Cura-me. escrita por Jajabarnes


Capítulo 1
Capítulo único - Cura-me.


Notas iniciais do capítulo

Eu li tantos finais que deram à nossa queridíssima Susana, que eu decici fazer o meu.
Aqui está o resultado, espero que gostem.
Por favor comentem ^^



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Cura-me.

            Parecia, ou melhor, era, um cenário dramático. Minha tia chorava nos braços de meu tio pela perda do filho, do irmão, da cunhada e dos três sobrinhos; do outro lado as amigas de Lucia, a namorada de Pedro e os amigos de Emundo também choravam a perda dos mesmos. O dia era cinzento por causa das densas nuvens lá no céu. Mas a cor cinza invadia minha visão, se refletia no concreto dos prédios e casas ao redor do cemitério, nos túmulos do lugar, nas flores que carregava, nas roupas negras dos presentes. No olhar e nas lagrimas de cada um. Qualquer pessoa estaria chorando só por estar nesse cenário.

            Mas toda a tristeza passava longe de mim.

            Era como se a minha ficha ainda não tivesse caído. Eu tinha a impressão que chegaria a nossa casa e os encontraria. Para mim, eles estavam bem. Estavam vivos.

            Não, eu me lembrava, eles nunca mais vão voltar. Minha ficha chegava perto do chão. Nunca mais verei o rosto de meu pai, os olhos de minha mãe, o sorriso de Lucia. Nunca mais teria uma palavra amiga de Edmundo ou um abraço de Pedro. Nunca mais. Estava sozinha.

            Meu pai, minha mãe e Eustáquio já haviam sido enterrados e meus irmãos seriam enterrados juntos. O primeiro caixão a ser baixado fora o de Edmundo. Todos os presentes se aproximaram e deixaram flores sobre ele. Toquei a tampa do caixão.

            - Meu marrento preferido... Vou sentir saudades. – Sussurrei, sorrindo ao lembrar o rosto de meu irmão. – Sempre vou amar você...

            Afastei-me e o caixão foi baixado com aplausos. O segundo foi o de Pedro. Mais uma vez todos se aproximaram e deixaram flores coloridas, mas para mim tudo continuava cinza. Deixei minha flor e toquei a madeira.

            - Irei sentir sua falta até o ultimo segundo... Adeus, meu irmão.

            Pedro também recebeu aplausos.

            No próximo caixão estava Lucia, minha pequena Lucia.

            - O que eu vou fazer sem você? Você foi e sempre será a melhor irmã que alguém poderia ter. Vou sentir muito a sua falta, minha pequena Lucia.

            Os aplausos se repetiram. A cova foi fechada e as lapides postas. Todos começaram a ir embora, mas eu continuava ali, fitando a terra nua. Eu não queria deixa-los. Senti uma mão em meu ombro, olhei para o seu dono e vi meu tio.

            - Venha querida, vamos leva-la para casa. – sorriu simpático. Não tenho certeza, mas acho que houve uma vontade distante de meu rosto formar um sorriso. Eu os acompanhei.

_________________________________________________________

            - Tem certeza que não quer passar alguns dias conosco? – perguntou-me tia Alberta de dentro do carro.

            - Não, tia, mas obrigada.

            - Se precisar de alguma coisa, meu bem, nos procure. – sorriu.

            - Pode deixar.

            Afastei-me do automóvel e ele partiu. Um silêncio invadiu meus ouvidos. Virei de frente para a casa silenciosa. Respirei profundamente e iniciei o caminho até ela. Atravessei o jardim em passos calmos, assim como subi a varanda. Milésimos de segundos antes de abrir a porta, hesitei lembrando que a ultima pessoa que o fez fora Pedro. À minha mente veio a sensação de que ao abrir a porta, ele passaria por mim indo da cozinha para a sala, Edmundo passaria fazendo o caminho inverso e Lucia desceria as escadas, vindo em minha direção, me cumprimentar e contar como passou o dia, ou os fatos mais relevantes. A sensação era tão real que abri um sorriso e escancarei a porta, fechando-a rapidamente; ansiosa, virei para o interior da casa.

            Aos poucos o sorriso se desfez. Vi a casa do jeito que havia visto em minha mente, mas eles não estavam lá. Pedro não passou para a sala, Edmundo não passou para a cozinha nem Lucia veio me cumprimentar.

            Ninguém veio.

            Ninguém viria.

            Do mesmo jeito que me senti no cemitério, senti-me novamente. Eles vão chegar daqui a pouco, ou melhor, amanhã, chegariam da viagem amanhã, e eu vou busca-los na estação. Só mais algumas horas, nada de mais...

            Meus olhos encheram-se de lagrimas.

            Não. Eles não vão voltar. Nunca mais. Eu vi o trem destroçado, mas não queria acreditar. Aquilo não podia estar acontecendo comigo, não podia ter acontecido com eles! Uma lembrança que minha mente vinha evitando furou a barreira e atingiu meus olhos.

            Eu os vi. Ali, no pé da escada, no chão com seus corpos feridos e sem vida, do mesmo jeito que vi no local do acidente. Agarrei-me a maçaneta para não cair. Lagrimas rolaram. A imagem sumiu. Obriguei o ar a entrar em meus pulmões e cambaleei para a sala, apoiando-me no encosto do sofá. Minha cabeça girou rapidamente. Respirei profundamente piscando varias vezes. Olhei a sala e os vi, não como da ultima vez, ensanguentados, mas bem. Crianças e vendendo saúde. Edmundo deitado no chão brincando de carrinho, Pedro brincando com ele, eu estava no colo de meu pai ouvindo-o contar uma historia e mamãe se balançava na cadeira de balanço tento fazer Lucia ninar. Sorri mais uma vez e novamente a imagem sumiu. A sala estava novamente vazia e sem cor.

            Um aperto no coração fez-me levar a mão ao peito, a dor queria sair, mas não sabia com. Era angustiante. Subi os degraus da escada praticamente me arrastando junto ao corrimão, fui para meu quarto jogando os sapatos em qualquer lugar e rastejando para a cama de Lucia. Joguei-me de costas no colchão e senti algo incomodar minhas costas. Sentei e peguei tal objeto. Era um caderno que tinha a capa de borboletas e era lacrado com uma delicada fita de cetim cor-de-rosa. Desmanchei o laço e abri o caderno indo diretamente para a última pagina usada, às anotações mais recentes.

            30 de agosto de 1949

            O clima está nublado, é fato, mas não há nada mais nublado do que meu coração, embora ele esteja bastante feliz, a felicidade não é completa. Ontem, Pedro e Edmundo foram até a antiga casa do professor, aqui em Londres, para recuperar os anéis que ele usou para ir a Narnia pela primeira vez. Será necessário que Eustáquio e Jill vão para lá imediatamente. Há duas semanas um provável rei de Narnia apareceu para nós em uma das reuniões que fazemos quinzenalmente apenas com os amigos de Narnia e ele, embora não tenha conseguido falar nada, precisava de ajuda, nosso reino precisa de ajuda. Meus irmãos e eu não podermos mais voltar lá, mas ainda tenho esperanças (afinal, o próprio Aslam disse que nos veríamos mais uma vez). Essa esperança continua viva dentro de mim, assim como a de que Susana vai acordar desse mundo que ela vive e vai ver que Narnia é real, sempre foi e sempre vai ser. Dói demais vê-la e ouvi-la dizer que Narnia não é real e que não passa de uma brincadeira que brincamos quando crianças, um mundo de faz de conta. Sempre me pergunto como ela pode ser tão fria para tornar irreal a melhor coisa que aconteceu nas nossas vidas. Como ela conseguiu esquecer Narnia? Sabe isso não é uma coisa “esquecível”... Mas o que mais me surpreende é como ela conseguiu esquecer Aslam e até mesmo Caspian! Já fizemos de tudo, mas nada a faz acreditar. E isso dói. Dói demais. Todos nós sofremos com essa indiferença dela. Pedro e Edmundo já estão perdendo as esperanças de salvá-la. Mas ela precisa lembrar! Ela precisa acreditar! Eu irei fazê-la acreditar, não posso ver minha única irmã se enfiar em um buraco sem fundo e não fazer nada.

            Terminava aí, sua ultima anotação, antes da viagem. Meu coração latejou e os soluços irromperam minha garganta. Com as lagrimas lavando minha maquiagem, joguei-me na cama novamente abraçando fortemente o diário contra o peito.

            Dói mais eu não ter tido a chance de despedir-me deles, dizer-lhes o quanto eu os amo. Agora não há mais como dizer isso. Agora é tarde.

            Senti uma dor terrível. Eu chorei e gritei até ferir a garganta, contudo a dor ainda era insuportável. Atormentou-me até na inconsciência que entrei logo depois.

            Em minha mente veio uma imagem minha e de meus irmãos, usando roupas medievais e coroas, dançávamos em um salão nobre e inegavelmente lindo. Ao nosso redor faunos, animais e dríades dançavam alegremente ao som de uma musica melodiosa e incomparável. Estavam todos com um sorriso enorme no rosto. Estavam todos rindo. Estavam todos felizes. Senti meus lábios formarem um sorriso, mas não acordei. Era bom vê-los bem, enchia meu coração de paz.

            Mas aquilo fora só uma brincadeira. Não fora real. É logicamente impossível. Um mundo dentro de um guarda-roupa cheio de casacos velhos e naftalinas... Rá, que imaginação a nossa!

            Eu continuava vendo-os dançar, mas era apenas um sonho, uma realidade irreal. Aquela imagem era com certeza uma lembrança dessa brincadeira. Vi Edmundo parar de dançar e vir até mim.

- É uma lembrança, sim, mas não de uma brincadeira, disse-me ele.

Antes que eu pudesse ao menos processar sua fala, a cena mudou. Estávamos em nossa casa e eles me olhavam com decepção.

- Com pode dizer que Narnia não é real?! Perguntou Lucia.

- Fora apenas uma brincadeira infantil, você tem que crescer! – gritei mentalmente no sonho.

- Você não é mais a Susana que conhecemos. – notou Pedro, com a voz triste.

- Parem! – gritei de novo.

- Você tem que lembrar! Lembre! Traga a nossa Susana de volta! Venha! Lembre! Você tem que lembrar! Você não é mais a Susana que conhecemos! Como pode se esquecer de Aslam e de Caspian?! – ouvi as vozes de meus irmãos em minha cabeça. Um barulho alto a atormentador. Insuportável.

- Parem! Parem! – eu gritava para eles em sonhos. – Parem! Parem!

- PAREM! – Gritei sentando na cama e encontrando-me novamente em meu quarto. Tampei os ouvidos como se ainda fosse ouvi-los e o choro irrompia em minha garganta cruelmente. Eu permaneci ali, imóvel, chorando dolorosamente encolhida em um canto da cama.

Tanta amargura escondi,

 O medo de não acertar.

 Sonhos coloridos destruí.

Eu não quero mais lembrar.

Chega. A dor de perdê-los vai continuar. Eu sei. Mas eles não podem me torturar desse jeito. Narnia foi uma brincadeira de criança, um mundo de faz de conta. E se foi real, não vou sofrer por um amor sem futuro como o que sentia por Caspian. Não posso sofrer tanto desse jeito. Se esse tal Aslam existe, ou existiu, não pode ser tão cruel a esse ponto. Deixar-me sofrer... Não há sentido em sofrer tanto por um sentimento que não tem como continuar vivo. Foi o que decidi. Uma decisão minha. Não vou sofrer. Não vou mais chorar por ele.

Não vou mais chorar

Foi o que decidi.

Não vou mais sofrer

Pra quê

Viver assim?

            Andei até o espelho secando as lagrimas e quase não me reconheci no reflexo.  A maquiagem borrada, o cabelo bagunçado... Não era eu.

            No reflexo do espelho eu via o quarto atrás de mim, num piscar de olhos, meu quarto sumiu, meu reflexo sumiu e eu vi um acampamento com diversas tendas vermelhas e soldados preparando-se para uma futura guerra, vi Pedro e Edmundo montados em cavalos duelando divertidamente com espadas, avistei minha imagem, ao meu lado estava Lucia, eu segurava um arco e estava rodeada de flechas com penas vermelhas, um castor chegou correndo e gritou algo como “A Feiticeira marcou um encontro com Aslam, está vindo para cá!”, eu e meus irmãos fomos correndo atrás daquele animal, então a imagem mudou. Senti lágrimas rolando abundantemente por meu rosto. Entrei numa caixa de lembranças: vi um baile, num castelo, muitos casais dançavam. Era como se eu estivesse lá, mas não participando da cena, e sim observando. Como se o espelho tivesse me passando um filme e eu estivesse dentro dele como observadora. Vi-me andando por entre as pessoas, sem rumo. Desviei de um fauno e deparei-me com um par de olhos negros. Meus olhos brilharam e senti um sorriso se formar em meu rosto enquanto eu caminhava para ele. Uma esperança cresceu em meu peito. Como uma possibilidade de que aquele sentimento pudesse viver novamente. Não há palavras que descrevam minha alegria. Ele sorriu para mim e estendeu-me a mão, aceitei-a e demos inicio a nossa dança. E eu não sairia dela nunca.

Com imagens da infância,

Comecei a chorar.

Caí na caixa das lembranças.

Lembrei, do teu olhar.

Enchi meus olhos de esperança,

Comecei a cantar

Entrei de vez naquela dança

Pra nunca mais voltar!

            Perto dele, ali, de onde eu podia ouvir as batidas de seu coração e perder-me na escuridão de seus olhos, meu coração preencheu-se. Minha alma estava aquecida e completa. Eu queria lembrar, eu precisava lembrar... Mas não conseguia. Tentava lembrar, porém não conseguia mais. Agora minha mente e meu racionalismo só via Narnia, Caspian e Aslam como frutos de uma brincadeira de criança. Uma fantasia. Mesmo meu coração dizendo o contrário.

            Eu finalmente consegui o que queria, não consegui?

            Mas por que será que eu não parei de sofrer?

            Sentia agora que eu não precisava lembrar. Eu precisava ser curada.

Cura-me em minhas

Lembranças.

Cura o meu altar.

Cura-me sou tua criança

Cura-me

Cura-me

Cura-me

Cura-me

(...)

            A dança com ele fez a chama arder em meu peito novamente. Eu amava Narnia. Eu amava Aslam. E, principalmente, eu amo Caspian.

            A imagem mudou novamente e senti uma rápida angustia ao não ter Caspian perto de mim, mas logo passou quando o vi a poucos passos de mim. Meu primeiro impulso foi de ir até ele e dizer-lhe o quanto eu o amo, mas me contive ao ver que meus irmãos, Aslam, Dr. Cornélio, Caça-trufas, o comandante dos centauros, também estavam lá sem contar que estávamos diante de dezenas de narnianos e telmarinos.

“Vamos embora, chegou nossa hora.” – disse Pedro, para mim e os outros. - “Afinal, não precisam mais de nós aqui” – dirigiu-se a Caspian entregando a ele sua espada.

“Vou cuidar de tudo até que voltem” – prometeu o novo rei aceitando a espada.

“Esse é o problema, não vamos voltar” – falei.

            Senti as lagrimas de novo em meu rosto seguidas de uma dor na alma. Uma dor da qual eu não conseguia me livrar. Afinal, eu nunca mais poderia voltar. Caspian olhou-me desolado. Seguimos para nos despedir de todos e eu fui falar com ele.

“Queria passar mais tempo com você.” – disse-me ele.

“Nunca teria dado certo mesmo” – observei.

“Por quê?” – ele quis saber.

“Eu sou mil e trezentos anos mais velha do que você” – essa frase o fez rir. Não havia mais palavras a serem ditas então suspirei e dei dois passos em direção a meus irmãos que me esperavam. Não podia ir embora assim. Eu não voltaria, não é? Então aquela era minha ultima chance. Recuei os passos que dei e senti meu coração acelerar quando meus lábios tocaram os de Caspian. Assim que o beijo acabou eu voltei para junto de meus irmãos, em seguida nos direcionamos para o portal aberto pelo Grande Leão. Mas antes mergulhei em seus olhos dourados. Então segui atrás de Pedro e na frente de Lucia enquanto atravessávamos a passagem. Não olhei para trás. Se olhasse, correria de volta a Narnia e ninguém me tiraria de lá. Mas eu precisava seguir em frente.

            O choro irrompeu minha garganta dolorosamente. Aquilo doía de mais. Porém aquele último olhar de Aslam me deu esperança. Afinal, ele mesmo diz: “Sempre há uma esperança”.

Com imagens da infância

Comecei a chorar

Caí na caixa das lembranças

Lembrei do teu olhar

Enchi meus olhos de esperança

Comecei a cantar

Entrei de vez naquela dança

Pra nunca mais voltar!

Cura-me em minhas lembranças

Cura o meu altar.

Cura-me sou tua criança

Cura-me

Cura-me

Cura-me

Cura-me

(...)

            Então eu “saí do espelho”, estava de volta ao meu quarto cinzento naquele dia cinzento de volta a minha vida agora acinzentada.

            A luz dourada do sol invadiu o quarto, mas o dia não estava nublado?

            Sem entender virei-me para a janela e caminhei para ela. Escancarei as cortinas e vi que o dia estava nublado, nem sinal do sol. Mas meu quarto estava iluminado pelos raios dele. Como podia? Aquilo estava muito estranho. Voltei-me confusa para dentro do quarto e então a surpresa.

Aslam estava lá, na frente do espelho da onde chegavam os raios dourados do sol. Aslam estava ali!

            - Aslam... – foi o ruído que minha garganta exprimiu.

            - Receba a cura, Susana. – Disse-me ele.

 – Recebo. Aslam me perdoe por querer esquecer, por favor, me perdoe! – supliquei. Aslam sorriu e apontou com a cabeça para trás de mim em direção à janela. Virei para ela e encontrei-o lá. Ele estava lá. Caspian estava lá. Meu coração falhou.

            - Eu sabia que você iria voltar. – ele sorriu para mim dando um passo largo e afagando a lateral de meu rosto. Fechei os olhos ao seu toque sentindo mais lagrimas transbordarem.

            - Me perdoe... – pedi com a voz arrastada.

            - Não há mais o que perdoar, minha rainha. – depositou um beijo em minha testa.

            - Não sabe como me arrependo... – chorei. – Se não tivesse sido tão infantil estaria com meus irmãos agora. Estaria em Narnia com vocês...

            - Shhh – pediu ele sussurrando. – Isso é passado, meu amor. Deixe tudo de ruim lá. Seu futuro será melhor. Além disso, você irá para Narnia.

            - Mesmo depois de tudo o que eu fiz?

            - Você foi curada, Susana, Narnia vive de novo em você. Você fez jus a ela quando se arrependeu. Quando pediu perdão. E o seu lugar é lá.

            - Então... Quando irei?

            - Na hora certa. Estarei esperando você lá. – Caspian inclinou-se para beijar-me, mas antes que seus lábios tocassem os meus ele sumiu. Ouvi um rugido e então os raios de sol sumiram junto com Caspian. Encontrava-me sozinha naquele quarto cinzento, mas agora nada mais parecia cinzento. As cores voltavam a serem visíveis por meus olhos. As lagrimas cessaram e o sorriso chegou.    

            Eu estava na Universidade quando recebi a noticia do acidente. Esperei uma semana para voltar para lá com medo de cair no choro no meio da aula. Mas um choro de felicidade por que, agora, eu sabia que eles estavam bem. Logo, logo eu os encontraria, a todos eles. No fim das contas quem chegaria de viagem seria eu. Estou aqui neste mundo só de passagem. Seria eternamente, se não fosse pela insistência de meus irmãos em me salvar, pelo amor que sinto por Caspian, pelo que ele sente por mim, pela bondade de Aslam. Simplesmente por Narnia ser real. Não, eu não lembrei. Eu fui curada.

            Quando retornei a sala de aula, minhas amigas vieram correndo, me cercaram e começaram o interrogatório.

            - Eu estou bem, Lisa, verdade. – respondi a ela pela decima vez, sorrindo.

            - Isso foi uma fatalidade, sentimos muito, Su. – disse Julia com pesar.

            - Principalmente eu! Tenho dedo pobre para homens mesmo, comecei a gostar do John, ele se muda para a Patagônia. Começo a sair com o Pedro, ele morre. Ai será que minha sina é ficar pra titia? – Reclamou Laura.

            - Laura, eu não acredito que você disse isso, não percebe o quão insensível você foi?! – ralhou Lisa. Eu revirei os olhos e comecei a rir. Todas elas me encararam surpresas.

            - Que foi? – perguntei. – Vocês são hilárias. Já disse que são as melhores amigas do mundo?

            Elas continuaram com a mesma cara, a não ser Julia que se aproximou de mim e pôs a mão em minha testa verificando minha temperatura. Encarei-a com um olhar divertido.

            - Você escorregou no banho hoje e bateu a cabeça, ou o que? – perguntou ela.

            - Ela teve amnésia, isso sim! – afirmou Lisa.

            - Nem um, nem outro. – respondi.

            - Não entendo, Susana, como consegue agir assim, parece que não sente falta deles. – observou Lisa. Eu suspirei.

            - Eu sinto a falta deles sim, Lisa, muito, mas sei que eles estão em um lugar melhor agora e logo eu irei vê-los novamente. – Sorri levemente para elas.

            - Own, Su! – Julia sorriu para mim e me abraçou logo Lisa e Laura fizeram o mesmo. Vi-me perdida em um abraço em grupo.

            - Já está pronta? – perguntou-me Julia. Ela, Lisa e Laura vieram passar um tempo comigo aqui em casa agora nas férias, três meses depois do acidente. Hoje iriamos viajar, sugeri irmos para o interior visitar a antiga casa do professor Kirke que agora estava em exposição por ser praticamente uma relíquia e guardar muitas obras de arte.

            - Sim, estou. – cheguei até elas na sala.

            - Até que fim! – Lisa revirou os olhos.

            Já estávamos na estrada há uma hora no carro de Laura, fazíamos um revezamento desnecessário na direção, agora estava na vez de Julia. Uma linha de trem atravessava a estrada mais adiante e começou o toque avisando que vinha um trem, a barreira começou a baixar lentamente bloqueando a estrada. Julia acelerou. Ela queria passar antes de a barreira fechar a passagem. Mas o trem já estava à vista, vindo em uma velocidade estupenda.

            - JULIA, PARA NÃO VAI DAR TEMPO! –berrou Lisa.

            - PARA, JULIA, PARA! – Laura suplicou.

            - DÁ TEMPO, SIM! – rebateu Julia.

            - NÃO, NÃO DÁ! – insistiu Laura.

            - PÁRA ESSE CARRO AGORA! – eu pude sentir o grito rasgando a garganta de Lisa.

            - TÁ BEM, TÁ BEM! – Julia pisou com tudo no freio fazendo o carro parar bruscamente. Meu corpo foi jogado para frente, mas o cinto de segurança trouxe-o de volte, jogando-o contra o encontro ao encosto do banco. O trem passou a menos de um metro de nós em uma velocidade incrível.

            - AH, MEU DEUS! – Laura chorou no banco de trás.

            Meu coração estava acelerado, minhas mãos trêmulas, eu podia sentir fortemente as batidas geladas em meu peito. Senti minha face pálida como nunca. Ainda com as mãos tremendo muito afastei o cabelo que fora jogado em minha face.

            - Vamos pra casa agora! – Ordenou Lisa.

            - Certo, certo. – cedeu Julia. – Vamos pra casa.

            - Negativo! Você não vai voltar dirigindo! Vamos, saia daí e me passe à chave. – exigiu Laura. Julia bufou entregando a chave a ela e trocando de lugar com a mesma.

            Laura dirigiu no caminho de volta a menos de 20km/h. Tão lenta que já estava me dando agonia, estava quase saindo do carro e indo andando.

[...]

            Já estávamos em uma das principais ruas de Londres, uma avenida de mão dupla. O sinal do cruzamento fechou. Esperamos ele abrir para então seguirmos lentamente. Havia apenas um carro a nossa frente e ele seguiu primeiro, com nós logo atrás, atravessando o cruzamento. Foi muito rápido. Estávamos no meio do encontro das ruas, quando ouvi uma buzina ensurdecedora vindo da rua da esquerda, o lado que eu estava no carro. Olhei para o barulho e a ultima coisa que vi foram os faróis altos do caminhão monstruoso vindo em minha direção. Então ele acertou nosso carro em um estrondo horrível.

            Primeiro senti meu corpo compactado e depois dormência.

            Sentia flutuar inconscientemente.

            Depois do que, para mim, pareceram décadas, finalmente senti algo sob meu corpo.

            Era relva, uma relva macia. Lentamente abri os olhos e encontrei um céu incrivelmente azul me cobrindo lá do alto. Sentei, raciocinando.

            Olhei em volta. A relva era de um verde lindo, aqui e acolá haviam flores e arbustos, mais atrás uma floresta.

            - Não acredito... – sussurrei comigo mesmo pondo-me de pé e girando olhando para tudo encantada.

            - Susana! – ouvi uma voz familiar soando atrás de mim. Virei para ela e vi meus irmãos correndo para me abraçar.

            - Lucia! – Abracei-a fortemente. Finalmente, finalmente!

            - Susana, sentimos tanto a sua falta! – Pedro me abraçou sem ao menos eu ter soltado Lucia.

            -Eu também senti muito a falta de vocês! – falei com a voz embargada.

            - Até que enfim, mocinha! – Edmundo se juntou ao abraço em grupo. E nos empurrou até todos cairmos na relva. Começamos a rir.

            - Susana? – chamou-me uma voz profunda. Meus irmãos saíram de cima de mim, um a um, e ajudaram-me a levantar. Vi Aslam de pé a poucos metros de nós. Andei até ele e abracei-o. – Bem vinda. – saudou-me.

            - Obrigada.

            - Venha tem alguém aqui que a espera há muito tempo. – Levou-me para longe de meus irmãos. Seguimos um caminho íngreme ladeado de flores coloridas como eu nunca vi antes, nem em Narnia. O caminho terminou em um lugar alto. De lá a terra descia 30m até chegar a uma praia. Lá, parado de costas para mim com o mar infinitamente azul e brilhante, estava Caspian. A brisa que vinha do mar o atingia suavemente e eu já podia senti-la daqui. Aslam nos deixou só, caminhei até o lado dele sentido a brisa mais intensamente. Ele fechou os olhos e respirou profunda e lentamente.

            - Perfume inconfundível. – observou ele ficando de frente para mim com um leve sorriso e um olhar amoroso. – Você chegou, finalmente.

            Eu não resisti, avancei um passo encurtando a distancia entre nós e passando meus braços por seu pescoço. Caspian retribuiu abraçando minha cintura envolvendo-me em um abraço quente e aconchegante. Não queria sair dele nunca.

            - Senti a sua falta. – sussurrei.

            - Eu também senti sua falta, meu amor. – ele sussurrou de volta e eu saí de seus braços. – Mas, finalmente, você chegou.

            - Caspian... – eu iria fazer uma pergunta sobre o “meu amor”.

            - Shhh... – pediu ele. – Eu amo você. – sussurrou chegando mais perto de mim. Sua face veio em direção a minha e seus lábios tocaram os meus. Um beijo sereno, do fundo do coração.

            - Mas, Caspian, você é casado... – sussurrei quando o beijo acabou.

            - Se casei com Lilliandil foi por que precisava dar um herdeiro a Narnia, não por que eu a amo. Além disso, o contrato era até que morte nos separe e... Já morremos.

            Ele deu um sorriso divertido arrancando um de mim.

            - Eu amo você. – disse a ele. E senti o beijo recomeçar.

            “E as coisas que começaram a acontecer a partir daquele momento eram tão lindas e grandiosas que não consigo descrevê-las. Para nós este é o fim de todas as historias, e podemos dizer, com absoluta certeza, que todos viveram felizes para sempre. Para eles, porém, este foi apenas o começo da verdadeira historia. Toda a vida deles neste mundo e todas as suas aventuras em Narnia haviam sido apenas a capa e a primeira pagina do livro. Agora, finalmente estavam começando o capitulo 1 da grande historia que ninguém na terra jamais leu: a historia que continua eternamente e na qual cada capitulo é muito melhor do que o anterior”.

            “Existem coisas melhores adiante do que qualquer outra que deixamos para trás” – C. S. Lewis.

Fim?


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Notas finais do capítulo

A música na história se chama Cura-me, da Fernada Brum, é gospel, não sei se vocês gostam de músicas desse gênero (eu acho lindas), enfim, achei que se encaicharia no enredo.
Por favor comentem ^^
Obrigada por ler
Beijokas
Jajabarnes.



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