The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 11
Tobias




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Quando a Lua estiver na Sétima Casa
E Júpiter se alinhar a Marte
Então a paz guiará os planetas
E o amor dirigirá as estrelas

Este é o alvorecer da Era de Aquário
Era de Aquário
Aquário!
Aquário!

Harmonia e entendimento
Simpatia e confiança sem barreiras
Não mais falsidades ou escárnios
Dourados sonhos reais das visões
Revelação do cristal místico
E a verdadeira liberação da mente
Aquário!
Aquário!

(“Aquarius/Let the Sunshine In”, The 5th Dimension, 1967)

Tobias

Nevada, EUA, 1969


A concentração de pessoas em torno do Centro Espacial John F. Kennedy é intensa – informava o repórter pela televisão, ao vivo da Flórida. – As vias de acesso estão congestionadas e muitas pessoas inclusive acamparam em torno da base, seja em carros ou trailers. O lançamento da histórica missão Apollo 11, a primeira expedição tripulada por seres humanos à lua, deve ocorrer nas próximas horas. Voltaremos com imagens assim que a decolagem do foguete for iniciada.

A sala era tomada pela penumbra, a pouca luz provindo dos vários monitores ligados. Um deles sintonizava um canal de TV – através do qual era feita a transmissão – enquanto outros exibiam imagens do Centro Espacial na Flórida e do Controle da Missão, localizado em Houston, Texas. O contato via rádio com as duas instalações era mantido de forma constante através de aparelhos ali distribuídos. Diversos operadores encontravam-se sentados diante das bancadas contendo o equipamento, encarregados das mais diversas funções e usando grandes fones nos ouvidos. Ao centro, numa poltrona negra giratória sob uma lâmpada amarela que conferia ao homem nela sentado um foco similar a uma auréola, Keel Lorenz coordenava toda a operação: uma divisão de esforços entre o Majestic-12 e a NASA.

- Quero relatórios contínuos do progresso da missão – ressaltou ele aos comandados. – Status dos astronautas, condições da nave, confirmação da área de pouso. Tudo.

- Sim senhor.

Relaxou no assento. Até o momento, tudo vinha correndo muito bem. Ter se tornado supervisor tanto da divisão norte-americana quanto da soviética da SEELE nos últimos anos adiantara os planos da organização. Na corrida espacial, não importava qual lado chegaria primeiro à lua: eles obteriam o prêmio de qualquer maneira. A idéia de gerar uma competição entre as duas superpotências nesse campo servira apenas para apressar as coisas, já que ambos os lados funcionariam melhor sob a pressão de querer superar um ao outro. A idéia se mostrara extremamente válida. Encontravam-se, agora, a poucos dias de desvendarem o solo lunar, confirmando ou não a existência de um Anjo no satélite natural.

- Três horas para o lançamento, senhor – reportou um dos operadores.


* * *


Um corredor do complexo subterrâneo. Lianna passava com alguns papéis em mãos, seguindo rumo à sua sala. Cruzou com dois guardas armados, não ousando sequer olhá-los, e fez uma curva... quase dando trombada com o colega Richard Langley.

O cientista tinha um relógio num dos pulsos. A alemã deteve-se enquanto ele o consultava. Depois, ergueu os olhos para ela, movendo o semblante num sinal de aprovação.

Soryu, junto com o pesquisador, retornou pelo mesmo sentido do qual viera, os dois andando rápido, punhos cerrados. Atentos aos arredores para evitar o contato com vigias, desceram por um bloco de escadas. Ao final, uma porta metálica. Atravessaram-na.

Avançaram através do novo corredor, olhando com temor para trás. Ninguém, por enquanto. Ignorando as várias portas dos dois lados do trajeto, pararam diante de uma em particular, guardada por uma dupla de soldados. Estes os fitaram com certa desconfiança, principalmente pela pressa que possuíam, quando Lianna falou:

- Gostaríamos de ver Mary Morgan.

- A cobaia está em horário de repouso – respondeu um dos sentinelas. – Os senhores sabem que ninguém é autorizado a...

Antes que terminasse de falar, Richard subitamente empurrou-o contra a parede atrás de si, fazendo-o colidir de costas num gemido, surpreso e soltando seu fuzil. O outro tentou reagir, mas a ruiva, num chute alto, também lhe arrancou a arma e concluiu o trabalho com um golpe em seu queixo. Langley, enquanto isso, desferia uma seqüência de socos no estômago do adversário, ignorando os chutes que dele recebia e terminando ao acertá-lo em cheio no nariz.

- Está machucado? – Soryu perguntou preocupada, ao notar que o colega não saíra ileso.

- Não se preocupe... – ele ofegou.

- Por Deus, Richard, estamos só começando! Não quero que já saia ferido!

A dor, no entanto, aparentava afetar nem um pouco o cientista. Algo mais forte o movia. Raiva, vingança... um sentimento que Lianna não conseguia determinar bem. Se os ajudasse, não tinha do que reclamar. Só temia que os acabasse atrapalhando...

- Sabe usar um destes rifles? – inquiriu o pesquisador, apanhando o armamento deixado pelo guarda que nocauteara.

- Só na teoria... – replicou Soryu pegando o outro.

- Hoje vamos aprender na prática.

Chutaram a porta. Dentro do singelo quarto cinza com beliche, pia, vaso sanitário e espelho, Metatron estava sentado na parte de baixo da dupla cama. Fitou os recém-chegados com um olhar calmo, quase passivo, como se já os aguardasse.

- Venha! – Langley ordenou, apontando para fora. – Vamos dar uma volta.


* * *


Na sala de controle, Lorenz e seus comandados continuavam em sintonia com a NASA. O chefe das instalações cutucava impaciente os braços de sua poltrona, aguardando os próximos relatórios. Era certo que já haviam esperado anos por aquilo e mais algumas horas mostravam-se um tempo ínfimo perto disso; porém quanto antes terminassem aquilo, melhor.

- Duas horas e trinta minutos para o lançamento, senhor – informou um operador.

Mal o comandante assentiu com a cabeça, a porta da sala foi aberta com violência. Um soldado, sem ar, exclamou:

- Senhor, temos um problema!


* * *


Lianna e Richard, ocultando Metatron sob uma comprida capa marrom, conseguiram chegar à superfície praticamente sem problemas. Foi quando saíam do hangar que servia de esconderijo ao elevador que notaram a agitação na base, com certeza causada por alguém que dera o alarme. Aturdidos, correram, puxando o Anjo, até uma área próxima à pista de pouso onde uma fileira de jipes se encontrava estacionada. Mostrava-se tentadora a idéia de embarcar num avião e dar o fora dali para bem longe – mas nenhum deles sabia pilotar e isso contrariava o plano que haviam elaborado. Para que desse certo, não deveriam se distanciar tanto dali.

- Rápido! – exclamou a alemã, vendo um grupo de guardas começar a correr no encalço do trio.

Langley desvencilhou-se de Mary por um instante e voltou-se para trás, abrindo fogo contra os perseguidores. Um dos soldados caiu, jatos de sangue esguichando de seu pescoço. Responderam também com tiros, Soryu tendo de se jogar no chão com a menina e o cientista dando uma cambalhota para escaparem. Talvez não houvessem visto ainda que levavam um dos bens mais preciosos para a SEELE – e, mesmo os combatentes comuns da base aérea não sabendo o que ocorria no subsolo, o Anjo tinha a forma de uma garota de quatorze anos. Procurando fazer uso de tal trunfo, Lianna ergueu-se e apontou o cano do rifle para a nuca de Metatron, gritando:

- Parem de atirar ou ela morre!

Alguns dos sentinelas ainda dispararam, no calor do momento, por sorte errando. Em seguida abaixaram os fuzis, aproximando-se com cautela do grupo. Este continuou se afastando rumo aos jipes, Richard também mirando para Mary com sua arma, tendo o objetivo de garantir aos inimigos que um deles atiraria caso o outro fosse alvejado. Guardas surgiram de toda parte, a confusão estampada no semblante de muitos deles. Perguntavam-se quem seriam aquelas pessoas, principalmente a menina.

O trio atingiu a área dos veículos. Colocaram Mary no interior de um deles, ainda sob a mira dos rifles, ao mesmo tempo em que Lianna exclamava:

- Nós precisamos de uma chave! Dêem-na, ou ela morre!

Os militares que os cercavam hesitaram, frontes suadas e fuzis erguidos; até que um sargento abriu caminho entre os demais e, com o rosto contorcido numa careta, atirou aos fugitivos a chave do jipe que haviam escolhido. Soryu acomodou-se no assento do passageiro, voltada para trás com a arma quase encostada a Mary, enquanto Langley se apoderou da chave e, assumindo a direção, deu partida no veículo. Manobraram para fora da pista de pouso, os vigias seguindo-os correndo, e pouco depois aceleraram pela estrada para longe das instalações.

- Vamos atrás deles! – bradou um tenente em meio às tropas. – Preparem helicópteros e caminhões. Não podemos deixar que escapem com aquela garota de jeito algum!


Richard já atingia a velocidade máxima do jipe, mas ainda assim queria que ele se deslocasse mais rápido. A desolação do deserto fazia-os se sentir mais oprimidos. O céu azul da bonita manhã contrastava com a tensão que carregavam, somente Metatron aparentando estar alheio a tudo aquilo, semblante impassível e aparência calma. Tendo o vento batendo em seu rosto e atirando-lhe os fios ruivos de cabelo para trás, Lianna indagou:

- Esse plano vai mesmo dar certo? Seu amigo é realmente confiável?

- Totalmente – o pesquisador replicou sem descuidar do volante. – E especialista em comunicações. Um dos pioneiros em transmissão de TV via satélites artificiais. Temos tempo sobrando. Tudo dará certo, vai ver.

A arqueóloga olhava constantemente para a estrada, receosa da iminente aparição de forças militares. Àquela altura, Lorenz já devia estar ciente do que acontecia, e por certo reagiria em peso.

- Aqui, agora viramos à direita.

Dizendo isso, Langley desacelerou, deixando o trajeto asfaltado para tomar um caminho secundário feito de terra. Ao longe, depois de mais alguns minutos de viagem, alcançariam o horizonte delineado por grandes antenas parabólicas, incríveis estruturas brancas de metal voltadas para o firmamento.


* * *


– Devemos abortar a missão Apollo, senhor? – questionou um operador, perturbado. – Posso emitir a ordem a Houston e alegar à imprensa falha mecânica, se quiser.

- Não! – Keel negou veementemente. – Não retrocederemos agora que estamos tão perto. Esses traidores serão pegos e punidos. O Anjo será recuperado.

Voltando-se para um membro da guarda que chamara até a sala de controle, Lorenz perguntou:

- Para que direção seguiram?

- Sul, senhor, pela estrada asfaltada. Temos forças já em perseguição.

- Ótimo. Prepare um helicóptero para mim. Desejo lidar com os dois doutores pessoalmente.

- Sim senhor.


* * *


O jipe atingiu a planície repleta de antenas parabólicas depois de vinte minutos, estacionando perto do prédio de dois andares de onde aparentemente a transmissão de sinais era coordenada. Do telhado brotavam tantas antenas convencionais, embaralhadas, que o local possuía a aparência de um imenso porco-espinho. Lianna escoltou Mary para fora do veículo enquanto Richard seguiu à frente, batendo à porta de metal da estrutura enquanto gritava:

- Tobby! Abra, somos nós!

Após alguns instantes, foram recebidos por um sujeito de meia-idade tendo barba preta com as pontas grisalhas, óculos escuros, um boné de um time de baseball ao topo da cabeça e tronco vestindo uma camisa xadrez. Cumprimentou Langley num caloroso aperto de mão, o cientista visivelmente aliviado em reencontrá-lo.

- Chegaram rápido! – Tobby observou. – Venham, entrem!

Assim o fizeram, deparando-se com uma verdadeira – e improvisada – central de TV. Num painel junto a uma parede, diversos monitores ligados exibiam a programação de vários canais dos Estados Unidos e até de outros países próximos. Luzes piscavam em instrumentos e incontáveis aparelhos, permitindo que as ondas de televisão fossem redirecionadas a longas distâncias graças ao uso de satélites em órbita. Uma tecnologia nova e até certo ponto ainda experimental, não-aberta a fins comerciais – porém viável. Além de todo esse aparato, os recém-chegados puderam ver uma câmera de TV e outros dispositivos requeridos para uma transmissão ao vivo... como a que ocorria na Flórida, diretamente do Centro Espacial John F. Kennedy.

O plano dos dois pesquisadores era invadir a cobertura da missão Apollo 11, por meio daquela série de antenas e de um satélite governamental que Tobby estava certo de conseguir utilizar, e revelar a verdade sobre a SEELE e o Majestic-12, possuindo Metatron como prova, às milhões de pessoas assistindo. Audacioso, por certo; mas efetivo, se atingisse sucesso.

- Estou pronto, pessoal – o amigo de Langley afirmou, agitado. – Quando quiserem.

Lianna e Richard se entreolharam. Não havia mais como voltar atrás. Concordaram com a cabeça, cada um deles tendo uma mão nos ombros de Mary Morgan.

Tobby já apanhava a câmera ligada, quando a adolescente, calada e séria até então, subitamente bradou:

- Não é chegada a hora para que a névoa sobre os olhos dos lilim se desfaça!

Mal concluiu a última palavra, uma rajada de metralhadora trovejou dentro do recinto. A menina permaneceu de pé, Soryu e Langley atirando-se ao solo enquanto Tobby tombava fulminado, as roupas salpicadas de sangue.

A câmera caíra com o dono, espatifando-se em vários pedaços.

- Verdammt... – resmungou a arqueóloga, nervosa.

Seguiu-se o forte som de hélices de helicópteros. Mais balas foram disparadas contra o prédio, abrindo uma série de buracos nas paredes de metal. Mary se mantinha na mesma posição, certa de que nada a atingiria. Do lado de fora, um estrondo, seguido de um clarão amarelado e repentina onda de calor: o jipe no qual haviam viajado até ali ia pelos ares.

- Temos de dar o fora, antes que nos cerquem... – murmurou Richard, já rastejando rumo à saída.

Lianna não via mais muita esperança em sobreviver, mas seguiu-o, também deitada e com o fuzil em mãos. Esgueiraram-se com dificuldade para o lado de fora, tossindo devido à fumaça proveniente da carcaça em chamas do veículo destruído. Por cima de suas cabeças, um dos helicópteros passou voando em alto som, ainda metralhando o interior da construção.

Olhando na direção das antenas, Langley estreitou os olhos. Um contingente de soldados se aproximava. Sem pestanejar, abriu fogo, apoiando o fuzil numa pedra no chão. Várias balas, disparadas sem prática, passaram bem longe dos alvos – embora um ou outro tivesse caído em audíveis gritos de dor. Os militares reagiram à altura, lançando projéteis e mais projéteis contra os dois isolados cientistas. Súbito, sangue saltou de um dos ombros de Richard, atingido em cheio por um tiro inimigo.

- Não! – bradou Soryu, aflita.

O cientista mordeu os lábios, mas continuou disparando. Lianna tentou se levantar e correr, buscando uma posição mais favorável, tendo de rolar na areia para desviar de mais uma rajada enviada por uma das aeronaves. Tornando a deitar-se com o rifle, atingiu a testa de um soldado, procurando em vão liquidar mais alguns. Seus esforços, no entanto, mostraram-se inúteis. Foram brevemente cercados, vendo-se obrigados a largar as armas e unirem-se com os braços erguidos em sinal de rendição.

Os combatentes os mantiveram sob suas miras, no entanto não os executaram. Um helicóptero pousou pouco depois entre as antenas, saindo dele, junto com mais alguns soldados, a figura de Keel Lorenz. Este caminhou até seus dois ex-comandados, abrindo espaço em meio ao contingente com um sorriso irônico na face. Aproximando-se da dupla, encarou cada um deles por demorados instantes, conseguindo humilhá-los somente com o olhar. Por fim se manifestou:

- Então vinham planejando isto já há um tempo considerável... Admiro o esforço. Porém foram ingênuos na execução. Muito ingênuos.

- Vai nos matar aqui mesmo, ou depois de inflar um pouco mais o seu ego? – inquiriu Langley, desafiador.

Como resposta, o alemão esbofeteou-o, arrancando-lhe sangue de uma das bochechas. Respondeu, em seguida:

- Encarreguei uma outra pessoa disso...

Dando um passo para o lado, Keel revelou atrás de si nada mais nada menos que Takeo Rokubungi, de preto e óculos escuros.

- Você... – oscilou Lianna, um brilho angustiado em seus olhos.

- Sim, ele, minha cara – riu Lorenz. – Aquele que encarregou de proteger sua filhinha, não?

- Eu...

- Também sou dado a boas ações... Vou compartilhar o que sei... Sobre como ele a protegeu...

Dizendo isso, o alemão, com desdém, retirou um punhado de fotos em preto e branco de baixo de seu uniforme, atirando-as ao solo, diante dos pés da doutora. Ela abaixou-se para pegá-las... e antes mesmo de erguê-las, seu corpo estremeceu.

- M-mas...

As imagens mostravam o japonês beijando Minna, ambos agarrados em diversos locais e ângulos.

- N-não pode ser...

As mãos de Soryu tremiam tanto que as fotografias acabaram caindo de volta ao chão. Lágrimas brotaram em seus olhos já vermelhos. O oriental, por sua vez, não demonstrou qualquer reação.

- Como pôde? – ela exclamou por fim, cheia de ódio. – Ela tem idade para ser sua filha! Sua filha!

Rokubungi não respondeu. Lianna aproximou-se e desferiu um tapa contra seu rosto. As tropas não reagiram, já que Lorenz parecia apreciar a cena. O guarda-costas continuou sem nada fazer.

A arqueóloga pôs-se a chorar.

- O que fez com ela? – inquiriu, temendo o que fosse ouvir.

- Ela vive – foi Keel quem esclareceu. – Nosso amigo Takeo não é assim tão cruel a ponto de eliminar quem lhe dá prazer...

Lianna fechou os punhos e os olhos, gotas descendo por sua face. Instantes mais tarde tornou a enxergar, encarando o japonês. O tenso olhar da mãe aparentava cobrar dele algo... como se a traição à sua confiança houvesse sido bem maior do que o imaginado.

- Por favor... – Lorenz pediu num tom suave.

Rokubungi ergueu sua pistola Nambu e disparou à queima-roupa contra a testa de Lianna, sangue espirrando sobre seus óculos e vestes. O corpo da alemã desabou inerte.

Foi a vez de Richard estremecer. Ele mantinha, já há alguns instantes, as duas mãos unidas atrás da cintura, como se tivesse os pulsos atados por uma corda.

- Não vai fazer mais nenhuma gracinha, doutor Langley? – Keel indagou, colocando-se diante do pesquisador.

- Na verdade, acredito que o senhor tenha feito um incrível erro de julgamento... – murmurou ele.

O comandante franziu as sobrancelhas.

- E posso saber por que razão?

Com os olhos marejados, Richard voltou a levantar as mãos... uma segurando uma granada e a outra o pino, solto.

- Deveria saber que eu odeio perder!

Takeo só teve tempo de gritar:

- Pro chão!


A explosão foi um inferno de luz e calor. Rokubungi tentou empurrar Keel para longe, mas se encontravam muito próximos da granada para que a ação se mostrasse efetiva. Lorenz, com o guarda-costas deitado inconsciente sobre si, viu soldados ardendo em chamas, correndo em volta e se debatendo na inútil tentativa de sobreviver. O corpo de Langley fora completamente desintegrado, um horrível cheiro de carne queimada passando a dominar os arredores.

Após o atordoamento inicial, veio a dor. Uma ardência insuportável, propagando-se por cada célula de seu organismo. Virando a cabeça, pôde notar grandes queimaduras vermelho-escuras em seus braços imobilizados pelo peso de Takeo. A questão era que, apesar de os membros lhe fornecerem estímulos terríveis devido aos ferimentos, ao menos podia senti-los. Da cintura para baixo, no entanto, não conseguia mover mais nada. Torceu para que fosse um choque momentâneo... ou teria realmente perdido as pernas.

Fazendo um penoso esforço para erguer as mãos, tateou as costas do oriental... queimando os dedos e assim afastando-os ao perceber que a pele do fiel comandado, agora fundida às roupas, fumegava. Teria sobrevivido? Caso não, então dera mesmo a vida para salvá-lo...

Entre gemidos agonizantes e o crepitar de cadáveres, ouviu... passos. Alguém caminhava por entre o foco da explosão, numa cadência tranqüila. Quem seria? Tendo os movimentos limitados, Keel fez força e combateu a dor, logrando levantar a cabeça... e viu.

A garota Mary Morgan, com um manto marrom sobre a cabeça que lhe ocultava parte da fronte, andava descalça em meio aos corpos carbonizados, não se queimando – apesar do calor. Inexpressiva, a adolescente logo se deteve junto a Lorenz, olhando-o fixamente. Um fiapo de sorriso surgiu no semblante do alemão, enquanto dizia, fraco:

- A-Anjo... Use seu poder divino para devolver o movimento às minhas pernas... Por favor, conceda essa graça a este humilde filho de Lilith...

Metatron se manteve calado por um minuto, antes de replicar, ainda fitando-o:

- Acredito que não sejas digno de contemplar a Verdade Divina, lilim... Se um dia chegar mesmo a Adão, será às cegas...

Em seguida brilhou, tão intensamente quanto mil sóis, sua figura sendo tomada pela mais pura claridade. Keel não pôde deixar de olhar... tendo seus órgãos oculares incinerados no mesmo instante, numa violenta explosão de dor.

- Não! – gritava, tentando tampar as cavidades já chamuscadas. – Não, eu não sou como eles! Não!

Após se debater por algum tempo, Lorenz entrou em choque e desmaiou, o imóvel Rokubungi ainda sobre si. Mary, por sua vez, seguiu caminhando por entre os corpos... Lívida e resplandecente.


* * *


A expectativa tomou o Controle da Missão, no Texas, enquanto o módulo Eagle iniciava os preparativos para o pouso em solo lunar. Haviam sido reportados alguns problemas com o sistema computadorizado de navegação – nada grave, no entanto, para que a descida ao satélite fosse inviabilizada. O local definido para a aterrissagem fora o Mar da Tranqüilidade, uma vasta planície cujo solo era composto principalmente por basalto. A região acabara escolhida com base em cálculos matemáticos durante o planejamento da expedição, mostrando-se uma área favorável às manobras envolvendo o módulo. Mas, além das razões logísticas, existiam outros objetivos para aquela decisão... Como revelara uma reunião dos astronautas com representantes do misterioso “Majestic-12” poucos dias antes da viagem.


Fly me to the moon
(Me faça voar até a lua)
And let me play among the stars
(E me deixe brincar entre as estrelas)
Let me see what spring is like
(Deixe-me ver como é a primavera)
On Jupiter and Mars
(Em Júpiter e Marte)

In other words, hold my hand
(Em outras palavras, segure minha mão)
In other words, baby kiss me
(Em outras palavras, baby me beije)


- Houston, aqui é Eagle – o astronauta Neil Armstrong contatou o Controle da Missão via rádio. – O sistema está indicando pouco combustível.

- Entendido, Eagle – o comando na Terra respondeu. – Acredita haver o suficiente para o retorno?

- Bem em cima, Houston. Mas acredito que sim.

- Eis algo para nos acautelarmos nas próximas missões. Prossiga com o pouco, Eagle.

- Certo, Houston.

Aos poucos, o terreno lunar cinzento repleto de crateras foi se aproximando do módulo que ia ao seu encontro. O transporte, visto de longe, assemelhava-se a um pequeno aracnídeo, devido às pernas metálicas de sua estrutura, dirigindo-se a uma grande fruta esférica e áspera. Os três tripulantes, veteranos em viagens espaciais, cuidavam atentamente de todos os aspectos envolvendo a trajetória da nave. Qualquer mínimo descuido poderia levar a um erro fatal.

Súbito, todo o interior do módulo estremeceu. Uma luz se acendeu num dos painéis de controle.

- Luz de contato! – informou pelo rádio outro dos astronautas, Buzz Aldrin.

- Desligar propulsão! – emendou Armstrong.

Haviam pousado.

Aldrin, bastante religioso, apanhou pouco depois um cálice que trouxera consigo, contendo pão em seu interior. Fora preparado pelo pastor de sua igreja no Texas, a seu pedido. Em profunda reverência, o astronauta então comungou, agradecendo a Deus pela oportunidade dada ao homem de conseguir chegar a uma de suas maiores criações.


Fill my heart with song
(Encha meu coração de música)
And let me sing for ever more
(E me deixe cantar para todo o sempre)
You are all I long for
(Você é tudo pelo que busquei)
All I worship and adore
(Tudo que eu venero e adoro)

In other words, please be true
(Em outras palavras, por favor seja verdadeiro)
In other words, I love with you
(Em outras palavras, eu te amo)

Findo o momento de gratidão e alívio pela aterrissagem bem-sucedida, chegou a hora de explorar a superfície lunar.

- Eagle, inicie os preparativos para a EVA – instruiu um dos operadores na Terra.

- Entendido, Houston.

No Controle da Missão, um dos funcionários, pouco instruído em relação aos termos técnicos, achou a sigla “EVA” curiosamente bíblica. Notando seu olhar de espanto, um operador ao seu lado explicou:

- EVA: Extra-Vehicular Activity. Eles vão deixar o módulo e pisar na lua.

- Ah, sim... – o primeiro sorriu.

Após algum tempo de preparo, Armstrong, revestido pelo traje de proteção acoplado a um sistema de suporte de vida às costas, abriu a escotilha da nave e saiu para a superfície do satélite. Diante de si, uma imensidão cinza desoladora, com a Terra, distante, observável no céu, na forma de um orbe azulado salpicado de nuvens. Devido à reduzida gravidade, o norte-americano passou a saltar pelo solo lunar, ao invés de caminhar como em casa. Pisando o revestimento da planície, constatou ser composto de uma poeira fina, que o fez se lembrar de pólvora. Súbito, deteve-se onde estava. A poucos metros diante de si, brotando do chão, havia um imenso crânio comprido e de boca achatada, o formato lembrando a cabeça esquelética de um dragão. Da parte inferior surgia um princípio de pescoço, formado por vértebras que se enterravam na escura areia.

- Este é um pequeno passo para um homem... – afirmou Niel, perplexo diante da descoberta. – Mas um salto gigantesco para a humanidade.


In other words, please be true
(Em outras palavras, por favor seja verdadeiro)
In other words, I love with you
(Em outras palavras, eu te amo)


* * *


Um sino ecoou pelas dependências do prédio, enquanto a mulher de cabelos castanhos aguardava sentada à recepção. Usava um sobretudo marrom que lhe cobria quase todo o corpo, chapéu da mesma cor à cabeça. O semblante pálido, de traços tanto orientais quanto ocidentais, assemelhava-se a uma escultura em mármore, endurecida pelo tempo e tornada inexpressiva por fatos passados. Em dado momento, uma japonesa de hábito preto e branco, crucifixo ao pescoço, adentrou o corredor. Recebeu a visitante com sorriso e abraço calorosos.

- Seja bem-vinda mais uma vez, senhorita Soryu – ela saudou-a. – Por favor, acompanhe-me.

A outra mulher assim o fez, seguindo a freira pelos corredores decorados em madeira, com imagens de santos e outros símbolos religiosos. Aqui e ali, crianças corriam brincando animadas, principalmente num grande jardim no andar de baixo, onde outras irmãs delas cuidavam. Ao longe, acima dos muros, era possível enxergar a paisagem urbana da cidade de Tóquio.

- O menino está bem saudável, e cada vez mais forte – disse a religiosa à recém-chegada. – Ainda é cedo para falar, mas puxa mais ao pai em suas feições...

Adentraram um quarto destinado a infantes de menor idade. Enquanto bebês há pouco nascidos repousavam em berços num canto, em outros se encontravam crianças já mais velhas, várias delas apoiando-se nas beiradas dos leitos e lançando olhares cheios de ternura às duas mulheres. Um desses pequenos era o filho de Minna.

- Ali está ele – apontou a freira.

Andando lentamente até o berço, a filha de Lianna tomou o rebento de pouco mais de dois anos nos braços. O bebê riu, tocando a face da mãe com uma de suas mãozinhas. Acabou, involuntariamente, colhendo uma lágrima que por ela escorreu.

- Agradeço novamente o que têm feito... – suspirou a jovem, colocando o filho de volta no leito. – O deixarei sob seus cuidados. Sei que sempre zelarão por ele.

- A senhorita quer dizer... – oscilou a irmã, arregalando os olhos.

- Não posso continuar vindo aqui. É arriscado para mim, e ainda mais a ele. Minha mãe desapareceu há semanas, talvez morta pelas mesmas pessoas que obrigaram o pai dele a se ausentar. Infelizmente terá de crescer sem saber suas origens. É o mais justo. Assim não terá contato com toda a dor que lhe antecedeu o nascimento.

- Sendo assim, senhorita... Ao menos devemos lhe dar um nome. Até agora não o possui, não tendo sido nem mesmo batizado...

Minna abaixou a cabeça por um instante, antes de responder:

- Duas gerações de minha família parecem ter sido amaldiçoadas: a de minha mãe, e agora a minha. Não quero o mesmo destino para ele. Por isso, se chamará como o avô, que teve uma existência longa e tranqüila... O nome será Gendou.



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