The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 12
Judite




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Judite

Nevada, EUA, 1975

Os doutores Hartmann e Davis têm causado polêmica no meio científico com sua teoria do “Big Splash”. Segundo eles, um planeta supostamente do tamanho de Marte, chamado “Theia”, teria entrado em colisão com a Terra há mais de quatro bilhões de anos, a lua assim surgindo da massa deslocada para o espaço com o choque. Diversos cientistas descartam essa origem para a lua, reiterando sua crença de que ela teria se formado a partir do desprendimento da matéria terrestre, mas sem a participação de outro astro. Enquanto isso, nas notícias políticas, o ex-ator de cinema e ex-governador da Califórnia, Ronald Reagan, anunciou sua candidatura à presidência...

         O soldado na guarita abaixou o volume do rádio ao notar a aproximação de um carro. O mesmo Ford preto de quase trinta anos antes, quando diziam ter o coronel Heinrich Lorenz chegado pela primeira vez àquela base. Trazia agora o filho – tão debilitado que, mesmo ainda não tendo a idade avançada com que o pai falecera, parecia muito mais velho do que na realidade era.

         O motorista fez um sinal e o vigia ergueu a cancela acionando um botão. Enquanto o automóvel entrava, pôde ter, por trás dos vidros escuros, um vislumbre do comandante num dos assentos de trás, semblante misterioso por trás dos óculos escuros que agora usava todo tempo.

A porta do elevador se abriu, Keel Lorenz dirigindo-se para fora em sua cadeira de rodas, face enrugada e cabelos loiro-grisalhos. Foi acompanhado de dois guardas militares pelo trajeto até uma das portas do extenso corredor subterrâneo. Os combatentes permaneceram no exterior enquanto o alemão girava a maçaneta metálica e ganhava a sala do outro lado.

         Tratava-se de um escritório de trabalho, com escrivaninha, estante de livros, cama, banheiro anexo... O recinto que outrora pertencera a Richard Langley era ocupado agora por outro homem de jaleco: careca, de óculos e cavanhaque.

         - Bom dia, doutor Stewart – saudou Lorenz num tom frio, detendo-se em sua cadeira junto à mesa no centro do local.

         - Oh, olá, comandante.

         O cientista se aproximou, tendo em mãos uma pilha de papéis. Keel, como de costume, desejava um relatório atualizado das pesquisas. Já há algum tempo vinha se mantendo muito pouco naquela base, mais ocupado com a unidade soviética depois de anos se focando naquelas instalações. Era até um tanto irônico ter passado a se deslocar mais depois do incidente que lhe vitimara as pernas...

         - Estou ouvindo, doutor – informou ele.

         Stewart pigarreou antes de iniciar suas explicações, tanto lendo alguns dados em seus papéis quanto dizendo muita coisa de memória:

         - Finalmente concluímos a análise do DNA do Anjo Abuzohar, encontrado na lua e trazido para cá em 72. Determinamos o que o doutor Langley já presumia, senhor: a semelhança da estrutura genética dos Anjos com a humana é altíssima, os atuais métodos de análise protéica tornando isso uma certeza. A diferença é que os Anjos conseguem manipular suas formas e desenvolvimento corporal como bem entenderem. Em termos leigos, é como se um ser humano pudesse escolher crescer com quatro braços ao invés de dois. Mas isso não se limita a membros: os Anjos podem ter praticamente a estrutura que desejarem, até se convertendo em organismos microscópicos. Isso explica a grande diferença entre Metatron e Abuzohar.

         - O Fruto da Vida... – o pesquisador não conseguia enxergar através dos óculos escuros de Lorenz, mas podia jurar que seus olhos cegos tinham um brilho de fascínio naquele momento. – A chave para a imortalidade. A dádiva negada aos filhos de Lilith... O que o comitê optou por fazer com Abuzohar, agora que os estudos foram concluídos?

         - Segundo o informe recebido de Berlim, o Anjo deverá permanecer em estado criogênico e ser enviado para a geleira Bethany, no Ártico, onde estamos construindo uma base secreta de pesquisas. Lá haverá maior espaço e equipamento mais adequado a novas análises, além de ser um lugar isolado e, portanto, de menor risco de exposição pública caso a criatura venha a despertar. Se isso acontecer, planos de contingência serão colocados em ação para detê-la antes que qualquer pessoa de fora possa imaginar o que tenha acontecido.

         - Ótimo... – murmurou Keel que, apesar de afastado dos demais acólitos da SEELE nos últimos anos, vinha vendo suas ações como produtivas. – E quanto aos estudos da estrutura genética de Metatron?

         - Chegamos a conclusões similares às obtidas examinando Abuzohar. Semelhança com o DNA humano em mais de 90%. Mas também produzimos conclusões novas. Finalmente comprovamos que os destroços orgânicos encontrados em Roswell e a forma humana do Anjo são de fato o mesmo ser vivo. Quanto à “possessão” de Mary Morgan... o caso é bastante peculiar, senhor. De alguma maneira que ainda não pudemos averiguar exatamente, Metatron, ao cair na Terra, deixou sua forma original, manifestada nos fragmentos encontrados, e fundiu-se à garota do Novo México. O DNA do Anjo misturou-se ao DNA da humana de forma praticamente perfeita, como se o corpo de Mary servisse realmente de receptáculo à “alma” de Metatron. Não compreendemos ainda como esse processo pode ocorrer, mas o estamos chamando, preliminarmente, de “Contato”.

         - Fascinante... Prossiga.

         - Antes de haver o Contato, a forma original de Metatron possuía certas semelhanças com a de Abuzohar em seu funcionamento. A estrutura corporal mostrava-se totalmente diferente: enquanto o Anjo da lua é parecido com um imenso esqueleto de dragão, o Anjo de Roswell, segundo os dados que obtivemos de sua estrutura genética e de fotos de uma suposta aparição prévia na União Soviética, possuía as dimensões de uma gigantesca figura geométrica, composta de vários cubos inseridos dentro uns dos outros, que nomeamos como “Cubo de Metatron” – o pesquisador mostrou num dos papéis um esboço do corpo, desenhado a partir de treze círculos, formas hexagonais sobrepostas e um total de setenta e oito linhas, compondo uma espécie de prisma com um cubo principal em seu centro. – Mesmo com essa estrutura tão diversa, a similaridade com Abuzohar seria sua fonte de energia: um órgão semelhante a um núcleo vital localizado no centro de seu corpo, ou seja, no coração do poliedro. Raiz inesgotável de força e que por certo é a razão dos Anjos conseguirem permanecer vivos por bilhões de anos, mesmo em condições de hibernação tão adversas quanto a de Abuzohar.

         - É o próprio Fruto da Vida. Uma fonte de energia ilimitada... – Keel bateu um punho contra a mesa, Stewart não sabendo se de raiva ou entusiasmo. – Vocês encontraram uma estrutura assim tanto em Abuzohar quanto no corpo antigo de Metatron?

         - Na verdade... apenas em Abuzohar, já que sua forma original se encontra intacta. No caso de Metatron, nenhum indício desse núcleo energético foi descoberto nos destroços... mas sim em Mary Morgan. De alguma maneira, com o Contato, esse Fruto da Vida se diluiu dentro do corpo da garota, como parte do processo de fusão entre ela e o Anjo.

         - Quer dizer que...

         - Sim, comandante: quando os dois organismos se juntaram, a imortalidade de Metatron passou para o corpo de Mary Morgan, ao custo de sua consciência. Esse núcleo é uma espécie de “Santo Graal”. Garante imortalidade a quem dele beber, se simplificarmos bem. É o grande segredo dos Anjos.

         Lorenz levou uma mão ao queixo, agitado. Mil idéias aparentavam transitar em sua mente. Súbito, tornou a voltar a cabeça para o cientista e falou, convicto:

         - Peça que contatem o comitê em Berlim e a unidade soviética. Nós vamos simular uma experiência de Contato, doutor.

*  *  *

Kenta já estava cansado de cavar.

         O tilintar da picareta a cada novo movimento lhe dava nos nervos. Quando a empresa do tal Daichi Ikari oferecera emprego, imaginara ser algo menos rústico do que esquadrinhar o subsolo em túneis intermináveis removendo terra e pedras atrás se sabe lá do que, somente com uma lâmpada no capacete separando-o da escuridão total. Como o patrão era um dos mais renomados cientistas do país e criador de tecnologia de ponta, Kenta acreditara que aquela pudesse ser a oportunidade para ingressar no atraente mundo dos negócios – não num repulsivo buraco sem fundo. Ouvira falar por um colega que aquela escavação vinha sendo realizada em parceria com um grupo estrangeiro. Estariam procurando ouro? Petróleo? Ou os operários só realizavam o desejo excêntrico de algum figurão?

         Removeu mais uma camada de solo, ampliando o caminho. Ele, junto com os demais trabalhadores, abriam galerias no subterrâneo como se fossem minhocas, ao final de cada dia verificando num mapa se nada de estranho fora encontrado. Deveriam esbarrar em algo estranho, afinal? Uma mina abandonada? Godzilla tirando um cochilo? Se ao menos soubesse o que procurar, Kenta por certo cavaria com mais entusiasmo – principalmente se fosse algo valioso...

         Nas últimas horas, surgira-lhe à mente a hipótese de aquilo não passar de um arrojado empreendimento imobiliário. Ouvia muito na televisão, ainda que em tom de brincadeira, que se a população do Japão continuasse a crescer, logo haveria gente demais para pouca terra firme – tendo-se de se recorrer a moradias no subsolo para abrigar a todos. Caso aquilo fosse mesmo o primeiro “condomínio-buraco” a ser construído, esperava que Ikari e seus associados dessem prioridade aos operários da obra na escolha dos residentes. Kenta ia querer uma casa com cômodos grandes e uma saída via túnel direto para Osaka, sob a empresa em que trabalhava a esposa...

         De repente, a picareta bateu em algo mole.

         O escavador deteve-se, surpreso. A superfície com a qual o instrumento colidira não parecia terra, muito menos rocha. Desferiu outro golpe através do solo. Além de confirmar o choque com a mesma textura estranha, um líquido alaranjado e viscoso passou a escorrer pela parede, umedecendo-a e chegando até a molhar as botas de Kenta. O cheiro era desagradável. Lembrava... sangue.

         - Hei, pessoal, venham ver isto! – chamou os companheiros.

         Estes aos poucos chegaram, vindos de outros túneis. Alguns traziam pás, que utilizaram para remover mais rápido a terra obstruindo o achado. Até mesmo o descobridor do fenômeno empenhou-se em ajudar, arrancando pedras e montes de solo do caminho com as próprias mãos enluvadas. Gradualmente, revelaram o que ali havia, enterrado talvez há milênios naquele lugar. Uma espécie de cilindro branco, um tanto quanto maleável. Num ponto havia um pequeno furo, criado pela picareta de Kenta, através do qual jorrava o líquido turvo.

         - Mas o que é isso? – outro trabalhador inquiriu, bastante confuso.

         Seguiram escavando os arredores, percebendo que o pitoresco objeto se estendia terra adentro. Mais alguns minutos de intrigado labor e, mais à frente, o artefato se curvava, como numa dobra...

         Os operários recuaram, assustados.

         Viam-se diante de um gigantesco dedo sepultado embaixo de Hakone.

*  *  *

Pôs-se a destrancar a entrada com a mão tremendo de ansiedade, as chaves por pouco não vindo ao chão. A cabeça afetada pela bebida também devia contribuir para a falta de tato.

         Após duas ou três tentativas, conseguiu liberar a tranca, empurrando a porta de leve. Afastou-se em passos trôpegos, abrindo caminho à convidada.

         - Queira entrar.

         Ela o fez sem cerimônia, movimentando os bonitos quadris. Atrás de si, notou um gesto do anfitrião para acionar o interruptor de luz. Deteve-o com outro, as duas mãos se encontrando. O sujeito riu. Melhor seria se fizessem o que queriam no escuro.

         - Como desejar... – ele murmurou, lascivo.

         Fechou a porta. A pouca claridade no interior do apartamento provinha do brilho do luar através das janelas. Foi o suficiente, no entanto, para que ela conseguisse examinar o recinto. Móveis caros, bastante espaço, eletrodomésticos de última geração... Ele com certeza vivia bem.

         - Vamos fazer assim mesmo? – a convidada questionou, bem próxima ao indivíduo, tocando-lhe o peito de forma provocante. – De uniforme?

         O homem nem se preocupara em tirar a farda militar que vestia. Acabou balançando a cabeça em sinal negativo, como uma criança mimada. Manter as insígnias durante o ato devia fomentar sua auto-estima. Afinal, só mesmo com sua posição para conseguir companhia noturna...

         O quarto era anexo à sala, e foi para o leito que ele a levou. Jogou-a sobre a cama de lençol branco e colchão macio, desabotoando as calças louco como um selvagem. Mal sabia que durante a ação sua face se contorcera em caretas patéticas com a língua, à mulher só parecendo ainda mais ridículo. Ela, por sua vez, retirou o vestido e desabotoou sem pressa o sutiã, num total inverso do estado de espírito do parceiro. Seus seios roliços e rijos tornaram-se prateados sob a esparsa luz do local. Já com o membro à mostra, o afoito militar quase saltou sobre a convidada, com o intento de apalpá-los... recebendo um chute no queixo a meio metro da cama que o fez cair dolorosamente de costas sobre o assoalho.

         - Mas o quê? – exclamou, desnorteado.

         Segundos depois, a mulher, somente de calcinha, surgiu de pé ao seu lado, uma pistola 9mm com silenciador apontada para si.

         - O que você quer? – questionou ele com lágrimas nos olhos, ainda no chão.

         Um estampido fez-se ouvir, e o ombro direito do oficial explodiu em sangue, uma mancha escura se propagando sob a farda. O rosto dele tornou a se contorcer, agora de dor. Gemeu demoradamente, a agressora caminhando ao redor de si e fitando-o como se divertisse. Então pousou o pé de salto alto sobre os pulmões do sujeito, fazendo tamanha pressão que ele achou que a fina plataforma do sapato logo furaria sua pele.

         - Tão animadinho diante de uma garota que lhe dê bola, não é, coronel Cooper? – ela comentou em tom venenoso.

         - P-por favor... não me mate!

         Mantendo o tórax do militar sob sua sola, a mulher moveu a arma num gesto rápido ao apontá-la para um dos pés da vítima. Novo estampido e um grito abafado. O dedão dele agora não existia mais.

         - Se quiser só me matar, faça isso logo então! – ele berrou. – Por que me torturar?

         - Apenas para que colabore sem rodeios, meu caro. Ou vai perder mais sangue.

         O semblante nipo-alemão da personagem brilhou, por um momento, sob a claridade da janela.

         - Quem é você? – Cooper questionou.

         - Alguém para quem contará tudo que sabe sobre o Majestic-12 – ela esclareceu sorrindo.


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