She was Innocent. escrita por Cibelly H


Capítulo 9
Mudando estratégias


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo meus leitores! E vamos começar 2012 com uma narrativa diferente, de um outro personagem! Mas não se preocupem, June ainda é nossa narradora principal.



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Marvel

As últimas pessoas que eu esperava encontrar na sala de estar da minha casa conversando alegremente com minha mãe eram os deuses do sol e do amor. Já foi traumatizante o suficiente encontra-los ontem.

O Canadá não é a terra atual dos deuses. Nem deveria haver semideuses aqui. Mas, aparentemente, os deuses andaram procriando por aqui na década anterior. E se minhas estimativas estiverem certas, eu e June não somos os únicos. De qualquer jeito, a última coisa que eu não posso fazer agora é descobrir novos semideuses. Dois já é uma quota suficientemente problemática. Esquecendo que um deles está prestes há se tornar algo que só pode ser descrito como uma loucura.

— Marvel, sua mãe é absolutamente adorável! — exclamou Afrodite, mexendo um cappuccino com uma colher mínima dourada. A louça especial. A louça que minha mãe só usava para convidados extremamente especiais.

Eu ignorei, dando a minha mãe uma cara de “o que é isso?”.

Minha mãe deu de ombros de modo imperceptível. Nós éramos quase profissionais. Nessa coisa de linguagem corporal imperceptível. Era assim que eu dizia o quanto meu padrasto era idiota e totalmente oposto à personalidade rebelde reprimida dela. E ela respondia com um leve gesto de dedos e movimento na boca que significava que os opostos se atraiam. Procurei lembrar isso todas as vezes que Erick, meu padrasto, dava sua palestra sobre os melhores métodos de entrar em alguma faculdade da Ivy League sendo um canadense. O mais frustrante é que ele sabe que eu nunca entraria em uma universidade americana qualquer. Muito menos uma Ivy League. Ele sabe que seria uma vitória se eu ao menos entrasse em alguma faculdade daqui. Não sou responsável ou inteligente. Minha dislexia e TDAH de semideus também não ajudam.

Não sou o enteado dos sonhos. Erick é relativamente legal, tentando ignorar ao máximo as perguntas óbvias de mortal que vem em sua mente. As janelas quebradas pelos ataques de monstros. Eu digo que foi uma bola e ele aceita sem discutir. É claro que eu sempre tenho que me virar para pagar a metade do conserto das coisas. Mas poderia ser pior. Bem pior.

— O que estão fazendo aqui? — digo mais bruscamente do que esperava. Eu não sabia exatamente por que, mas me sentia desconfortável perto deles dois. Principalmente se eles estivessem na minha casa.

— Temos um assunto a tratar. — Apolo disse com um sorriso divertido. Ele parecia por algum motivo que não devia ser dos mais racionais estar de divertindo.

— Vamos até o telhado. — eu disse. Era lá que eu costumava tratar de negócios. Mais um tipo diferente de negócios. Eu contrabandeava comida de fast foods. Era assim que eu tinha dinheiro para consertar as janelas.

O telhado não era um simples telhado. Era uma espécie de cobertura, parecida com uma estufa. Mas sem plantas. Só dezenas de explosivos e armas que eu eventualmente guardava para aperfeiçoar ou fazer novas experiências.

— Bem, bem, bem. Você tem um quartel general em miniatura aqui, garoto. — falou Apolo, pegando uma granada e a observando atentamente.

— Cuidado. Acho melhor colocar essa aí no lugar. — falei assim que ele tocou na granada.

Ele levantou as mãos para o alto, num gesto de “não fiz nada” e colocando a granada no canto que ela estava. Me incomodava também a ideia de Apolo me elogiar. Parecia superficial vindo de quem ele é.

Chegamos ao ponto da estufa onde havia um sofá velho e rasgado e duas poltronas. Eles sentaram na poltrona e eu me deitei no sofá de barriga para cima, brincando com um isqueiro. O ritual mexeu comigo. Por mais que eu necessitasse urgentemente de ir para o acampamento há quatro anos, eu não queria. Eu nunca quis. Mas eu não me arrependia. Eu poderia estar morto agora.

Mas, em dois dias, eu já havia restaurado a estufa e os meus negócios clandestinos. Embora eu não vendesse mais quarteirões ou cheddars clandestinamente, eu ainda os comia. Eu tinha uma amiga, Hannah, que era basicamente uma Harpia. Mas ela não tentava me matar ou me comer, então era um ser legal. Ela era gerente de uma rede de comidas monstro e sempre me arranja um pouco de comida grátis.

— E então, a que devo a honra dessa visita? — perguntei distraidamente.

— Precisamos que impeça uma coisa. Pelo bem da sua amiguinha. — falou Afrodite. Ela parecia desanimada.

— Está falando de June? — perguntei menos distraído agora.

— É. — falou Apolo — Ela mesma. E se ela continuar com isso, vai se meter em problemas. Afrodite, você não poderia ter deixado isso continuar.

— Eu não consegui. Parecia tão certo. Tão perfeito. — ela murmurou, suspirando. Ela encarava o chão e parecia se sentir culpada também.

— Hm... Do que exatamente vocês estão falando? — perguntei cenho franzido e um tanto curioso.

Apolo e Afrodite se entreolharam como se perguntassem quem falaria primeiro.

— Sua amiga está prestes a violar o nosso trato. — disse Apolo.

Levantei uma sobrancelha. Normalmente June que é a lenta, mas eu não gostava de coisas que não eram claramente ditas.

Afrodite suspirou.

— Ela vai se apaixonar. — disse.

Engoli a seco.

— E vocês querem que eu ajude a impedir isso.

Eles assentiram.

— Por quem? — perguntei.

Eles hesitaram.

— Certo. Como eu poderei ajudar se nem a proposta eu entendo? — eu estava em um ótimo blefe me levantando e indo embora dramaticamente quando eles gritaram “espere!”.

— Você tem toda a razão. — disse Apolo — June Brooks vai se apaixonar pelo mashmellow.

— Assim você não colabora! — resmunguei.

— Oh, você não sabe da história. Eu havia esquecido. Como é mesmo o nome real dele, Afrodite? — Apolo perguntou.

— Rife Allen. — ela respondeu chorosa — Eles são tão perfeitos juntos! Se eu não precisasse desesperadamente de um cupido, os deixaria.

O nome me atingiu como um soco no estômago. Era o nome do garoto que se transferira. O garoto irritantemente simpático, mas legal que eu conhecera hoje de manhã na secretaria. A reação histérica dela quando o viu.

Respirei fundo várias vezes, tentando organizar a verdadeira bagunça que eram os meus sentimentos. Era pedir demais a deixar ser feliz enquanto podia com quem podia? Afinal de contas, eu já havia feito esses mesmos questionamentos, anos atrás quando ela havia recebido o primeiro convite para sair. Ela era tão pequena. Uma criança. Doze anos. Mas mesmo assim um garoto da turma da irmã dela havia a chamado para um aniversário de um amigo seu. Eu estava lá, do lado dela. Ela não aceitou e eu internamente me enchi de alívio, mas por fora coloquei uma máscara indiferente. Mas não resisti à tentação de, dois dias depois, encher o armário do garoto de sanduíches estragados. Ela nunca soube disso.

Depois daquilo, eu assumi que havia chegado. O tempo em que os caras iriam fazer fila para sair com ela. Que eles finalmente haviam assumido que ela era linda, com aqueles olhos dourados que tiravam a sua atenção de qualquer coisa. Com aqueles cabelos que formavam ondas tão perfeitas, que pareciam refletir a luz do sol em um mar de chocolate. Eu tinha medo disso, mas nunca entendi exatamente o por que. A verdade é que eu nunca tentei compreender, por que eu tinha medo da resposta. Da forma como a resposta mudaria tudo. Para sempre, sem retorno. Eu não poderia arriscar tanto. E Então os monstros começaram a atacar com mais frequência. Eram diferentes, mais fortes a cada dia e eu estava mais fraco e sem meios de mata-los. Os explosivos pareciam cada vez mais difíceis de fabricar e com frequência começavam a não funcionar. Os garotos cochichando sobre ela na hora do almoço. Os olhares. Eu estava me matando por dentro. Era demais para mim. Eu não iria conseguir manter minha sanidade por muito tempo.                                                                                           E aconteceu. Eu estava vagando por áreas inabitadas ou abandonadas da cidade quando vi. Uma filial de rede de fast-food em pleno abandono. As portas estavam abertas, então eu automaticamente entrei e vasculhei minunciosamente o local. Então eu ouvi barulhos mínimos e senti alguém olhar para mim. Eu consigo sentir. Quando as pessoas falam, olham, até mesmo pensam sobre mim. Algo que aprendi com minha mãe. Eu lentamente olhei sobre o meu ombro e me deparei com a coisa mais esquisita que eu já havia visto. Era uma galinha do meu tamanho, mas com cabeça de gente. De uma garota, na verdade. Os grandes olhos marrons estavam amedrontados e ela segurava uma panela. Olhei para suas garras. Ela não precisava de panela nenhuma, poderia me matar só com aquelas garras. Mas ela não o fez. Apenas jogou a panela no chão e levantou as asas para cima. “Eu não matar você. Você sair daqui. Bico fechado.” ela disse. Normalmente eu morreria de medo e jogaria um explosivo. Era o meu procedimento normal com monstros, mas alguma coisa me disse que ela era diferente. Então eu simplesmente saí correndo, indo embora. Mas quando estava prestes a sair da loja, voltei. Ela me devia explicações, certo? E então eu comecei a ir quase todo dia à lanchonete abandonada e conheci mais de Hannah. Uma harpia ferida e inofensiva, que mal conseguia voar. Eu a ajudei com a asa e quando ela ficou boa, me explicou muita coisa. Coisas que minha mãe não poderia explicar, como a origem dos monstros, dos deuses, as guerras contras os Titãs... Até o acampamento. Um lugar mágico, com barreiras contra monstros, cavalos voadores e tudo de mitologia que você possa imaginar. Um lugar para aprender sua cultura, sua herança divina. E ao mesmo tempo, se manter vivo. Eu não pensei duas vezes antes de assumir que era minha única chance. Minha mãe me apoiou. Ela sabia sobre o acampamento, mas não falou por que achava que ainda não era hora. Ela convenceu Erick a vender a escola e se mudar para os Estados Unidos. Deixamos uma vida rica em Edmonton por um apartamento mínimo na 116 com a Broadway, em NY. E eu vivi assim, constantemente me transferindo de escolas, verões no acampamento, até o último ano, quando as escolas que podiam se pagas não me aceitavam mais. As que sobraram era caras demais ou longes demais. Era cada vez mais caro se viver ali. Em vez de frequentar a escola, fiquei o ano inteiro no acampamento. Eu só fui para casa no feriado de ação de graças e no meu aniversário. E, mesmo sem me dizerem nada, eu sabia. Nós iríamos voltar. Mas demoramos mais do que eu imaginava, por causa do trabalho de Erick como professor de Columbia. Só poderíamos voltar no início de setembro e assim foi feito.

Quando pisei os pés em Edmonton, não conseguia pensar em nada que não fosse ela. Eu fui embora sem avisar a quatro anos, sem nem um telefonema. Sem nem uma carta. Sem nem um adeus. Eu precisava desesperadamente explicar tudo, mas será que a garota que eu havia salvado anos atrás ainda se lembrava de mim? Do juramento de melhores amigos para sempre ou mesmo das competições de Kart na neve? Dos pequenos delitos que nos fizeram velhos conhecidos mirins da polícia? De todos os tipos de nomes pejorativos que colocávamos em todos os jogadores de futebol e das líderes de torcida do colégio? Dos rituais idiotas? De todas as sabotagens, todas as ovadas, todas as músicas que a gente dublava do modo mais ridículo possível? Mas a única coisa que eu encontrei foi uma foto dela em um cartaz com letras em negrito “DESAPARECIDA. SE VOCÊ VIU ESSA GAROTA, LIGUE PARA O NÚMERO ABAIXO”. Eu ajudei nas buscas. Falei dos lugares secretos que ela costumava ir. Parecia um tanto uma traição, mas era uma situação emergencial. Eu surtaria se não fizesse nada.

— E então? Já decidiu se vai cooperar? — falou Apolo, me acordando de minha reflexão.

— Sim, eu decidi. — me levantei e abri a porta, gesticulando para que saíssem do telhado — se quiserem acabar com a felicidade dela, façam isso sozinhos. E vou fazer de tudo para que não consigam. — cada palavra parecia ser afiada. Machucava a medida que ia sendo dita, mas nem isso me impediu.

Afrodite não pareceu compreender. Seus olhos se focaram nos meus e ela parecia conseguir enxergar até a minha alma. Ela chegou mais perto, cenho franzido.

— Por que está fazendo isso? — ela falou de um modo que só nós dois podíamos ouvir.

Desviei o olhar.

— Você sabe do que eu estou falando. Está deixando ir. Tudo. — ela disse. Parecia genuinamente revoltada.

— Eu não posso guardar só para mim para sempre, Afrodite. Algum dia ela vai voltar para mim. — fiquei surpreendido com quanta dor parecia haver nas minhas palavras.

Ela me encarou mais intensamente.

— Não. Não volta. E você sabe disso. — ela disse com a voz mais dura.

Encarei meus sapatos. Sim, eu sabia. Era cortante, quase mutiladora a ideia. Mas era uma verdade. Uma vez que eu desistisse, eu nunca teria de novo. Um calor doloroso surgiu no meu peito. Eu estava quase chorando, mas não iria dar essa satisfação a Apolo. Pelo menos não na frente dele.

— Vou repetir de novo. Por que está fazendo isso? — ela disse. Apolo foi embora, nos deixando a sós.

— Por que eu a amo. — murmurei claramente.

A nova certeza me desnorteou. Eu me sentia como se acabasse de levar um nocaute de um lutador de sumô. Mas rapidamente recompus tudo, minha voz, minha expressão. Mas eu não podia recompor a dor. Agora ela seria minha companheira.

— E quero que ela seja feliz acima do Olimpo ou qualquer coisa. Eu destruiria qualquer coisa para que isso acontecesse. Então acho melhor não tentar impedir que ela se apaixone por ele. Você sabe do que eu sou capaz. — terminei.

Ela inspirou e, em silêncio, se foi.


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Notas finais do capítulo

Nesse clima de ano novo, que tal reviews?
Beijos!



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