The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 16
Jeremias




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Jeremias

Rio de Janeiro, Brasil, 1992

A bela cidade à beira-mar, já tão habituada a receber turistas do mundo todo, encontrava-se ainda mais cheia naqueles dias de junho. O motivo era ali ser realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como “ECO-92”. Tendo palco no moderno centro de convenções do Riocentro, no bairro da Barra da Tijuca, o evento buscava reunir o máximo possível de líderes mundiais para discutir questões relativas ao meio ambiente – assunto muito em pauta no despontar daquela década – como poluição, preservação dos recursos naturais, mudanças climáticas e outros tópicos que necessitavam ser analisados com extrema importância, dado o desenvolvimento inconseqüente adotado por várias nações industriais sem qualquer preocupação relativa ao bem-estar das vindouras gerações.

         O contexto político do período também representava mudanças. No final do ano anterior, esfacelara-se a União Soviética, marcando o fim do “socialismo real” na Rússia e suas repúblicas, além dos estados do Leste Europeu. O Muro de Berlim caíra, levando ao retorno de uma só Alemanha, as ditaduras comunistas se abriam... A infame Guerra Fria chegara ao fim.

         Inúmeros dirigentes de países ricos e pobres circulavam pelos pavilhões do local, sob os flashes de câmeras e reivindicações de grupos ambientalistas. A segurança dos estadistas e outros participantes da conferência vinha sendo garantida pelo Exército, deslocado em peso para o Rio. Outras medidas foram adotadas na cidade para melhorar sua imagem, como garantir que os estrangeiros só fizessem uso de vias de acesso longe da vista de favelas e expulsando mendigos das ruas – o que gerava um questionamento sobre se convenções como aquela realmente se propunham a solucionar problemas ou apenas dar a entender à população que se fazia algo...

         Em meio às incontáveis palestras e reuniões tratando dos temas envolvidos no encontro, também tinham destaque as apresentações de novas tecnologias, propondo o uso de recursos naturais sem efeitos nocivos à natureza. Num dos amplos auditórios do lugar, suas cadeiras praticamente lotadas, homens de terno e jaleco assistiam à exposição de um cientista de origem japonesa, que, de pé atrás de um balcão de madeira, falava com base numa apresentação de slides projetada sobre uma tela ao seu lado, bem diante dos ouvintes.

         - Senhoras e senhores, o momento é de reflexão, e as palavras de ordem, “desenvolvimento sustentável”. Chegou a hora de as nações buscarem caminhos para continuar enriquecendo sem colocar em risco o meio ambiente, como vem ocorrendo indiscriminadamente desde o início da Revolução Industrial. Dentro dessa linha de pensamento, devemos nos preocupar também com nossas fontes de energia. A queima de combustíveis fósseis, entre os quais carvão e petróleo, lança gases nocivos à atmosfera, aumentando a temperatura terrestre. As hidrelétricas, ainda que limpas em seu funcionamento, alagam vastas regiões para a formação das represas, prejudicando a fauna e a flora. Apesar de bastante eficiente e dita igualmente limpa, a energia nuclear gera lixo radioativo, com o qual ainda não sabemos ao certo como lidar; e existe em paralelo o risco de vazamento ou explosão de reatores: Chernobyl, há seis anos, mostrando-se o melhor exemplo. Nenhuma dessas fontes energéticas possui cem por cento de aproveitamento ou é plenamente renovável. Alternativas como as energias eólica e solar infelizmente ainda são ínfimas e incapazes de atender à demanda mundial. Urgimos por novas opções.

         Um outro slide foi inserido na máquina, exibindo uma série de complexas equações e outros intricados cálculos matemáticos. Os especialistas da área na platéia puseram-se a analisá-los, comentando entre si o que achavam – muitos em tom de incredulidade ou indignação. Ignorando tais reações, o pesquisador oriental continuou:

         - Baseando-me em meus longos estudos, posso afirmar existir uma hipótese para a solução desse dilema. Examinando a estrutura da solenóide, tanto como condutor energético quanto gerador de campo magnético... – e o desenho de uma estrutura espiralada foi projetado na tela. – pode-se afirmar que é passível de originar campos magnéticos uniformes e infinitos se dispostas em loop.

         Enquanto os leigos entre os ouvintes continuaram a fitar o cientista como se falasse sânscrito, os mais entendidos cochichavam agitados, alguns desatando a rir. Um físico ergueu a mão para fazer um comentário, e acabou lançando-o antes mesmo que o japonês lhe desse permissão:

         - Se me permite, doutor Katsuragi, a hipótese de uma solenóide em loop, ou seja, infinita, é extremamente ingênua e, por que não, estapafúrdia. Só a utilizamos nas aulas da universidade, hipoteticamente, para que os alunos resolvam exercícios de cálculo e compreendam o funcionamento da estrutura. Algo assim inexiste na natureza. Não pode haver reação alguma, muito menos campo magnético, sem perda de energia.

         - Minha pesquisa diz o contrário, professor, com todo o respeito – o nipônico replicou firme. – Associei-me, nos últimos anos, a biólogos, geneticistas, químicos e teólogos – a última palavra causou certa impressão, não muito positiva. – Segundo minhas conclusões, todo ser vivo possui um campo magnético de caráter ilimitado em seu íntimo, ainda que não se manifeste de maneira física, na forma de uma solenóide infinita, que eu chamo “Super Solenóide”, ou S². Esses dados podem ser comprovados por ressonância magnética e outros tipos de experiências.

         - Alma? – outro especialista indagou, entre as gargalhadas de seus colegas. – Está falando em alma, doutor? Isso seria o tal campo magnético ilimitado?

         - Se assim o define, sim.

         Para a platéia, o expositor já havia perdido qualquer seriedade. Risos propagaram-se, sendo aos poucos abafados devido a uma forçada compostura. Um dos ouvintes bradou, divertido:

         - Não conseguirá solucionar o problema energético mundial com teorias metafísicas! É impossível criar uma fonte perpétua de energia!

         - Desejo provar que é sim viável, senhores – Katsuragi conservava-se sério e determinado. – A Super Solenóide, se transferida para o campo físico, pode se mostrar a fonte de energia limpa que tanto buscamos, além de ilimitada e sem perdas. Iniciaria verdadeira revolução econômica e social.

         - Coloque uma tomada ligada ao senhor então, para que sua alma possa manter acesas as luzes desta sala... – algum engraçadinho falou.

         Muitos dos que assistiam, descrentes e sentindo-se até insultados pelas hipóteses do japonês, retiraram-se do auditório, enquanto os que permaneceram sentados aguardaram o fim da explicação do doutor por mera educação. Sem ser abalado pelas chacotas, ele seguiu convicto expondo seu ponto de vista, imaginando se, acima do escárnio, poderia tornar seus estudos úteis a alguém...

         Na verdade, Katsuragi, sem saber, alcançara seu objetivo. Ao fundo do recinto, atrás da última fileira de cadeiras, havia um senhor idoso numa cadeira de rodas usando óculos escuros, dois homens de terno, também tendo os olhos cobertos, ao seu lado, como guarda-costas.

         - Aquele doutor... – o velho murmurou para um deles em dado momento. – Quero conversar com ele após a palestra. Providenciem isso.

*  *  *

O lugar estava apinhado de pessoas. Turistas circulavam com suas roupas coloridas, falando e rindo maravilhados em diferentes línguas diante da arrebatadora paisagem. Do alto do Corcovado, praticamente todo o Rio de Janeiro podia ser visto, os morros circundando o mar de prédios que, mais à frente, encontrava um mar ainda maior, banhando em azul límpido a costa com um céu igualmente anil acima de si. Máquinas fotográficas trabalhavam sem parar, entre poses e gracejos...

Mas, destoando do clima empolgado ali predominante, duas pessoas encontravam-se isoladas num canto, debruçadas sobre o parapeito do mirante. Uma era uma mulher de cabelos negros e traços orientais, usando longo vestido azulado e com uma expressão triste nos olhos. A outra se tratava de uma menina de não mais que cinco anos de idade, feições similares e cabelos também pretos, mas dotados de leve tom arroxeado. Mantendo-os soltos, vestia camiseta sem mangas, bermuda e sandálias, contemplando também desanimada o cenário... principalmente as duas colinas compondo o Pão de Açúcar, do outro lado da cidade. Apoiava-se na ponta dos pés, tentando manter a cabeça com dificuldade acima da mureta – uma cena graciosa a quem passava.

         - Ele viria... – a pequena afirmou, quase chorosa. – Ele prometeu que viria!

         A acompanhante, provavelmente sua mãe, passou uma das mãos carinhosamente pela nuca da filha, soltando um suspiro que denotava seu igual incômodo com a situação. Ficaram em silêncio admirando a Cidade Maravilhosa, a senhora pedindo em seu íntimo que a garotinha pudesse perdoar mais aquela falta da parte dele... Logo desistiu, todavia, ao perceber que ela mesma não conseguiria perdoá-lo.

         - Nós iríamos até aquele Pão de Açúcar, andar de bondinho! – a menina apontou o ponto turístico com um de seus bracinhos. – Ele me mostraria se é mesmo doce ou não. Como docinhos Botan...

         - Aposto que ele é sim doce, Misato – a mãe falou baixinho, em tom terno. – Assim como você.

         E, abaixando-se, deu um beijo numa das bochechas da filha. O gesto, no entanto, não ajudou a melhorar o humor de nenhuma das duas. Cansada da paisagem, a criança se voltou para a estátua atrás de si. Cristo de braços abertos. Parecia até querer acolhê-la, ampará-la... dar-lhe o que seu pai jamais lhe dera.

         - Mamãe, por que o povo do Brasil construiu esse monumento grandão? – Misato perguntou, puxando a distraída mulher pelo vestido.

         - Ora... – a senhora se achou subitamente sem saber o que responder. – Eles são muito devotos. Ergueram esse Cristo para protegê-las.

         - Então ele sempre irá proteger o Rio de Janeiro de tudo?

         - Sim, querida... Irá sim.

         Após passar um momento calada admirando a escultura, a menina disse, melancólica:

         - Eu preciso de um Cristo assim na minha vida também, então...

*  *  *

A pequena sala atrás do auditório de convenções não era lá lugar muito agradável para uma conversa de negócios, mas cumpria bem seu papel de ser isolada. Os seguranças que acompanhavam o cadeirante de início deixaram o doutor um pouco assustado, principalmente quando um deles trancou a única porta do recinto dando a entender que o que seria dito ou feito ali jamais deveria ser divulgado. Engoliu seco enquanto se sentava junto à mesa, mas o jeito simpático do idoso – embora não pudesse ver seus olhos provavelmente cegos – contribuiu para que se acalmasse.

         - Doutor Hideaki Katsuragi, correto? – inquiriu este.

         O cientista assentiu, Lorenz imaginando como seria seu aspecto físico. Os guarda-costas, todavia, conseguiam examiná-lo: os curtos cabelos castanhos despenteados e o jaleco mal-ajustado ao corpo demonstravam uma clara ausência de preocupação com a aparência e também falta de asseio pessoal – algo complementado pelas olheiras e unhas ligeiramente compridas das mãos. Alguém que só vivia para sua pesquisa, sem se importar em relação àqueles “detalhes”. Correspondendo às crenças metafísicas do especialista demonstradas durante a exposição pouco antes, havia pendurada em seu pescoço uma correntinha cujo pingente era uma cruz grega, os quatro lados curtos e simétricos talhados em metal prateado.

         - O que desejam? – ele indagou ainda um pouco inseguro, sentindo pressa para ir embora, mas sem se lembrar exatamente do motivo.

         - Seus estudos são fascinantes, doutor! – Keel afirmou, tom de voz animado. – Devo parabenizá-lo. Ignore aqueles outros cientistas. São arrogantes sem visão. E, apesar de eu ter este problema físico, creio conseguir visualizar potencial onde muitos enxergam apenas um louco.

         - Quer dizer que...

         - Sou um filantropo. Já estou velho e, cansado de gastar minha fortuna apenas com incertos investimentos no mercado de ações, resolvi ajudar causas humanitárias, contribuir para um melhor futuro. Sua teoria da Super Solenóide me cativou. Pode, sim, ser a solução para o problema energético mundial, se aplicada. Limpa, ilimitada e sem perdas.

         - Quer investir na minha pesquisa? – Katsuragi arregalou os olhos, sentindo o coração palpitar de excitação.

         - Não apenas eu, meu caro. Vim até esta conferência com o intuito de concluir os últimos preparativos junto à ONU para a fundação de uma nova agência internacional, possível em parte devido a meu capital, que possui como objetivo a promoção do desenvolvimento sustentável em todas as partes do mundo e a descoberta de novas tecnologias para que nós seres humanos possamos lidar com as mudanças climáticas em curso. Essa organização se chamará Gehirn. E eu sinceramente gostaria, doutor, que prosseguisse com suas experiências fazendo parte dela e utilizando nossos recursos.

         Os dedos de Hideaki tremeram. Não sabia o que dizer, mas percebeu ser aquele um dos momentos mais felizes de sua vida. Ergueu-se da cadeira quase por reflexo, enquanto balbuciava, ainda mais desajeitado do que era habitualmente:

         - E-eu não sei nem como agradecer, senhor...

         - Lorenz, Keel Lorenz – o alemão apresentou-se. – E nós é que agradecemos, doutor. O mundo inteiro, aliás, agradece.

         Cumprimentaram-se em seguida num determinado aperto de mão, Katsuragi abrindo um sorriso que transparecia toda sua satisfação. O idoso então convidou:

         - Venha. Temos muito que conversar.

         O doutor, resoluto, acompanhou os três homens para fora da sala, não pensando em mais nada a não ser no sucesso de seu projeto e nos benefícios que ele poderia trazer à espécie humana...

*  *  *

A sala de conferências era escura, a pouca luz provindo de lâmpadas dispostas sobre uma bancada junto aos assentos dos presentes e do grande monitor ligado diante deles, numa área mais aberta destinada a instruções. A platéia era composta por homens de farda contendo insígnias das mais altas: marechais, almirantes, generais... Aguardavam, um tanto impacientes, a chegada da mulher que lhes explicaria sua criação – apenas o fato de ser alguém do sexo feminino contribuindo para intensificar sua rabugice. Para eles, mulheres não deveriam se intrometer em assuntos militares. O presidente, no entanto, acreditava que os tempos eram outros... e eles viam-se obrigados a ceder.

         A jovem finalmente entrou, o burburinho entre os oficiais se extinguindo. Era bonita, isso tinham de admitir: o jaleco de cientista não lhe ocultava por completo as atraentes formas do corpo, o semblante oriental e os curtos cabelos negro-acobreados contribuindo para um charme único, de mulher inteligente e decidida. Pelo que eles haviam lido sobre ela, inteligente constituía adjetivo que realmente se adequava. Em termos simples, enquanto a América tinha Bill Gates, o Japão contava com ela para se equiparar. Sendo assim, um auxílio de sua parte para com os Estados Unidos não deveria ser subestimado, apesar dos já mencionados pesares por parte daqueles militares...

         - Bom dia – a moça saudou-os de modo cordial. – Sou a doutora Naoko Akagi. Estou aqui hoje para expor o funcionamento do sistema Zaratustra, software de monitoramento e controle aeroespaciais desenvolvido por mim para o NORAD.

         A tela exibiu, em seguida, um mapa digitalizado do hemisfério norte, focando os EUA em azul e a antiga União Soviética em vermelho, sobre uma estrutura verde quadriculada representando os paralelos e meridianos. Um dos generais à bancada coçou a cabeça, nervoso. Uma mulher. Desenvolvia o maldito sistema de controle do NORAD, o que queria dizer que todo o arsenal nuclear do país estaria sujeito ao que quer que ela tivesse em sua mente. Rogou para que ela não houvesse criado os algoritmos naquela certa época do mês...

         - Como é bem sabido, a Guerra Fria já é considerada assunto do passado – continuou a japonesa. – A era de terror marcada pela política da MAD, Destruição Mútua Garantida, já não é mais válida. Portanto, se os Estados Unidos ainda possuem ogivas atômicas, não podem prosseguir pensando em seu uso num cenário de agressão russa retaliada de forma imediata. As novas relações políticas internacionais aposentam essa idéia.

         - Devemos lembrá-la, senhorita, que os russos estão sim mais amigáveis, mas ainda possuem ICBMs – resmungou um marechal, referindo-se aos mísseis intercontinentais nucleares. – Ainda têm o poder de iniciar um ataque em massa capaz de dizimar boa parte dos Estados Unidos de uma só vez. Caso isso aconteça, nós temos de revidar. Se a destruição é inevitável, que o inimigo também seja aniquilado!

         - Compreendo sua preocupação, oficial, mas acredite: Yeltsin está mais interessado em beber vodka do que iniciar um holocausto nuclear – brincou Naoko, fazendo os ouvintes rirem e com isso conseguindo quebrar o gelo do local. – Mesmo que exista ainda a possibilidade de ataque, ela já não é mais certa como na Guerra Fria. Antes os senhores viviam mantendo o dedo ao lado do botão nuclear. Hoje as coisas já não são mais assim a ferro e fogo. E é aí que entra Zaratustra.

         O monitor, mantendo o mapa, girou a imagem em 3D, exibindo de lado rotas balísticas de mísseis na atmosfera terrestre.

         - Há décadas o NORAD mantém um sistema de controle das ogivas nucleares praticamente todo computadorizado. É certo que a permissão do presidente ainda é requerida para o lançamento dos mísseis, mas o aparato de detecção de artefatos inimigos na atmosfera e suas possíveis trajetórias é todo feito via inteligência artificial. E ela não é perfeita. Comete erros.

         - Menos erros que um operador humano por trás de todos os controles – contra-argumentou um almirante. – Computadores são capazes de realizar milhões de cálculos em poucos segundos.

         - Não tiro esse mérito das máquinas, porém não subestimem o cérebro humano. O computador foi idealizado por ele, então o componente criador é logicamente mais desenvolvido. Apesar de o cérebro não conseguir fazer tantos cálculos simultâneos, ele consegue refletir, filosofar, questionar. Ações essenciais para a formação do mundo civilizado, que as máquinas infelizmente não conseguem reproduzir. Gerem uma guerra nuclear por negligência, e lhes garanto que os computadores que restarem não conseguirão recriar nem um centésimo da cultura humana.

         - Está propondo, então... – oscilou outro general, acompanhando o raciocínio de Akagi.

         - Sim. A criação de um sistema de monitoramento mais humano, capaz acima de tudo de julgar, além de apenas calcular. Esse é Zaratustra. Há alguns anos, senhores, uma guerra nuclear quase foi iniciada pela União Soviética porque seus computadores detectaram mísseis norte-americanos a caminho de seu país. Foi um alarme falso, e os comunistas só não retribuíram com suas ogivas porque um operador humano, por trás dos computadores, julgou que um ataque inimigo, àquelas condições, seria absurdo demais. É disso de que precisam. A capacidade crítica de um ser humano, na forma de um software, para analisar possíveis ameaças aos Estados Unidos.

         Os militares já haviam deixado seu machismo totalmente de lado, acompanhando a explicação de Naoko sobre o funcionamento do sistema com grande admiração. Era, realmente, uma pesquisadora notável... e essa também foi a opinião de um homem de terno oculto na penumbra aos fundos da sala, semblante oriental e mão no queixo, tendo uma expressão bastante impressionada...

Ao término da exposição, esse exato indivíduo aguardou que os oficiais, satisfeitos, parabenizassem a cientista... para então dela se aproximar, quando saía, bloqueando-lhe o caminho e assustando-a com sua aparição. Os demais permaneceram alheios ao estranho, o que gerou na doutora temores ainda maiores.

         - Quem é você? – ela questionou, ligeiramente trêmula.

         - Sou Daichi Ikari – o sujeito apresentou-se sério, dando um ou dois passos adiante para enquadrar seu rosto sob o brilho de uma luz próxima. – Empresário japonês.

         - Perdoe-me, mas nunca ouvi falar do senhor... – Akagi respondeu procurando encerrar o assunto e abrir caminho.

         - Desenvolvendo sistemas de controle de armas para países mesquinhos? Está desperdiçando seu talento, doutora. Poderia estar utilizando-o para algo maior. Pelo bem da humanidade.

         - Evitar uma guerra nuclear é para o bem da humanidade! – replicou, já começando a ficar nervosa.

         - E se pudesse evitar todas as guerras?

         A mulher piscou surpresa, enquanto o compatriota completava:

         - Já ouviu falar da Gehirn?

*  *  *

Katsuragi mal podia se conter. Quando as portas do elevador se abriram, teria se esquecido de sair para o corredor se não fosse a entrada de uma impaciente senhora no transporte. Seu trabalho era finalmente reconhecido. A pesquisa em torno da Super Solenóide seria desenvolvida em parceria com uma agência das próprias Nações Unidas! Energia ilimitada para a humanidade. Fim da poluição, extinção da pobreza! Imerso em tais sonhos dourados, o doutor destrancou a porta da suíte em que estava hospedado. Mal podia esperar para contar à esposa e à filha...

         Encontrou, no entanto, o quarto vazio. Pelo chão, algumas roupas jogadas – identificando uma blusa e uma camisa da mulher. Fora isso, nenhum vestígio de sua família...

         Aos poucos seu entusiasmo foi substituído pelo desespero. Olhou tudo: nada havia. Elas deveriam tê-lo esperado ali... julgava ter sido o combinado!

         Foi quando se lembrou...

         O passeio ao Cristo Redentor!

         Ele se esquecera completamente. A inesperada reunião com Keel Lorenz fizera com que deixasse de encontrar as duas no ponto turístico do Rio aquela tarde, para onde deveria ter ido após a conferência...

         Levou uma mão à testa, reprovando-se... No mesmo segundo, seu olhar encontrou um bilhete amassado sobre a cama.

         Apanhou-o e leu-o em silêncio...

         Hideaki,

         Não podemos mais agüentar esta situação. Misato chorou a tarde toda perguntando onde você estava. Também me sinto uma viúva de marido vivo. Você jamais se faz presente... Jamais. Como pensa somente em seu trabalho, será melhor que viva só com ele. Eu e sua filha estamos voltando para o Japão, e lá chegando, não iremos para sua casa.

         Quero divórcio, e cuidarei dos papéis assim que pisar em Tóquio.

         Que você possa se encontrar, seja onde for, e consiga ao menos pensar um pouco na sua filha.

Ayaka.


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