O Filho dos Mares escrita por Lieh


Capítulo 8
Bobos da Corte (Hornpipes)


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores! Minhas férias estão terminado e logo vou começar minha facu #tenso. Então, já imaginem...
Quero agradecer a CowVader (do Fanfiction Net) que muito gentilmente betou esse capítulo (lembram que eu estava procurando uma beta?), mas agradeço também de coração a todos que se disponibilizaram =D



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Tudo bem. Nada de pânico. Nada de fazer besteiras nas horas em que você realmente deve fazer alguma loucura para escapar de uma situação desesperadora.

Meus braços doíam pela posição desconfortável. Não tínhamos muito tempo para ficarmos ponderando o que Silver havia nos interrogado.

– Clarisse, você está com a sua faca no bolso?

– Estou sim, por quê?

Eu me encontrava a uma pequena distância dela, mas amarrada como estava, não seria fácil arrastar a cadeira. Pois é, foi exatamente isso que eu fiz num verdadeiro show de idiotice, pulando e arrastando, pulando e arrastando a maldita cadeira até Clarisse. Percebi que tanto ela quanto Grover estavam mordendo os lábios para não rirem do meu exibicionismo. Que lindo.

Com esforço, eu tentava mover minha mão até o bolso da lateral da calça dela, onde eu podia ver o cabo da faca exposto, porém as cordas impediam que eu me aproximasse mais. Pedi para ela arrastar a cadeira a estilo pulinhos, me estiquei e peguei a faca.

Agora vamos para a segunda etapa. E a mais difícil: Se livrar das cordas.

Com certo esforço, fui cortando as amarras pacientemente. Não tínhamos muito tempo, e meu nervosismo só aumentava com a perspectiva de virar lanche de tubarão.

Por fim, não sei quanto tempo depois, eu consegui me soltar com um suspiro de alívio e braço dormente. Rapidamente soltei Clarisse e Grover e juntos saímos da cabine – onde por sinal, nosso inteligente Silver deixou a porta somente encostada, sem se dar o trabalho de trancá-la, pois é claro nós não iríamos conseguir fugir. Quanta inteligência...

Logo já estávamos desembarcando (é, fácil assim. Aprendam a ser desconfiados, isso vai salvar sua vida em muitas missões), misturando-se a população local da região.

Tortuga. Do porto para a cidade propriamente dita era só a alguns metros de distância, tão pequeno o local.

As ruas eram estreitas, pavimentadas com pedras. As casas eram todas opulentas, construídas sobre rochas, sustentada por madeira e concreto. Seguiam um padrão pelas ruelas, que subiam através do relevo, como se fosse um imenso morro cheio de casas, bares e armazéns. O lugar parecia ter parado no tempo, como se ainda estivesse vivendo nos séculos XVII e XVIII. As pessoas usavam roupas e acessórios que eu só via em filmes: casaquinhos risca de giz, botas, vestidos longos, numa mistura de barulho, corpos dançando e bailando pelas ruas, risos estridentes vindos de cada janela por onde passávamos, instrumentos como arcodeão e violão sendo tocados magistralmente, embalado por vozes roucas e estridentes, entoando um hino à alegria. Eram, antes de tudo, felizes, contagiando a todos que passavam.

Ao longe, sons de um arcodeão com violinos e flautas doces animavam a entrada de um beco. Alguns homens vestidos de marinheiro dançavam de forma engraçada, meio que imitando os movimentos de puxar as cordas de um navio invisível. Mesmo parecendo um pouco bêbados, aqueles três homens dançavam com elegância, arrancando suspiros de algumas moças que assistiam, juntamente com algumas risadas.

Eu estava tão distraída observando o espetáculo, que de imediato não percebi Clarisse falando comigo. Só depois de eu ignorá-la por duas vezes que ela, irritada, me sacudiu praguejando alguns palavrões.

– Hã? Desculpe Clarisse... Ai! – ela apertou meu braço com tanta força que eu tenho certeza que ficou roxo – Já estou ouvindo!

– Eu estava dizendo para Grover que era bom nós arranjarmos um lugar para ficar por enquanto... E quem sabe conseguirmos um navio...

– Um navio? Como? Outra carona?

– É... Pode ser – ela franziu a testa e ficou calada. Grover também estava muito quieto observando o espetáculo de dança à nossa frente. Os “marinheiros” batiam os pés e pulavam, entoando os braços, depois puxavam a corda invisível. Eles estavam na entrada de uma taverna. Num aceno para os meus companheiros, nós atravessamos o pequeno público do espetáculo de rua e entramos no Casa del Cuervo, com um imenso corvo cravado na porta na madeira, com as inscrições do nome do estabelecimento logo acima.

O lugar era escuro e apertado, com algumas mesas redondas e cadeiras, a maioria delas ocupadas por alguns homens jogando cartas num canto, um casal cochichando no outro, e outro grupo de amigos bebendo e soltando altas risadas junto a arrotos. No fundo, havia o balcão com apenas um servente lavando copos. Ele nos olhou com uma careta quando entramos. Era um homem alto, branco feito papel, com dois enormes olhos claros que pareciam duas bolas de gude, com cicatrizes na boca e um cabelo loiro ralo, quase careca.

Nós três nos sentamos numa mesa próxima à porta por onde tínhamos entrado, quando ele se aproximou, com os olhos faiscando e a boca torta, torcendo o pano de prato.

– O que vós quereis muchachos?! Se usted estão querendo esmola, tratem de dar o fora!

O homem misturava o castelhano com o uma linguagem estritamente formal que era engraçado vê-lo falar, e ao mesmo tempo confuso.

– Você tem um quarto e comida para nos oferecer? – perguntei.

– Vós por acaso de brilhantinas para pagar?

Franzi a testa de nervosismo. O homem queria dinheiro é claro, e no entanto nossos pertences foram perdidos durante a fuga da ilha dos canibais.

Eu já estava vendo a hora do homem nos expulsar a vassouradas dali, quando Grover se inclinou com a mão fechada para o estalajeiro, que por sua vez abriu a mão dele, onde foi depositada cinco dracmas de ouro. O homem olhou por longos minutos as moedas, virando-as de um lado para o outro, ou mordendo-as. Encarei Grover e Clarisse, principalmente o primeiro. Meus olhos diziam o que os de Clarisse também gritavam: “Ele é um mortal! Esse dinheiro não vale nada para ele!”.

O sátiro apenas se encolheu como se dissesse: “É tudo o que tenho”.

Para nossa surpresa, o homem sorriu – o que não foi uma visão muito bonita – guardou as moedas no bolso do avental imundo e disse:

– O que desejam comer?

Por fim, comemos até dizermos chega. A comida por sinal era muito boa, e quando eu digo comida, é comida de verdade, não porcaria.

O estalageiro nos levou para o andar de cima onde existia um pequeno corredor com portas. Apenas uma porta estava aberta, onde ele entrou, anunciando ser nosso quarto. Havia duas camas de solteiro e um colchão próximo a uma escrivaninha. Por incrível que pareça, o lugar era até aconchegante apesar do cheiro de mofo e cloro, e algumas frestas na madeira.

Eu corri para uma cama e Grover para a outra, se largando em cima dela, sobrando para Clarisse o colchão – o que não a deixou nada contente. O homem havia se retirado, fechando a porta ao sair.

– Hum, acho que devemos descansar um pouco... Sabe, dormir de verdade. – comentou Grover.

Eu acenei em concordância, já me acomodando na cama e fechando os olhos. Só ouvi Clarisse resmungando sobre o colchão ser um pouco duro, antes de cair no sono.

Aquele sonho foi o mais estranho que eu tive em toda a minha vida.

Eu estava de volta ao “Queen Anne’s Revenge”, só que dessa vez no convés, numa noite de céu estrelado e brisa marítima suave. Na borda do casco do navio, Percy Jackson se inclinava para as águas, - e para minha tristeza totalmente vestido - absorto em pensamentos.

Eu estava logo atrás dele, escondida na escuridão. Eu já ia me aproximar dele, quando fui impedida pelo barulho de passos vindo do lado oposto de onde eu estava. Até que surgiu uma figura esbelta, feminina se posicionando do lado dele, de costas para mim também. A mulher usava uma bandana na cabeça, calças, botas e um corpete coberto por um casaco que ia até os joelhos. Não consegui ver o seu rosto, mas pude ouvi-la dizer:

– Você tem que fugir Percy Jackson. Ou fique e irá perecer. Barba Negra está ansioso e preocupado com alguma coisa...

– Você tem alguma idéia do que ele quer comigo? – perguntou ele quase sussurrando.

– Eu tenho uma suspeita, porém eu espero estar errada.

Eles permaneceram em silêncio por alguns instantes. Percy se virou para a mulher, encarando-a de frente.

– Eu não tenho medo dele e nem do que ele possa fazer comigo.

– Deverias ter, garoto. Você não sabe do que ele é capaz. Vou ajudá-lo a fugir quando aportamos em Tortuga amanhã à noite.

– Eu só vou fugir se você vier junto, Mary.

A mulher chamada Mary suspirou e ficou em silêncio. Aquilo afirmação mexeu comigo de uma forma nada agradável. Ele a encarava com preocupação, entretanto os olhos dele demonstravam outra coisa... Que não me deixou feliz.

Pelo contrário, senti mais raiva do que o normal, misturada a uma tristeza que eu não sabia o porquê.

Já era fim de tarde quando eu acordei, ainda pensando naquele sonho. O sentimento esquisito ainda estava lá, e eu não gostei.

Sentei-me na cama tentando se lembrar da conversa de Percy Jackson com a mulher chamada Mary. O que foi ela estava dizendo para ele mesmo?

Forcei a memória, tentando ignorar aquele sentimento que se enraizava em mim. Mary estava dizendo que Percy corria perigo... Percy perguntava quais eram as intenções de Barba Negra com ele... Mary dizia que suspeitava... Disse para ele fugir, que iria ajudá-lo quando chegasse...

Oh, Zeus!

Pulei da cama de tão agitava que fiquei sacudindo Grover que estava mais próximo.

– Grover, Grover acorda!

Ele apenas se remexeu e resmungou. Ansiosa, corri para o colchão de Clarisse, que dormia a sono alto. Sacudi e chamei-a, e me lembrando do modo como ela me despertou da minha distração logo quando chegamos, sacudi ainda mais feito um saco de batatas.

– Que diabos...?! – ela se sentou na cama num estalo. O movimento foi muito rápido, porque ela segurou a cabeça que deve ter rodado.

– Eu tive um sonho! Barba Negra está vindo para cá! É provável que ele chegue hoje à noite!

Eu atropelei as palavras tentando jogá-las para fora o mais rápido possível tamanha era a minha ansiedade.

O estardalhaço que eu fiz foi o suficiente para acorda Grover, que franziu o cenho em desaprovação para mim e para Clarisse.

– Espera, ESPERA! – ela gritou quando eu ia começar a falar de novo feito uma matraca – Dá para você explicar desde o começo?

Então eu contei para eles sobre o sonho, omitindo a última parte que... Bem, eu não queria compartilhar com ninguém.

Por um tempo não se falou nada. Então Grover quebrou o silêncio.

– Você tem certeza, Annabeth que Barba Negra vai aportar hoje à noite, especificamente? Pode ser qualquer noite...

– Eu não sei Grover. Eu também pensei nisso. Pode ser que ele já tenha aportado e ido embora antes de chegarmos... Ou, ele ainda vai chegar aqui. Não custa nada esperar.

– Mas você esquece que a nossa estadia nessa espelunca não vai durar muito. Com certeza aquele homem estúpido vai perceber que aquele dinheiro não serve para nada e nos expulsar a vassouradas. – comentou a filha de Ares.

– Como você é otimista – disse eu.

– Francamente, eu estou falando a verdade. O que precisamos é de um navio. Nosso navio, porque de caronas em que nós só nos metemos em encrenca, eu já estou farta.

– Mas como, por Pã, vamos conseguir um navio? Ainda por cima de graça! – Grover estendeu os braços para o alto, suspirando.

Clarisse torceu as mãos no colo. Eu já a conhecia o suficiente para detectar um pouco de nervosismo nela.

– Nós vamos conseguir ainda hoje. Tenho certeza.

Fitei-a tentando decifrar o que estava por trás daquilo, me lembrando da nossa conversa a eras atrás na praia. Ela evitou o meu olhar, se levantando e se espreguiçando.

Há algo de podre no reino da Dinamarca!, já dizia Shakespeare.

Deixei minhas suspeitas para lá, também me levantando e arrumando os lençóis da cama. Grover continuou sentado, calado.

– Tá tudo bem, Grover? – perguntei.

– Sim... Na verdade, eu estava pensando em Silver.

Aquele nome só me fez ter péssimas recordações. Logo eu estava de novo presa e amarrada numa cadeira no maldito “Hatred Of The Sultan”. Clarisse também acompanhava a mesma linha de pensamento.

– O que tem ele?

– Eu só estou curioso, Clarisse... Eu tenho a impressão que ele sabia alguma coisa sobre o Barba Negra. Algo importante.

Levantei as sobrancelhas. Eu não me recordava de ter percebido algo por baixo das intenções de Silver quando ele nos “ajudou”, muito menos o que ele realmente queria nos fazendo de prisioneiros... Até agora.

Isso era uma questão que eu teria que pensar depois. Naquele momento tínhamos outras prioridades.

– Vamos para o porto, ficar de olho na chegada dos navios, ok? Quem sabe não temos sorte e encontramos Percy Jackson ainda hoje.

Eles concordaram comigo, mesmo a contragosto.

Na taverna, havia muito mais pessoas do que quando havíamos nos retirado. Quase todas as mesas estavam lotadas, e ainda por cima havia um pequeno palanque próximo ao balcão que não estava ali antes.

Já estávamos indo para a porta, quando ouvimos alguém dizer:

– Então, aí está o trio patético! Que corajosos eles são!

Eu me virei e dei de cara com um homem que eu tenho certeza que não tinha visto quando cheguei, sentado numa mesa próxima, jogando carta com outros dois companheiros.

Alguma coisa naquele homem não me agradava. Eu não conseguia encarar os seus olhos, o que eu achei muito estranho. Ele usava o mesmo estilo de roupas antiquadas da população local. Os cabelos eram aparados, o rosto bronzeado, feroz, porém os olhos...

Por um momento toda a raiva que eu havia sentido no sonho voltou duas vezes mais intensificada. Eu estava enxergando tudo vermelho, numa raiva insana, incontrolável. Se aquela tal de Mary estivesse na minha frente, eu teria lhe dado uma boa surra.

– Fora! – vociferou ele para os dois companheiros que se retiraram prontamente, largando as cartas na mesa.

Ele gesticulou para que sentássemos nos lugares desocupados. Eu estava tão emergida no meu ódio que eu não percebi até aquele momento que Clarisse estava pálida e Grover soltava pequenos balidos de lamúria.

Sentados, ele começou a amolar uma faca o que só deixou Grover mais nervoso. Eu não conseguia ficar com medo – com certeza era essa a intenção dele, nos intimidar – eu só pensava que se ele quisesse arranjar confusão estava se metendo com a pessoa errada, ou seja, eu mesma.

Ele riu de desdém me encarando. Por alguma razão estranha, parecia que ele ouviu os meus pensamentos...

– Você é corajosa, Annabeth Chase. Mas também muito tola. Se fosse eu a decidir sobre missões, você seria minha última opção. Encare isso como um elogio.

Ele riu novamente, me deixando com mais raiva. Quem ele pensa que é?

Eu estava encerrando os punhos e trincando os dentes, me segurando para não levantar da cadeira e esmurrar aquele insolente.

Clarisse segurou o meu pulso por debaixo e pisou no meu pé, fazendo-me estremecer a mesa pelo susto. Encarei-a pronta para descontar minha raiva, no entanto, algo no rosto dela me fez esquecer o meu estado de espírito. O olhar era de advertência com uma mistura de temor que eu nunca vi antes.

Com a mente desanuviada e clara, olhei novamente para o homem que continuava amolando sua faca como se nada tivesse acontecido. As linhas duras do seu rosto eram estranhamente familiares, juntamente com o maxilar duro. Olhando de esguelha para Clarisse, entendi por fim, quem ele era.

– Puxa, eu pensei que você iria levar mais algumas horas para descobrir quem eu sou, filhinha de Atena – aquele tom debochado que ele usava para comigo não ajudava em nada a controlar a raiva que ele causava, mesmo assim eu o fiz.

– Eu me pergunto o que quer conosco, senhor Ares.

Ares parou de amolar a faca, cravando-a na mesa fazendo o pobre Grover quase pular da cadeira.

– Respeito é bom e conserva os dentes, pirralha. Ainda mais para alguém que está propenso a lhe ajudar em sua missão estúpida!

Eu fiquei tão espantada com o que ele disse que a minha insanidade passou, dando espaço para a curiosidade.

Uma coisa que eu aprendi é você sempre desconfiar da ajuda de um deus. Ainda mais do Deus da Guerra. Eles vão ajudar você, com certeza, mas eles vão querer algo em troca.

Pois é. Aprendi essa regra da pior forma!

– Como o senhor pretende nos ajudar... Pai?

Clarisse queria soar calma e indiferente, porém é óbvio que estava desconfortável e nervosa, não encarando o deus de frente.

Ares fitou a filha e daquela vez, eu consegui fazer força para encarar seus olhos, para nunca mais fazer isso. Os olhos do deus estavam em chamas – literalmente pegando fogo – mostrando cenas horríveis de guerra e massacres. Estremeci, desviando o contato.

– Ah, essa é a melhor parte – respondeu Ares – Faz muito tempo que eu não me divirto...

Enquanto ele estava falando, o palanque estremeceu com o baque de pés batendo na madeira. De súbito, eu vi novamente a apresentação de dança quando eu cheguei ao porto, agora com todos os fregueses da taverna como platéia, batendo palmas, dando risadas de alguns movimentos estranhos e jogando moedas, pedindo mais danças. Eram dois homens de cada lado com uma mulher no centro, usando um belo vestido vermelho rendado, no mesmo estilo das dançarinas de flamenco. Era diferente aquela dança, pois os homens seguiam os mesmos passos, enquanto a mulher dançava de forma própria. Ainda sim, era bonito de ver, tudo muito bem sincronizado, ao som dos violões e arcodeão.

Ares observava com um meio sorriso o espetáculo de dança chegar ao fim. Depois se virou para nós, num sorriso sinistro.

– Então, seus inúteis divirtam-me, em troca eu ajudo vocês.

Do nada eu comecei a rir de forma irônica, pelo jeito sugestivo em que ele gesticulou para o palanque, com os dançarinos descendo aos aplausos da taverna. Grover e Clarisse olhavam para mim e para Ares chocados, sem entender quase nada. Ou nada mesmo.

– O que diabos você quer dizer, hein senhor? – perguntei alternadamente entre a minha gargalhada histérica e sem noção.

Ares se levantou, ignorando minha pergunta e gritou:

– Eu aposto dez moedas de ouro que esses patetas não dançam! – ele gesticulou para nós, desdenhoso.

Depois disso, foi um caos. Gritos de apostas se ouviam para todos os lados – uns apostando contra, outros a favor – enquanto nós três estávamos querendo colar a bunda na cadeira, horrorizados.

Então era isso! Ele poderia pedir qualquer coisa, até mesmo eu poderia cortar as unhas do pé dele se ele quisesse (eca!), mas, por favor, dançar não! Simplesmente não está na minha lista de Dez Coisas Favoritas Para Se Fazer! Ainda mais em público!

Oh Zeus que nos ajude! Eu preferiria enfrentar uma manada de monstros do que aquela humilhação!

Pois é. Ares estava irredutível. Ele se sentou, virando a cadeira de frente para o palanque, e num olhar ameaçador de quebrar ossos, ele gesticulou freneticamente para que fossemos lá e nos humilhássemos!

E nós tínhamos escolha? Não. Eu, Clarisse ou Grover sabíamos dançar? Não. Foi humilhante? Sim. Eu desejo fazer isso de novo? Eu preciso mesmo responder tudo isso?

A sorte que tivemos foi que eu me lembrava de alguns passos que eu havia visto naquele dia nas minhas observações.

A música começou, risadas foram ouvidas, pessoas gritavam apostas idiotas, enquanto nós três virávamos bobos da corte para entreter um deus. Eu fiquei no meio, com Clarisse do lado esquerdo e Grover do lado direito, assim como tínhamos visto na apresentação anterior.

– Façam o que eu fizer – sussurrei para eles. Meus amigos estavam em um estado de choque tão grande que não conseguiam nem falar, somente acenaram com a cabeça.

Começamos então, nuns passos completamente desajeitados em que Grover pisou no meu pé e nós caímos em cima de Clarisse. Lindo!

Mais risadas, as apostas gritavam cada vez mais altas... Alguém ia sair duas vezes mais rico daquele lugar do que quando tinha entrado. Evitei olhar para Ares, do contrário eu juro que eu ia descer daquele palco e matá-lo (eu sei, eu não sou párea para ele, e nem é possível matar um deus... Em fim).

Levantamos e continuamos na nossa dança. Um novo tipo é claro, A Dança Dessincronizada, um tipo próprio para qualquer um que não saiba pular sem cair e tropeçar nos próprios pés - mais tarde eu fui saber que se chamava Hornpipe – mas valeu a tentativa não é? Mesmo que depois viramos uma lenda no local conhecidos como os dançarinos mais desajeitados do século.

Tá, eu enrolei e não vou narrar aquele momento fatídico do qual eu não me orgulho. Porém eu tenho que admitir que com um pouco mais de treino eu posso virar uma excelente dançarina...

A música terminou ao som de aplausos com risadas irônicas. Como havíamos dançado – mesmo parecendo um trio de macacos pulando – quem apostou que dançaríamos relativamente bem, saiu ganhando no fim das contas, porque nossa dança ganhou como sendo a mais engraçada, agradando o público.

Ares não parecia nada satisfeito ao pagar as apostas que fez. Na verdade ele estava com uma cara tão feia que muitos cobradores recuaram de medo, sem revogar o direito do dinheiro apostado.

Ficamos lá, parados mais idiotas que o normal ouvindo os aplausos. Eu não prestei atenção nos meus amigos de primeiro momento, mas assim que descemos eles estavam tão aliviados quanto eu.

Confiantes, caminhamos até a mesa de Ares, mesmo Clarisse estava com um ar mais corajoso – apesar de se encolher um pouco ao detectar a ameaça em pessoa que era o pai.

Ele arreganhou os dentes, levantando-se e saindo da taverna. Nós o seguimos pelas ruelas escuras de Tortuga. Ao longe podia se ouvir música e barulho de copos caindo. Saímos do beco, entrando na pequena avenida principal que dava para o porto. Ares caminhava a nossa frente de forma rápida, nos obrigando quase a correr para acompanhá-lo. Por fim, estávamos no cais, o que não me dava uma sensação de segurança, pois o navio do patife do Silver mesmo não se encontrando a vista, poderia ainda estar ancorado em algum lugar, sem contar aquela informação do meu sonho que me perturbava sobre a chegada do “Queen Anne’s Revenge”.

Ali havia um navio que eu tenho certeza de não ter visto quando cheguei. Era um couraçado, com um formato de trapézio e aberturas nas laterais para canhões. Mesmo na parca luz, vultos andavam pelo convés, mas não era possível ver os rostos. Havia duas casamatas em cada lateral, que eram entradas para o uso de artilharia pesada. Na proa, quase ilegível pela escuridão de breu e engolida por musgos, lia-se Navio Confederado “Birmingham”. Ostentada no topo do maior mastro, estava uma bandeira com um javali vermelho sangue. Pelo estilo, mesmo não estando no melhor porte, aquele navio deve ter feito muitos estragos durante a Guerra Civil Americana.

E naquele momento, ele era nosso.

Ares se virou para nós, brincando com a faca. Mesmo não vendo o rosto do deus, eu sentia toda a hostilidade e raiva que emanavam dele, também me influenciando. Eu não sei se Grover ou Clarisse se deixavam dominar como eu. Grover provavelmente não, pois tinha medo demais dele e Clarisse... Com o pai ou sem ela é sempre nervosa como um dragão.

– Aí está a ajuda de vocês, pirralhos. – começou Ares - Agradeçam pela bondade, pois são a poucos que ofereço tal presente.

Ele falava com tanto desdém que eu quase soltei “Não obrigada, não quero sua ajuda!”, o que teria sido uma grande burrice. Ainda bem que Clarisse interveio, agradecendo. Ares fitou a filha por alguns segundos, o suficiente para fazê-la se encolher um pouco e morder o lábio. Lembrei-me do que minha mãe havia dito sobre Clarisse e Ares.

Impossibilitada de controlar minha maldita língua eu desferi:

– Por que você fica atormentando ela?

– O quê? – respondeu ele secamente.

– Clarisse, sua filha. Deixe-a em paz! Se quiser atormentar alguém, atormente a mim! Essa missão é minha, não dela. Se fracassarmos a culpa vai ser minha, porém deixe-a fora disso!

Clarisse se virou para mim trincando os dentes e querendo me bater. Já o pai dela estava cogitando a possibilidade ou de me transformar em pó ou numa rã nojenta. Pelo menos foi isso que eu senti, apesar da minha insanidade, da expressão dura no rosto dele. Eu não precisava de luz para saber que ele estava com o maxilar duro querendo me matar pela minha impertinência.

– Annabeth, não o provoque – sussurrou Grover em pânico.

– É melhor você ficar calada, mocinha. E os problemas entre eu e meus filhos não lhe dizem respeito!

Com isso ele começou a tremeluzir e brilhar, e quase sem dar tempo de desviarmos os olhos, ele assumiu sua verdadeira forma e desapareceu, nos deixando sozinhos no escuro, tendo como companhia um navio sombrio.

– Muito obrigada Annabeth! Eu estou realmente lisonjeada! – gritou Clarisse.

– Desculpa tá legal? Mas eu tinha que fazer alguma coisa, ora! Mesmo ele sendo o seu pai, não é justo o modo como ele trata você.

– Você não entende nada, Annabeth! É melhor você calar a porra dessa sua boca maldita antes que eu mesmo faça isso! E VOCÊ NÃO VAI GOSTAR NADA!

– Ótimo! Fico contente pelo seu modo de agradecer! – gritei de volta, com mais raiva que nunca.

– Ei, ei! Parem com isso vocês duas! Vocês querem me explicar do que vocês estão falando?

– Estou tentando defendê-la, Grover, mas ela é ingrata demais e BURRA DEMAIS PARA ENTEDER!

Clarisse soltou um urro de raiva, levantando os punhos. Estávamos frente a frente, eu dois palmos mais baixa que ela, que parecia um touro enfurecido. Eu posso jurar que ela ia me bater – e eu ia revidar sem dó – mas no fim das contas, ela abaixou o punho.

– Fica fora disso, garoto-bode! – Clarisse grunhiu, caminhando com passos duros até o navio para embarcar. Eu estava tão raivosa pela discussão que permaneci estática no meu lugar, até Grover me despertar para prosseguirmos.

Antes mesmo que eu tivesse chegado ao convés – Grover já estava embarcando enquanto Clarisse perambulava pelo por lá – ouvimos o barulho distante de uma âncora sendo jogada ao mar. Como um alarme de incêndio, meu sonho voltou com força total, junto com a convicção que minha missão estava mais próxima do seu objetivo do que nunca. Eu precisava acreditar que aquele navio era a razão estarmos ali – a razão de tanto sofrimento, brigas e dias ruins – e que um final satisfatório estava próximo.

Então, desci da corda rapidamente, gritando:

– É o navio de Barba Negra! Ele está chegando! Eu sabia!

–Não vamos seguir uma pista sem pé e nem cabeça e ficar procurando por todos os navios do porto – gritou Clarisse de volta – Vamos prosseguir viagem.

– Não! Vamos atrás desse navio que acabou de ancorar! – repliquei.

Clarisse se inclinou na borda do casco, olhando diretamente para mim. A luz da lua deixava sua silhueta sombria, com metade do rosto oculto.

– Esqueceu que eu sou burra demais para entender seus planos, Annabeth? Estou nessa missão unicamente para agradar meu pai. Você e seus fracassos não me interessam. Se quiser ir, vá sozinha.

Aquelas palavras foram carregadas de tanta mágoa e raiva, que me machucou e muito. Senti as lágrimas querendo transbordar dos meus olhos. Minha melhor amiga havia acabado de dizer na minha cara que o que eu fazia ou deixava de fazer não lhe interessava. Se eu morresse também não ia fazer diferença nenhuma para ela.

Era hora da verdade.

– O que você queria então me acompanhando? – tentei soar o mais sarcástica possível, mas eu acabei falhando.

– Preciso agradar meu pai, fazê-lo confiar em mim. Para isso tenho que salvar seu filho favorito. Satisfeita? – Ela também carregou de ironia, mas detectei repulsa e tristeza.

Por um momento eu não entendi de quem ela estava falando. No entanto a terrível verdade veio como num lindo tapa na cara bem dado.

– Você... Você – engasguei – Barba Negra?!

Ela não respondeu de imediato, mas era óbvio. Tudo se encaixava agora.

Clarisse se virou para Grover que estava de boca aberta pela troca de palavras entre eu e minha ex-melhor amiga, intimidando-o.

– E você? Vai com ela? Ou vai ficar?

Grover se encolheu. Eu o observava com expectativa. Ele não ia me abandonar, eu tinha certeza, mas me enganei como sempre quando ele olhou para mim suplicantemente, como que pedindo desculpas.

– Covarde! E ainda por cima quer ser o Buscador que vai encontrar Pã!

Era impossível não controlar minha indignação e raiva, mas ao contrário de Clarisse, eu me arrependi de ter dito aquelas horríveis palavras, pois meu velho amigo baliu tristemente, desviando o olhar.

– Se é assim, ótimo! Não tenho mais nada para fazer aqui.

Com isso, dei as costas para os meus dois melhores amigos, magoada, com raiva e triste e corri pelo cais, sem olhar para trás ao som do navio ancorando que eu havia escutado.

Corri, percorrendo fileira de docas e plataformas, circulando o porto pelo lado contrário de onde estava o “Birmingham”. Atravessando uma das docas de madeira que levava até o mar, avistei ao longe uma grande nau, maior e mais monstruosa que o “Hatred Of The Sultan”. A bandeira que ostentava uma caveira com olhos vermelhos já dizia que eu estava certa.

Eu fiquei contente por duas coisas: a descoberta de traição de Clarisse. Ela não teria outra oportunidade como essa de salvar seu irmãozinho de seja lá o que for para agradar o paizinho dela.

Eu finalmente encontrei o “Queen Anne’s Revenge”. Eu encontrei Percy Jackson e iria salvá-lo. Mas eu não sabia de ficava feliz ou triste por isso.

Desolada, cai na plataforma aos prantos.




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Notas finais do capítulo

Eu só tenho a dizer que o próximo capítulo será POV Percy e que a tendência é piorar =P
Bjos!