- Você deveria ter dormido - Cloe disse cortando o silencio perturbador que tinha se instalado entre nos três desde que brigamos ontem a noite.

- Eu tentei - murmurei em resposta, estava tentando imaginar minha situação, cabelos bagunçados, olheiras, machucados, olhos ardendo, sem falar com meu melhor amigo e preocupada.

No começo da tarde paramos um pouco para descansar e comer alguma coisa, por mais que eu tentasse a comida me fazia sentir verde, meu estomago começava a revirar e eu ficava tonta, mais do que já era. Cloe se sentou ao meu lado preocupada.

- Você comeu alguma coisa estranha? - Cloe perguntou.

- Não.

- É alérgica a alguma coisa? 

- Não que eu saiba.

- O que você tem? - ela murmurou mais para si mesma do que para mim.

Sono, é isso que eu tenho. Respondi mentalmente, mas eu sabia que tinha alguma coisa errada. Durante a tarde ouvimos um canhão, agora só restavam oito tributos. sem armadilhas o resto do dia, talvez a morte de quem quer que fosse tivesse sido sangrenta o suficiente. De noite Liam se ofereceu para ficar de vigia, eu não protestei, eu precisava dormir, se não o fizesse não teria como protege-los. 

Acho que consegui dormir aproximadamente por três horas, foi quando eu comecei a ter pesadelos com olhos vermelhos e acordei, Cloe dormia também inquieta ao meu lado. Liam estava sentado a alguns metros de nos, encostado em uma arvore, parecia concentrado em pensar no que quer que ele estivesse pensando. Como eu sabia que não conseguiria dormir decidi aproveitar o momento para fazer as pazes com ele, nunca consegui ficar mais de um dia sem falar com ele.

Vou até ele e me sento ao seu lado, nenhum de nos abre a boca para falar qualquer coisa. Mas esse silencio poderia nos afastar um do outro e eu não teria como protege-lo.

- Desculpe - tentei fazer soar como se não me importasse realmente, afinal eu era muito orgulhosa, mas saiu como um murmuro fraco e um pouco triste.

- Desculpe - ele responde - eu fui egoísta.

- Egoísta? - pergunto.

- Você só pensou em nos proteger, o tempo todo, mesmo quando não estava por perto - ele faz uma pausa - Já eu só pensei em como seria impossível suportar a sua morte.

- Como se ela fosse significar alguma coisa para alguém - deixo escapar.

- Você acha mesmo? - ele parece bravo de novo - Cloe simplesmente te adora, não importa quantas besteiras você faça, ela vai sempre te defender. Seus pais e seu irmão, eles te amam, você viu como eles ficaram quando seu nome foi chamado. E eu…eu não posso ficar sem você.

- Relaxa, quando você voltar vai ter um monte de garotas no distrito pra te consolar - brinquei arrancando um leve riso dele.

- Provavelmente não.

- Ah fala sério, você… - hesitei um pouco pensando no quão idiota eu pareceria, mas deixei isso de lado - é um cara bonito,deve ter muitas garotas querendo você em todos os sentidos.

Mais risada. Me inclui mentalmente na lista de “muitas garotas querendo o Liam”, sim eu queria ele e sim em quase todos os sentidos.

- Muitas menos a que eu quero - seu sorriso ficou fraco e o meu também. Uma mistura de raiva e tristeza se misturou em mim, mas eu decidi deixar isso de lado, eu ainda estava meio confusa em relação a algo…

- A garota que foi “citada” nas entrevistas? - faço aspas com os dedos em citada.

- Sim.

Ele parecia um pouco triste, decidi mudar de assunto porque isso também me afetava.

- Cloe acha que eles estão… meio que refazendo os jogos de Katniss - eu não costumava chamar minha mãe pelo nome.

- Concordo. Veja: Sede, Tracker jackers, pragas de hora em hora…. eles estão misturando os jogos dela para fazer o seu - pragas, eu não tinha percebido isso, depois que os corvos demoníacos se foram notei uma coisa diferente em outra parte da arena, que não era exatamente um relógio como a de minha mãe.

- Não entendo porque. 

- Eles querem mostrar que você é a continuação do mockingjay, todo mundo sabe o que sua mãe fez e querem mostrar que isso não morreu com o tempo, os atos dela continuam sendo de grande importância para Panem, que temos uma divida eterna com ela. Por isso você vai ganhar, você viva mostra que o mockingjay continua em pé mesmo depois de tudo que aconteceu - Liam me deixou quase sem palavras, quase.

- E o que aconteceria se eu morresse? Apesar de estarem fazendo isso os jogos continuam sendo sérios, se você não matar você morre.

- Provavelmente seu irmão seria considerado um mockingjay, mas sinceramente não consigo imaginar aquele garoto usando um arco e flecha - isso era verdade, o que me fez rir um pouco, meu irmão nunca conseguiu acertar nada com uma flecha, mesmo depois que minha mãe tentou ensina-lo e eu também, eu herdei o talento com arco e flecha e meu irmão o talento com… comida?

- Acho que ele também não gosta muito da ideia.

- Então você tem que voltar - Por algum motivo todas as palavras de Liam faziam sentido pra mim, ele estava certo sobre o mockinjay, eu saindo viva mostraria que o mockingjay continua sendo importante mesmo depois de 25 anos. 

- Eu não volto sem você.

- se você não tiver opção volta. 

- SE, mas eu sei que vou ter - eu disse e olhei para trás, Cloe ainda dormia encolhida e minhas seguintes palavras sairam involuntariamente - se eu pudesse levava os dois comigo pra casa.

- Ela me lembra você - Liam diz olhando para Cloe também.

- Como?

- Me lembra você quando tinha 12 anos.

- Eu não era ruiva aos doze anos.

- Não to falando de aparência - seu olhar voltou para mim - Tirando o fato dela ser mais delicada ela me lembra você, forte e corajosa, mesmo por dentro sendo um pouco sentimental. 

- E antipática - acrescentei.

- Quando te conheci estava disposto a ser antipático com você também - ele disse, não conseguia imaginar Liam agindo assim, pelo menos não comigo.

- O que o fez mudar de ideia? 

- Você mesma, quando entrou em uma briga na escola, durante o recreio porque os garotos estavam jogando pedrinhas nos pássaros - tive que me conter para não começar a gargalhar ao lembrar da cena.

- Mas porque?

- Você derrubou um garoto duas vezes maior que você enquanto gritava para não fazerem aquilo de novo - Ele responde rindo - Eu te tirei de perto deles antes que sua professora chegasse, acho que ninguém sabia dessa briga.

- Até agora. - digo o lembrando que estamos “sob vigilância” 

- Eu esqueci - ele diz com um suspiro, por um tempo também tinha me esquecido das câmeras. Ficamos um tempo em silencio, quase não conversávamos quando estávamos sendo observados e aqui não era diferente, era estranho conversar sabendo que Panem inteira ia estar ouvindo. - É melhor você dormir um pouco.

- Eu dormi.

- Não o suficiente. 

Ali com as duas pessoas mais importantes pra mim no momento até parecia ser uma opção dormir e deixar Liam cuidar de mim, mas eu me preocupava mais em cuidar dele e de Cloe. Provavelmente nossa pequena conversa deve ter tido algum efeito no publico, então não teria ataques de noite. Mas eu sabia para que essas conversas serviam para os gamemakers, conhecer a fraqueza dos tributos, eu aposto que em algum lugar daquela arena talvez até mesmo naquele instante Luna e Levi estariam conversando sobre alguma coisa, que provavelmente mostraria alguma fraqueza em ambos. Mas qual era a minha fraqueza? pássaros sendo machucados com pedrinhas com certeza não eram, afinal agora eu os caçava. O que eles podiam usar contra mim que me faria tão mal? Mutações? talvez, com certeza eles as usariam para me causar algum dano mental, ou físico. 

Comecei a imaginar como Plutarco -velho amigo de meus pais- não estaria, a beira de um colapso com certeza, desejando poder estar controlando esses games e decidindo qual seria o próximo ataque contra mim. Mas eu tinha Liam,e também Cloe, eu estaria bem com eles, estaria forte e protegida para poder lutar com o que quer que aparecesse, isso me fez sentir bem só de pensar. 

E quando eu estava quase caindo no sono abraçada a Liam que a ficha caiu. Liam e Cloe. Minha fraqueza era o que me fazia forte e que me dava motivos para lutar.