Diário de um Semideus 3 - A Última Filha escrita por H Lounie


Capítulo 5
Incidente em Ogígia




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Nico

“Amaste-me; que direito tinhas de me deixar? [...]”


Dia desses, acordei realmente mal. E não era só isso, não estava no mundo inferior e nem mesmo em qualquer outro lugar que já tivesse estado. O lugar cheirava a todo tipo de plantas. E eu odeio plantas.

A última coisa que me lembrava foi de estar cumprindo uma estúpida missão para o meu pai. Esse lance todo de imortalidade estava me saindo bem detestável, até mesmo porque eu ainda não tinha conseguido nem chegar perto de meu objetivo, nem mesmo havia encontrado Lyra uma vez mais, depois do fatídico dia do nascimento da garota sem nome.

Hades havia me mandado atrás do gigante Alcioneu, e eu cheguei a lutar com ele. Mas o que meu amável pai esqueceu de dizer é que aquele maldito gigante não podia ser morto quando estava em sua terra natal, que agora era, pasme, a ensolarada e quente Jacksonville, na Flórida. Quando vi o gigante renascer pela décima ou décima segunda vez, e sentia que não podia mais, Macária, a deusa da boa morte resolveu que era hora de me ajudar, me dizendo que aquela criatura jamais poderia morrer em sua “terra natal”, se eu quisesse mesmo matá-lo, teria que tirá-lo para fora da cidade.

Ótima, agora eu só tinha que arrastar um gigante que provavelmente pesava toneladas para fora daquele inferno em forma de paraíso. A julgar pelo meu estado atual, posso dizer que não consegui. E agora estava aqui, sentindo-me cada vez mais enjoado com o cheiro de plantas.

- Não se mexa tanto herói, assim não conseguirei cuidar de você.

  A primeira coisa que vi foi o cabelo da garota. Era loiro, mais infelizmente não era meu tipo certo de loiro, então não era Lyra. Os olhos também não eram azuis como o céu, eram amendoados e cuidadosos. A garota estava cantarolando baixinho, e fazia eu me sentir melhor com isso.

- Os deuses mandaram um imortal pela primeira vez – Ela sorriu – Talvez isso seja um bom sinal.

Ela tocou meu rosto uma vez, sua mão era quente e macia. Coloquei-me sentado sobre a espécie de cama onde eu fora colocado, percebendo que pela primeira vez em muito tempo eu usava uma camiseta branca. A calça era do mesmo material que a camiseta, porém em um tom claro de cinza. Na mesma hora me senti envergonhado, por certamente outra pessoa havia me vestido, provavelmente a garota. Apalpei as laterais da cama, procurando por minha espada.

- Está aqui – Disse a garota, adivinhando meus pensamentos e alcançando-me a espada.

- Obrigada – Murmurei meio irritado. Primeiro por não saber onde estava, segundo por provavelmente ter perdido o gigante. Hades não iria gostar – Que lugar é esse?

- Ogígia – Respondeu a garota com um sorriso tímido.

Já havia ouvido esse nome em algum lugar.

- Eu sou Calypso – Acrescentou ela, como que adivinhando meu pensamento outra vez.

- Calypso? – Perguntei, incentivando-a a falar.

- Filha do titã Atlas.

Sim, aquela das histórias então. A que habitava uma gruta profunda e passava o dia a fiar ou qualquer coisa assim.

- Está com fome? – Perguntou ela, indo até uma lareira e mexendo em um caldeirão algo que cheirava como legumes e carne.

- Pra falar a verdade estou – admiti.

As paredes daquela gruta eram forradas de prateleiras e plantas pendiam do teto. Parecia haver um pouco de tudo ali. A minha frente havia um espelho de bronze e eu detestei ver minha imagem refletida nele. Eu parecia mais apático que o normal e aquelas roupas claras não estavam ajudando. Percebi que estava precisando de um bom corte de cabelo também e não devia mais protelar isso, fiz nota mental disso pra quando finamente saísse dali. Foi então que me lembrei das histórias.

- Escute, Calypso, como posso voltar a Nova York? Aliás, há quanto tempo estou aqui?

Calypso me olhou com pesar. Percebi que lágrimas ameaçavam cair de seus olhos.

- Lamento Nico, tempo é realmente uma coisa difícil por aqui, não sei dizer quando chegou e quanto a ir, isso depende.

Ia perguntar do que dependia e como ela sabia meu nome, mas ela tratou logo de fechar o caldeirão e pegar minha mão.

- Vamos caminhar enquanto a comida não fica pronta.

A gruta era maior do que aparentava. As inúmeras salas se abriam sobre jardins naturais, com um bosque, nascentes borbulhantes e fontes de água com estátuas de sátiros.

- Então Calypso, como foi que eu cheguei aqui? – Perguntei meio nervoso, tentando soltar minha mão da dela.

- Como o último que esteve aqui – Falou sorridente – Você simplesmente caiu do céu. A terra pareceu se contorcer para te segurar, mas eu achei que iria morrer, na verdade a queda deveria mesmo ter te matado.  

Continuamos andando e vez por outra Calypso me mostrava algo que considerava interessante. Nos bosques sobre a caverna cresciam cedros, junípeiros, amieiros, álamos e ciprestes, onde falcões, corujas e gralhas faziam seus ninhos. Havia quatro nascentes e, nos campos à volta, cresciam violetas, rosas e outras flores que eu sequer sabia como se chamavam.

Tudo bem, o lugar era bonito e Calypso era boa companhia, mas mesmo assim sentia que havia algo errado. As noites e os dias mudavam de forma diferente aqui, sem que ao menos me desse conta disso. Eu me sentia cansado constantemente e me ocupava em observar Caplyso, não falávamos muito, mas mesmo assim era bom. Certa noite, sozinho na praia, vi um tipo de luz baixar na areia.

- Você é inacreditável – Disse uma voz masculina.

Olhei para o lado e onde a luz tinha baixado havia um homem. Já o conhecia e posso dizer que não fiquei exatamente feliz por vê-lo.

- Apolo – Falei sem vontade.

Ele sentou-se ao meu lado sem qualquer convite. Pediu a um dos criados invisíveis de Calypso para servir vinho a ele.

- E então?

- E então o que? – Ele me olhou rindo, bebendo seu vinho lentamente.

- O que faz aqui?

- Ah isso. Vim ver porque está demorando em tomar sua decisão, obviamente.

O deus lançou a taça já vazia na areia e olhou para mim com uma cara de poucos amigos.

- Que decisão? – Perguntei confuso.

- Como que decisão? A ninfa não lhe pediu para ficar? Quantos meses mais pretende ficar sem responder?

- Espere, meses? Calypso não me pediu nada.

- Oh, acho que ela finalmente aprendeu como se faz. Sim, se ela não perguntar o tempo vai passar e o herói nem vai saber o que atingiu. Garota esperta.

Comecei a pensar em tudo o que aconteceu desde que cheguei aqui. O modo como Calypso me tratava, como ela era retratada nas histórias, o que fazia com os homens. Então me lembrei do dia em que enfrentei o gigante, quando saia de Jacksonville e sentia uma luz me cegar. Uma luz como raios de sol.

- Você me trouxe aqui! – Acusei, colocando-me em pé.

- Bingo! – Ele riu.

- E ao menos há um motivo?

Sentia minhas mãos tremerem, e se eu tivesse com minha espada teria enfiado-a no pescoço do deus.

- Aquilo que nós dois amamos é o motivo, ora essa – Apolo revirou os olhos – Francamente garoto, deixe-a em paz. Não a persiga, não estrague tudo. Fique aqui, Calypso vai servir. Ela é bonita, uma boa companheira. Esqueça a Lyra, o destino dela já estava traçado antes mesmo de ela nascer.

- Não pode me pedir isso – Falei entre dentes.

- Ótimo, então Hermes fará o favor de matá-lo por mim.

Apolo deu um sorriso tipo de comercial de creme dental e levantou-se, tirando areia de sua roupa.

- A propósito, você não vai sair daqui, então trate de se acostumar. Espero que sua eternidade seja satisfatória.

O deus sorriu outra vez e desapareceu no ar, na mesma hora que Calypso chegou à praia.

- O que Lorde Apolo queria?

- Veio me contar o planinho de vocês. Espero que esteja preparada para passar a eternidade comigo – Falei áspero, lançando a ela um olhar frio e sentando-me no chão novamente.

- Eu... Eu não queria fazer parte disso, mas você é exatamente o tipo de herói por quem eu me apaixonaria e...

- E Apolo te disse por que queria fazer isso?

- Porque não queria mais me ver sozinha – Respondeu ela, enchendo-se de coragem.

- Porque eu estou apaixonado pela filha dele. Eu a amo e por isso ele não me quer por perto. Essa é a verdade.

Vi uma lágrima escorrer pelo rosto da ninfa e ela correu para dentro da caverna. Passei a noite na praia e no outro dia Calypso simplesmente me evitou. E foi assim pelos próximos dias que se seguiram.

Começava a pensar que realmente teria que passar a eternidade ali, com Calypso me ignorando, quando em uma tarde, exatamente no por do sol, Calypso veio até mim.

- Pode me perdoar? – Perguntou com a voz baixa.

- Acho que não há o que perdoar. Eu até entendo você.

- Ótimo, porque eu realmente...

Ela parou de falar, aproximando-se de mim, pronta para iniciar um beijo, quando uma voz realmente irritada gritou de perto do bosque.

- É melhor se afastar dele – Disse uma belíssima jovem – Oh, eu sabia, eu... Ai! Que os deuses me ajudem quando eu encontrá-lo papai, vamos ter uma séria conversa.

A garota usava óculos de sol, jeans justos e uma jaqueta, parecendo uma super modelo. Seus cabelos dourados voavam soltos atrás de si.

- Ei, disse para se afastar – Falou outra vez. Olhei para Calypso e a vi sorrir.

- Sabia que ia funcionar - Disse a ninfa.

- Escolheu a hora errada! – Disse a loira, apontando para a ninfa – O por do sol? Sério? E totalmente a minha hora, você deveria saber.

- Eu sei, deusa.

Calypso me soltou, sorrindo timidamente. A jovem loira me estudou, tirando seus óculos de sol, deixando-me ver aqueles olhos azuis que eu tanto sonhava.

- Sinto por isso, Nico – Ela sorriu – Meu pai é um pouquinho dado a reações exageradas.

Respondi algo inteligente como “tudo bem”, ainda olhando-a nos olhos.

- Não quer mesmo ficar aqui, quer? Não sente falta da civilização?

Lyra olhou para os lados, fazendo um gesto amplo com as mãos.

- Na verdade, não é de todo ruim – Falei, livrando-me do choque momentâneo de sua chegada.

- Você deve estar brincando – A deusa revirou os olhos – Mas bem, se quiser ficar, não farei objeção, obviamente.

Algo me dizia que ela faria, mas decidi não comentar. Olhei para Calypso, não acreditando no que acontecia.

- Foi você, não foi? – Falei só para que ela ouvisse.  

- Sei que ela pode ver tudo ao por do sol, é a hora do fim, sua especialidade.

A ninfa sorriu, me empurrando para perto de Lyra.

- Vá herói, é o que você realmente quer.

Eu não tinha mais tanta certeza, mas parecia o melhor a fazer. Lyra me estendeu a mão, enquanto outra vez as lagrimas tomavam o rosto de Calypso, uma visão realmente perturbadora.

- Não quero parecer rude, mas não tenho o dia todo – Lyra falou.

- Você ainda irá encontrar alguém que a ame de verdade – Assegurei a Calypso – Alguém ficará por você.

Ela acenou em despedida e eu mergulhei na escuridão junto de Lyra, ainda encantado com sua cena de ciúme.


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