The Dawn of Evangelion escrita por Goldfield


Capítulo 10
Crônicas




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Crônicas

Nevada, EUA, 1967

Lianna trabalhava silenciosa em sua sala, como já era há vinte anos costume. Envelhecia naquele laboratório subterrâneo, incapaz de se livrar, ainda, dos grilhões invisíveis que ali a prendiam. Naquele momento lia sobre antigas expedições arqueológicas ao Egito, quando a porta do recinto se abriu. Já esperava aquela visita. Sem se voltar, puxou uma cadeira ao seu lado, oferecendo-a ao recém-chegado:

         - Sente-se.

         Richard Langley assim o fez, carregando uma pasta em mãos. A alemã abandonou o que fazia para focar-se no que o colega trouxera, este abrindo o conjunto de papéis diante dela. Enquanto Soryu os folheava, explicou:

         - Meus informantes descobriram várias coisas. Para começar, a misteriosa organização dos Lorenz tem nome: “SEELE”. “Alma” em alemão. Uma fraternidade político-religiosa que pode estar atuando na História há séculos. Seus membros são preferivelmente de origem germânica, embora haja alguns acólitos de outras nacionalidades. Utilizam o olho como principal símbolo. Estiveram por trás de Hitler e os nazistas, e sabe-se lá que outros governos do mundo manipulam atualmente além dos Estados Unidos.

         - Algo sobre seus objetivos?

         - Bem vago. Pelo pouco que se sabe, são defensores da “iluminação” da humanidade, princípio através do qual o homem deve chegar a Deus por meio do conhecimento.

         A doutora esticou-se em sua cadeira e levou uma das mãos ao queixo, raciocinando em cima do que tinham. Instantes depois, sem que ela houvesse se manifestado, Richard perguntou:

         - No que está pensando?

         - Se essa SEELE vê alguma outra meta nos Manuscritos do Mar Morto além de salvar a raça humana dos Anjos... Afinal, eles já suspeitavam antes da existência desses documentos proféticos, tendo feito de tudo para obtê-los. Não acho que seja simplesmente a questão de nos prepararmos para uma guerra...

         - Keel esconde algo de nós.

         - Eu acho, meu caro, que a SEELE já sabe desde o início o que é aquele Terceiro Segredo.

         - Teríamos de arrancar a verdade de Lorenz de alguma forma... Se ao menos possuíssemos uma moeda de troca...

         Lianna piscou rápido, uma idéia despontando de forma repentina em sua mente.

         - Nós temos.

*  *  *

Em torno da mesa sob a sombra do anjo, o conselho da SEELE encontrava-se reunido, embora um dos sete assentos estivesse vazio. Os anciãos tinham seus rostos voltados para uma tela montada a alguma distância do móvel, sendo que sobre este havia um retroprojetor lançando imagens na direção dela. Um dos idosos, Wilhelm Muench, manejava a máquina, explicando as transparências conforme as alternava:

         - Graças à nossa fachada, conseguimos mapear todo o subsolo da área de Hakone, até aproximadamente vinte mil metros de profundidade. As novas sondas desenvolvidas para exploração subterrânea foram de grande valia. Aos japoneses, estivemos apenas pesquisando sobre placas tectônicas. Mas, para nós...

         Mudando a figura, o velho colocou no aparelho um desenho em formato circular, com algumas anotações numéricas ao redor.

         - Existe uma cavidade perfeitamente esférica sob a área de Hakone de aproximadamente 13,75 quilômetros de diâmetro. Um imenso globo oco, cujo revestimento é formado por camadas e mais camadas de puro basalto, dando-lhe um aspecto exterior preto.

         - Uma imensa “Lua Negra” enterrada embaixo do Japão... – murmurou o grão-mestre Gottschalk.

         - Isso descreve bem, senhor. O interior da esfera, no entanto, já não é mais completamente oco: ela aparenta estar no local há milhões, talvez bilhões de anos, e por isso a erosão do solo fez com que toneladas de terra fossem ocupando seu interior. Atualmente, apenas uma área de pouco menos de um quilômetro de altura e seis quilômetros de diâmetro encontra-se vazia, no topo da estrutura – e apontou para o slide, indicando com uma caneta a área não-preenchida na parte superior da esfera.

         - Ainda assim, é um grande espaço subterrâneo – observou Kappel.

         - Certamente. Nossos especialistas o estão chamando de “GeoFront”. Um imenso vácuo no subsolo onde seria possível até mesmo erguer uma cidade.

         - Bem, está claro que essa formação esférica não pode ser natural da Terra – o grão-mestre tornou a falar. – O que a equipe de cientistas concluiu até o momento, Muench?

         - Ainda estão sendo feitos estudos referentes à idade das rochas e do solo na estrutura... Mas a hipótese preliminar é que essa esfera esteja enterrada na crosta terrestre há pelo menos quatro bilhões de anos. O que coincide com a data estimada da chegada de Lilith e o Fruto do Conhecimento ao planeta, segundo os Manuscritos do Mar Morto. Essa Lua Negra teria sido, assim, o meio de transporte de Lilith pelo espaço até este mundo.

         - O “casulo” de Lilith... É de se presumir, então, que os restos desse primeiro ser vivo estejam ainda enterrados no interior da esfera, ainda que fossilizados?

         - Quase certo que sim, senhor.

         Uma leve onda de assombro tomou a mesa. Novos segredos acerca da origem da vida na Terra eram revelados, e a SEELE mais uma vez se mostrava a mais próxima de obtê-los. O grão-mestre tomou novamente a palavra:

         - Será sempre lembrado por sua descoberta, acólito Muench.

         - Deve ser dado maior crédito à doutora Lianna Zeppelin Soryu, que em seus estudos antropológicos viu uma estranha analogia envolvendo a deusa Amaterasu na mitologia japonesa, achando que deveríamos investigar – respondeu o ancião. – De qualquer modo, já estamos cavando em busca de indícios de Lilith. Precisa-se lembrar, também, que se esses organismos primordiais chegaram à Terra em estruturas como essa, há de haver igualmente uma para Adão enterrada em algum lugar. Talvez seja a chave para a compreensão dos Anjos.

         - Ou seu despertar... – outro idoso cogitou, sombrio.

         - Investigaremos tudo – ponderou o grão-mestre. – Dentro de mais alguns anos chegaremos à lua, e caso haja mesmo um Anjo lá em hibernação, seu estudo trará grandes avanços ao nosso projeto. Temos apenas de persistir nas pistas que possuímos.

         - E o senhor Keel Lorenz, deve ser avisado sobre estas descobertas?

         Gottschalk foi bem incisivo em sua resposta:

         - Não.

*  *  *

Takeo abriu os olhos, percebendo a claridade do dia entrando pela janela da suíte. Lentamente sentou-se na cama, Minna ainda dormindo graciosa ao seu lado. O fino lençol delineava bem as belas formas de seu corpo, os cabelos castanhos tampando-lhe parte do rosto de modo que ficou tentado a acariciá-los para poder ver seus olhos. Não quis despertar a amada, porém. Levantou-se sem causar barulho e caminhou até uma mesa próxima, sobre a qual deixara um maço de cigarros. Sem camisa, sentou-se junto a ela e apanhou um, que acendeu usando um isqueiro.

         Fitando a jovem adormecida, o japonês suspirou. Começava mais uma vez a refletir sobre aquilo tudo. Uma incômoda voz interior lhe dizia que não podiam dar continuidade à relação, que era loucura – e provavelmente fosse mesmo. Lianna ainda não sabia de nada, e quando descobrisse andaria pelas paredes. Que se havia de fazer? Minna estava mesmo apaixonada... e ele também não podia negar seus fortes sentimentos por ela.

         Bateram à porta do quarto. Algum funcionário do hotel, provavelmente. Rokubungi exclamou:

         - Entre!

         A moça remexeu-se na cama, ainda dormindo, enquanto um empregado de terno branco surgia à entrada, informando:

         - Telefonema para o senhor, de Keel Lorenz.

         O semblante do oriental fechou-se mais ainda enquanto respondia:

         - Já estou descendo.

         O mensageiro se retirou, ao mesmo tempo em que o hóspede colocava uma camisa. Lavou o rosto rapidamente no banheiro anexo e, depois de olhar mais uma vez para a jovem na cama, saiu também da suíte.

*  *  *

O promotor público de Nova Orleans, Jim Garrison, está mesmo disposto a desvendar a suposta conspiração por trás do assassinato do presidente John F. Kennedy. Investigando possíveis envolvidos na cidade...

         Ao som do rádio, Richard Langley trabalhava incessantemente. Não em sua pesquisa, entretanto. Sobre a mesa estava aberto um detalhado mapa do estado de Nevada, sobre o qual traçava riscos e círculos a caneta. Ele e Lianna não sabiam ao certo quando poderiam colocar aquele plano em prática, mas tinham de deixar tudo pronto. Quando o momento chegasse, não poderiam errar.

         O cientista, particularmente, enxergava tudo como uma cruzada pessoal. Era certo que a parceira também tinha seus fortes motivos – garantir a proteção da filha sendo um deles – mas Richard aparentava, muito mais do que ela, querer provar algo a si mesmo e aos outros que o cercavam. Ser capaz de levar aquele esquema ao sucesso... ser capaz de vencer.

         Endireitou-se na cadeira, mãos doloridas. Teria de fazer uma pausa, tanto para descansar quanto para não gerar suspeitas no pessoal da base.

         Eles iam vencer.

*  *  *

Quando Minna acordou, viu que estava sozinha na cama. Sentindo o coração acelerado, ergueu-se e vasculhou a suíte com os olhos em busca de Takeo. Mas ele realmente não se encontrava ali.

         Aturdida, caminhou até a mesa e sentou-se. Ele deixara seus cigarros – ao menos um indicativo de que em breve estaria de volta. Não conseguia manter os braços ou pernas imóveis, porém, balançando-os a quase todo momento – dada sua ansiedade. Para onde ele poderia ter ido? Por que não a avisara da ausência?

         Angustiantes momentos transcorreram para a jovem, até que a porta do quarto se abriu e, para seu alívio, Rokubungi retornou. Ela correu para abraçá-lo e beijá-lo, mas notou algo estranho e se deteve no caminho: o ar do japonês estava bem mais soturno do que de costume, ele caminhando e agindo como se possuísse o peso do mundo às costas.

         - Há algo errado? – ela questionou, preocupada.

         Ele concluiu que melhor seria não prolongar o assunto:

         - Terei de voltar aos Estados Unidos. O superior meu e de sua mãe requisitou minha presença.

         Takeo observou Minna empalidecer. Ela perdeu ar e por um momento pareceu que desmaiaria, recuando de costas e caindo sentada sobre a cama. Ergueu os olhos para o amado, estes se enchendo d’água. A ocasião que tanto temera chegara. A terrível separação.

         - N-não... – ela balbuciou, chorosa.

         - É preciso – apesar de séria, a voz de Rokubungi mantinha certa ternura, indicando que ele sabia como a moça se sentia e também sofria com isso. – Prometo regressar. Não posso estabelecer um prazo, um momento, mas retornarei. Eu juro.

         Minna levantou-se num impulso e abraçou-o com força, banhando-o de lágrimas. Tremia. Takeo afagou-lhe a cabeça, desejando em seu íntimo que não precisassem passar por aquilo.

         - Seja forte – ele pediu. – Mesmo longe, continuarei a velar por você. Não deixarei que nada de mal lhe aconteça...

         A filha de Lianna abriu a boca para dizer algo... no entanto acabou fechando-a e apenas chorando mais junto ao peito do amado. Permaneceram assim, imóveis, por algum tempo, até o japonês afastá-la com gentileza para começar a arrumar sua mala. A jovem encaminhou-se ao banheiro, como se não quisesse ver aquilo e o lugar oferecesse um esconderijo. Depois, acabou criando coragem para observar, apoiada ao batente da porta.

         A tarefa do oriental não levou tanto tempo, já que não eram muitos seus pertences. Ao fechar a bagagem, olhou de novo para Minna. No fundo, não sabia o que lhe dizer.

         - Até logo... – murmurou, tentando afastar ao máximo a palavra “adeus” de sua mente.

         Caminhou para fora da suíte e fechou a porta sem olhar para trás.

         A moça, por sua vez, saiu do banheiro e atravessou o quarto como se pisasse um terreno inóspito. A passos lentos e com o olhar perdido, aparentava manter sua alma em suspensão, evitando cair em si. Não conseguiria assimilar aquele fato, após todos os momentos felizes que haviam passado juntos...

         A realidade, porém, logo venceu o embate, esmagando-lhe o coração. Ela se sentou na cama e, encolhendo-se com as pernas abraçadas, deu total vazão ao pranto.

         Acabara sem coragem para contar a ele que há tempos não menstruava... Dos enjôos que sentia, da fome...

         Não conseguira contar a Takeo esperar dele um filho.


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