maiores que bois aqui, vampiros não entram em La Push desse jeito.

- Eu entrei, mas não sabia que existiam lobisomens, na verdade, nem sabia que lobisomens existiam.

- É isso o que me deixa mais cismado – começou Jasper – Você nunca esteve aqui e por isso cruzou a fronteira sem saber dos lobos, mas os outros vampiros não, era de se esperar que eles viessem atrás de você mesmo assim. O que me parece estranho... é como se eles soubessem o que havia em La Push e não entraram porque tinham consciência de que se o fizessem não sairiam com vida.

- Hum... – gemeu Alice – Acho que Jass tem razão.

- Bem, mas porque eles estavam te caçando afinal? - perguntou Bella – O que você fez para eles?

- Não sei explicar, é tudo tão confuso.

- Nós temos um meio de ver suas lembranças se você nos permitir, Kaori. – disse Edward – Minha filha Renesmee tem o dom de absorver memórias e conversar por pensamentos ao tocar as pessoas e a habilidade dela funciona mais ou menos como a sua; todos nós podemos ver o que você passou. Se você não se importar é claro.

Kaori me olhou e sua voz tocou minha mente e eu soube que ela falava apenas comigo.

“Você acha que eles estão tentando definir se digo a verdade?”

“Não Kaori, eles estão apenas tentando ajudá-la. Eles não têm intenção de lhe fazer mal e não estão dizendo que você está mentindo, acontece que esta família já foi vítima de uma conspiração antes que quase levou todos à morte e eles têm razão para desconfiar de vampiros rondando os arredores. Eu não sei o que você viu, mas não custa darmos uma olhada para definir alguma coisa e poder te ajudar de repente”.

- Tudo bem. Se é importante para vocês. – Ela disse finalmente.

Logo estávamos num circulo fechado em plena sala de estar. Nessie – meio a contragosto na verdade – estava segurando a mão de Kaori e, por sua vez eu a dela; Edward tinha a mão sobre meu ombro e Bella o abraçava pela cintura, Alice abraçava Bella com Jasper segurando seus ombros, Emett sem noção segurava a cabeça de Jasper para provocá-lo e Rosalie segurava a mão de Emett; Esme estava abraçada a Carlisle que, por sua vez segurava nos ombros de Rosalie.

Se alguém olhasse de fora iria pensar que estávamos num círculo de orações e eu não pude deixar de rir até que Edward me cutucou para eu me concentrar.

- Kaori, nós veremos tudo o que você lembrar. Se quiser aproveitar e nos contar sua história nós ficaríamos verdadeiramente lisonjeados e, desta maneira, provavelmente poderíamos ajudá-la melhor – Carlisle disse sorrindo ternamente para Kaori.

Ela concordou timidamente com a cabeça, estava olhando para nós com um pouco de apreensão, mas eu podia entendê-la, ela estava cercada por uma gangue de vampiros mais um lobisomem, sinceramente, não sei como eu consegui convence-la a vir até aqui; fiquei novamente com pena de Kaori, ela se sentia sozinha e amedrontada com tudo e pelo visto havia “morado” naquela árvore no meio do pântano durante algumas semanas, eu não sei o que ela havia passado, mas estava prestes a descobrir.

Só não imaginei que ficaria tão chocado.

Subitamente fez-se um silêncio absurdo, tão profundo que pensei ter ficado surdo, em seguida uma miscelânea de cores e formas atingiu minha mente me fazendo suspirar alto; havia sons e sentimentos de medo por todos os lados, uma correria, gritos, pedidos de socorro, solidão, escuridão e silêncio. Eu percebi que Kaori regredia em suas lembranças para nos mostrar o que ela queria que víssemos para tentar compreender, talvez, o que ela fazia ali.

Em minha mente surgiram imagens claras de uma fazenda grande cujos campos de trigo corriam altos e dourados por vários hectares de terra, o céu muito azul não era maculado por nenhuma nuvem e um vento de primavera varria lentamente a poeira de uma longa estrada de terra; no fim da estrada havia uma casa grande de madeira com dois andares e varandas sossegadas que circundavam todo o casarão.

Um cão latia do quintal onde alguns maquinários de arar a terra estavam parados, um homem de macacão azul mexia num motor e seu rosto sujo de graxa me pareceu familiar por alguns instantes; era óbvio que este pensamento era antigo, de décadas passadas a considerar pelo carro estacionado no celeiro e pelo vestido que uma mulher usava, ela cruzou a varanda em direção ao homem segurando um jarro de limonada gelada; era jovem e bela, os cabelos negros ondulando ao sabor do vento, seu rosto oriental sorrindo e feliz como uma manhã de natal. Kaori.

- Está terminando? - perguntou ela com o sotaque carregado do meio-oeste do país.

- Acho que sim, esta porcaria de arado deu em alguma pedra no meio do caminho novamente, eu não sei o que anda acontecendo para ter tantas pedras em meio ao trigal.

- Tome. – ela ofereceu um copo de limonada que o homem bebeu num gole só.

- Ah, o que eu faria sem essa minha linda esposa? - o homem então se livrou do motor e agarrou Kaori pela cintura erguendo-a no ar e beijando-a, ela riu e retribuiu o beijo dele.

Então, Kaori já fora casada em outra época, já tivera uma casa e uma família; o que será que teria acontecido?

- Você está me deixando toda suja de graxa, Damon.

- Não tem problema, te dou banho depois...

Os dois ficaram ali rindo alto e era claro que se tratava de um casal recente. Kaori estava linda naquele vestido estampado de flores, ela estava estranhamente diferente desta garota que conheci hoje, seu rosto era leve e alegre como se não houvesse nada no mundo capaz de desfazer a felicidade que ela sentia; o sorriso brotava fácil de seus lábios enquanto ela ficava ali nos braços de seu marido.

Subitamente, em meio aos gracejos e risos do jovem casal, um cavaleiro apontou na estrada de terra se deslocando rápido como o vento e erguendo nuvens de poeira em sua corrida desabalada. O rapaz se afastou um pouco de Kaori e murmurou algo ao vento.

- O que foi Damon? - perguntou Kaori estranhando.

- É Eliot... aconteceu alguma coisa, ele não deveria estar aqui há esta hora e está vindo rápido demais.

- Será que ele encontrou outra?

- Espero que não meu amor... espero que não. Se quiser entrar...

- Não. – disse Kaori ficando ao lado do marido – Eu espero aqui com você.

Logo, talvez nem mesmo um minuto depois, o cavaleiro chegou até eles. O cavalo estava cansado evidenciando uma longa jornada a total galope e o cavaleiro estava esbaforido, seu chapéu de feltro marrom jogado para trás e seu rosto encharcado de suor.

- Patrão – começou o homem com a voz rouca.

- O que foi, Eliot...não me diga que...

- Sim senhor – respondeu o homem com urgência – Mais uma, além do ultimo campo de trigo que plantamos, no pasto do terreno arrendado; os cães farejaram e encontraram a carcaça, do mesmo jeito que a outra.

- Sem sangue... – afirmou com assombro Damon.

- Nenhuma gota de sangue... a carcaça deve ter menos de um dia e não tem nenhum marca de tiro ou outra coisa; se for algum coiote...

- Coiotes não matam vacas de 600 quilos, Eliot. Nem um bando deles tampouco, o velho Orsom aqui ao lado teve problemas com coiotes, mas eles matavam galinhas e ovelhas, coiote algum mata vaca e nunca ouvi falar de coiotes que sugam sangue. Que espécie de animal daria cabo a tanto sangue assim?

- Não sei patrão, mas acho melhor o senhor ir lá porque o Stevie ta querendo chamar o Reverendo Willian para exorcizar a fazenda.

- Pois volte lá e diga ao Stevie que se a fazenda precisar de exorcismo eu mesmo chamo o Reverendo, eu já estou indo e provavelmente teremos de passar algumas noites em claro para pegar o maldito que anda sugando o sangue do gado.

Damon então se virou para Kaori dizendo:

- Fique aqui com Kevin, eu vou até lá e volto antes do anoitecer.

- Damon, por favor, tenha cuidado.

Ele beijou Kaori e correu até o celeiro onde estava parado o carro, o motor rugiu alto e Damon saiu rápido formando uma nova nuvem de pó pelo caminho; Kaori ainda olhou o marido por um tempo até o carro desaparecer na curva longínqua e entrou na casa. Os móveis eram

bonitos, mas tinha um tom antigo e forte, a sala era ampla e cheia de pequenos enfeites de gesso pintados à mão, Kaori subiu pelas escadas até o andar superior onde ficavam os quartos; na primeira porta à esquerda ela entrou e eu pude ver um alto berço de criança de onde vinham sons de riso sincero. Kaori olhou o filho, tinha os olhos levemente puxados e os cabelos escuros como os da mãe, ela pegou o pequeno no colo e foi até a janela de onde admirou o verde-dourado da plantação de trigo, suspirando alto ela sussurrou no ouvido do da criança.

- Não se preocupe, meu pequeno Kevin... papai volta logo.

De repente um novo turbilhão de cores me atingiu quando Kaori avançou suas lembranças, eu senti a mão de Edward apertar meu ombro e percebi que todos se sentiam angustiados como eu... nós podíamos prever o que viria em seguida. De repente o caleidoscópio luminoso diminui de velocidade até que parou e eu me vi num cômodo escuro da casa onde Kaori morava... havia gritos de homens lá fora.

- Patrão – gritou alguém – Ele pegou o Stevie... ele pegou o Stevie.

- Atire no desgraçado, atire na cabeça – berrou Damon de algum lugar lá fora.

- Ele não cai, o desgraçado não cai.

Tiros e gritos continuaram, eu vi Kaori colada aterrorizada contra a parede da cozinha e em seu colo o pequeno Kevin chorava a plenos pulmões, do nada um homem entrou correndo pela sala e veio até ela, seus cabelos brancos iluminaram-se com o clarão dos tiros lá fora e sua batina preta esvoaçava atrás das pernas enquanto ele andava rápido.

- Reverendo... o que é? - perguntou Kaori amedrontada.

- É o demônio, minha filha, ele não morre, levou tantos tiros e não cai, ele fica rindo e correndo rápido como o vento desviando das balas e sumindo na plantação... ele volta rindo e começa tudo de novo, ele levou Stevie para o meio do trigal.

- Meu Deus... Damon?

- Escute, saia pelos fundos e fuja, fuja daqui com a criança e não volte, estamos todos condenados... fuja menina... FUJA!

O padre deixou-a e só então eu notei que ele carregava um longo rifle de caça, sua silhueta estampou a porta por uns instantes e ele saiu para a noite amaldiçoada onde homens morriam gritando e balas de metal não surtiam efeito na criatura que agora os desafiava. Eu cerrei os dentes de ódio.

Kaori agarrou com força o filho e correu pela casa, mas ela não saiu pelos fundos e sim pela frente... ela tinha que ver o marido e ver se estava bem, eu me retesei quando vi o que esta atitude causaria. Kaori saiu para a varanda a tempo de ver o mostro quebrando a espinha do reverendo, o rifle caído no chão impotente, o som dos ossos quebrando ecoou na noite escura e balas voaram contra o corpo da criatura.

- Desgraçado, bastardo do inferno... maldita cria do diabo – berrou Damon.

Ele empunhava um antigo Colt e descarregou o tambor inteiro de balas contra o vampiro, o som era semelhante a quando você bate uma pedra contra outra, as balas não vaziam efeito, nem sequer podiam arranhar o vampiro. A criatura então olhou para Kaori com os lábios arreganhados num prazer insano e desvairado; nunca vi nada como aquele vampiro, nem mesmo quando Vitória nos atacou com seu exercito de vampiros. Era doentio, seus olhos vermelhos ígneos incendiavam a noite e seu rosto deformava-se com o prazer sádico da matança, seu cabelo desgrenhado lhe atribuía um aspecto selvagem e obsceno, ele passou a língua pela boca e sua voz diabólica cortou a noite como um trovão:

- Sangue de criança.... sangue de criança... coraçãozinho cheio de sangue.

- Kaori... corra...CORRA e não olhe para trás – berrou Damon.

E ela correu.

Mas olhou para trás.

E viu quando o vampiro arrancou a cabeça de Damon.

E ela gritou, gritou como nunca havia gritado antes e seu grito se misturou ao grito de seu filho.

Ela se embrenhou na plantação de trigo, correndo rumo a cerca de acesso a uma pequena mata fechada que levava até a propriedade de seu vizinho, pediria por socorro lá. Kevin berrava em seus braços e ela tentava fazê-lo ficar quieto para que a criatura não a ouvisse, mesmo sabendo que não faria diferença eu também desejei que a criança se calasse.

Kaori lançou o corpo contra uma cerca e a escalou com rapidez se jogando do outro lado atravessando correndo a estrada até onde começava um aglomerado de árvores escuras, além daquelas árvores encontraria ajuda. Aos tropeços, seguiu chorando e tentando fazer seu filho se calar; depois de passar por um largo tronco caído ela viu a luz de uma casa cintilar na escuridão distante e uma farpa de esperança cravou-se em seu coração. Mas foi então que muito

rapidamente uma sombra mais escura que as sombras da noite passou por ela em uma velocidade alucinante, Kaori se assustou e olhou mais à frente.

Em pé, junto de uma pequena elevação o vampiro a esperava.

- Por favor, por favor, poderia deixar meu filho em paz?

Como resposta, recebeu um impacto fortíssimo em o seu corpo atirando-a para trás de encontro ao tronco caído, ela bateu com a cabeça e caiu esparramada no chão, folhas grudaram em seu cabelo e o sangue correu em uma profusão constante de um corte fundo em sua testa. Apesar de tonta, Kaori só pensava no pequeno Kevin; conseguiu focar sua visão e notou que estava com os braços vazios, apressou-se a tatear na escuridão pelo seu filho. Não o encontrou.

- Quanto mais jovem o sangue, mais delicioso é.

Kaori encarou a escuridão e viu as presas brilhantes do vampiro cravadas na garganta de seu filho, seu coração perdeu o compasso e ela não pode respirar, o pijama de bolinhas azuis estava empapado num sangue vivo e escuro que saia do ferimento aberto; o vampiro sugava avidamente o fluido vital. Ela não pode fazer nada a não ser perder toda a esperança. Depois de um breve momento, a criatura soltou o corpo inerte da criança, o pequeno caiu desajeitadamente no chão, seu corpo sem vida ficou ali deitado, seco e inanimado.

O vampiro caminhou lentamente em direção a Kaori, sorrindo com sua boca de lábios finos e pegajosos do sangue recente do pequeno Kevin, ele parou na frente da menina e se agachou para ficar mais perto do rosto dela.

- Interessante como a sua vida termina de uma hora para outra, não? - disse ele zombando.

Kaori o encarou e eu vi em seu rosto o profundo pesar, não era raiva nem tampouco dor, mas uma completa falta de vida, como se ela já estive morta por dentro e nada mais importasse. Kaori já havia perdido seu marido e seu filho em uma mesma noite, o vampiro imundo não tinha mais nada para tirar dela.

- Me mate – pediu ela numa voz inexpressiva – Me mate de uma vez, você já carregou minha família, então, agora, me carregue para as trevas também, seu maldito.

O vampiro a olhou por um instante e deixou de sorrir, seus olhos assumiram uma expressão astuta como se planejasse alguma outra coisa, encarou a menina com uma expressão obscura enquanto as lágrimas rolavam silenciosas pelo rosto de Kaori, seus olhos fixos no corpo do filho.

- Não – disse por fim o vampiro – Eu não vou matá-la.

- Eu me matarei de um jeito ou de outro, não vou viver sem minha família... eu não preciso da sua piedade.

- Piedade? - estranhou o vampiro – Piedade não, menina. Seria muito fácil matá-la e enviá-la ao encontro de sua família, eu posso fazer algo muito pior do que matá-la. Eu vou amaldiçoá-la.

Dito isso, a criatura se abaixou e cravou suas presas na garganta de Kaori, não sugando sangue, mas injetando o veneno; veneno que a tornaria imortal e faria com que ela passasse a eternidade lamentando a perda de sua família. Então eu conheci o quão amaldiçoado era aquela criatura, seu coração de pedra era tão maligno que condenou não apenas o corpo de Kaori, mas também sua alma.

Agonizando enquanto o veneno do vampiro queimava suas veias, Kaori ainda pode sussurrar.

- Porque fez tudo isso?

- Simples, cansei do gosto do sangue das vacas. O sangue humano é mil vezes melhor, causa uma certa loucura, mas, quem se importa?

E dito isso ele saiu caminhando lentamente como se nada tivesse acontecido, enquanto Kaori era deixada à sorte de seu próprio destino.

Eu senti a mão de Nessie apertar a minha com força, e no instante seguinte as lembranças de Kaori se transformaram novamente num borrão, mas prestando um pouco mais de atenção eu pude ver os vislumbres de sua vida.

Ela despertou com sede e sozinha, mas a dor pela perda de seu filho e de seu marido era tanta que ela correu para longe dali, não sabia o que era e o que lhe tinha acontecido, ela era diferente agora, era mais que uma humana e, ao mesmo tempo, menos. Correu a uma velocidade incrível se emprenhando cada vez mais fundo em uma floresta desolada muito ao norte de onde tinha nascido; lá ela se escondeu e não permitiu que a sede a dominasse, só que era forte demais e ela começou a matar pequenos roedores e animais que habitavam aquela mata profunda.

Fez isso durante dez anos.

Kaori ficou isolada por toda uma década remoendo sua dor e compreendendo que sua nova existência amaldiçoada não permitia que ela morresse e se livrasse de todo esse sentimento que ameaçava consumir sua sanidade. Durante dez anos ela permaneceu escondida de tudo e de todos, até que finalmente ela saiu de seu covil porque a área que ela habitava estava sendo

devastada para a construção de algo que ela não lembrava o que era; recordava-se apenas das máquinas e dos homens cortando as árvores. Ela não teve escolha.

O mundo havia mudado desde então, tudo estava diferente naqueles dez anos de reclusão e Kaori era movida apenas pelo medo, só agora eu compreendo porque ela parecia sempre tão amedrontada; havia nascido como vampira desse modo: com medo. Seu instinto sempre a afastava dos grandes centros e ela passou a roubar roupas das casas mais afastadas das cidades, viveu sempre nas florestas sem um teto e sem uma companhia, alimentando-se de animais o tempo todo. Kaori nunca feriu um ser humano.

Ela tentava contar o tempo de cabeça e foi sem querer que descobriu que já ter mais de sessenta anos ao encontrar um jornal e ler o ano corrente nele em uma das suas poucas aparições em cidades pequenas; e foi em uma destas cidades que seu dom de comunicar-se com os outros por telepatia surgiu, ela ouvia e falava com as pessoas, muita gente se assustava e olhava para os lados procurando quem havia falado com elas.

Finalmente, as lembranças de Kaori tornaram-se mais recentes até que reconheci parte da cidade de Seattle por onde ela acabou chegando quase sem querer, ela não gostou da cidade e partiu logo em seguida depois de conseguir calças em melhores condições que as que ela usava. Escolheu aleatoriamente uma saída da cidade até que finalmente deu de cara com a floresta que sempre a protegeu, entrou nela e caminhava devagar quando, de repente e sem mais nem menos, deu de cara com um trio de vampiros acampados em uma clareira não muito distante da auto-estrada.

Velozmente, Kaori subiu em uma árvore frondosa se instalando em um dos galhos mais altos rezando para que o vento não mudasse e carregasse seu cheiro para os vampiros na clareira. Kaori já havia visto outros vampiros, mas sempre os evitou, ela soube com o tempo distinguir vampiros sociáveis dos que não se podia chegar perto e esses três, com certeza, não eram do tipo que se podia conversar.

Kaori achou estanho três vampiros ali tão perto das cidades, eram muito diferentes de tudo o que ela lembrava e havia algo suspeito neles como se tivessem sido selecionados de locais diferentes e postos ali por algum motivo premeditado. Por isso, ela resolveu ficar e apurou os ouvidos para saber o que aqueles vampiros estranhos faziam ali.

- Não importa – falou um deles, um vampiro que parecia o mais novo com algo em torno de seus 19 anos de idade, trajava jeans gastos e uma jaqueta de couro puída, seus cabelos negros

caiam longos abaixo dos ombros – Não acho um bom local para esperar todos eles, aqui é muito perto da cidade e os humanos são desconfiados por estes locais, esta cidade é grande e violenta demais, os criminosos dali sempre fogem para a floresta para evitar a polícia.

- Você não vai querer voltar atrás agora, Miguelito.... – Disse um vampiro que estava vestido com roupas estranhamente elegantes para aquele lugar, eram finas demais: um terno cinza com sapatos de couro pretos, uma sobrecasaca preta e um sobretudo preto que parecia caríssimo, estava de costas e Kaori não viu seu rosto – Afinal de contas, nós só poupamos sua vida devido à sua capacidade peculiar...

- Escute aqui meu camarada – interrompeu o terceiro vampiro, um homem de meia idade tão magro e careca que nem mesmo a beleza transcendental dos vampiros o ajudava a ficar belo, tinha um estranho sotaque que parecia russo – Já chegamos até aqui e não queremos problemas com a sua gente, está bem?

- Bom saber, Alexandrovish, mas espero que nosso amigo mexicano compreenda todas as implicações de nosso contrato.

- Eu estou fazendo tudo o que mandam, só não entendo porque não vamos de uma vez por todas até o ponto de encontro, acho este lugar exposto demais.

- Escute – disse o vampiro bem vestido – Estamos aqui por uma razão, não podemos nos aproximar tanto para não levantarmos suspeitas. Este é o ponto de partida e precisamos aguardar aqui até todos os outros terem chegado, por isso, meu amigo apressado, ficaremos aqui até recebermos ordens de nos encontrarmos no ponto de encontro.

- Se quer saber, por mim tanto faz desde que quando tudo isso acabar eu possa seguir meu caminho livre de toda a sua gente louca – disse Miguelito.

- Bem, e quanto aos alvos? Pelo que ouvi são cacas grossas, eu não quero entrar numa briga em que tenha certeza que eu vá morrer. – questionou o russo.

- Não se preocupem com isso, tudo estará acertado e de vocês não queremos nada a não ser seus talentos especiais; além disso... – ele calou-se de repente – Há alguém aqui... eu posso sentir.

Kaori não esperou para ver o que iria acontecer, de um só pulo alcançou o chão e disparou entre as árvores como um raio, atrás de si ela sentia passos velozes seguindo-a e ouviu quando a voz do vampiro que parecia ser o líder gritou:

- Peguem-na, não deixem que ela escape.

Depois disso, Kaori correu ainda mais rápido se embrenhando cada vez mais nas florestas profundas e sem uma direção certa, por sorte ou ironia do destino, ela era muito veloz e nunca seria apanhada tão facilmente, apenas teve de cuidar para que eles não a cercassem. Depois de um tempo ela percebeu que era seguida apenas por dois vampiros e não pelo terceiro.

Já havia corrido centenas de quilômetros sendo caçada e quando achou que não escaparia mais e que teria de lutar ou morrer ela ouviu o grito do vampiro russo que a seguia junto de outro:

- Não, aí não! Estamos perto demais. Não entre aí Miguel!

Kaori correu mais depressa e só depois de muitas horas parou e percebeu que não estava sendo perseguida, com isso percorreu vários quilômetros identificando odores estranhos de um grande grupo de vampiros e de criaturas que ela não soube identificar, mas que tinham um cheiro semelhante ao de cachorros.

Ela não sabia por que os vampiros recuaram, mas notou que dentro de determinado perímetro ela estava segura porque eles não ousavam atravessar uma fronteira invisível para estas terras; com medo, Kaori manteve-se ali na região embrenhada no pântano e alimentando-se dos animais que encontrava. Fez isso por semanas até que deu de cara com dois lobos gigantescos e teve que fugir deles indo esconder-se num alto salgueiro que crescia nos charcos ali perto.

Eu revi a conversa mental com os lobos e meu próprio rosto enquanto seguíamos para a casa dos Cullen, meu rosto aparecia muito nas lembranças de Kaori e só então eu percebi que ela me olhou muito. Mesmo eu nunca tendo percebido.

Subitamente, Nessie cortou a ligação e voltamos para a realidade na sala de estar de Carlisle. Olhei rapidamente para Kaori e ela manteve o rosto para baixo, todos estavam com expressões de horror no rosto.

- Desculpem-me se mostrei demais, mas eu queria que soubessem que eu não sou má ou represento ameaça a vocês.

Eu não respondi, tentei, mas minha voz não saiu. Nessie tinha os olhos marejados quando desfizemos o círculo e notei que Bella agarrava Edward com força como se tivesse medo de perdê-lo como Kaori perdeu seu marido; Alice e Rosalie tinham uma expressão de choro no rosto apesar de que nenhuma lágrima poderia rolar por suas faces, Jasper e Emett estavam sombrios e Esme sentou-se no sofá abraçando Kaori. Carlisle se ajoelhou na frente dela segurando suas mãos e olhando em seus olhos.

- Sabe, eu posso apenas imaginar a dor que você sentiu quando perdeu toda a sua família, eu morreria se perdesse a minha – disse Carlisle afetuosamente – O vampiro que fez isso e que a transformou era um louco e merecia ser queimado mil vezes em uma pira, qualquer coisa que eu diga não vai aplacar sua dor, mas saiba, Kaori, que ao menos você não se transformou em uma vampira maligna e saiu por aí matando inocentes; você é diferente e especial por isso... porque você soube se controlar e fugiu sozinha para não machucar ninguém. Apesar de tudo o que passou sua alma ainda está intacta e pura.

- A única coisa que senti em todos estes anos foi medo... – Kaori respondeu com uma vozinha falha.

- Você não precisa mais sentir medo, querida – disse Esme.

- Kaori – eu comecei tocando seu ombro – Nada de mal vai lhe acontecer aqui, você está segura agora.

- Rosie – Disse Carlisle – Você poderia levar Kaori ao seu quarto para ela tomar um banho? Alice talvez consiga encontrar algo para ela vestir.

- Claro, venha comigo Kaori - disse Rosalie sendo mais delicada do que de costume.

- Chego lá em um minuto – respondeu Alice.

- Alice – chamou Esme – Sem exageros por favor.

Eu quase ri, pedir aquilo para Alice era o mesmo que pedir para não chover em Forks.

Foi quase sem querer que vi Nessie saindo de casa pela porta da frente, eu imediatamente me afastei da sala para ir atrás dela; quando saí para o jardim ela já estava sentada no banco largo e talhado que Seth havia dado de presente para os Cullen há um tempo atrás; sua expressão era indecifrável e ela olhava para o chão como se não existisse mais nada em sua mente. Eu me sentei ao seu lado tomando suas mãos entre as minhas, só então notei que o dia já estava surgindo e a madrugada fria dava lugar à aurora resplandecente.

- Nessie, está tudo bem?

- Ela perdeu todos eles, Jacob. Perdeu o marido e o filho, tiraram dela tudo o que importava; aquele maldito louco destruiu a vida dela. Meu Deus, Jacob, o que eu faria se tirassem você de mim? Ou minha mãe, meu pai... o que eu faria?

- Renesmee, não vai acontecer nada conosco, o que aconteceu com Kaori foi uma fatalidade, mas não vamos deixar que isso repita.

- Jake, e os vampiros que estão rondando por aqui? Eu sei que tem algo haver conosco, eu sei... algo me diz isso.

- Eu não vou permitir que nada aconteça com você, Nessie, ou comigo ou com qualquer um de sua família, está bem? - com isso eu a abracei e beijei sua boca emoldurada, fiquei ali para que ela sentisse o calor de meu corpo e a segurança que eu poderia lhe dar.

- Me perdoe pela minha crise boba de ciúmes.

- Não esquenta, até achei bonitinho.

- Bobo.

- Kaori precisa de ajuda, não apenas de casa ou roupas, ela precisa saber que existem pessoas que ligam para a existência dela.

- Eu sei, não vou mais ser tão rabugenta, mas ainda acho que ela se encantou com você.

- Eu acho que não. Talvez seja aquele encanto de amizade, acho que é isso que surgiu de imediato, algo que também aconteceu comigo e sua mãe; além disso, eu só amo você.

- Promete que nunca deixará de estar comigo, Jake?

- Prometo...

Nós ficamos ali por mais algum tempo até Nessie se acalmar, tudo o que vimos foi terrível demais para uma só noite e acho que até mesmo eu precisava por as coisas no lugar dentro de meus pensamentos. Algo estava errado por ali e eu também não gostei do que Kaori viu na mata com aqueles três vampiros; provavelmente não era boa coisa.

O importante era ter Nessie comigo para sempre.

E eu jamais permitiria que qualquer força no mundo a tirasse de mim.

Não permitiria que nossas vidas terminassem como a de Kaori... inacabadas.


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Notas finais do capítulo

Merecemos reviews? Abração.